Manaós, Manáos e Manaus.
A
forma como se escreveu o nome da cidade de Manaus ao longo do tempo é
uma questão que desperta o interesse de vários pesquisadores,
sobretudo dos linguistas e historiadores. Sabe-se que variou poucas
vezes, pelo menos três conhecidas (Manaós, Manáos e Manaus), as
quais serão aqui esmiuçadas na tentativa se compreender suas
origens e usos.
A
velha Barra do Rio Negro mudou de nome em 1856, conforme ficou
estabelecido pela Lei N° 68, de 04 de setembro daquele ano, de
autoria do deputado paraense João Ignácio Rodrigues do Carmo, que
lhe conferiu o nome de Cidade de Manáos, nome pela qual a conhecemos
(sem acento agudo e com u no lugar de o). Antes disso, foi Lugar,
Vila de Manáos e Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do
Rio Negro. No Dicionário Topográfico, Histórico, Descritivo da
Comarca do Alto Amazonas, do etnógrafo baiano Lourenço da Silva
Araújo Amazonas, publicado em 1852, existem três verbetes Manáos.
O primeiro diz respeito à
“Nac. Ind. da Guian., no Rio Negro e seus confluentes,
entre os Uarirá e Xiuará. De sua importância honra-se com seu nome
a Cidade capital do Alto-Amazonas. Foi nação preponderante no Rio
Negro” (AMAZONAS, 1852,
p. 187). Os
outros dois se referem ao Igarapé de Manáos e à cidade
propriamente dita.
O
Juiz Municipal e de Direito Octaviano Mello fez um estudo mais
aprofundado sobre as origens do nome da cidade. O
pesquisador amazonense localiza
duas vertentes: A primeira, a de Lourenço Araújo da Silva Amazonas,
de que ele é uma homenagem
à tribo dos Manau, índios bravios do Rio Negro; e a segunda, de que
a cidade lendária de Manôa, capital do El
Dorado, seria a origem etimológica da
palavra Manaus.
Octaviano
vai em outra direção, afirmando que o nome da cidade teria
surgido com a vinda de índios fugidos
da
América
Espanhola ou
mesmo por influência dos conquistadores, ambos sobrepujando a nação
dos Aruaqui:
“As
tribos dos Taláue, Mochica, Moquihuáia, e Chango, habitantes da
cosia do Pacífico, no Peru, chamavam "Munous"
aos
sepulcros que não iam além de um montículo, à semelhança de uma
sepultura recente, nos nossos atuais cemitérios”.
O
pesquisador continua, questionando se
“Com
os exploradores ou com os Mura ou antes mesmo destes, por intermédio
de ameríndios fugitivos das terras incaicas, atravessando os Andes,
também não teria vindo o nome munaus
para
ser transmitido à brava nação indígena e ao local da necrópole
dos Aruáqui, onde só munaus
existiam?”
(MELLO,
1967, p. 34-35).
Para
o autor as palavras Munau e Manoa, em suas raízes indígenas, são
sinônimos ou talvez a mesma palavra com apenas uma diferença
gráfica. Enquanto Munaus são necrópoles indígenas, Manoa, do
sânscrito para o nheengatu, “no
verbo umanu
ou
simplesmente manu”,
significa
“morrer”
(MELLO,
1967, p. 36). Os
indígenas, conforme Octaviano Mello, raramente
utilizam o ó aberto e o ô fechado, sendo
preferível o u. No entanto, é comum os indianólogos
“[…]
usarem invariavelmente o ô e o ó como se na língua não houvesse o
fonema u:
ôca,
carôca,
manô,
quando na verdade se pronunciam,
uca, caruca,
manu,
traduzidas em, casa,
tarde, morrer.
Por este motivo alterar a grafia de manu,
para manô,
que no grau superlativo escreve-se: Manua
ou
Manôa,
mais que morto, mortíssimo”
(MELLO, 1967. p. 36).
Seguindo
os ensinamentos de Ulisses Penafort, Octaviano
Mello localiza a palavra Manaus, como
originária
do sânscrito, como formas femininas de
Manauh,
Manou, Manu, Mani
,
estas
abreviações hebraicas de Monouchyak
ou Monouchia,
Machiahh
ou Machya,
Machyaka,
“donde
veio a palavra indo-tupi, Houcha,
homem ou gênio nascido de Manou,
Manu ou
Mani,
significando Deus dos índios. Maná-y-iquer
dizer – mulher de Manu, portanto,
Maná, Manacá,
Manau, Manay,
são formas tupi oriundas do radical feminino sânscrito
man, maná”
(MELLO, 1967, p. 37).
Dessa
forma, Octaviano Mello conclui que “o
homem, génio ou deus dos índios é, pelo lado materno, filho de
Manau
nome que no plural — Manaus — foi concedido à capital do Estado
do Amazonas. Manaus, quer dizer: Mãe dos Deuses”
(MELLO, 1967, p. 37). O nome da cidade foi sendo escrito de
diferentes formas, “Manou,
Manáu, Manei, Manaó, Manahó, Manave, Manuá, Monouh, Manôa,
Manáos, Manáus e Manaus”
(MELLO, 1967. p. 37).
A
grafia Manaós, com acentuação tônica no o, lembrando os estudos
de Octaviano Mello, possivelmente é um indício da substituição,
por parte dos indianólogos, do u pelo ó
aberto;
ou mesmo um erro histórico que se propagou, pois existem diversos
estabelecimentos, associações, empresas etc, com esse nome. Pode-se
tomar como exemplo o trabalho publicado em 1940 pelo antropólogo
suíço Alfred Métraux, Los
Indios Manao (MÉTRAUX,
1940). No
entanto, não foi encontrado, em documentos oficiais e periódicos, o
nome da cidade com essa acentuação tônica.
