Vamos aprender a raciocinar historicamente, visitem o História Inteligente. Pretende-se incentivar as pessoas à leitura, à escrita e aos estudos das Humanidades, destacando aqui a importância da História, que não é simples “memorização” ou conjunto de datas e fatos, mas antes uma ciência na qual se busca compreender os processos humanos, processos esses que por serem humanos são desiguais, no tempo, repercutindo em mudanças na estrutura de nossa sociedade.
segunda-feira, 5 de agosto de 2024
Filhos de Clio: a primeira geração de historiadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
sexta-feira, 12 de julho de 2024
O Dicionário Amazonense de Biografias e a consagração da elite amazonense
Em 1973 o Professor Agnello Bittencourt (1876-1975) publicou no Rio de Janeiro, pela Editora Conquista, o livro Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Trata-se de um alentado trabalho de mais de 500 páginas contendo verbetes dos nomes, naturais da terra ou oriundos de outras paragens, que construíram o Amazonas. Mais que uma obra fundamental aos estudiosos de temáticas amazônicas, ele pode ser entendido como um instrumento de consagração da elite amazonense (DAOU, 2014; DANTAS, 2024).
Essa constatação vêm de longa data. As primeiras impressões surgiram simultaneamente à publicação. Genesino Braga, historiador dos mais renomados, publicou no Jornal do Commercio uma resenha com o sugestivo título Os varões assinalados. Os 270 verbetes privilegiaram os homens cujos nomes, por si só, em nossa sociedade, eram importantes elementos de distinção social, capazes de garantir importantes vantagens:
"Nelas se ostentam, como numa galeria de nossos varões insignes, quantos, aqui nascidos ou não, finados aqui ou alhures, deram a sua gota de suor, a sua gota de sangue, ou a sua gota de lágrima, para que esta terra alcançasse o fastígio de civilização dos dias de hoje e para que este povo se robustecesse na consciência de sua própria madureza social e política e de seu potencial de riqueza" (BRAGA, 1973, p. 03).
Não muito diferente, o escritor Moacyr Rosas definiu o Dicionário como o "[...] verdadeiro PANTEON amazonense" (CID, 1973, p. 11). Um panteão de homens responsáveis pelo progresso do Estado e que deveriam ser conhecidos e cultuados pela sociedade. Estirpes como as de Lobo d'Almada, Tenreiro Aranha, Manoel de Miranda Leão, Barão de Manaus, Jorge de Moraes, Comendador J. G. de Araújo, Heliodoro Balbi e Álvaro Maia.
Como se formou a elite amazonense? O Amazonas não possuía nobreza da terra com raízes na colonização da região no século XVII. O grupo dominante, formado por comerciantes portugueses e brasileiros, profissionais liberais e funcionários públicos, começou a ser organizar e ganhar destaque apenas a partir da segunda metade do século XIX com a instalação da Província do Amazonas e sua máquina burocrática. Na passagem do século XIX para o XX, com o advento da economia gomífera, a elite se modificou. Surgiram seringalistas, aviadores, grandes comerciantes, grandes burocratas, políticos, médicos, farmacêuticos, engenheiros, advogados, juízes e desembargadores, brasileiros e estrangeiros, formados no país ou no exterior.
A elite que recebeu o Dicionário nem de longe lembrava seus antepassados. Uma parte migrara para o Sudeste com a crise da borracha nos anos 1920. Não consigo não associar sua publicação e ampla aceitação às mudanças que estavam ocorrendo no seio desse grupo seleto que desde priscas eras comandava os rumos políticos, econômicos e culturais do Estado. A tradicional elite amazonense, dado o impacto da Zona Franca, estava perdendo sua influência e seus locais de referência. Novos agentes econômicos surgiram, impondo suas lógicas de produção (SOUZA, 1978). Ela Precisava, dessa forma, de uma âncora para se agarrar à sua referência mais cara: os nomes carregados de glórias do passado. O autor deixa isso claro na introdução:
"Se uma civilização é resultante dos homens, aí estão alinhados os nomes e os feitos de vários estadistas, professores, jornalistas, sacerdotes e tantos expoentes das mais variadas profissões que no Amazonas ajudaram a fazer uma capital moderna em plena selva e se distinguiram em cargos políticos ou administrativos, ou em colunas da imprensa, ou no púlpito, ou na cátedra - todos esses instrumentos e sinais da civilização" (BITTENCOURT, 1973, p. 15).
