sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Manaós, Manáos e Manaus: Como se escreveu o nome da cidade ao longo do tempo

Manaós, Manáos e Manaus.

A forma como se escreveu o nome da cidade de Manaus ao longo do tempo é uma questão que desperta o interesse de vários pesquisadores, sobretudo dos linguistas e historiadores. Sabe-se que variou poucas vezes, pelo menos três conhecidas (Manaós, Manáos e Manaus), as quais serão aqui esmiuçadas na tentativa se compreender suas origens e usos.

A velha Barra do Rio Negro mudou de nome em 1856, conforme ficou estabelecido pela Lei N° 68, de 04 de setembro daquele ano, de autoria do deputado paraense João Ignácio Rodrigues do Carmo, que lhe conferiu o nome de Cidade de Manáos, nome pela qual a conhecemos (sem acento agudo e com u no lugar de o). Antes disso, foi Lugar, Vila de Manáos e Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro. No Dicionário Topográfico, Histórico, Descritivo da Comarca do Alto Amazonas, do etnógrafo baiano Lourenço da Silva Araújo Amazonas, publicado em 1852, existem três verbetes Manáos. O primeiro diz respeito à “Nac. Ind. da Guian., no Rio Negro e seus confluentes, entre os Uarirá e Xiuará. De sua importância honra-se com seu nome a Cidade capital do Alto-Amazonas. Foi nação preponderante no Rio Negro” (AMAZONAS, 1852, p. 187). Os outros dois se referem ao Igarapé de Manáos e à cidade propriamente dita.

O Juiz Municipal e de Direito Octaviano Mello fez um estudo mais aprofundado sobre as origens do nome da cidade. O pesquisador amazonense localiza duas vertentes: A primeira, a de Lourenço Araújo da Silva Amazonas, de que ele é uma homenagem à tribo dos Manau, índios bravios do Rio Negro; e a segunda, de que a cidade lendária de Manôa, capital do El Dorado, seria a origem etimológica da palavra Manaus. Octaviano vai em outra direção, afirmando que o nome da cidade teria surgido com a vinda de índios fugidos da América Espanhola ou mesmo por influência dos conquistadores, ambos sobrepujando a nação dos Aruaqui: As tribos dos Taláue, Mochica, Moquihuáia, e Chango, habitantes da cosia do Pacífico, no Peru, chamavam "Munous" aos sepulcros que não iam além de um montículo, à semelhança de uma sepultura recente, nos nossos atuais cemitérios”. O pesquisador continua, questionando se

Com os exploradores ou com os Mura ou antes mesmo destes, por intermédio de ameríndios fugitivos das terras incaicas, atravessando os Andes, também não teria vindo o nome munaus para ser transmitido à brava nação indígena e ao local da necrópole dos Aruáqui, onde só munaus existiam?” (MELLO, 1967, p. 34-35).

Para o autor as palavras Munau e Manoa, em suas raízes indígenas, são sinônimos ou talvez a mesma palavra com apenas uma diferença gráfica. Enquanto Munaus são necrópoles indígenas, Manoa, do sânscrito para o nheengatu, “no verbo umanu ou simplesmente manu, significa “morrer(MELLO, 1967, p. 36). Os indígenas, conforme Octaviano Mello, raramente utilizam o ó aberto e o ô fechado, sendo preferível o u. No entanto, é comum os indianólogos

[…] usarem invariavelmente o ô e o ó como se na língua não houvesse o fonema u: ôca, carôca, manô, quando na verdade se pronunciam, uca, caruca, manu, traduzidas em, casa, tarde, morrer. Por este motivo alterar a grafia de manu, para manô, que no grau superlativo escreve-se: Manua ou Manôa, mais que morto, mortíssimo” (MELLO, 1967. p. 36).

Seguindo os ensinamentos de Ulisses Penafort, Octaviano Mello localiza a palavra Manaus, como originária do sânscrito, como formas femininas de Manauh, Manou, Manu, Mani , estas abreviações hebraicas de Monouchyak ou Monouchia, Machiahh ou Machya, Machyaka,

donde veio a palavra indo-tupi, Houcha, homem ou gênio nascido de Manou, Manu ou Mani, significando Deus dos índios. Maná-y-iquer dizer – mulher de Manu, portanto, Maná, Mana, Manau, Manay, são formas tupi oriundas do radical feminino sânscrito man, maná” (MELLO, 1967, p. 37).

Dessa forma, Octaviano Mello conclui que “o homem, génio ou deus dos índios é, pelo lado materno, filho de Manau nome que no plural — Manaus — foi concedido à capital do Estado do Amazonas. Manaus, quer dizer: Mãe dos Deuses” (MELLO, 1967, p. 37). O nome da cidade foi sendo escrito de diferentes formas, “Manou, Manáu, Manei, Manaó, Manahó, Manave, Manuá, Monouh, Manôa, Manáos, Manáus e Manaus” (MELLO, 1967. p. 37).

