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segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Filhos de Clio: a primeira geração de historiadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luiz Bitton Telles da Rocha, Vânia Novoa Tadros, Francisco Jorge dos Santos e Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro. Foto de 1990. Fonte: Acervo do Departamento de História da UFAM.

O curso de História da UFAM

Começo este artigo citando uma deliciosa crônica do professor José Ribamar Bessa Freire, publicada em 2021 durante as comemorações dos 40 anos do curso de História da UFAM, com o sugestivo título Cadê os historiadores do Amazonas? Corria o ano de 1977 quando a historiadora Maria Yedda Linhares, ao dirigir o Projeto de Levantamento das Fontes para a História da Agricultura do Norte-Nordeste (PLEFANN), soube que, no Amazonas, não poderia contar com uma equipe de acadêmicos de História dada a inexistência de um curso. "Não tem historiadores no Amazonas?", indagou a professora. O professor Bessa, coordenador do projeto em nosso Estado, solucionou o problema reunindo pesquisadores dos cursos de Comunicação Social e Estudos Sociais (Freire, 2021).

A indagação e surpresa da professora Yedda não eram de se estranhar. Os primeiros cursos superiores de História, no Brasil, criados na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade do Distrito Federal (UDF, atual UERJ), foram institucionalizados entre 1934 e 1935, respectivamente. Na região Norte, a Universidade Federal do Pará (UFPA) foi pioneira, criando seu curso de História em 1954. O Amazonas não possuía, de fato, historiadores de formação acadêmica, mas sim pesquisadores heurísticos formados em outras áreas e reunidos em torno do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).

O projeto dirigido nacionalmente pela professora Maria Yedda Linhares e coordenado regionalmente pelo professor Ribamar Bessa Freire com o título História Político Administrativa da Agricultura no Estado do Amazonas, foi realizado entre 1977 e 1979. Sem historiadores. No entanto, no início de 1980, mais especificamente a partir de agosto, a História, no Amazonas, ganhou um novo capítulo.

O curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) foi criado por meio da Resolução n° 003/80 de 14 de agosto de 1980, integrado ao Departamento de Ciências Sociais, sendo autorizado a funcionar a partir do primeiro semestre de 1981, com o oferecimento de 30 vagas por ano. Sua criação se deu pela acertada justificativa de que existia, no Amazonas, uma carência de professores de História na educação básica, suprida por profissionais de outras áreas correlatas (Curso, 2006, p. 07). A primeira turma teve trinta alunos, dos quais se formaram apenas quatro em 1984: Francisco Jorge dos Santos, Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, Luís Antônio Lima Guedes e Olívia Gomes Osias.

Em 13 de dezembro de 1985, a Resolução n° 013/85 do CONSUNI - Conselho Universitário, possibilitou a separação do curso de História do Departamento de Ciências Sociais e a criação do Departamento de História, incorporado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), atual Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS). A criação do departamento teve como objetivos a "[...] melhoria do ensino, da pesquisa histórica, da extensão e para a formação de um corpo docente capacitado em seus diferentes níveis" (Curso, 2006, p. 07). Uma nova grade curricular foi estabelecida em 18 de dezembro de 1985 pela Resolução n° 050/85 do CONSEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão.

As turmas seguintes se formaram entre 1985 e 1986: Clélia Brasília Morais Fontes, Jézia Maria Raiker Alves, Maria Suely Buriti de Moura, Maristela Libório de Lima, Patrícia Maria Alves de Melo, Sínval Carlos Mello Gonçalves, Vânia Maria Tereza Novoa Tadros, Luiz Francisco Rodrigues Barreiro Bitton Telles da Rocha e Hideraldo Lima da Costa.

Das primeiras turmas, se tornaram professores do departamento, ainda na década de 1980, Francisco Jorge dos Santos, Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro, Vânia Maria Tereza Novoa Tadros, Patrícia Maria Alves de Melo, Sínval Carlos Mello Gonçalves, Hideraldo Lima da Costa e Luiz Francisco Rodrigues Barreiro Bitton Telles da Rocha. O curso foi reconhecido pelo CNE-MEC - Conselho Nacional de Educação/Ministério da Educação através da Portaria n° 058 de 20 de fevereiro de 1989.

À época do reconhecimento as disciplinas ministradas e seus respectivos professores eram as seguintes: Aloysio Nogueira de Mello - História do Brasil IV; Eloína Monteiro dos Santos - Metodologia da História I e Teoria da História; Ana Amélia Bittencourt Vieira - História do Brasil I e História do Brasil II; Edinea Mascarenhas Dias - História do Brasil II e III; Francisco Jorge dos Santos - História Antiga; Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro - Metodologia da História e Pesquisa Histórica; Hideraldo Lima da Costa - História do Amazonas II e III; Luiz Francisco Rodrigues Barreiro Bitton Telles da Rocha - História da América III; Mareia Seroa da Motta Brandão - História Contemporânea I e II e História Moderna I e II; Maria Regina Celestino de Almeida - História da América I e II e Prática de Ensino em História; Patrícia Maria Alves de Melo - História Moderna II e Metodologia da História I e II; Sínval Carlos Mello Gonçalves - Pré-História e História Medieval; e Vânia Maria Tereza Novoa Tadros - História da América II e Teoria da História (Parecer n° 1270/1988, p. 04-05).