Ainda na introdução, Agnello afirma que buscou "[...] adotar uma atitude de isenção e imparcialidade, despido das emoções que a perspectiva do tempo diluiu e deve ter apagado" (BITTENCOURT, 1973, p. 14). Apesar da tentativa, na leitura das biografias apreendemos diferentes aspectos da sociabilidade da elite amazonense, elite essa da qual o autor fazia parte e conviveu pessoalmente por mais de seis décadas até sua mudança para o Rio de Janeiro: influências, alianças, disputas, tensões, ataques e mágoas.
Escrito por alguém que conviveu pessoalmente com boa parte dos biografados, o Dicionário de Agnello Bittencourt "transcreve o julgamento social de uma época" (CHARLE Apud DAOU, 2014, p. 33). E não existia ninguém melhor para realizar esse julgamento, pois Bittencourt, à época decano dos intelectuais amazonenses, reunia as qualidades de "autoridade" e "intelectual ideal", como bem definiu o historiador Hélio Dantas (DANTAS, 2024). Dessa forma, ele seria "[...] uma manifestação da própria elite em questão" (DAOU, 2014, p. 55).
Atualmente, quem melhor analisou o impacto do Dicionário foi a antropóloga Ana Maria Daou, autora de um importante estudo sobre a formação e transformação da elite amazonense na virada do século XIX para o XX. Ao entrevistar membros e descendentes da elite amazonense que viviam no Rio de Janeiro, alguns recomendaram a leitura do livro e demonstraram concordância com seu conteúdo "no sentido da autoconsagração ou de seu oposto, quando da exclusão de um familiar não contemplado nos verbetes" (DAOU, 2014, p. 35).
Dicionários biográficos dessa natureza são de extrema importância para a realização de estudos históricos, antropológicos e sociológicos, pois, de acordo com a historiadora Alzira Alves de Abreu, eles possibilitam "[...] identificar a composição social das elites políticas, intelectuais, operárias, empresariais, militares, jornalísticas e outras, e o grau de participação dessas elites na esfera pública do poder" (ABREU, 1998, p. 03)
O Dicionário Amazonense de Biografias não foi publicado apenas para preencher uma lacuna em nossa historiografia, como menciona Agnello Bittencourt (BITTENCOURT, 1973, p. 13), mas também, e principalmente, para legitimar e consagrar a elite amazonense, responsável por "desenvolver" e "civilizar" uma sociedade tão diversa e peculiar como a do Amazonas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Alzira Alves de. Dicionário biográfico: a organização de um saber. XXII Encontro Anual da ANPOCS, 1998.
BRAGA, Genesino. Os varões assinalados. Jornal do Commercio, 29/09/1973.
BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973.
CID, Pablo. Palavras... Jornal do Commercio, 09/09/1973.
DAOU, Ana Maria. A Cidade, o Teatro e o "Paiz das Seringueiras": práticas e representações da sociedade amazonense na passagem do século XIX-XX. Rio de Janeiro: Rio Book's, 2014.
DANTAS, Hélio da Silva. O adeus ao "mestre Agnello": Análise da consagração de um intelectual amazonense (parte I). Blog do Francisco Gomes, 07/07/2024.
SOUZA, Márcio. A Expressão Amazonense. Do colonialismo ao neocolonialismo. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978.
sexta-feira, 29 de março de 2024
Amazônia em textos: seca em Manaus faz reaparecer gravuras rupestres milenares (2023)
"As gravuras em forma de rostos humanos submersas nas paredes rochosas do sítio arqueológico e geológico das Lajes, à margem do rio Negro, em Manaus, voltaram a aparecer. Localizadas na região do Encontro das Águas, a última vez em que elas ficaram visíveis foi na seca de 2010. Nesta quinta-feira (12), a Amazônia Real visitou o pedral do sítio das Lajes, no bairro Colônia Antônio Aleixo, na zona leste, e visualizou algumas das “carinhas”. Uma delas, uma feição quadrada, estava a 80 centímetros e um metro do nível do rio. A seca de 2023 no Amazonas já é considerada a maior em mais de 100 anos, com o agravante das altas temperaturas, degradação ambiental e fumaça.