A tribo não era Manaós, mas Manau, nem a
Mãe dos Deuses era
Mano,
mas Manu.
Pelo
Decreto n° 117, publicado no Diário Oficial do Estado do Amazonas,
n° 12.589, de 1937, ficou estabelecida a grafia Manaus,
utilizada até os dias de hoje (DIÁRIO OFICIAL, DECRETO N° 117,
17/03/1937; BRAGA, 2007). Vale lembrar que o próprio Diário Oficial só corrigiu
o cabeçalho de suas publicações dois anos depois, na edição n°
13.192 de 1939 (DIÁRIO OFICIAL, 14/07/1939; BRAGA, 2007). No entanto, é possível
encontrar essa grafia em periódicos locais da segunda metade do
século XIX. João Marcellino Taveira Pau Brazil, proprietário do
jornal A Voz do Amazonas, assinava as matérias escrevendo, na
maioria das vezes, Manaus
ou Manáus, com
a acentuação tônica no a.
(A VOZ DO AMAZONAS, 07/01/1866). Em
1885, por meio do jornal A Província, convidava-se “[…] a
colônia cearense em Manaus […]
para tratar de negocios importantes attinentes a mesma colonia”
(A PROVÍNCIA, 02/07/1885).
Mais
interessante ainda é o fato de que essa grafia, Manaus ou Manáus,
coexistia com a forma escrita Manáos, a mais difundida. Em
um mesmo documento oficial ou periódico é possível encontrá-las.
O Gymnasiano, “orgam dos
alumnos do Gymnasio Amazonense”, trazia em seu primeiro cabeçalho
da edição n°6 de 4 de
fevereiro de 1911, a grafia
Manaus,
enquanto que no segundo cabeçalho, de onde começaria o primeiro
artigo, foi utilizada a grafia Manáos
(O GYMNASIANO,
04/02/1911). Esse padrão se
repetiu entre os anos de 1910 e 1911, sendo a grafia Manáos
empregada nas edições seguintes, de 1921 a 1925 (as que foram
encontradas). Na seção do
jornal literário e recreativo O Papagaio destinada à publicidade,
Braga Almeida & Cia, armazém de ferragens, estava localizado na
Avenida Eduardo Ribeiro, Caixa Postal N° 19, Manaus.
Por sua vez, a tabacaria Casa Moderna estava localizada na rua
Henrique Antony, N° 1, Manáos
(O PAPAGAIO, 13/08/1899). Na
Mensagem do Vice-Governador José Cardoso Ramalho Júnior, de 10 de
julho de 1898, na parte em que era discutida a encampação da luz
elétrica, escreveu-se que “pela lei n° 205 de 16 de
fevereiro do corrente anno, achou-se autorisado o Governo á encampar
a empreza de illuminação electrica de Manaus e,
por acto de 26 de abril, firmou contracto com a Manáos
Electric Ligthing Company”
(MENSAGEM do Exmo. Sr. José
Cardoso Ramalho Júnior, Vice-Governador do Estado, Lida perante o
Congresso dos Representantes, por occasião da abertura da primeira
sessão ordinaria da terceira legislatura, em 10/07/1898, p. 11).
Ainda
que essas duas formas escritas, como pôde ser visto nos exemplos
acima, tenham coexistido, Manáos ou Manaos foi a forma predominante,
com ou sem acentuação tônica, largamente utilizada em jornais,
documentos oficiais, estabelecimentos
comerciais, livros, revistas,
cartões-postais, cartas,
etc. No fim, entre 1937-39 e,
com maior ênfase, com a Reforma Ortográfica de 1943 (que,
dentre outras coisas, eliminou os étimos latinos e gregos ch, th,
ph, xh, mm, nn; bem como os por us), a grafia
Manaus
(com u) tornou-se oficial, talvez por influências nacionalistas, um
retorno às origens indígenas dos habitantes da cidade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
AMAZONAS,
Lourenço da Silva Araújo. Dicionário
Topográfico,
Histórico, Descritivo da Comarca do Alto Amazonas.
Recife:
Typographia Commercial de Meira Henriques, 1852. (Biblioteca
Arthur Reis).
BRAGA, Robério dos Santos Pereira. O nome "Manaus". Blog do Rocha, 21/02/2007.
MELLO,
Octaviano. Topônimos
Amazonenses: Nomes das cidades amazonenses, sua origem e
significação.
Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, 1967.
MÉTRAUX,
A. Los
Indios Manaos.
Anales del Instituto de Etnografia Americana de La Universidad
Nacional de Cuyo, tomo I, 1940, p. 235-244.
FONTES:
Diário
Oficial do Estado, n° 12.589, 17/03/1937.
Diário
Oficial do Estado, n° 13.192, 14/07/1939.
A
Voz do Amazonas, 07/01/1866.
A
Província, 02/07/1885.
O
Gymnasiano, 04/02/1911.
O
Papagaio, 13/08/1899.
MENSAGEM
do Exmo. Sr. José Cardoso Ramalho Júnior, Vice-Governador do
Estado, Lida perante o Congresso dos Representantes, por occasião da
abertura da primeira sessão ordinaria da terceira legislatura, em
10/07/1898.
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