A criação e institucionalização do curso de História da UFAM insere-se no contexto das mudanças que estavam ocorrendo no país com a redemocratização, cujos efeitos se espraiaram por diferentes instituições e áreas, destacadamente as universidades e a História. Cursos de graduação e pós-graduação foram implementados e abordagens e métodos tradicionais passaram a ser revistos, questionados e outros foram criados (Dantas, 2017; Gomes, 2004). No lugar de grandes personagens e generalizações, as massas, os trabalhadores, as mulheres - os excluídos da História - ganharam espaço. A História Social, a História Cultural e a História das Mentalidades deram vazão a novos temas e objetos de estudo. O profissional de História formado nos bancos das universidades não deveria mais ser apenas um professor formador, mas um professor e historiador munido de prática e teoria (Derossi, 2020; Ferreira, 2016).

Nesse sentido, a primeira geração de historiadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) reflete bem o ideário dessa época, engajada na transformação da pesquisa histórica no Amazonas, o que nos lembra, como registra Marc Bloch, citando um provérbio árabe, que "Os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais" (Bloch, 2001, p. 60).

E ao fazer recortes, enquadramentos, lidamos com a inclusão e a exclusão, a lembrança e o esquecimento. É delicado escrever sobre a história do curso de história. É necessário, dessa forma, deixar bem explicitados os critérios utilizados na demarcação. Neste artigo, que tem o título Filhos de Clio: a primeira geração de historiadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), considerei como primeira geração aquela que se formou e começou a lecionar no curso ainda na década de 1980, lutando por sua institucionalização, formando a geração seguinte e produzindo os primeiros trabalhos que renovaram a historiografia amazonense.

José Ribamar Bessa Freire, mestre de gerações

O professor José Ribamar Bessa Freire foi um dos fundadores do curso de História, responsável por iniciar a primeira geração na pesquisa histórica e na docência, organizando e coordenando a publicação de artigos e livros seminais de nossa historiografia. Professor normalista pelo Instituto de Educação do Amazonas (IEA), graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em Sociologie du Développement pelo Institut International de Recherche et de Formation en vue du Développement Harmonisé (IRFED), doutor em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi professor do curso de 1983 a 1987.

Temos uma dimensão de sua atuação como pesquisador e docente através dos relatos de seus ex-alunos. A professora Vânia Novoa Tadros, em uma carta a ele endereçada, registra que em 1983 ele "Havia chegado recentemente do doutorado em Paris, portando ideias inovadoras e cópias de documentos inéditos sobre a História do Amazonas. Com grande desprendimento dividiu o conteúdo das fontes históricas conosco e iniciou-nos na pesquisa histórica" (Tadros, 2008). Militante engajado em causas sociais, perseguido pela Ditadura Militar, deixou em cada discente, como lembra o professor Sínval Gonçalves, "o exemplo da indispensável conexão entre a vida e a atividade intelectual" (Gonçalves, 2021).

Com seus documentos e ideias, contribuiu decisivamente para que a História, no Amazonas, tomasse novos rumos. Certa feita, em entrevista ao jornal A Notícia, disse que "A grande contribuição da historiografia tradicional do Amazonas à história foi a criação de uma corrente que podemos denominar a História da Fofoca", descompromissada com a sociedade e sem qualquer tipo de reflexão sobre as trajetórias e lutas de homens e mulheres no tempo: 

"Durante todo o tempo, os historiadores se preocupam em registrar quem nasceu e quando, que rua fez, ou pior, discutir e gastar laudas e laudas para saber qual era a cor original do Teatro Amazonas, deixando de lado o essencial que é o conhecimento do processo social da concepção política da história" (A Notícia, s. d.).

A fala do professor Bessa nos remete aos embates pela "autoridade da História". Essas disputas são antigas. No passado, os polos irradiadores da pesquisa histórica eram os institutos históricos e geográficos, cujos membros, oriundos das elites política e econômica, tinham formações diversas da do historiador, como o Direito, a Geografia, a Medicina e outras áreas, ou mesmo não tinham uma formação acadêmica, mas sim notório saber. Com o surgimento dos cursos universitários de graduação e mais tarde de pós-graduação em História, o eixo transferiu-se para as academias. No caso do Amazonas, os cursos universitários de Geografia e História foram criados apenas na década de 1980. Até então, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), fundado em 1917, monopolizava esses dois campos do conhecimento.