Especialistas ouvidos pela Amazônia Real estimam que os petróglifos, como também são chamadas por arqueólogos essas gravuras, têm entre 1.000 a 2.000 anos. O sítio das Lajes foi o primeiro de Manaus a ser registrado no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e é um dos mais degradados. Ele abrange uma área que inclui encostas de terra preta, fragmentos cerâmicos e urnas funerárias, além das gravuras. Grande parte, porém, desapareceu por ações humanas e obras sem salvaguarda suficiente.
Outro bloco rochoso destas gravuras ainda está debaixo d´água, mas deve aparecer nos próximos dias, caso o rio Negro continue baixando. Em 2010, as que estão localizadas mais abaixo foram avistadas em apenas um dia e logo depois, quando o rio começou a subir, voltaram a ficar submersas. Além das gravuras que reproduzem rostos humanos, também são encontrados, na parte de cima do pedral, imagens de animais e representações das águas, além de cortes nas rochas que mostram resultados de oficinas líticas – significando que as ferramentas para as gravuras eram confeccionadas ali mesmo.
Embora as gravuras do sítio das Lajes nunca tenham sido estudadas, a avaliação cronológica pode ser estimada com estudos comparativos feitos no sítio arqueológico Caretas, no rio Urubu, no município de Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus), por semelhanças que existem em comum. A arqueóloga Marta Sara Cavallini estudou este sítio, que tem as mesmas características às do sítio das Lajes, documentando as centenas de figuras gravadas nas rochas e procurando entender a antiguidade dos vestígios.
“No sítio Caretas a hipótese do nosso trabalho é que essas gravuras podem ter sido produzidas entre 1.000 e 2.000 anos atrás. As ‘caretas’ das Lajes não foram estudadas, então se trata de dizer que sendo que o estilo é semelhante poderiam fazer parte do mesmo código de comunicação”, disse à Amazônia Real.
O arqueólogo Filippo Stampanoni Bassi, que pesquisou o sítio Caretas junto com Marta, afirma que datar as gravuras rupestres é um desafio particularmente complexo, mas sabe-se que nessa época havia populações indígenas que moravam em grandes aldeias em frente ao Encontro das Águas.
“Esses locais, hoje sítios arqueológicos com terra preta, grandes quantidades de fragmentos de cerâmica e gravuras rupestres, contam a história indígena antiga da região e precisam ser considerados com respeito por todos nós que moramos hoje em Manaus”, disse o arqueólogo.
Marta e Felippo afirmam que os petróglifos do afloramento rochoso Lajes apresentam fortes semelhanças estilísticas com outras figuras em formato de cabeça que se encontram gravadas ao longo de numerosos pedrais ribeirinhos da Amazônia central. Os dois dizem que outras características compartilhadas entre esses sítios de arte rupestre são o fato de serem visíveis somente nas épocas de seca dos rios e de normalmente localizarem-se próximos de antigos assentamentos indígenas pré-coloniais.
Diferente do sítio Caretas, as gravuras do sítio das Lajes estão em paredes extensas e debaixo da água, o que torna seus estudos complexos, mas ao mesmo tempo lhes dão uma mística enigmática. Não se pode afirmar nem mesmo como as gravuras foram feitas ou se foi em uma época de grande seca ou se o rio, há mais de mil anos, tinha um nível mais baixo do que atualmente.
“Essas coisas só aparecem de vez em quando. Tem duas hipóteses. Ou elas foram feitas numa época de grande seca ou houve alguns episódios de seca no passado. Só que as secas atuais acontecem num contexto de mudança climática, acompanhada de impactos das ações humanas”, diz o arqueólogo Eduardo Goes Neves, relatando os processos de degradação florestal causados por ação humana na região.
Segundo Neves, o sítio das Lajes é um patrimônio “super importante”, mas mal estudado. Para agravar a situação, o sítio é impactado e ameaçado por empreendimentos, como é o caso do projeto Porto da Lajes.
