Mostrando postagens com marcador convidado. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador convidado. Mostrar todas as postagens

sábado, 19 de novembro de 2022

Uma ilha de histórias - A história por trás da sede do Comando do 9° Distrito Naval

Adriel França*

Ilha de São Vicente, em Manaus. Cartão postal.

A cidade de Manaus é cheia de ruas históricas que guardam as mais diversas histórias que se possam imaginar, mas nenhuma delas é tão fascinante quanto a rua Bernardo Ramos, uma das ruas mais antigas de Manaus, que possuía uma ilha ao final dela, a ilha de São Vicente.

Localizada no final da rua Bernardo Ramos, a ilha de São Vicente já era conhecida pelos primeiros moradores da então Cidade da Barra desde fins do século XVIII, quando o Governador da Capitania Lobo D ́Almada mandou erguer na ilha, um prédio para servir de quartel de milícias, e que assim se seguiu até idos de 1850, quando se fez presente na ilha outra instituição o Hospital Militar, o único da cidade que acabava não só por servir aos militares mas também aos civis. O hospital militar, foi responsável por cuidar das pessoas acometidas pelas diversas epidemias que assolavam Manaus no século XIX.

A incerteza de datas é grande, mas algumas fontes alegam que em 1857 o hospital já se encontrava em condições de funcionamento e por mais de 50 anos o funcionou no mesmo prédio, no qual já havia sofrido algumas alterações em sua estrutura e aparência.

Durante o século XIX só era possível chegar na ilha de S. Vicente por meio de pontes que ligavam a rua com a ilha e por pequenas embarcações que transportavam pessoal e mercadorias, mas, quase próximo a virada do século, o então governador Eduardo Ribeiro, mandou aterrar o igarapé que separa a ilha do continente, tornando-se uma península. Em 1909 o Hospital Militar deixa de funcionar no local, deixando para trás um prédio já histórico, mesmo que para a época, visto que sua fundação remonta aos idos do século XVIII, tornando-se ruínas.

Após algumas concessões do Governo para empresas privadas, a ilha torna-se novamente uma casa militar, passando abrigar o Grupamento de Elementos de Fronteira, nos anos 50, posteriormente servindo de primeira sede do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) em 1966, passando a servir depois de sede para a 29o Circunscrição de Serviço Militar em 1973, e em 1975 a 1o Companhia Especial de transportes do exército. Após tanto tempo servir como casa militar, volta para a iniciativa privada, mas, já como patrimônio histórico tombado do Estado, abrigando a antiga Portobras (Empresa de Portos do Brasil S.A) em 1982, resultado de uma permuta com o Exército, que ficou com a área que a Portobras detinha no bairro da Ponta.

Em substituição a Portobras, assumiu o local a AHIMOC (Administração das Hidrovias da Amazônia Ocidental) que ofereceu o prédio para o então Comando Naval da Amazônia Ocidental (CNAO), que até então localizava-se nas instalações do atual Batalhão dos Fuzileiros no bairro do Mauazinho. Oficializada a troca em agosto de 2001, e alguns meses de trabalho na recuperação do prédio, finalmente em 22 de janeiro de 2004 o prédio torna-se sede do CNAO, sendo este elevado à categoria de Distrito Naval em maio de 2005, mudando mais uma vez de nome, servindo de casa para o Comando do 9° Distrito Naval.

E sob os cuidados da Marinha encontra-se preservado mas fora do olha do público externo, por ser área militar, como sempre foi, pelo visto, São Vicente estará sempre guarnecida.


*Pesquisador, acadêmico de Jornalismo na Faculdade Martha Falcão e membro do Clube Filatélico do Amazonas, onde desempenha a função de Secretário. Colaborar da Web Rádio Censura Livre, Rádio JCAM, de revistas filatélicas e do Centro Cultural dos Povos da Amazônia.

terça-feira, 8 de março de 2022

Os bravos do Paraguai

No presente texto, escrito pelo pesquisador e jornalista Adriel França, conheceremos como se deu a participação do contingente militar do Amazonas na Guerra do Paraguai (1864-1870), o maior conflito armado da História da América do Sul


OS BRAVOS DO PARAGUAI

Por Adriel França*


7° Brigada Brasileira comandada pelo Tenente Cel. Antônio Paranhos. FONTE: L' Illustration, 1866.

No dia 27 de fevereiro de 1865 às 9:30 da manhã, entraram em forma no Largo do Quartel (atual praça D. Pedro II), 339 soldados amazonenses que ali embarcaram rumo à Guerra do Paraguai1. Com o início do conflito, ficou acertado que todas as províncias do então Império do Brasil, iriam contribuir com tropas que deveriam ser remetidas para a Corte, no Rio de Janeiro.

O Império era um Estado unitário, no qual o poder central mandava nas outras esferas menores sem grandes autonomias, ou seja, o que fosse decidido no centro político da nação, valeria para todas as demais partes do território, sendo assim, por decreto imperial de 7 de janeiro de 1865 criou-se o corpo de “Voluntários da Pátria", onde todas as províncias ficavam obrigadas a organizar e enviar os voluntários para a campanha no Paraguai2.

Governava a Província do Amazonas o pernambucano Adolfo de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda (1834-1905)3 que em 3 de fevereiro de 1865, recebia no Palácio do Governo uma carta do Ministro da Guerra, solicitando o envio de tropas para combaterem no sul do Império, prontamente em 7 de fevereiro o presidente publicou o ato n° 9, onde revogou todas as dispensas concedidas às patentes menores concedidas no seu governo e, apelando para o patriotismo dos oficiais para renunciar as suas licenças.

No dia 23 de fevereiro Adolfo de Barros Lacerda dirigiu uma proclamação ao povo amazonense convidando-os para que pudessem auxiliar na defesa da honra e na integridade do Império. Assim disse o presidente: “A vindicta da honra nacional já começou esplêndida e grandiosa, como o reclamam a brutal ofensa que recebemos dos nossos vizinhos do sul [...] todas as províncias do Império acodem ao brado da pátria. Cada brasileiro é um soldado e heróis bravos se reúnem, formando os corpos de voluntários. A centelha que inflama os corações dos nossos irmãos do sul, não está amortecida no Amazonas [...] eia amazonenses, sede fiéis ao nosso augusto soberano.”