A relação entre o meio universitário e o instituto, por esse motivo, foi bastante conflituosa. De um lado, a universidade não via com bons olhos a produção do conhecimento sem teorias, métodos e de forma acrítica. Do outro, o instituto preferia manter-se distante de novas discussões e aportes teóricos, dificultando o acesso ao seu acervo. Nos últimos anos, no entanto, vêm ocorrendo mudanças nessa relação. Professores universitários passaram a fazer parte do instituto, inclusive membros da primeira geração de historiadores da UFAM, e antigos membros do IGHA passaram a buscar a especialização em suas áreas de interesse.

Naquele período, além da luta pela renovação da História no Amazonas, lutava-se pelo reconhecimento do curso de História e a criação do Departamento de História. O professor Bessa, junto de seus discípulos, travou intensa luta institucional, indo à imprensa denunciar o descaso da universidade para com o curso, que funcionava com apenas quatro professores que realizavam cursos de extensão, palestras e seminários às próprias expensas. A vitória veio em 1985, com a criação do Departamento de História, do qual Bessa foi o primeiro chefe.

Durante quatro anos, lecionou na graduação as disciplinas História do Amazonas I e II, História da Cultura Amazonense, História da América II e Etnohistória. Na pós-graduação Lato Sensu, foi professor dos cursos de Demografia Amazônica e História da Amazônia Brasileira e Peruana. José Ribamar Bessa Freire é mestre de gerações, da primeira do curso de História da UFAM e de várias outras instituições como a Unirio, UFRJ, UFF e UFAC.

Perfis históricos e práticas historiográficas da primeira geração

Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, Vânia Maria Tereza Novoa Tadros, Maria Luiza Ugarte Pinheiro, Patrícia Maria Alves de Melo, Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro e Hideraldo Lima da Costa. Foto de 1985. Fonte: Acervo de Vânia Novoa Tadros.

Os membros da primeira geração de historiadores da UFAM seguiram caminhos distintos, mas com o objetivo em comum de renovar a historiografia amazonense. É marcante a influência da História Social Inglesa, a "História vista de baixo" dos que se dedicam a "[...] explorar as experiências históricas daqueles homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente ignorada, tacitamente aceita ou mencionada apenas de passagem na principal corrente da história" (Sharpe, 1992, p. 41). Neste tópico veremos detalhadamente os perfis históricos e as práticas historiográficas desses historiadores e historiadoras que se lançaram nessa ambiciosa tarefa há mais de quatro décadas.

Francisco Jorge dos Santos é graduado em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em Demografia Amazônica pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Francisco Jorge é uma das maiores referências em História da Amazônia, dedicando-se ao estudo da História do Amazonas, da Amazônia Portuguesa, da Capitania de São José do Rio Negro, da História Indígena e do Indigenismo. 

Na dissertação de mestrado Guerras e Rebeliões Indígenas na Amazônia na Época do Diretório Pombalino (1757-1798), analisou as guerras e rebeliões das nações indígenas da Amazônia contra os portugueses na época do Diretório Pombalino, quando aldeamentos indígenas foram elevados à condição de vilas administradas por diretores, demonstrando que elas foram mecanismos de enfrentamento desses povos à ocupação da região e que eles não foram passivos ao processo, confrontando seus algozes (Santos, 1995). O projeto de colonização portuguesa, suas contradições e particularidades nos confins da América Portuguesa são abordados na tese Nos Confins Ocidentais da Amazônia Portuguesa: mando metropolitano e prática do poder régio na Capitania do Rio Negro no século XVIII (Santos, 2012).

Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro (in memoriam) tinha graduação em Estudos Sociais pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), graduação em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e doutorado em História pela Universidade do Porto (U. Porto). Geraldo dedicou-se a estudar a História da Amazônia, com destaque para a Historiografia Afro-Brasileira, a História Indígena, a História da Imprensa e do Periodismo no Brasil. Sua tese de doutorado, Imprensa, Política e Etnicidade: Portugueses letrados na Amazônia (1885-1937), é um alentado trabalho sobre jornais produzidos por imigrantes portugueses em Manaus e Belém, no qual analisa o papel desses periódicos dentro dessas comunidades como instrumentos políticos e construtores da identidade lusitana na região (Pinheiro, 2012).

Vânia Maria Tereza Novoa Tadros (in memoriam) tinha graduação em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialização em Demografia Amazônica pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialização em Gestão e Administração Universitária pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). A professora Vânia Tadros enveredou pelo caminho da Antropologia, atuando em temáticas como circularidades, práticas comerciais e relações interétnicas. Muito de sua produção acadêmica, infelizmente, não está disponível ao público, mas o pouco que existe possibilita uma breve compreensão de sua prática historiográfica. 