Quando as gravuras apareceram em 2010, Neves lembra que ele e outros especialistas chegaram a estimar que elas tinham 4 mil anos ou mais. “A gente achava que era bem antigo. Que devia ter uma época que era mais seca na Amazônia. Só que a Marta Cavallini encontrou umas coisas parecidas no rio Urubu e conseguiu fazer umas datações e a idade era de pouco mais de mil anos ou dois”, conta".
FARIAS, Elaíze. Seca em Manaus faz reaparecer gravuras rupestres milenares. Amazônia Real, 13/10/2023, Adaptado.domingo, 28 de janeiro de 2024
A ocupação da Amazônia
Os cronistas europeus que passaram pela Amazônia entre os séculos XVI e XVII deixaram interessantes e importantes relatos sobre as populações indígenas, auxiliando na reconstituição da demografia amazônica antes e durante a conquista. Frei Gaspar de Carvajal viu na província de Machifaro, ou Machiparo, na margem direita do Solimões, "[...] muitas e grandíssimas povoações que reúnem cincoenta mil homens, entre os trinta e setenta anos". A abundância de comida - tartaruga, carne, peixe e biscoito - era tanta que "[...] daria para sustentar um batalhão de mil homens durante um ano".
Esses relatos demonstram que a Amazônia foi uma região densamente povoada, sofrendo um catastrófico decréscimo populacional nos dois primeiros séculos da colonização, causado pela violência da escravidão e pela letalidade das doenças. Quando começou a ocupação do território?
Segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, a região começou a ser ocupada há cerca de 11 mil anos, mas essa presença pode ser ainda mais antiga. Na caverna de Pedra Pintada, localizada em Monte Alegre, no Pará, foram encontrados indícios datados de 9.200 a. C. Na gruta Lapa do Sol, na bacia do Guaporé, no Mato Grosso, foram encontrados resquícios de 12 mil a. C. O pesquisador explica que "De qualquer modo, diferentes partes da Amazônia já eram ocupadas em torno de 7000 a. C. As evidências vêm de locais tão diversos como a serra dos Carajás, no Pará; a bacia do rio Jamari, em Rondônia; a região do rio Caquetá (Japurá), na Colômbia; o baixo Rio Negro, próximo a Manaus, e o alto Orinoco, na Venezuela".
Apesar de os grupos nativos terem diferentes culturas e formas de sociabilidade, eles compartilhavam entre si a exploração sustentável da fauna e da flora, pescando, coletando, cultivando o solo e caçando animais de pequeno porte. De suas atividades restaram artefatos de pedra polida, fragmentos de pontas de lança, potes e vasilhames.
A arqueóloga estadunidense Betty Meggers defendia a tese de que o ambiente amazônico, pobre em nutrientes e sem animais de grande porte, teria impedido a formação de grandes contingentes populacionais, contribuindo para a "degeneração" de seus habitantes. Em contrapartida, a também arqueóloga estadunidense Anna Roosevelt defende que as terras baixas da região (várzeas), ricas em nutrientes e com grande fartura, foram o polo irradiador da povoação da Amazônia, abrigando cacicados complexos e sofisticados:
"Desta forma, enquanto habitat da ocupação humana pré-histórica, a Amazônia surge como mais rica, complexa e variada do que pensávamos. Mais significativo para a compreensão dos padrões da adaptação nativa e desenvolvimento cultural é, provavelmente, o fato de que existiram determinadas áreas nas quais a abundância de recursos sustentava populações caçadoras-coletoras, horticultoras e agricultoras durante longos períodos, e que nestas áreas se desenvolveram grandes populações indígenas".
Diferente da tradicional periodização da Pré-História europeia, dividida em Paleolítico, Mesolítico e Neolítico, a Pré-História da Amazônia é dividida em três fases distintas das propostas por Thomsem, Lubbock e Mortillet: fase Paleoindígena, fase Arcaica e fase da Pré-História Tardia. Isso se dá pelo fato de a Pré-História da região ainda não ter sido plenamente estudada e possuir suas próprias particularidades.
