quinta-feira, 17 de março de 2016

Breve História do bairro de Adrianópolis

Por Roberto Mendonça

Cartão postal  Bairro de Adrianópolis, da empresa A Favorita, dos anos 1950-60.

Na manhã do primeiro dia de 1912 ocorre a inauguração da Vila Municipal, cujo projeto urbanístico, ideado pelo prefeito Arthur César Moreira de Araújo, fora aprovado pela Lei (Municipal) n°. 218, de 30 de maio de 1901. Aprova o ato do superintendente no que diz respeito à Vila Municipal, bem como o projeto apresentado. Autoriza a aforar os terrenos municipais no bairro do Mocó. Estabelecer o foro e demais despesas a cobrar-se. No decurso da festividade, é celebrada uma missa comemorativa por monsenhor Fonseca Coutinho, vice-governador, na Praça Silvério Nery, hoje de Nossa Senhora de Nazaré. Bem que este bairro foi projetado para abrigar a elite citadina. Levou algum tempo, mas alcançou a aspiração de seu idealizador. Nas décadas 1970-80, o bairro já identificado por Adrianópolis, serviu de referência para as melhores residências.

Como assegura a norma legal, o projeto pertence ao prefeito Arthur Araújo, tenente engenheiro militar, que desembarcou na Metrópole da Borracha no final do século XIX, em 1896, posto à disposição do governador Fileto Pires (também tenente do Exército), para comandar o 2° Batalhão do Regimento Militar do Estado, a PMAM de nossos dias.

Por ocasião da Campanha de Canudos (1897), assistiu ao colega Cândido Mariano seguir no comando da tropa amazonense contra Antonio "Conselheiro", e, diante do impedimento do capitão Cordeiro Júnior, teve a oportunidade de comandar o Regimento. Arthur demitiu-se do Exército, para melhor exercer diversas funções públicas no Estado. Dessa maneira, esteve à frente da Municipalidade manauara entre 1898 e janeiro de 1902, sucedido pelo coronel Adolpho Lisboa, a quem a Vila Municipal deve em sua fase de implantação uma compreensível dedicação.

A Vila Municipal foi instalada em terras do patrimônio municipal situadas no denominado bairro do Mocó (em referência ao Reservatório) ou de São João (em homenagem ao orago do cemitério). O terreno de cerca de 431.148 m² havia sido adquirido pelo governo ao capitão-de-mar-e-guerra Nuno Alves Pereira de Mello Cardoso, e se destinava à construção de uma penitenciária, a mesma que resultou edificada na avenida Sete de Setembro. O terreno então foi cedido pelo governador Silvério Nery (mais um tenente que optou pela vida civil), autorizado pelo Decreto n°. 520, de 26 de setembro de 1901. A expansão da Vila Municipal ainda recebeu um acréscimo de terrenos, comprados a João Miguel Ribas (mais outro oficial, este se converteu em negociante).

O esforço urbanístico do governo em benefício da capital parecia ter se esgotado com Eduardo Ribeiro. Manaus limitava-se ao Norte pelo Boulevard Amazonas (agora de Álvaro Maia) e o Cemitério de São João Batista. A instalação da Vila Municipal visava expandir a cidade, convertendo aquele "espaço ermo e despovoado em um logradouro", aprazível, dotado de moradias de elevado conforto e de bela aparência, e mais, dotado de infra-estrutura básica adequada à Belle Époque manauara. Nesse sentido, a Lei n°. 239, de 30 de novembro de 1901, regula a construção das residências. O obstáculo crucial, porém, constituía-se em atrair para acolá residentes endinheirados, para superá-lo, primeiramente foram realizados o arruamento e o traçado das ruas pelo engenheiro Lo Gonçalves Bastos Neto, secundado pelo colega Antônio Paiva e Melo. Seguidamente, por deliberação da Lei n°. 243, de 12 de dezembro de 1901, foram nomeadas as ruas e avenidas, todas homenageando capitais nordestinas.

A Vila Municipal prossegue recebendo incentivo dos poderes constituídos. Na data de sua inauguração, o prefeito Artur Araújo dirige a solenidade "de colocação da primeira pedra da fundação da Escola Municipal, que se realizou no lote n.°28, reservado à Municipalidade". Como não prosperou a aludida construção, o lote de terras escolhido, com área de 1.563 m² e situado no Boulevard Amazonas, "foi aforado em 6 de março de 1907" a Antônio José da Silva Júnior. Somente na noite de 2 de julho de 1921, o prefeito Franco de Sá inaugura à rua Maceió, a Escola desse bairro estabelecida pela Lei n.° 1072, de 28 de março do mesmo ano.

A despeito de tantos estímulos governamentais, uma única residência no estilo foi construída, curiosamente a de Adolpho Lisboa. Em terreno de 5.000 m², à rua São Luís, quando este exercia seu terceiro mandato à frente da Prefeitura (1905-07). Ao contrário do que relata seu contemporâneo, o mestre Bittencourt (Dicionário, 1973), o chalet mandado edificar pelo coronel Lisboa não foi titulado de Zulmira, muito menos este fora o nome de sua esposa (Laura) ou concubina. O edifício (ou Castelinho), que ainda se conserva, teve a denominação de Vila Alcida em homenagem, sim, a filha do alcaide.