No artigo A conveniência da imagem: J. G. Araújo e o exercício do poder econômico na Amazônia (1887-1940), investigou de forma pormenorizada a construção do império comercial do empresário português Joaquim Gonçalves Araújo e de sua autoimagem como forma de acesso a círculos comerciais e políticos (Tadros, 1995). Em outro, Pode um ser humano temer a Antropologia Ecológica?, discutiu o trabalho do antropólogo Walter Neves e sua perspectiva materialista sobre as sociedades humanas (Tadros, 2000). No artigo A histórica resistência do Pajé, escrito em coautoria com João Bosco Botelho, estudou a figura do Pajé enquanto alicerce das sociedades indígenas e suas estratégias de resistência contra a ação colonizadora, que desde o início tentava eliminá-lo e se apropriar de seus conhecimentos (Tadros, 2000).

Patrícia Maria Alves de Melo é graduada em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). A professora Patrícia Melo se dedica desde a década de 1980 ao estudo das desigualdades, atuando nas áreas de História Indígena e do Indigenismo, História da ciência, Amazônia Colonial e Imperial, História da escravidão africana na Amazônia e do pós abolição. 

Sua dissertação de mestrado, Os Fios de Ariadne: tipologia de fortunas e hierarquias sociais em Manaus, 1840-1880, é um estudo ímpar que desconstrói a ideia difundida pela historiografia tradicional de que a presença negra teve pouca ou nenhuma importância na formação da região. Analisando inventários post-mortem e escrituras públicas, demonstrou que a mão de obra escrava, apesar de ser reduzida se comparada a outras regiões, foi fundamental na formação de fortunas em Manaus no século XIX (Melo, 1993). Na tese Espelhos Partidos: Etnia, Legislação e Desigualdade na Colônia. Sertões do Grão-Pará, c. 1755 - c. 1823, estudou o processo de criação e implementação da legislação indigenista no Grão-Pará e como os indígenas elaboraram diferentes estratégias para garantir seus direitos, fazendo suas próprias leituras e se apropriando desse conjunto de leis (Melo, 2001).

Sínval Carlos Mello Gonçalves é graduado em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). O professor Sínval Gonçalves é um dos maiores medievalistas do país. Essa afirmação pode ser constatada a partir da leitura de sua larga produção e atuação em sala de aula. 

Na dissertação Tristão e Isolda: A Viagem da Paixão. O Imaginário do Amor no Século XII, estudou as primeiras versões da história de Tristão e Isolda, publicadas na segunda metade dos século XII, centrado na análise do dualismo paixão-casamento e o imaginário ligado à corte e à floresta (Gonçalves, 1997). O imaginário também foi investigado na tese de doutorado Na Medida do Impossível: O cavaleiro além da cavalaria nos romances de Chrétien de Troyes (1165-1191). Através do estudo da literatura arturiana do poeta e trovador francês Chrétien de Troyes, descortinou diferentes aspectos do imaginário da Baixa Idade Média e os modelos de sujeitos propostos em seus romances de cavalaria (Gonçalves, 2004).

Hideraldo Lima da Costa (in memoriam) tinha graduação em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-USP). O professor Hideraldo Costa dedicou quatro décadas de sua vida ao estudo da Amazônia, da História e Saúde, dos viajantes e da cidade. 

Em sua dissertação Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia - Discurso dos viajantes, século XIX, analisou os discursos dos viajantes naturalistas que passaram pela região no século XIX, identificando nos seus relatos aspectos do cotidiano, do trabalho e dos conflitos sociais em curso (Costa, 1995). Na tese Questões à margem do encontro do velho com o novo: saúde e doença no paiz das Amazonas (1850-1889), defendeu que as políticas de povoamento da região foram acompanhadas pelo extermínio dos povos indígenas - sobretudo por doenças - e que as políticas de saúde pública implementadas no século XIX, para além do saneamento, visavam o fortalecimento da população para a manutenção da integridade do território (Costa, 2002).

Luiz Francisco Rodrigues Barreiro Bitton Telles da Rocha é graduado em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em Política e Tratamento de Arquivo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em IX Curso de Especialização/Organização de Arquivo pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Administração de Centros Culturais pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV - EASP) e mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Luiz Bitton pesquisa sobre a Amazônia, a Modernidade, veículos culturais e, principalmente, a iconografia. Na monumental dissertação Práticas imagéticas nas retratações da Amazônia: séculos XVI, XVII e XVIII, examinou um conjunto de imagens da região produzidas entre a expansão marítima europeia e o período iluminista, indo do fantástico ao científico, atribuindo a essa iconografia papel de destaque na construção do imaginário sobre a Amazônia (Rocha, 1999).

Trabalhos com sólida fundamentação teórica, metodológica e inovadores. Em ensaio sobre a Questão social e historiografia no Brasil do pós-1980, a historiadora Ângela de Castro Gomes registra que os acadêmicos daquela geração se dedicaram à investigação de movimentos sociais urbanos e rurais em que os protagonistas eram escravizados, libertos, artesãos e operários (Gomes, 2004, p. 159). Isso é bastante claro através da análise dos perfis históricos e práticas historiográficas da primeira geração dos historiadores da UFAM, com suas pesquisas sobre resistência indígena, o papel da escravidão e as sociabilidades de operários e imigrantes.

