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domingo, 8 de março de 2020

O gênero das cidades

Desenho de Victoria Katarina. 2019.

Artigo de autoria de Victoria Katarina, acadêmica do 3° período do curso de História na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

O espaço urbano reflete a sociedade. Se as cidades brasileiras possuíssem características sociais como etnia, poder aquisitivo, gênero e orientação sexual, certamente seriam homens brancos de classe média e heterossexuais. Isso por que muitas experiências urbanas são desconsideradas no planejamento citadino, sobretudo as das mulheres. A cidade se faz através de uma lógica masculina, sem a ótica ou participação do gênero feminino em seu planejamento.

Gênero pode ser tido como um conjunto de regras sociais que implica em normas a partir de diferenças biológicas entre homens e mulheres. Como categoria analítica da realidade social se identifica a partir dos espaços onde se constrói: nas ruas, em casa, no mercado de trabalho. O gênero das cidades aqui é algo metafórico. Pois, de acordo com Calió (1), "As estruturas de dominação racial, sexual e de classe afetam explicitamente a cidade, que não é neutra, que exprime relações sociais e reproduz, espacialmente, as divisões da sociedade na forma de segregação, organizando o espaço e o tempo dos indivíduos.".

Assim, as urbes são locais de produção capitalista e de reprodução cultural. Nesse espaço o homem é agente de todas as mudanças geográficas. Ainda que mulheres sejam maioria da população nas cidades brasileiras, é como se não existissem. À mulher fica reservado o privado, o lar. A casa, posto originalmente feminino, não faz parte das relações sociais de poder.

Além disso, segundo o IBGE, em 2010 cerca de 38% dos domicílios tinham mulheres como responsáveis. Ao longo das últimas décadas as mulheres vêm ganhando lugar no mercado de trabalho, ou seja, saíram do privado para o público. Porém, as cidades não acompanharam essa mudança. A mulher enfrenta um urbano que não lhe pertence nem lhe representa.

Isso ocorre porque o planejamento urbano não leva em conta a perspectiva feminina. A precariedade dos serviços públicos, por exemplo, afeta mais às mulheres do que aos homens. As mulheres despendem 73% a mais de horas no cuidado de outras pessoas e afazeres domésticos do que os homens. É a mulher que está em contato direto com serviços de saúde, transporte e educação.

Em virtude disso, essa multidão invisível precisa conseguir ter acesso à cidade, mas não o faz plenamente por receio, para manter sua integridade física e por barreiras atitudinais que se manifestam de diversas formas: pelo assédio no transporte público, pela falta de iluminação das vias públicas, por não poder amamentar em público. O corpo da mulher é regulado a todo momento.

Portanto, para garantir o livre transitar da mulher nos centros urbanos, é preciso que estas participem das decisões que permeiam a cidade. Por outro lado, em 2017 apenas 10,5% dos assentos na câmara dos deputados eram ocupados por mulheres. O feminino não tem acesso ao poder estatal, posto que as relações de poder envolvem elementos culturais, como gênero e etnia.

Enfim, o debate sobre essa “não-representatividade” envolve dimensões políticas, simbólicas e materiais. Além disso, para que se possa, verdadeiramente, garantir um Estado democrático com igualdade para qualquer gênero, as pluralidades devem ser consideradas ao se pensar políticas públicas.


Referências

(1) CALIÓ, S. A. Incorporando a Questão de Gênero nos Estudos e no Planejamento Urbano. In: Anais... 6o ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, 1997. <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal6/Geografiasocioeconomica/Geografiacultural/737.pdf> Acesso em 27/03/2019.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e Pesquisas - Informação Demográfica e Socioeconômica, n.38, 2018. <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf> Acesso em 03/04/2019.

LEIVA, Tatiana Rojas. Como 'fazer' cidade considerando as diferenças de gênero? ArchDaily, 2017. <https://www.archdaily.com.br/br/867552/como-fazer-cidade-considerando-as-diferencas-degenero>. Acesso em 02/04/2019.

NABOZNY, Almir. Uma discussão sobre gênero e acesso ao espaço urbano: o paradoxo da participação política cívica e da participação no Estado. Revista de História Regional 11(1): 7-28, Verão, 2006.

TORRÃO FILHO, Amílcar. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam. Cadernos pagu (24), janeiro-junho de 2005, pp.127-152.