No dia seguinte a publicação da proclamação feita pelo presidente, o comandante de armas da província Innocêncio Eustáquio Ferreira d’Araújo baixou a ordem dia n°181 onde dizia: “O coronel comandante de armas da província, em cumprimento às ordens da presidência exaradas no ofício n°57, datado de ontem, determina que os corpos de “Guarnição” e o contingente do 5° batalhão de infantaria em serviço nesta província estejam prontos a seguirem no vapor Tapajós, que no dia 27 do corrente, deve seguir deste porto para a capital do Pará.”

A força militar de 1° linha que aqui se encontrava e que seguirá para Belém do Pará no dia 27 de fevereiro era os seguintes corpos: Corpo de Guarnição; Corpo de Artilharia; contingente do 5° Batalhão de Infantaria e Corpo de Saúde. Com essa força seguiram ainda 4 Voluntários da Pátria e ainda 8 recrutas para a marinha imperial.

No contingente do 5° Batalhão de infantaria continha 101 homens, no Corpo de Guarnição 157, no Corpo de Artilharia 80, e apenas um homem no Corpo de Saúde, totalizando 339 homens que ao raiar do dia 27 entraram em forma no Largo do Quartel, como dito no início. Desde muito cedo a população da pequena cidade de Manaus, já se aglomerava aos arredores do largo, após lidos alguns discursos iniciou-se a marcha heroica dos soldados amazonenses dirigindo-se ao vapor Tapajós ao som da melodia do hino imperial, até então sem letra. O navio levantou suas âncoras e partiu rumo ao conflito.

Muitos amazonenses se destacaram na campanha do Paraguai, e como exemplo temos o italiano naturalizado brasileiro Henrique Antony e por seus atos de bravura em Itapiru foi promovido ao posto de tenente. Seu filho Luiz Antony, também fora promovido por atos de bravura em Itapiru, e por seu destaque sua patente foi a de capitão, foi agraciado com a “Ordem da Rosa” após participar da Batalha de Tuiuti em 24 de maio de 1866, mas morreu devido a complicações acometidas por ferimentos na perna após a tomada de Humaitá ambos sendo homenageados emprestando seus nomes às ruas do centro da cidade de Manaus.

Outro amazonense que tombou em combate foi o jovem parintinense Alferes Joaquim Benjamin da Silva. Foi promovido a tenente após a Batalha de Itapiru. Morreu na Batalha do Sauce em 18 de julho de 1866 vitimado por estilhaços de granada. Foi agraciado com a Ordem de Cristo, mas não recebeu a comenda devido a seu falecimento.

O jovem que perdeu sua vida nesta batalha, chegou em Manaus no dia 22 de abril de 1865, mas não sabia que seu fim estava próximo. E assim foi com mais outros amazonenses que jamais retornaram do campo de batalha. Muitos destes homens também morreram atacados por cólera na triste “Retirada de Laguna” onde 89 homens que formavam uma bateria de artilharia foram vitimados pela doença. Entre 1865 e 1868 foram remetidos entre 1.300 e 1.400 soldados amazonenses para a Guerra do Paraguai.

Quando do fim da guerra em 1° de março de 1870 os amazonenses retornaram para a capital, mas com o número assombroso de apenas 55 soldados, comandados pelo capitão honorário Silvério José Nery. Chegaram em Belém no dia 15 de julho de 1870 onde foram homenageados e desfilaram na Rua do Imperador, saíram em 20 de julho, chegando a Manaus em 25 de julho. O presidente da província achou por bem desfazer o contingente no dia seguinte de sua chegada à capital, acabando assim a saga da contribuição amazonense para aquele que foi o maior conflito armado que já ocorreu na América do Sul.


NOTAS:


1 SOUZA, João Batista de Faria e. O contingente do Amazonas à guerra do Paraguai. Homenagem de J. B. De Faria e Souza ao jubileu do término da guerra com o Paraguai. Manáos: Imprensa Pública, 1920.

2 Jornal do Commercio, 26/02/2021.

3 SOUZA, João Batista de Faria e. Op Cit.


 * Adriel França, 19, é pesquisador e acadêmico de Jornalismo na Faculdade Martha Falcão, exercendo a função de jornalista desde 2020. Possui mais de 30 textos publicados no Jornal do Commercio de Manaus, todos sobre História do Amazonas e com ênfase em ensaios históricos e biográficos. Colecionador de selos, é membro do Clube Filatélico do Amazonas e seu atual Secretário. Colaborador da Web Rádio Censura Livre, Rádio JCAM, de revistas filatélicas e do Centro Cultural dos Povos da Amazônia.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Lançamento: 'Práticas e Experiências de Ensino de História na Amazônia', de Eduardo Gomes da Silva Filho e Marcos Paulo Mendes Araújo


Será lançado, no dia 07 de maio (sexta-feira), o livro 'Práticas e Experiências de Ensino de História na Amazônia', organizado pelos professores Eduardo Gomes da Silva Filho e Marcos Paulo Mendes Araújo.

Nesse trabalho, que reúne artigos de professores das redes públicas de ensino dos Estados do Amazonas e Roraima, os organizadores buscaram, através de diferentes perspectivas, mostrar como os professores de História podem ajudar os discentes a desenvolver reflexões críticas sobre a sociedade, dialogando com diferentes perspectivas.

"E como os professores de história podem ajudar no sentido de formar pessoas que possam reunir esses aspectos?" Questiona o Professor Marcos Paulo Mendes Araújo. Ele afirma que "é importante que os discentes aprendam a valorizar a diversidade de ideias e diferentes pontos de vista. Aparecerão dificuldades? Sem dúvida! É comum que surjam resistências às mudanças, desvalorização da memória, manutenção de preconceitos, entre outras coisas. Mas isso pode ser superado? Acreditamos que sim! Principalmente com o uso de ações criativas".