Os historiadores brasileiros da década de 1980, de Norte a Sul, se preocuparam em reconstituir as trajetórias daqueles que por séculos foram marginalizados, bem como com a função social do ofício do historiador, agora engajado na construção de uma sociedade capaz de refletir sobre seu tempo com base nas múltiplas experiências de homens e mulheres em diferentes temporalidades. O impacto dessas pesquisas foi muito bem registrado pelo professor José Ribamar Bessa Freire na crônica A História vista de baixo, publicada em 1995:

"Nos últimos anos, a Universidade do Amazonas (UA) tem enviado seus professores para fazerem sua pós-graduação em diferentes centros do Brasil e até do exterior. Desta forma, trabalhos relevantes foram produzidos, em dissertações e teses, cobrindo os vários campos do conhecimento: medicina, engenharia, física, química, ciências sociais.

O Curso de História, por exemplo, começou a formar a primeira geração de pesquisadores em meados da década de 80. Dos alunos graduados, alguns dos quais se tornaram professores da própria UA, começaram a sair os primeiros mestres na década de 90.

No início do ano passado, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, houve a defesa da dissertação de mestrado "Os fios de Ariadne - tipologia de fortunas e hierarquias sociais em Manaus: 1840-1880", elaborada por Patrícia Maria Melo Sampaio. Sua pesquisa foi aplaudida com entusiasmo pela orientadora Maria Yedda Linhares como uma contribuição original.

Agora foi a vez de Hideraldo Lima da Costa. Na semana passada ele apresentou a uma banca examinadora da PUC de São Paulo a sua pesquisa de mestrado "Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia. Discurso dos viajantes - século XIX". Orientado por Maria Antonieta Martines Antonacci, obteve a nota máxima, além dos elogios e do reconhecimento de seus examinadores, o que certamente contribui para a consolidação de uma imagem positiva da qualidade da UA.

No dia 5 de dezembro próximo, outro ex-aluno e atual professor da UA estará apresentando na USP os resultados de sua pesquisa sobre a resistência indígena no sec. XVIII, depois de haver localizado importante documentação em arquivos do Rio de Janeiro e do Pará. Trata-se de Francisco Jorge dos Santos, o próximo a obter o título de mestre, que escreveu "Guerras e rebeliões indígenas na Amazônia na época do Diretório Pombalino (1757-1798)".

Por esse caminho estão transitando outros pesquisadores da UA: Geraldo Sá Peixoto Pinheiro e Vânia Tadros, ambos com pós-graduação em andamento na USP, o primeiro focando seu interesse sobre os jornais editados na Amazônia por imigrantes portugueses e a segunda registrando as relações interétnicas nos seringais.

Na PUC de São Paulo [...] Luís Bitton [...] analisa a iconografia da região [...] Na UFF, Sinval Gonçalves registra a consolidação dos estudos medievais na Amazônia. Todos eles fazem parte da nova safra de graduandos da UA a serem titulados [...]

Desta forma, a UA vai pouco a pouco se transformando num centro de pesquisa. Espera-se que as conclusões desses trabalhos rompam os muros da academia e se incorporem ao sistema de ensino, trazendo-nos uma visão mais rica de nossa história" (Freire, 1995).

A Amazônia Colonial (1616-1798) e Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950)

A Amazônia Colonial (1616-1798) e Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950). Fonte: Acervo pessoal.

Nada define melhor essa primeira geração de historiadores que o trabalho em equipe. E o elo dessa equipe, sem dúvida, foi o professor José Ribamar Bessa Freire. Em uma de suas crônicas, ele registra que "[...] todo mundo cresceu junto" (Freire, 1992). Dessa união nasceram duas importantes obras da historiografia amazonense: A Amazônia Colonial (1616-1798) e Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950).

A Amazônia Colonial (1616-1798) foi publicado inicialmente em forma de artigos para o jornal A Crítica com o título A História da Amazônia contada pela Amazônia. O professor Bessa Freire foi convidado pelo periódico para produzir material de estudo para os vestibulandos que trouxesse novas perspectivas sobre a História da Amazônia. A convite do professor, participaram da produção dos textos seis alunos dos últimos períodos do curso de História da UFAM: Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, Francisco Jorge dos Santos, Hideraldo Lima da Costa, Patrícia Maria Alves de Melo, Vânia Novoa Tadros e Luís Boaes Maciel. O material foi publicado como livro em dezembro de 1984, sendo assinado pelo professor Bessa como coordenador e os cinco primeiros alunos como coautores (Freire, 2010). Atualmente está na 6° edição, já esgotada.