A fase Paleoindígena vai de 11.000 a 7.500 a. C. Os primeiros habitantes da Amazônia eram nômades, e sobreviviam da coleta de frutos, moluscos, da agricultura rudimentar e da caça de animais de pequeno porte. Nas regiões do norte do Rio Orenoco, no escudo e na costa da Guiana e no Rio Galera, no Mato Grosso, foram encontradas ferramentas de pedra como machados, pontas de lanças e raspadores. Apesar de as pontas de lanças terem sido encontradas, a caça de grande porte era rara. As gravuras rupestres desse período, segundo Anna Rosevelt, "[...] abrangem círculos rajados, faces humanas estilizadas ou máscaras, triângulos púbicos femininos, motivos baseados nos pés humanos, quadrúpedes, motivos geométricos sombreados e cavidades para trituramento e raspagem".
A fase arcaica compreende o período de 7.500 a. C. a 1.000 a. C., sendo caracterizada pela existência de complexos pré-cerâmicos, evidenciando a transição dos grupos coletores para grupos mais complexos que praticavam a agricultura de subsistência. Os sambaquis, depósitos artificiais de conchas, são as principais fontes dessa época. No sambaqui de Taperinha, em Santarém-PA, foram encontrados instrumentos de pedra lascada (machados, moedores e quebradores de grãos), de ossos e alguns exemplares de cerâmica avermelhada com desenhos geométricos. O tamanho dos sambaquis indica o aumento demográfico e o surgimento de grupos humanos que passaram a se fixar em um único local. "Nesse sentido", explica Roosevelt, "este estágio parece representar uma fase de intensificação da subsistência e do crescimento populacional similar àquela do Mesolítico no Velho Mundo".
A Pré-História Tardia vai de 1000 a. C. a 1000. d. C. Se desenvolvem, à margem dos principais rios da Amazônia, sociedades indígenas bastante complexas em aspectos demográficos, econômicos e políticos. Ela são conhecidas como cacicados complexos. Por volta do ano 1000 a. C. surgiram as culturas dos construtores de tesos, aterros artificiais inundáveis onde eram erguidas as aldeias. Elas foram sucedidas por sociedades mais desenvolvidas, divididas hierarquicamente, apresentando uma cerâmica altamente refinada, cujos melhores exemplares são encontrados na Ilha do Marajó e na região de Santarém-PA.
Quantos eram os indígenas antes da conquista? O professor William M. Denevan, do Departamento de Geografia da Universidade de Wisconsin-Madison, estimou para a Grande Amazônia (bacia Amazônica, leste e sul dos Andes e Amazônia Legal) uma população de 6 milhões e 800 mil, dos quais 5 milhões habitavam a bacia Amazônica. O historiador John Hemming, no final da década de 1970, estimou a população da bacia Amazônica no período pré-colonial em 3 milhões 625 mil indivíduos.
O antropólogo Antônio Porro registra que os grupos linguísticos que compunham a Amazônia antes da chegada dos europeus eram oito: Aruak, Karib, Tupi, Jê, Katukina, Pano, Tukana e Xiriana. Os povos que formam esses grupos, cerca de 90, encontram-se distribuídos pela bacia hidrográfica da região.
Os povos da língua Aruak estão localizados nos afluentes do rio Solimões. No rio Jutaí encontramos os Wairaku; no Juruá os Marawá e Kulína; no Purus os Purupurú, Paumari, Yamamadí, Ipurinân e Kanamari; no Içá os Pasé e Wainumá; no Japurá os Kayuixâna e Yumana; nos rios Negro e Içana os Manáo, Baré, Warekúna e Baníwa. Entre a Serra de Parima e a de Acaraí encontram-se os Guinaú, Wapitxana, Atoraí e Maopituan. Na Ilha de Marajó e na região litorânea do Amapá estão os Palikur, Arawak e Aruân.
Encontram-se no maciço das Guianas e arredores, nos afluentes ao norte do rio Amazonas e a leste do rio Negro os povos do grupo Karib. Nos maciços temos os Purukotó, Makiritare, Makuxí e Taulipang; no rio Branco, os Pauxiânia e Parauiana; no rio Jauaperi, os Yauaperí e Waimiri-Atruahí; no rio Jatapu, os Bonarí; no rio Nhamundá, os Xauianá e Piranya; no rio Trombetas, os Kaxuiana, Pauxi e Pianakotó; no rio Paru, os Apalaí, Wayana e Tirió; e no sul do Amazonas, os Arara, entre o Xingu e o Tocantins.