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Trajetória das obras que contam a História do Trabalho no Amazonas é apresentada pelo historiador Luís Balkar Pinheiro

O texto a seguir é de autoria da jornalista e acadêmica de História (UFAM) Betsy Bell. Nele nos é apresentado de forma didática o primeiro episódio de uma série de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, apresentado pelo historiador Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.


Betsy Bell*

Vendedor ambulante na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Manaus. Foto de 1927. Autor: James Dearden Holmes (1873-1937).

Doutor em História Social, o historiador amazonense Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro estreou o primeiro episódio de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, iniciativa do GT Mundos dos Trabalho, grupo de estudos da Faculdade de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Amazonas, que lançou o projeto no canal da plataforma digital YouTube, no último dia 30 de junho.

Com 20 anos de trabalho na área, Luís Balkar faz um panorama sobre a trajetória de pesquisas e de obras da história do trabalho no Estado do Amazonas. Na linha de tempo que ele traça, além de citar autores de obras referendadas sobre o assunto ou mesmo dissertações, o historiador apresenta uma análise pertinente sobre os motivos que despertaram o interesse pela história social do trabalho no Estado desde os anos 1980 e o que se segue até os dias de hoje.

Foi uma pena - contudo compreensível, pois poderia ser confundido com presunção -, Balkar excluir da palestra online referência às suas próprias obras sobre o tema: os livros “Vozes Operárias: Fontes para a História do proletariado amazonense” e “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha – Trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930)”, este último uma produção em parceria com a também Doutora em História Social, a historiadora Maria Luíza Ugarte Pinheiro.

Mas nada que este texto não possa pontuar e fazer justiça. Afinal, a obra dos dois – Luís e Maria Luíza - é um mosaico de várias dissertações que Balkar cita, inclusive, no vídeo do GT Mundos do Trabalho, mas com uma condução encantadora dos que não só leem, orientam e acompanham as pesquisas, mas dominam o tema como poucos. “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha”, assim como “Vozes Operárias” são tão cativantes quanto grandes romances literários. Sem o serem. E seus principais encantos são os trabalhadores, que surgem mais que personagens da trama, mas como protagonistas da cena.

Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha, de Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro e Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

O COMEÇO

Prof. Dr. Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.

De acordo com Luís Balkar Pinheiro, o final dos anos 1980 teve o cenário perfeito para o começo das pesquisas sobre a temática da História Social do Trabalho no Amazonas. No vídeo, ele destaca os fatores. Um deles, diz respeito ao País estar às voltas com a abertura política, outro porque explodiam greves e movimentos sociais por todos os lados e também porque várias pesquisas destacavam, justamente, a referida inflexão historiográfica.

“No contexto amazonense, questões importantes também aconteciam como as greves operárias na Zona Franca de Manaus e a profissionalização da História no Estado, diante da abertura do curso de História (na Ufam), onde o currículo direcionava para pesquisa e a própria necessidade da história escrita pelos locais”, relembra o professor.

Nessa perspectiva tão positiva para ressaltar o tema trabalho, o historiador revela que houve ainda uma espécie de simbiose entre as experiências locais e nacionais, principalmente com os historiadores Victor Leonardi e Francisco Foot Hardman, autores de “História da Indústria e do Trabalho no Brasil: das origens aos anos vinte“ (1982) – obra tida como inovadora naquele momento entre os estudiosos.

Ambos, inclusive, vieram para o Amazonas diversas vezes e até Leonardi chegou a ser professor-visitante da Ufam. “Isso tudo foi um espectro de fatores que causou impulso para pesquisadores da área e que acabou refletindo nos seus trabalhos”, declara Pinheiro.


A VEZ DOS EXCLUÍDOS


A trajetória, levantada por Luís Balkar, segue com o relato que destaca o aparecimento da dissertação de Mestrado, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), que depois virou o livro “A Ilusão Do Fausto: Manaus (1890-1920)”, de Edinea Mascarenhas Dias.

Não é pra menos. A obra – que completa 21 anos – repensa mesmo todo o processo de formação da cidade de Manaus e, segundo Balkar, “renova a abordagem historiográfica, a partir de uma história social, preocupada com os excluídos e os marginalizados, com o conflito social, com a dominação, mas também com a resistência”.

No entanto, apesar da importância até hoje editorial e histórica da “A Ilusão do Fausto”, Luís Balkar Pinheiro explica que a questão do trabalho, na obra, surge de forma periférica e não como protagonista – o que, realmente, não era o objetivo do livro.

E o surgimento de obras que evidenciam, de maneira mais direta, a história social do trabalho e do trabalhador urbano no Amazonas, ocorrerá apenas na década de 1990. Com isso, Balkar menciona tanto “Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana: trabalhadores urbanos em Manaus (1890/1915)”, de Francisca Deusa Sena da Costa (1997), quanto “A Cidade Sobre Os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus, 1899-1925”, de Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

Trata-se de duas dissertações de Mestrado em História (PUC-SP) e, ambas, partem do objetivo de contar a história da cidade de Manaus, mas sob a ótica do trabalho. Um outro elemento interessante em comum, destacado pela narração de Balkar, é o fato das duas receberem influências das obras dos historiadores da Escola Inglesa, como Edward Palmer Thompson e Eric Hobsbawn – os dois, marxistas. “No trabalho de Francisca Deusa, que mostra certos cenários da cidade, os atores centrais são os populares, os povos urbanos e o ponto forte no estudo é a questão da moradia”, relata Pinheiro.

No entanto, a obra de Maria Luíza Ugarte, “A cidade sobre os ombros”, é tida como um trabalho mais totalizado, um marco mesmo, diante do tema História Social do Trabalho. Isso porque, segundo Balkar, o estudo se debruça sobre os trabalhadores portuários, os estivadores, e esquematiza tudo a respeito deles, como cotidiano, lazer, moradia, alimentação, além de “avançar na questão das relações de trabalho, com o patronato e, mais importante, no estudo sistemático sobre os processos de associações e de suas lutas, mapeando greves operárias”.


ANOS 2000 – UMA ODISSEIA NO TRABALHO


O adensamento de historiadores amazonenses interessados na História Social do Trabalho, conta o historiador Luís Balkar Pinheiro, teve o ano de 2005, uma divisa. Tudo porque deu-se a montagem do programa de pós-graduação em História da Ufam, com linha de pesquisa específica para o trabalho urbano em Manaus e na própria Amazônia.