Os autores buscaram produzir uma obra didática, acessível ao público acadêmico e aos estudantes do ensino básico, apresentando uma análise crítica - que no período era praticamente uma novidade, dada a predominância da historiografia tradicional e seu caráter laudatório da ação portuguesa - do processo de conquista, fixação, organização e desenvolvimento da região entre os séculos XVII e XVIII. Sobre esse aspecto, o editor José Maria Mendes o descreve como "Uma leitura alternativa para todo e qualquer estudioso da História regional que esteja saturado das visões mistificadoras, quer seja ele pesquisador, professor ou estudante de 1° e 2° graus" (Mendes, 1991). A passagem a seguir define bem a proposta:

"Um rio tinto de sangue: este poderia ser o título de um filme sobre a Conquista da Amazônia. Nas primeiras décadas, a partir de 1616, muitas batalhas foram travadas entre portugueses, holandeses, franceses e ingleses. No entanto, o vermelho que tingiu as águas barrentas do rio Amazonas não foi do sangue dos europeus, mas dos índios" (Freire et al, 1991, p. 27).

Com pouco mais de 70 páginas, possui quatro capítulos: A Pré-História e os descobrimentos (período de 10.000 anos até o século XVI), Ocupação ou despovoamento da Amazônia?, Amazônia: 140 anos de escravidão e A Lusitanização da Amazônia.

No primeiro capítulo é apresentado um roteiro sobre como estudar a Amazônia, os tipos de fontes primárias e onde encontrá-las; o processo de ocupação da região pelos indígenas, de onde e quando vieram, quantos eram, suas formas de vida e organização e o início do despovoamento com a colonização. O segundo trata do início da colonização, a instituição do trabalho compulsório e a resistência indígena. No terceiro, é analisada a escravização dos indígenas e os conflitos entre os missionários e os colonos. O último é dedicado à política do Marquês de Pombal, o Diretório dos Índios e o Corpo de Trabalhadores. Ao final de cada capítulo são apresentadas leituras complementares, a cronologia dos períodos abordados e a bibliografia básica utilizada. Conta ainda com anexos intitulados As Primeiras Imagens da Conquista, um conjunto de textos dos cronistas Cristobal de Acuña, Frei Gaspar de Carvajal, Alonso de Rojas e Maurício de Heriarte.

O historiador Hélio Dantas considera essa obra a primeira de nossa historiografia que rompeu com os cânones de abordagens puramente economicistas, factuais e político administrativas (Dantas, 2017, p. 190). Conciso, permanece atual com seus questionamentos e considerações, principalmente a de que os "vencidos" resistiram por séculos à violência da colonização, utilizando diferentes formas de enfrentamento a esse processo.

Em 1979 o professor Bessa Freire deu início, com cerca de 33 alunos do curso de Comunicação Social da UFAM, a um projeto de inventariação de jornais editados no Amazonas entre 1851 e 1950, localizados nas hemerotecas do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, criando um catálogo. Trabalharam na sistematização dos dados cinco alunos do curso de História: Francisco Jorge dos Santos, Vânia Maria Tereza Novoa Tadros, Patrícia Maria Alves de Melo, Geraldo Sá Peixoto Pinheiro e Luiz Francisco Rodrigues Barreiro Bitton Telles da Rocha. O livro Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950) foi publicado em 1987, sendo reeditado em 1990.

O objetivo dos historiadores foi produzir um catálogo que servisse de instrumento de trabalho a jornalistas, historiadores e pesquisadores de outras áreas, suprindo uma demanda há muito reclamada. Não se trata apenas de um simples arrolamento, mas da análise detalhada de cada periódico, com informações sobre o título, subtítulo, tempo de existência, periodicidade, proprietários, diretores, redatores, colaboradores, número de páginas, preço, tiragem, colunas, formatos e cadernos (Freire, 1990).

A importância do catálogo é inegável quando se observa, passadas mais de três décadas, sua ampla utilização como base de um sem número de ensaios, artigos, monografias, dissertações, teses e livros. O professor Narciso Júlio Freire Lobo o considera uma iniciativa pioneira no campo da História da Imprensa no Amazonas (Lobo, 2002), opinião compartilhada pelas historiadoras Jordana Coutinho Caliri (Caliri, 2014) e Priscila Daniele Tavares Ribeiro (Ribeiro, 2014).

As primeiras Semanas de História

A Primeira Semana de História foi realizada em setembro de 1986. O evento, que teve como tema Como Ensinar História, teve grande repercussão, contando com a participação de centenas de professores das redes municipal e estadual de ensino. Durante cinco dias foram realizados importantes debates sobre o ensino de História no Amazonas e os problemas da falta de documentação e incentivo à pesquisa.