Os tupi têm localização semelhante à dos Karib, entre o sul do médio e baixo Amazonas. No rio Madeira encontram-se os Kawahíb, Arikên, Tuparí e Tupinambarâna; na bacia do rio Tapajós, os Mundurukú, Mawé, Apiaká, Kawahíb, Parintintim e Kayabí; no rio Xingu os Jurúna, Oyanpík, Asuriní e Xipáya; no rio Tocantins os Pakayá, Parakanân e Amanayé; no extremo leste do Pará, até o Maranhão, os Tupinambá, Tembé, Guajajára e Tobajára; no rio Paru os Apama; no rio Nhamundá os Apoto; e na área de várzea do Solimões os Kokâma, Omágua e Yurimágua.
Os povos da língua Jê são encontrados nas bacias do médio Xingu, Araguaia e Tocantins. São eles os Kayapó, Gorotíre, Gaviões, Apinayé e Timbíra. Nos rios Tapajós e Madeira os Nambikuára, Torá e Pakaánovas.
Segundo Edilene Coffaci de Lima, "Desde a primeira metade do século passado, os registros históricos produzidos por missionários, viajantes e agentes governamentais sobre as populações indígenas do rio Juruá fazem referência a grupos indígenas conhecidos pelo nome de Katukina". Os povos do grupo Katukina estão localizados entre os rios Purus e Juruá. São eles os Katukína, Katawixí e os que levam o sufixo Diapá.
Os povos do grupo Pano encontram-se entre os rios Juruá, Javari, Içá e Japurá. Entre os rios Juruá e Javari estão os Kaxinawá e Mayorúna. Entre os rios Içá e Japurá, os Tukúna, Yurí, Mirânia e Koerúna. Esses povos, no final do século XIX, foram obrigados a se refugiar em locais distantes na floresta por conta da invasão de suas terras durante a extração do látex das seringueiras. Muitos morreram em conflitos e outros foram escravizados.
No rio Uaupés estão localizados os grupos dos Tukána, que são os Takána, Desàna e Wanâna. Os antropólogos Stephen Hugh-Jones e Aloisio Cabalzar explicam que "Os Tukano compartilham uma área geográfica contínua e um mesmo modo de vida básico, que inclui a caça e a coleta, mas no qual predomina a pesca e a agricultura de coivara, sendo a "mandioca brava" o principal produto".
Em Roraima são encontrados os representantes do grupo Xiriâna, que são os Xiriâna e Waiká. De acordo com Otto Zerries, trata-se de um subgrupo Yanomami. Waiká significa "pessoa braba" e Xiriana "pessoa mansa". Essas nomenclaturas, vistas pelos indígenas como apelidos, não são aceitas pelos Yanomami.
Como podemos ver, Amazônia, até 1500-1600, abrigava grandes populações indígenas organizadas em grupos linguísticos com culturas distintas que habitavam a igualmente rica bacia hidrográfica da região. Aqui exploraram as matas e os rios, cultivaram o solo e produziram uma refinada cerâmica que impactou cronistas e arqueólogos por sua qualidade e riqueza de detalhes. O primeiro tiro de espingarda deu início à ruína dessas sociedades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARVAJAL, Frei Gaspar de. Descobrimento do Rio das Amazonas. Traduzidos e anotados por C. de Melo-Leitão. São Paulo; Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1941.
FREIRE, José Ribamar Bessa (org.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima da. A Amazônia Colonial (1616-1798). 4° ed. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.
HUGH-JONES, Stephen; CABALZAR, Aloisio. Tukano (verbete). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tukano.
LIMA, Edilene Coffaci de. Katukina Pano (verbete). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Katukina_Pano.
NEVES, Eduardo Góes. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
PORRO, Antônio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
ROOSEVELT, Anna Curtenius. Arqueologia Amazônica. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992.
ZERRIES, Otto. Los Waika (Yanoama), indígenas del Alto Orinoco 1954-1974. Indiana 3: 147-150, 1975.