Tanto que o número de dissertações e pesquisas, ao longo desses 15 anos, gira em torno de 155 trabalhos, sendo 50 apenas de História Social do Trabalho e 18 específicos sobre a história operária. Nesse contexto, Luís Balkar salienta algumas pesquisas determinantes à temática como a de Luciano Ewerton Teles (“A vida operária em Manaus: imprensa e mundos do trabalho (1920)”), de 2008; a de Alba Barbosa Pessoa, “Infância e Trabalho: Dimensões do Trabalho Infantil na Cidade de Manaus (1890-1930)”, de 2010, e a de Luciane Dantas de Campos (“Trabalho e emancipação: um olhar sobre as mulheres de Manaus (1890-1940), também de 2010.

“Veremos ainda alguns trabalhos sobre a visão do patronato, de Alexandre Avelino, e greves operárias, de Moisés Araújo, que envolve greves durante a Grande Guerra, entre 1914 e 1918, Manaus”, completa Pinheiro. Os trabalhos e autores citados são “O patronato Amazonense e o mundo do trabalho: a Revista da Associação Comercial e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919)”, de Alexandre Avelino e “O grito dos trabalhadores: movimento operário, reivindicações e greves na Manaus da Grande Guerra (1914-1918)”, de Moisés Dias de Araújo.
Luís Balkar dá ênfase ainda, neste período, ao grande número de dissertações, que passaram a acompanhar categorias profissionais, desde caixeiros, tipógrafos, carregadores, carvoeiros até condutores de bonde, carteiros, metalúrgicos e portuários. Para isso, ele cita trabalhos de Kleber Moura, Dhyene Santos, Sérgio Lima e Cláudia Barros.

São eles, “Caixeiros: organização e vivências em Manaus (1906-1929)”, Kleber Barboza de Moura; “Motoristas e Condutores de Bondes em Manaus: Sociabilidade, Cultura Associativa e Greves (1899-1930)”, de Dhyene Vieira dos Santos; “Carvoeiros: trajetória do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus (1945-1967)”, de Sergio Lima e “Os trabalhadores e o Estado Novo em Manaus: uma história de resistências e conflitos”, de Cláudia Amélia Barros.


OS VANGUARDISTAS


Para Luís Balkar, as pesquisas mais recentes sobre o tema História Social do Trabalho no Amazonas ficaram mais livres do tópico sempre revisitado da expansão e crise da borracha em Manaus e os recortes foram ampliados, seja recuando no tempo, falando na província, ou escapando para os anos 1930 até 2015.

“Nesse caso, tenho que citar o trabalho de Tenner Abreu que estuda a escravidão e mestiçagem na província entre 1850 até 1889 e mesmo a importância da orientação de pesquisa do professor Doutor César Augusto Queirós sobre estudos políticos nos anos 1930 e 1940 e como se relaciona com a emergência do populismo na cidade”, diz o professor.

Balkar se refere, respectivamente a “Grêmio da Sociedade”: racialização e mestiçagem entre os trabalhadores na Província do Amazonas”, de Tenner Abreu e “Trabalho e cidade em Manaus nos anos 30: o patronato e as relações de trabalho”, de Jessica Cristine Duarte, trabalho que está sendo orientado pelo historiador César Augusto Bubolz Queirós.

Das temáticas mais contemporâneas, o professor Luís Balkar cita o trabalho de Célia Santiago sobre a greve dos metalúrgicos de 1985 (“Clandestino e mobilização nas linhas de montagem: a construção da greve dos metalúrgicos de 1985, em Manaus”) e também a de Rafaela Bastos que segue até 2015 (“Entre memórias: as experiências dos carregadores e carregadoras da Manaus Moderna e Estação Hidroviária de Manaus - Roadway, 1993-2015”).

Com memória primorosa e abordagens sensatas, o historiador Luís Balkar encerra a palestra online ainda com informações surpresas: aconselhamentos sobre a utilização atual das fontes diferenciadas e questões a serem superadas na contação dessas histórias. Mas, pra isso, o leitor terá que assistir ao vídeo, disponível no https://youtu.be/m5V61HsDm2w.




(*) Betsy Bell é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas e graduanda do 3º período do curso de Licenciatura em História (também Ufam)

sexta-feira, 10 de abril de 2020

A Gripe Espanhola em Manaus (1918-1919)


Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor, escritor e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).

Compartilho novamente meu artigo sobre esse episodio fatídico ocorrido em Manaus em 1918, vitimando um sem número de pessoas, seres humanos que tinham parentes e se amavam ou não, mas que depois da conscientização que só a solidariedade e o amor ao outro podem construir sociedades com dignidade, é que foi possível a debelação da epidemia e a preservação dos vivos. Viva os manauras, viva Manaus, viva os seres humanos, humanos.

A GRIPE ESPANHOLA EM MANAUS

Manchete sobre a Gripe Espanhola em Manaus. FONTE: Jornal do Commercio, 28/10/1918.

A gripe espanhola foi a influenza que se iniciou, provavelmente, nos confins do continente asiático e se propalou pelo mundo a partir da mutação do vírus H1N1, chegando ao Brasil por contágio de marinheiros da Armada brasileira no Senegal, aportando em Manaus, via fluvial, em setembro de 1918. A pandemia levou esse nome em razão de ter sido a imprensa espanhola a primeira a divulgar sua existência, bem como seus perigos e sua letalidade. Durante sua prevalência em todos os lugares que afetou, a gripe matou milhões de pessoas, inclusive no Rio de Janeiro, Recife e Belém.