Estimo que este edifício foi construído em 1906. Diversas são as razões, mas duas se destacam. O interesse desse alcaide em "melhorar a rua São Luís com a construção de passeios laterais e preparo do leito para receber calçamento", consoante vulgariza a Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município (1922). O outro argumento fundamenta-se no número de edificações, em Manaus, utilizando ferro fundido como alicerces e ornamentos. Esta matéria-prima, com seus modelos espalhados pelo mundo, sinalizou "na Amazônia da goma elástica o modismo dominado pelos ingleses". Ainda com maior visibilidade, é desse período, o edifício da Biblioteca Pública; o gradil e as entradas do Cemitério de São João Batista, e o corpo principal do Mercado Público, cujos alicerces de ferro fundido foram fabricados pela empresa Walter MacFarlane, de Glasgow (Escócia).

Foi nesse período que Adolpho Lisboa se empenhou na implantação do bairro. Promove o aforamento da área, dando prioridade aos lotes da rua Belém e do Boulevard Amazonas. Consulta ao Livro n.° 2 de Aforamento (1906-1924) da Prefeitura Municipal de Manaus (PMM), permite viabilizar um panorama dos aforamentos. Alguns lotes concedidos a privilegiados denotam a influência das amizades, das camaradagens que perpassam esse tipo de empreendimento público. Em 1907, Adolpho Lisboa deixa a gestão da Municipalidade, da cidade de Manaus, mas deixa igualmente questões, pessoais em julgamento pelo Judiciário.

Mas a Vila Municipal não perdeu seu ímpeto. Nenhum prefeito pós-Lisboa deixou de conceder aforamento no bairro, ou impediu o avanço dos recursos da modernidade, como a instalação de água, de luz elétrica, da linha de bondes e do Prado Amazonense. Ao contrário, em 1909, a praça situada em frente ao Reservatório do Mocó recebe a denominação de Praça Chile, mediante a Lei n.° 547, de 22 de maio. Em 1920, o prefeito Basílio Torreão Franco de Sá faz colocar duas placas comemorativas na praça, com as armas e o nome daquela República, as quais sumiram com o desfiguramento desse logradouro.

Também se preocupou o prefeito Jorge de Moraes, médico conceituado. No final da tarde de 14 de outubro de 1911, presente o governador, coronel Antônio Bittencourt, de outras autoridades civis e militares "e de grande massa popular reunida na Praça Chile", o prefeito "declara inaugurada a iluminação elétrica da Vila Municipal". Outra providência marcante ocorreu em 22 de dezembro de 1911, às vésperas do Natal, quando a empresa The Manáos Tramways & Light Co Limited realiza a inauguração da linha de bondes - Villa Municipal. No ensejo, era governador, Pedro de Alcântara Bacellar (1917-21), e prefeito, Antônio Ayres de Almeida Freitas (1917-19).

Chegou o momento da Igreja ocupar-se do atendimento aos paroquianos. A primeira capela homenageava a São Saturnino (1942), sob a orientação dos frades capuchinhos. Alguns anos depois, os padres dos Pime edificaram a igreja de Nossa Senhora de Nazaré, benzida por dom João da Matta Amaral, bispo do Amazonas, em 11 de julho de 1948. Novos tempos desceram sobre Manaus, a Vila Municipal do alvorecer do século XX havia se expandido, como propugnaram seus idealizadores. Mas quando a edilidade renomeia o bairro para Adrianópolis, em homenagem a um ilustríssimo morador do bairro, o falecido médico Adriano Augusto de Araújo Jorge, certamente sinaliza para uma outra etapa dessa História.


FONTES:

BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Vol. 1 e 2. Manaus: Universidade do Amazonas, 1998.

SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do ferro no Brasil. 2°. ed. São Paulo: Nobel, 1988.

Digesto do Município de Manaus, Tomo II - Leis Orçamentárias (1853-1906). Paris: Livraria Aillaud, 1907.

Relatório da Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município, em 31 de julho de 1922.


Roberto Mendonça, 69, é graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), sócio efetivo do IGHA (Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas) e coronel da reserva da PMAM (Polícia Militar do Amazonas). É autor dos livros Cândido Mariano e Canudos, Administração do Coronel Lisboa, L. Ruas: Itinerário de uma vocação, L. Ruas: Poesia Reunida e Bombeiros do Amazonas: retrospectiva 1876-1998.

6 comentários:

  1. Parabéns pela divulgação de um pouco dá nossa história.

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    1. Muito obrigado, Regina Fernandes. Em breve teremos a História de outros bairros.

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  2. Obrigado, Fábio, pela consideração. Amanhã publico um texto jornalístico sobre o nobre bairro. Agora muito mais de meu interesse, pois passei a residir nele.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Parabéns pelo trabalho. Importante que se escreva nossa história, pouco divulgada!

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