No primeiro dia foi realizada a sessão solene de abertura, a elaboração de diagnósticos sobre o ensino de História no Amazonas e a apresentação dos relatórios das unidades de ensino. No segundo, pela manhã, as professoras Patrícia Maria Alves de Melo, Maria Regina Celestino de Almeida e o professor Hideraldo Lima da Costa ministraram um curso de Metodologia da História; o professor Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro deu o curso A Questão do Ensino de História; e o professor José Ribamar Bessa Freire ministrou o curso de História do Amazonas

Posteriormente foi realizada a mesa redonda Visão da História, com representantes da SEDUC, SEMEC, IGHA, Biblioteca Pública, Arquivo Público, CEDEAM, Museu do Homem do Norte, Museu do Porto e Museu Tiradentes, sendo as debatedoras a professora Vânia Maria Tereza Novoa Tadros e o acadêmico Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro. Às 15 horas a professora Selda Valle da Costa apresentou o filme No Paiz das Amazonas, de Silvino Santos.

No terceiro dia representantes da SEDUC, Semec, o professor Francisco Jorge e os debatedores professora Patrícia Maria Alves de Melo e professor Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro apresentaram a mesa redonda A Regionalização do Ensino. Às 15 horas os representantes da SEDUC e da SEMEC estivaram à frente da mesa redonda Os Currículos de 1° e 2° Graus.

Na manhã do terceiro dia o professor José Ribamar Bessa Freire palestrou sobre A Formação do Operariado no Amazonas, 1890-1920 e O Que Mudou com a Criação da Província. No quinto e último dia os professores Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, Francisco Jorge dos Santos e Sínval Carlos Mello Gonçalves realizaram o debate Recuperação da Memória: Levantamento de Fontes Primárias para a História dos Municípios do Amazonas.

A professora Vânia Tadros, então coordenadora de extensão do curso, disse o seguinte sobre como a História era vista pela sociedade, uma simples "matéria decorativa", e como de fato ela deveria ser compreendida e ensinada: "Não é aprender história por história, mas saber que é uma ciência que tem a função social de transformar a sociedade" (Jornal do Commercio, 02/09/1986).

A segunda Semana de História, que teve como tema Novos Horizontes, foi realizada entre 28 de setembro e 02 de outubro de 1987. O principal objetivo dessa segunda edição foi o de reciclar professores de História do ensino básico através de cursos de metodologia e didática, mesas redondas, exposições e comunicações.

Conforme publicações do Jornal do Commercio, foram realizadas a comunicação A Pesquisa Histórica do Departamento de História, a mesa redonda História da Medicina, e os cursos Manaus e o Processo de Modernização, ministrado pela professora Ana Amélia Bittencourt Vieira e o professor Hideraldo Lima da Costa; O Controle e a Organização da Força de Trabalho na Amazônia Colonial, ministrado pelo professor José Ribamar Bessa Freire; Métodos e Técnicas em História Local, com a professora Maria Regina Celestino de Almeida; e História Social do Trabalho, ministrado pelas professoras Vânia Novoa Tadros e Patrícia Alves de Melo.

Sobre a importância dessa segunda edição, o professor Sínval Carlos Gonçalves, coordenador, afirmou que "A nossa preocupação básica é a de conscientizar o historiador no sentido de não se restringir somente à história como ciência, pois que todas as ciências mantêm uma interligação entre si, haja vista que toda e qualquer ação humana pode vir a ter uma importância dentro da área de atuação da história" (Jornal do Commercio, 01/10/1987).

Considerações finais

Analisar trajetórias é uma tarefa árdua e delicada. E quando se trata de uma geração, um grupo tão distinto de pessoas, a operação demanda ainda mais cuidado na hora de se estabelecer critérios de seleção/exclusão, com o risco de se atingir vaidades e autoimagens que se supõe cristalizadas. Nesse breve artigo, que de forma alguma pretendeu esgotar o tema, tratei da geração responsável pelo encaminhamento das demais, que colheram os frutos de seu trabalho e puderam, com isso, dar seus próprios passos, mas sem esquecer suas origens.

Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro, Francisco Jorge dos Santos, Hideraldo Lima da Costa, Vânia Maria Tereza Novoa Tadros, Patrícia Maria Alves de Melo, Sínval Carlos Mello Gonçalves e Luiz Francisco Rodrigues Barreiro Bitton Telles da Rocha. Os pioneiros, a primeira geração. Nomes indissociáveis quando se fala na criação e institucionalização do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

A criação do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em 1981, reconhecido em 1989, está ligada às transformações políticas e sociais do país e à demanda existente por profissionais de História no ensino básico. A geração de pesquisadores que surgiu após a década de 1970 passou a refletir sobre seu papel social e as possibilidades que surgiam com a abertura política e a expansão dos cursos de graduação e pós-graduação.