De acordo com relatos colhidos no livro - História da Medicina e das Doenças no Amazonas, do doutor Antônio José Loureiro, editado em 2004, os primeiros casos da gripe em Manaus foram detectados no início de setembro de 1918, obrigando as autoridades sanitárias a fechar escolas, clubes, suspender diversões e reuniões com muita aglomeração humana. Mesmo a despeito dessas medidas emergenciais, os focos de contaminações se alastraram imediatamente. Em poucos dias a cidade virou um pandemônio, com todas as suas localidades sendo afetadas pela violência da moléstia, cujos sintomas eram: febre alta, dores na fronte e nos músculos, catarro nas vias respiratórias e aéreas, fadiga, sufocamento e morte. Para a infelicidade dos afetados, até aquele momento, não se tinha esperança de cura e nem de profilaxias adequadas para tratar a doença.
Foi criado até um Comitê de Salvação Pública para enfrentar o perigo que ameaçava a população de ter parte de sua gente extinta. Esse órgão encarregou-se de recolher donativos, remédios, roupas e alimentos para distribuir entre os mais necessitados que, em razão das deficiências alimentares, eram as vítimas prediletas do surto malsão. Vários postos de atendimentos desse comitê foram instalados em pontos estratégicos da cidade, sob a supervisão do Exército, por meio do Tiro 10, da Polícia Militar e membros da sociedade civil organizada, que passaram a garantir a segurança dos que podiam ser salvos. A medicação era à base de quinino, da vacina antivariólica, do Allium sativum, da cânfora e do arsênico, todos sem eficácia comprovada, mas era o que se tinha para o tratamento naquele fatídico momento.
Tudo que se fazia não surtia resultados positivos para controlar seus efeitos nocivos e as mortes rapidamente se multiplicaram pelas ruas do centro, dos bairros e nas cercanias. O número de cadáveres era considerável, obrigando as autoridades a requisitar forças militares e voluntários para realizar os sepultamentos dos corpos que entulhavam as estradas e se reconhecia os lugares mais infectados a partir das nuvens de urubus sobrevoando os restos mortais. O bairro da Cachoeirinha, um dos locais mais afetados, se despovoou e os cemitérios ficaram pequenos para tantos expirados, obrigando o poder público a abrir valas comuns em lugares ermos como as margens das Estradas de Flores e do Tarumã, para enterrar os indigentes e mesmo os que eram abandonados pelas famílias, temendo mais contágio.
Calcula-se que mais de 6 mil pessoas ou o equivalente a quase 10% da população de Manaus morreram em consequência do contágio direto dessa gripe, situação que se agravou em função da cidade já viver os primeiros sinais da falência da economia gomífera. Uma situação que é digna de citação, com todos os méritos e louvores nesse episódio, foi à solidariedade do povo, principalmente dos médicos, enfermeiros, membros da Maçonaria e voluntários envolvidos no combate à pestilência perversa, que não se omitiram no chamamento de prestar sua contribuição em mais um momento delicado da cidade, demostrando mais uma vez a altivez, a dignidade e o espírito público dos manauaras.
Não obstante, as atitudes mais recomendadas para a prevenção da doença, incluíam o consumo de limão (que teve seu preço quadruplicando no comércio), uma rigorosa higiene bucal e corporal, além de uma boa alimentação, que funcionavam como as melhores medidas para conter a pandemia maligna. Em janeiro de 1919, a doença já perde força de sua letalidade, sendo paulatinamente extinta do território de Manaus.

domingo, 8 de março de 2020

O gênero das cidades

Desenho de Victoria Katarina. 2019.

Artigo de autoria de Victoria Katarina, acadêmica do 3° período do curso de História na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

O espaço urbano reflete a sociedade. Se as cidades brasileiras possuíssem características sociais como etnia, poder aquisitivo, gênero e orientação sexual, certamente seriam homens brancos de classe média e heterossexuais. Isso por que muitas experiências urbanas são desconsideradas no planejamento citadino, sobretudo as das mulheres. A cidade se faz através de uma lógica masculina, sem a ótica ou participação do gênero feminino em seu planejamento.

Gênero pode ser tido como um conjunto de regras sociais que implica em normas a partir de diferenças biológicas entre homens e mulheres. Como categoria analítica da realidade social se identifica a partir dos espaços onde se constrói: nas ruas, em casa, no mercado de trabalho. O gênero das cidades aqui é algo metafórico. Pois, de acordo com Calió (1), "As estruturas de dominação racial, sexual e de classe afetam explicitamente a cidade, que não é neutra, que exprime relações sociais e reproduz, espacialmente, as divisões da sociedade na forma de segregação, organizando o espaço e o tempo dos indivíduos.".

Assim, as urbes são locais de produção capitalista e de reprodução cultural. Nesse espaço o homem é agente de todas as mudanças geográficas. Ainda que mulheres sejam maioria da população nas cidades brasileiras, é como se não existissem. À mulher fica reservado o privado, o lar. A casa, posto originalmente feminino, não faz parte das relações sociais de poder.

Além disso, segundo o IBGE, em 2010 cerca de 38% dos domicílios tinham mulheres como responsáveis. Ao longo das últimas décadas as mulheres vêm ganhando lugar no mercado de trabalho, ou seja, saíram do privado para o público. Porém, as cidades não acompanharam essa mudança. A mulher enfrenta um urbano que não lhe pertence nem lhe representa.

Isso ocorre porque o planejamento urbano não leva em conta a perspectiva feminina. A precariedade dos serviços públicos, por exemplo, afeta mais às mulheres do que aos homens. As mulheres despendem 73% a mais de horas no cuidado de outras pessoas e afazeres domésticos do que os homens. É a mulher que está em contato direto com serviços de saúde, transporte e educação.

Em virtude disso, essa multidão invisível precisa conseguir ter acesso à cidade, mas não o faz plenamente por receio, para manter sua integridade física e por barreiras atitudinais que se manifestam de diversas formas: pelo assédio no transporte público, pela falta de iluminação das vias públicas, por não poder amamentar em público. O corpo da mulher é regulado a todo momento.

Portanto, para garantir o livre transitar da mulher nos centros urbanos, é preciso que estas participem das decisões que permeiam a cidade. Por outro lado, em 2017 apenas 10,5% dos assentos na câmara dos deputados eram ocupados por mulheres. O feminino não tem acesso ao poder estatal, posto que as relações de poder envolvem elementos culturais, como gênero e etnia.