A grafia Manaós, com acentuação tônica no o, lembrando os estudos de Octaviano Mello, possivelmente é um indício da substituição, por parte dos indianólogos, do u pelo ó aberto; ou mesmo um erro histórico que se propagou, pois existem diversos estabelecimentos, associações, empresas etc, com esse nome. Pode-se tomar como exemplo o trabalho publicado em 1940 pelo antropólogo suíço Alfred Métraux, Los Indios Manao (MÉTRAUX, 1940). No entanto, não foi encontrado, em documentos oficiais e periódicos, o nome da cidade com essa acentuação tônica. A tribo não era Manaós, mas Manau, nem a Mãe dos Deuses era Mano, mas Manu.

Pelo Decreto n° 117, publicado no Diário Oficial do Estado do Amazonas, n° 12.589, de 1937, ficou estabelecida a grafia Manaus, utilizada até os dias de hoje (DIÁRIO OFICIAL, DECRETO N° 117, 17/03/1937; BRAGA, 2007). Vale lembrar que o próprio Diário Oficial só corrigiu o cabeçalho de suas publicações dois anos depois, na edição n° 13.192 de 1939 (DIÁRIO OFICIAL, 14/07/1939; BRAGA, 2007). No entanto, é possível encontrar essa grafia em periódicos locais da segunda metade do século XIX. João Marcellino Taveira Pau Brazil, proprietário do jornal A Voz do Amazonas, assinava as matérias escrevendo, na maioria das vezes, Manaus ou Manáus, com a acentuação tônica no a. (A VOZ DO AMAZONAS, 07/01/1866). Em 1885, por meio do jornal A Província, convidava-se “[…] a colônia cearense em Manaus […] para tratar de negocios importantes attinentes a mesma colonia” (A PROVÍNCIA, 02/07/1885).

Mais interessante ainda é o fato de que essa grafia, Manaus ou Manáus, coexistia com a forma escrita Manáos, a mais difundida. Em um mesmo documento oficial ou periódico é possível encontrá-las. O Gymnasiano, “orgam dos alumnos do Gymnasio Amazonense”, trazia em seu primeiro cabeçalho da edição n°6 de 4 de fevereiro de 1911, a grafia Manaus, enquanto que no segundo cabeçalho, de onde começaria o primeiro artigo, foi utilizada a grafia Manáos (O GYMNASIANO, 04/02/1911). Esse padrão se repetiu entre os anos de 1910 e 1911, sendo a grafia Manáos empregada nas edições seguintes, de 1921 a 1925 (as que foram encontradas). Na seção do jornal literário e recreativo O Papagaio destinada à publicidade, Braga Almeida & Cia, armazém de ferragens, estava localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, Caixa Postal N° 19, Manaus. Por sua vez, a tabacaria Casa Moderna estava localizada na rua Henrique Antony, N° 1, Manáos (O PAPAGAIO, 13/08/1899). Na Mensagem do Vice-Governador José Cardoso Ramalho Júnior, de 10 de julho de 1898, na parte em que era discutida a encampação da luz elétrica, escreveu-se que “pela lei n° 205 de 16 de fevereiro do corrente anno, achou-se autorisado o Governo á encampar a empreza de illuminação electrica de Manaus e, por acto de 26 de abril, firmou contracto com a Manáos Electric Ligthing Company” (MENSAGEM do Exmo. Sr. José Cardoso Ramalho Júnior, Vice-Governador do Estado, Lida perante o Congresso dos Representantes, por occasião da abertura da primeira sessão ordinaria da terceira legislatura, em 10/07/1898, p. 11).

Ainda que essas duas formas escritas, como pôde ser visto nos exemplos acima, tenham coexistido, Manáos ou Manaos foi a forma predominante, com ou sem acentuação tônica, largamente utilizada em jornais, documentos oficiais, estabelecimentos comerciais, livros, revistas, cartões-postais, cartas, etc. No fim, entre 1937-39 e, com maior ênfase, com a Reforma Ortográfica de 1943 (que, dentre outras coisas, eliminou os étimos latinos e gregos ch, th, ph, xh, mm, nn; bem como os por us), a grafia Manaus (com u) tornou-se oficial, talvez por influências nacionalistas, um retorno às origens indígenas dos habitantes da cidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMAZONAS, Lourenço da Silva Araújo. Dicionário Topográfico, Histórico, Descritivo da Comarca do Alto Amazonas. Recife: Typographia Commercial de Meira Henriques, 1852. (Biblioteca Arthur Reis).

BRAGA, Robério dos Santos Pereira. O nome "Manaus". Blog do Rocha, 21/02/2007.


MELLO, Octaviano. Topônimos Amazonenses: Nomes das cidades amazonenses, sua origem e significação. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, 1967.

MÉTRAUX, A. Los Indios Manaos. Anales del Instituto de Etnografia Americana de La Universidad Nacional de Cuyo, tomo I, 1940, p. 235-244.

FONTES:

Diário Oficial do Estado, n° 12.589, 17/03/1937.

Diário Oficial do Estado, n° 13.192, 14/07/1939.

A Voz do Amazonas, 07/01/1866.

A Província, 02/07/1885.

O Gymnasiano, 04/02/1911.

O Papagaio, 13/08/1899.

MENSAGEM do Exmo. Sr. José Cardoso Ramalho Júnior, Vice-Governador do Estado, Lida perante o Congresso dos Representantes, por occasião da abertura da primeira sessão ordinaria da terceira legislatura, em 10/07/1898.

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