O texto a seguir é de autoria da jornalista e acadêmica de História (UFAM) Betsy Bell. Nele nos é apresentado de forma didática o primeiro episódio de uma série de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, apresentado pelo historiador Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.
Betsy Bell*
Vendedor ambulante na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Manaus. Foto de 1927. Autor: James Dearden Holmes (1873-1937).
Doutor em História Social, o
historiador amazonense Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro estreou o
primeiro episódio de vídeos sobre História Social do Trabalho e
Movimentos Sociais na Amazônia, iniciativa do GT Mundos dos
Trabalho, grupo de estudos da Faculdade de Licenciatura em História,
da Universidade Federal do Amazonas, que lançou o projeto no canal
da plataforma digital YouTube, no último dia 30 de junho.
Com 20 anos de trabalho na
área, Luís Balkar faz um panorama sobre a trajetória de pesquisas
e de obras da história do trabalho no Estado do Amazonas. Na linha
de tempo que ele traça, além de citar autores de obras referendadas
sobre o assunto ou mesmo dissertações, o historiador apresenta uma
análise pertinente sobre os motivos que despertaram o interesse pela
história social do trabalho no Estado desde os anos 1980 e o que se
segue até os dias de hoje.
Foi uma pena - contudo
compreensível, pois poderia ser confundido com presunção -, Balkar
excluir da palestra online referência às suas próprias obras sobre
o tema: os livros “Vozes
Operárias: Fontes para a História do proletariado amazonense”
e “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha – Trabalhadores,
lideranças, associações e greves operárias em Manaus
(1880-1930)”, este último uma produção em parceria com a também
Doutora em História Social, a historiadora Maria Luíza Ugarte
Pinheiro.
Mas nada que este texto não
possa pontuar e fazer justiça. Afinal, a obra dos dois – Luís e
Maria Luíza - é um mosaico de várias dissertações que Balkar
cita, inclusive, no vídeo do GT Mundos do Trabalho, mas com uma
condução encantadora dos que não só leem, orientam e acompanham
as pesquisas, mas dominam o tema como poucos. “Mundos do Trabalho
na Cidade da Borracha”, assim como “Vozes Operárias” são tão
cativantes quanto grandes romances literários. Sem o serem. E seus
principais encantos são os trabalhadores, que surgem mais que
personagens da trama, mas como protagonistas da cena.
Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha, de Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro e Maria Luiza Ugarte Pinheiro.
O COMEÇO
Prof. Dr. Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.
De acordo com Luís Balkar
Pinheiro, o final dos anos 1980 teve o cenário perfeito para o
começo das pesquisas sobre a temática da História Social do
Trabalho no Amazonas. No vídeo, ele destaca os fatores. Um deles,
diz respeito ao País estar às voltas com a abertura política,
outro porque explodiam greves e movimentos sociais por todos os lados
e também porque várias pesquisas destacavam, justamente, a referida
inflexão historiográfica.
“No contexto amazonense,
questões importantes também aconteciam como as greves operárias na
Zona Franca de Manaus e a profissionalização da História no
Estado, diante da abertura do curso de História (na Ufam), onde o
currículo direcionava para pesquisa e a própria necessidade da
história escrita pelos locais”, relembra o professor.
Nessa perspectiva tão
positiva para ressaltar o tema trabalho, o historiador revela que
houve ainda uma espécie de simbiose entre as experiências locais e
nacionais, principalmente com os historiadores Victor Leonardi e
Francisco Foot Hardman, autores de “História da Indústria e do
Trabalho no Brasil: das origens aos anos vinte“ (1982) – obra
tida como inovadora naquele momento entre os estudiosos.
Ambos, inclusive, vieram para
o Amazonas diversas vezes e até Leonardi chegou a ser
professor-visitante da Ufam. “Isso tudo foi um espectro de fatores
que causou impulso para pesquisadores da área e que acabou
refletindo nos seus trabalhos”, declara Pinheiro.
A VEZ DOS EXCLUÍDOS
A trajetória, levantada por
Luís Balkar, segue com o relato que destaca o aparecimento da
dissertação de Mestrado, na Pontifícia Universidade Católica
(PUC), que depois virou o livro “A Ilusão Do Fausto: Manaus
(1890-1920)”, de Edinea Mascarenhas Dias.
Não é pra menos. A obra –
que completa 21 anos – repensa mesmo todo o processo de formação
da cidade de Manaus e, segundo Balkar, “renova a abordagem
historiográfica, a partir de uma história social, preocupada com os
excluídos e os marginalizados, com o conflito social, com a
dominação, mas também com a resistência”.
No entanto, apesar da
importância até hoje editorial e histórica da “A Ilusão do
Fausto”, Luís Balkar Pinheiro explica que a questão do trabalho,
na obra, surge de forma periférica e não como protagonista – o
que, realmente, não era o objetivo do livro.
E o surgimento de obras que
evidenciam, de maneira mais direta, a história social do trabalho e
do trabalhador urbano no Amazonas, ocorrerá apenas na década de
1990. Com isso, Balkar menciona tanto “Quando Viver Ameaça a Ordem
Urbana: trabalhadores urbanos em Manaus (1890/1915)”, de Francisca
Deusa Sena da Costa (1997), quanto “A
Cidade Sobre Os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus,
1899-1925”, de Maria Luiza Ugarte Pinheiro.
Trata-se de duas dissertações
de Mestrado em História (PUC-SP) e, ambas, partem do objetivo de
contar a história da cidade de Manaus, mas sob a ótica do trabalho.