Enfim, o debate sobre essa “não-representatividade” envolve dimensões políticas, simbólicas e materiais. Além disso, para que se possa, verdadeiramente, garantir um Estado democrático com igualdade para qualquer gênero, as pluralidades devem ser consideradas ao se pensar políticas públicas.


Referências

(1) CALIÓ, S. A. Incorporando a Questão de Gênero nos Estudos e no Planejamento Urbano. In: Anais... 6o ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, 1997. <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal6/Geografiasocioeconomica/Geografiacultural/737.pdf> Acesso em 27/03/2019.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação Demográfica e Socioeconômica, n.38, 2018. <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf> Acesso em 03/04/2019.

LEIVA, Tatiana Rojas. Como 'fazer' cidade considerando as diferenças de gênero? ArchDaily, 2017. <https://www.archdaily.com.br/br/867552/como-fazer-cidade-considerando-as-diferencas-degenero>. Acesso em 02/04/2019.

NABOZNY, Almir. Uma discussão sobre gênero e acesso ao espaço urbano: o paradoxo da participação política cívica e da participação no Estado. Revista de História Regional 11(1): 7-28, Verão, 2006.

TORRÃO FILHO, Amílcar. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam. Cadernos pagu (24), janeiro-junho de 2005, pp.127-152.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Como se fosse hoje, o Guarany

O texto a seguir foi publicado no jornal Amazonas Em Tempo em 06 de agosto de 2002. Nele o pesquisador Ed Lincon nos apresenta de maneira concisa a História do Cine Guarany, cinema histórico localizado no Centro de Manaus, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, que caso ainda existisse, teria completado ontem 81 anos.

COMO SE FOSSE HOJE, O GUARANY

O antigo Cine Guarany, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, no Centro de Manaus. FONTE: Acervo de Ed Lincon.

Quem tem mais de 40 anos sabe que o Cine-Theatro Guarany fez parte da vida de muita gente. Da infância, adolescência, juventude, dos idílios que se concretizavam após o início das sessões, enfim, de uma Manaus mais tranquila, mais culta, mais familiar. Hoje, se estivesse "vivo", o Guarany estaria completando 64 anos de existência. Talvez nem tenha "morrido", já que está na memória de muitos manauenses.

O pesquisador Ed Lincon, profundo conhecedor da história do Cine-Theatro Guarany, conta ao Em Tempo, em um texto limpo e sucinto, como tudo começou. "No dia 6 de agosto de 1938 era inaugurado em Manaus aquele que seria o cinema mais querido e amado por todos, o Cine-Theatro Guarany, antigo Cassino Julieta (1907) e depois Cinema-Theatro Alcazar (1912). O Guarany, conforme o sentimento nacionalista da época, foi pintado de verde e amarelo como a bandeira brasileira, substituindo o vermelho e o verde dos tempos do Alcazar".

Lincon diz que o filme de inauguração foi A Carga da Brigada Ligeira, com Errol Flynn e Olivia de Havilland. O cinema era de propriedade da empresa Cinema Avenida Ltda, de Antônio Lamarão e Adriano Bernardino, que mais tarde se tornaria o verdadeiro proprietário, alterando o nome de empresa para A. Bernardino Ltda. Desde sua inauguração, o Cine Guarany manteve a tradição de comemorar todos os anos no dia 6 de agosto o seu aniversário, tendo como comandante da festa Vasco José de Faria, conhecido pela criançada como "Vovô Vasco".

Conforme Ed Lincon, Vasco Faria era português, da cidade do Porto, e foi morar em Manaus aos 13 anos. Era figura obrigatório na porta do Guarany até sua morte em 15 de agosto de 1969. As festas do Guarany começavam às 9 horas do dia 1° e iam até o dia 6, quando havia sorteio de prêmios, distribuição de bombons, balões, gibis e exibição de filmes ao ar livre numa tela montada em dois postes de ferro, localizados no pavilhão São Jorge, conhecido popularmente como "Café do Pina", quando este se situava em frente ao cinema, no meio da rua.

"Para se fazer a projeção ao ar livre, era realizada uma verdadeira mágica para a época, já que o projetor era fixo; o projecionista do Guarany jogava o foco contra um espelho, que conduzia as imagens em movimento para a tela do lado de fora. Antes das sessões, para a realização dos sorteios dos prêmios, o 'Vovô Vasco' contratava radialistas como Ivens Lima, da Rádio Rio Mar, e Belmiro Vianez, da Rádio Baré", escreve o pesquisador.

A frente do cinema era toda enfeitada com bandeirolas multi-coloridas e havia dois potentes alto-falantes tocando músicas de sucesso da época. Tinha também salva de tiros de foguetes de um "mini-canhão" e fogos de artifícios para abrilhantar a festa. Além de Vasco Faria e Adriano Bernardino, outras pessoas ajudavam a organizar a festa, como o velhinho espanhol Domingos Romero, que era o porteiro e que abria as cortinas da tela; Manoel Farias (bilheteiro), e João Miranda, que confeccionava os cartazes dos filmes na entrada.

"No dia 6 de agosto de 1955, ao comemorar 17 anos de fundação, o Guarany inaugurava a "tela panorâmica", com distribuição de revistas, kibons, petecas, balões e sorteio de uma bola de futebol, três garrafas de Martini e outros artigos. Antes da primeira sessão, a criançada trocava gibis na entrada, comendo doces, esperando ansiosas pelo início da festa. Outras figuras características na porta do Guarany eram o xerife Tom Mix, cujo nome (Orlando Braga) verdadeiro ninguém sabia, e que curtia os filmes de faroeste e se vestia a caráter (chapéu, cartucheiras sem revólveres e estrela no peito), e o cego Jaú, que pedia esmolas. Os dois, mesmo não sendo funcionários, tinham o respeito e a admiração dos frequentadores", comenta.

A programação da festa do Guarany consistia em festival de desenhos pela manhã, filmes de aventura ou bang-bang na sessão da 1 h da tarde, filmes românticos na sessão das 4 h, e à noite, chanchadas ou filmes clássicos de aventura. As festas tinham o patrocínio de empresas como J. G. Araújo, Antônio M. Henriques & Cia,, Braga & Cia Ltda., Casa Canavarro, Drogaria Universal e Central de Ferragens.