Um outro elemento interessante em comum, destacado pela narração de
Balkar, é o fato das duas receberem influências das obras dos
historiadores da Escola Inglesa, como Edward Palmer Thompson e Eric
Hobsbawn – os dois, marxistas. “No
trabalho de Francisca Deusa, que mostra certos cenários da cidade,
os atores centrais são os populares, os povos urbanos e o ponto
forte no estudo é a questão da moradia”, relata Pinheiro.
No entanto, a obra de Maria
Luíza Ugarte, “A cidade sobre os ombros”, é tida como um
trabalho mais totalizado, um marco mesmo, diante do tema História
Social do Trabalho. Isso porque, segundo Balkar, o estudo se debruça
sobre os trabalhadores portuários, os estivadores, e esquematiza
tudo a respeito deles, como cotidiano,
lazer, moradia, alimentação, além de “avançar na questão das
relações de trabalho, com o patronato e, mais importante, no estudo
sistemático sobre os processos de associações e de suas lutas,
mapeando greves operárias”.
ANOS 2000 – UMA ODISSEIA
NO TRABALHO
O adensamento de historiadores
amazonenses interessados na História Social do Trabalho, conta o
historiador Luís Balkar Pinheiro, teve o ano de 2005, uma divisa.
Tudo porque deu-se a montagem do programa de pós-graduação em
História da Ufam, com linha de pesquisa específica para o trabalho
urbano em Manaus e na própria Amazônia.
Tanto que o número de
dissertações e pesquisas, ao longo desses 15 anos, gira em torno de
155 trabalhos, sendo 50 apenas de História Social do Trabalho e 18
específicos sobre a história operária. Nesse contexto, Luís
Balkar salienta algumas pesquisas determinantes à temática como a
de Luciano Ewerton
Teles (“A vida operária em Manaus: imprensa e mundos do trabalho
(1920)”), de 2008; a
de Alba Barbosa Pessoa, “Infância
e Trabalho: Dimensões do Trabalho Infantil na Cidade de Manaus
(1890-1930)”, de 2010, e a de Luciane Dantas de Campos (“Trabalho
e emancipação: um olhar sobre as mulheres de Manaus (1890-1940),
também de 2010.
“Veremos ainda alguns
trabalhos sobre a visão do patronato, de Alexandre Avelino, e greves
operárias, de Moisés Araújo, que envolve greves durante a Grande
Guerra, entre 1914 e 1918, Manaus”, completa Pinheiro.
Os trabalhos e autores
citados são “O patronato
Amazonense e o mundo do trabalho: a Revista da Associação Comercial
e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919)”,
de Alexandre Avelino e “O
grito dos trabalhadores: movimento operário, reivindicações e
greves na Manaus da Grande Guerra (1914-1918)”, de Moisés Dias de
Araújo.
Luís Balkar dá ênfase
ainda, neste período, ao grande número de dissertações, que
passaram a acompanhar categorias profissionais, desde caixeiros,
tipógrafos, carregadores, carvoeiros até condutores de bonde,
carteiros, metalúrgicos e portuários. Para isso, ele cita trabalhos
de Kleber Moura, Dhyene Santos, Sérgio Lima e Cláudia Barros.
São eles, “Caixeiros:
organização e vivências em Manaus (1906-1929)”, Kleber Barboza
de Moura; “Motoristas e Condutores de Bondes em Manaus:
Sociabilidade, Cultura Associativa e Greves (1899-1930)”, de Dhyene
Vieira dos Santos; “Carvoeiros:
trajetória do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus
(1945-1967)”,
de Sergio Lima e “Os
trabalhadores e o Estado Novo em Manaus: uma história
de resistências e conflitos”, de Cláudia
Amélia Barros.
OS VANGUARDISTAS
Para Luís Balkar, as
pesquisas mais recentes sobre o tema História Social do Trabalho no
Amazonas ficaram mais livres do tópico sempre revisitado da expansão
e crise da borracha em Manaus e os recortes foram ampliados, seja
recuando no tempo, falando na província, ou escapando para os anos
1930 até 2015.
“Nesse caso, tenho que citar
o trabalho de Tenner Abreu que estuda a escravidão e mestiçagem na
província entre 1850 até 1889 e
mesmo a importância da orientação de pesquisa do professor Doutor
César Augusto Queirós sobre estudos políticos nos anos 1930 e 1940
e como se relaciona com a emergência do populismo na cidade”, diz
o professor.
Balkar se refere,
respectivamente a “Grêmio da Sociedade”: racialização e
mestiçagem entre os trabalhadores na Província do Amazonas”, de
Tenner Abreu e “Trabalho e cidade em Manaus nos anos 30: o
patronato e as relações de trabalho”, de Jessica Cristine Duarte,
trabalho que está sendo orientado pelo historiador César Augusto
Bubolz Queirós.
Das temáticas mais
contemporâneas, o professor Luís Balkar cita o trabalho de Célia
Santiago sobre a greve dos metalúrgicos de 1985 (“Clandestino
e mobilização nas linhas de montagem: a construção da greve dos
metalúrgicos de 1985, em Manaus”)
e também a de Rafaela Bastos que segue até 2015 (“Entre
memórias: as experiências dos carregadores e carregadoras da Manaus
Moderna e Estação Hidroviária de Manaus - Roadway, 1993-2015”).
Com memória primorosa e
abordagens sensatas, o historiador Luís Balkar encerra a palestra
online ainda com informações surpresas: aconselhamentos sobre a
utilização atual das fontes diferenciadas e questões
a serem superadas na contação dessas histórias. Mas, pra isso, o
leitor terá que assistir ao vídeo, disponível no
https://youtu.be/m5V61HsDm2w.
(*) Betsy Bell é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas e graduanda do 3º período do curso de Licenciatura em História (também Ufam)