O Cine Guarany realizou sua última festa de aniversário em agosto de 1964, após a revolução de março, não sendo mais possível a realização dos sorteios, nem a exibição de filmes ao ar livre, cujos postes ficaram abandonados por longos anos até serem retirados em 1972. Após a morte de Vasco Faria, o Guarany entrou em decadência.

Em 1973, enquanto os outros cinemas de Manaus - Odeon, Popular, Ideal, Palace, Éden, Avenida, Victória e Polytheama - fechavam suas portas, apenas o Guarany e o Ipiranga sobreviveram heroicos ao fantasma da demolição e venda até os anos 80, quando o primeiro foi demolido e o outro foi vendido para uma loja de eletrodomésticos.

"Hoje, no lugar do velho e saudoso Guarany, existe uma 'caixa de concreto' denominada Banco, e apenas na lembrança dos mais velhos ficou retida a imagem de momentos inesquecíveis, como o 'Vovô Vasco' Faria e as festas do Guarany", lamenta Lincon.


Como se fosse hoje, o Guarany. Amazonas Em Tempo, 06/08/2002.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

A Batalha de Itacoatiara (AM,1932)


O texto a seguir é de autoria de Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor, escritor, historiador e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Nele Aguinaldo aborda um episódio pouco conhecido da História do Amazonas: A Batalha de Itacoatiara, ocorrida em 1932. Esse conflito teve como pano de fundo a influência política da Revolução Constitucionalista que ocorrera em São Paulo.


A BATALHA DE ITACOATIARA
Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo


Cais do Porto de Itacoatiara. FONTE: Biblioteca do IBGE.

No dia 24 de agosto de 1932, a cidade de Itacoatiara foi sacudida por uma grande agitação, com a população em polvorosa correndo para se esconder onde podia para escapar das balas que caiam próximas às suas casas. Sem saber o que estava acontecendo, dona Rosa relata que o povo e os poucos soldados da Força Pública, orientados pelo padre Pereira e pelo prefeito, Major Gonzaga Pinheiro, acorriam freneticamente para a beira do rio carregando paneiros de farinha cheios de areia e de farinha mesmo, cujo objetivo era o de erguer uma enorme trincheira para proteger a cidade do iminente bombardeio que seria realizado por navios da Marinha de guerra brasileira, sob o comando de revoltosos vindos do Pará, simpatizantes da Revolução Constitucionalista que havia eclodido em São Paulo nesse ano de 1932, caso não lhes entregassem a rendição da cidade.

Desde o dia 20 de agosto, o comandante do Estado Maior do Exército da guarnição do forte de Óbidos, capitão Otelo Franco aderira aos revoltosos despachando as canhoneiras fluviais Andirá e Jaguaribe com destino a Manaus para tomar a cidade, considerada ponto estratégico para o sucesso do movimento paulista na região Norte. No dia 21, notícias verazes davam conta de que os sediciosos já havia se apoderado de Parintins e estavam se dirigindo rapidamente para a capital amazonense com o mesmo intuito.

A pequena frota, porém, tinha que subir o rio Amazonas e passar pela cidade de Itacoatiara, que dista 360 km de Manaus. A notícia da aproximação do comboio apavorou a Velha Serpa, causando pânico entre os moradores, que saíram em desabalada carreira em busca de refúgio nas matas e locais inóspitos.

Já com seus navios ancorados em frente à cidade, os rebeldes enviam um emissário para terra para negociar a rendição da mesma com seus lideres políticos e recebem destes como resposta uma recusa intransigente. Depois de dois dias de impasses, com o prefeito e o padre protelando a rendição, assim ganhado tempo para que o socorro de Manaus chegasse à área, pois os mesmos enviaram à capital uma mensagem telegráfica comunicando as autoridades as perigosas ocorrências. Os rebeldes dão então um ultimato para que a população abandone a cidade em duas horas, quando então iniciarão o canhoneio.

Ciente dos acontecimentos, o comandante da Flotilha do Amazonas, capitão de fragata Galdeno Pimentel Duarte, enviou as canhoneiras Ingá e Baependi para interceptar os refratários antes que alcancem à capital.

Navegando a todo vapor as belonaves legalistas chegaram por volta de duas horas da tarde do dia 24 de agosto na zona de combate, momentos antes de encerrar o prazo dado pelos revolucionários para bombardear a cidade. Imediatamente os navios tomam posição de ataque, com as cornetas e apitos convocando as tripulações a guarnecer postos de batalha.

Há pouco mais de 200 metros de distância um dos outros os canhões e metralhadoras dos barcos abriram fogo simultaneamente, provocando pavor nos moradores que, segundo dona Rosa, “corriam para se abrigar em qualquer lugar, até mesmo em embaixo das camas para se protegerem dos tiros vindos dos barcos, que passavam próximos as casas”.

Sendo observado com cautela e terror pelos poucos corajosos que ousaram ficar na cidade, o combate já ocorria há pelo menos trinta minutos sem definição de quem estava levando vantagem, com os navios de ambos os lados seriamente avariados. Havia muitos mortos e feridos nos conveses, mas nada detinha a metralha.
No auge da ação, o “Ingá”, aproou como se fosse um aríete, lançando-se sobre o “Jaguaribe”, abrindo um rombo em seu costado e fazendo-o adernar para bombordo e, em poucos minutos, ele foi ao fundo.

O combate prossegue com o Andirá resistindo bravamente, inclusive ameaçando os navios legais com tiros de fuzis e de metralhadoras pesadas, provocando muitas baixas no inimigo. Entretanto, seu destino foi selado quando uma saraivada de tiros de morteiros e de metralhadoras devastou a ponte de comando, deixando-o a deriva na vastidão do rio Amazonas.

Nesse ínterim, o Baependi, o maior e mais bem armado dos vasos, também se arremessa sobre o pequeno Andirá, partindo-o ao meio, levando-o a pique em pouco mais de três minutos, pondo fim a breve “Batalha de Itacoatiara”, que teve quarenta minutos de duração.

Lamentavelmente, num gesto de desatino e insensatez, os tripulantes dos navios vencedores metralharam impiedosamente os sobreviventes, matando-os ainda sob a água, tirando o brilho moral da vitória que acabavam de conquistar.

Foi um momento ímpar na história do Amazonas e da cidade de Itacoatiara, cuja população, depois do susto, regressou as suas casas agradecendo a Deus e a ação imediata das forças navais fiéis ao governo de Getúlio Vargas, por ter evitado mal maior, bem como pelo restabelecimento da ordem, da paz e da normalidade.

Nos anos seguintes à famosa batalha, o que restou dos intrépidos navios jaz em escombros, carcomidos pelas águas e pelo tempo no leito movediço do rio Amazonas, mostrando ainda seus mastros quando das vazantes muito baixas desse rio, como se fosse um monumento pujante a reivindicar seu espaço e sua importância que insiste em ser negado na nossa história. No início do ano de 2014, uma equipe de mergulhadores da marinha, por ordem do almirante Luís Frade Carneiro, comandante do 9º Distrito Naval, atendendo pedidos de autoridades e intelectuais itacoatiarenses, fez uma extensa varredura no provável perito do entrevero e constatou não haver nenhum vestígio das belezas afundadas.

Sobre o episódio, o escritor Anísio Jobim, em seu livro “A Batalha de Itacoatiara”, retrata uma folclórica nota transcrita no jornal “O Jornal”, de Manaus, no dia 26 de setembro de 1932, publicada num periódico da França, em que deixa visível a eterna ignorância que os estrangeiros têm sobre o conhecimento da nossa geografia e história, com as seguintes palavras:

A esquadra brasileira sob o comando do presidente Vargas, bateu, no Oceano Atlântico, a frota revolucionária do almirante Itacoatiara”!

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Memórias do bairro do Aleixo, em Manaus

O texto a seguir, originalmente publicado no Jornal do Comércio em 2008, é de autoria do pesquisador Ed Lincon Barros da Silva. Nele, através de memórias das décadas de 1970 e 1980, Ed Lincon nos apresenta as transformações ocorridas no bairro Aleixo, localizado na zona Centro-Sul de Manaus.

MEMÓRIAS DO BAIRRO DO ALEIXO

Por Ed Lincon Barros da Silva 

Rua São Domingos, 1975. FONTE: Jornal A Crítica, 1975.

Minhas recordações sobre o bairro do Aleixo vem da minha infância na década de 1970. As ruas eram de terra batida, com exceção da principal, conhecida apenas por estrada do Aleixo (atual avenida André Araújo). Esta, em 1974/75, era uma via estreita e de mão dupla, onde muitas vezes mal dava para passar um terceiro veículo. A pavimentação dessa estrada, feita em concreto armado sobre pedra jacaré, tinha início na rua Paraíba (atual Humberto Calderaro), indo próximo ao bar Nacionalino. A parte asfaltada começava daí e terminava onde hoje está o SOS Manaus. O restante, no trecho que vai até a Bola do Coroado, ainda estava sendo terraplanado. O outro lado da avenida, no sentido centro-bairro, não existia. Somente em 1976 é que esta via foi alargada e asfaltada.

Na época, apenas uma empresa de transportes coletivos atendia ao bairro, a Ajuricaba (encampada pela prefeitura em dezembro de 1988), que fazia as seguintes linhas: Coroado, Aleixo, Cachoeirinha; Jardim Paulista, Aleixo, Cachoeirinha; e Belo Horizonte, Aleixo, Cachoeirinha.

No lugar onde hoje está a Secretaria de Fazenda e a praça adjacente, havia várias casas de madeira, demolidas em 75/76 por ordem do prefeito Jorge Teixeira de Oliveira (1975/1979). Vi também o início da construção, em 1976, de vários edifícios públicos existentes atualmente, entre os quais: o Fórum Henoch Reis, abandonado durante muitos anos e concluído em 2002; O TRE e Correio, etc. A rua Belo Horizonte nessa época, era desprovida de asfalto possuindo somente calçadas e meio fio, estando preparada para ser pavimentada.

Vista aérea do Horto Municipal, 1968. FONTE: Arquivo Público Municipal.

A rua Bonsucesso, no trecho que vai da Belo Horizonte até a São Domingos, era praticamente intrafegável. Na parte baixa, havia uma ponte improvisada feita de tronco de buritizeiro sobre um charco que havia ali. Essa mesma rua Bonsucesso, na parte que vai da São Domingos até onde foi construído o conjunto Huascar Angelim, que sequer existia, também podia ser percorrida de carro, apesar das valas existentes. As ruas Santa Claudia, Castro Alves, São Vicente, São Sebastião e Santa Clara também apresentavam os mesmos problemas.

Na rua São Domingos, o mato e o lixo predominavam na sua quase totalidade. Quando as máquinas da prefeitura passavam no local, a poeira tomava conta de tudo. E, após as chuvas era um espetáculo para nós, meninos do bairro, contemplar os carros derrapando em zig-zag para chegar até o topo da ladeira que desemboca na André Araújo e que ainda não havia sido aterrada. O aterro da rua São Domingos só foi realizado em março de 82.

A rua Severiano Nunes não tinha esse nome e era denominada de rua do Curre, também totalmente intrafegável. Na parte baixa dessa rua, corria um igarapé de águas límpidas onde se podia pescar pequenos peixes, como o cará e o cardinal. Canalizado em 85, esse igarapé foi transformado em esgoto de águas pluviais. Na rua José do Patrocínio, hoje denominada de Atagamita (nomenclatura não aceita pelos moradores) ainda passava algum carro.

Asfalto? Somente em outubro de 85. A primeira rua do bairro a ser asfaltada foi a Castro Alves, seguida da José do Patrocínio, São Domingos, Santa Claudia, Bonsucesso, Beco São Domingos, entre outras.

FONTE:
Ed Lincon, especial para o Jornal do Comércio. 24/10/2008

IMAGENS:
Rua São Domingos, 1975. Jornal A Notícia.

Vista aérea do Horto Municipal, 1968. Arquivo Público Municipal. Ambas do acervo particular de Ed Lincon.