A História praticada até então era predominantemente política, economicista, administrativa e laudatória dos "feitos" dos colonizadores, políticos e heróis, atendendo aos interesses das elites. Na Europa e, no Brasil, nas regiões Sudeste e Sul, floresciam os debates sobre novos métodos, abordagens, temas e objetos de estudo. Os excluídos da História, a cultura e as mentalidades ganharam espaço, tendo início um novo momento da historiografia brasileira.

No Amazonas, a renovação da pesquisa histórica, processo constante, foi iniciada pelo grupo de historiadores aqui analisado, sob coordenação do professor José Ribamar Bessa Freire, como se depreende através da leitura de seus perfis históricos, práticas historiográficas e das obras A Amazônia Colonial (1616-1798) e Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950). Seus trabalhos, influenciados pela História Social Inglesa, revelaram uma outra Amazônia, marcada por lutas e resistências, em que indígenas, escravizados, imigrantes, mulheres e operários são os protagonistas da História. 

Em memória de:

Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro
Vânia Maria Tereza Novoa Tadros
Hideraldo Lima da Costa

Referências bibliográficas

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quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

A ocupação da América

Esquema de ocupação da América. Fonte: Letícia Fuentes.

Quando os europeus chegaram ao continente que seria denominado América, se depararam com milhares de habitantes, com formas de organização, línguas e culturas diferentes das suas. O impacto, de ambos os lados, foi imenso. Os invasores começaram a se questionar quais as origens daquelas pessoas. Teriam nascido ali? Vieram de outro lugar?

O linguista Benito Arias Montano (1527-1598), autor da Bíblia Poliglota, registrou, em uma perspectiva religiosa, que a América foi povoada por personagens bíblicos: Ophis colonizou a região nordeste do continente, enquanto Jobal colonizou o Brasil.

Desde a segunda metade do século XIX, pesquisadores das mais variadas áreas, como História, Antropologia e Arqueologia, elaboraram hipóteses e criaram teorias sobre a ocupação do continente americano: teoria asiática, teoria malaio-polinésia e teoria africana.

Teoria Asiática

Essa teoria afirma que grupos de homens e mulheres caçadores e coletores chegaram à América através do Estreito de Bering, região que separa o extremo leste da Ásia do extremo oeste da América do Norte, há cerca de 18-20 mil a.C., período em que ocorreram profundas mudanças climáticas.

Esses povos saíram de suas regiões de origem em busca de melhores condições de vida, atravessando essa passagem entre a Ásia e a América, em diferentes ondas migratórias, durante a última Era do Gelo, momento em que as camadas de gelo se elevaram e, consequentemente, os níveis dos oceanos diminuíram, formando uma ponte terrestre entre os dois continentes.

Através da análise de milhares de amostras de DNA, geneticistas mostraram que povos como os incas, astecas e iroqueses, entre as Américas do Sul e do Norte, eram geneticamente semelhantes aos dos povos da Sibéria, uma extensa região do norte da Ásia que compreende o Cazaquistão, a Mongólia e a China.

O historiador Fausto Evaldo Strassburger afirma que "O pressuposto de que o homem teria vindo unicamente a pé, atravessando a Beríngia, atrás dos rebanhos de animais que migravam, não faz justiça à capacidade intelectual humana, reduzindo o homem americano a um descendente de um animal não mais capaz que os camelos, mastodontes e bisões que migravam para a América".

Teoria Malaio-Polinésia

Essa teoria defende que grupos de caçadores e pescadores, hábeis na arte da navegação, teriam vindo da Polinésia, da Melanésia e da Austrália (regiões da Oceania), entre 10 e 4 mil anos a.C. para a América através do Oceano Pacífico, utilizando embarcações rústicas de pequeno porte, tendo aproveitado as correntes marinhas em direção à costa do continente americano.

Da costa da América do Sul eles se espalharam pelo restante do território. Em sítios arqueológicos peruanos foram encontrados vestígios de aves marinhas, mariscos, peixes, moluscos, ferramentas e habitações, com forte indício de terem pertencido a pescadores, dado o tipo de dieta e materiais encontrados.

O etnólogo francês Paul Rivet (1876-1958), criador dessa teoria, não descarta as migrações pelo Estreito de Bering, afirmando que os humanos podem ter chegado à América através de mais de uma rota em diferentes momentos. Análises genéticas constataram que o DNA de grupos nativos da América do Sul possui semelhanças com povos da Oceania.

Teoria Africana

Uma outra teoria, defendida principalmente por pesquisadores brasileiros, afirma que os povos americanos descendem de africanos que teriam migrado para a América através do Estreito de Bering, em data ainda incerta. Essa teoria tem como base o estudo dos crânios de indígenas brasileiros e de outras partes do continente, que após análise mostraram ter semelhança com os de povos da África.

Arqueólogos brasileiros, europeus e estadunidenses, ao fazerem a análise craniométrica, demonstraram que eles não possuíam traços asiáticos, mas sim africanos. Para o arqueólogo Walter Neves, a América foi ocupada primeiramente por povos africanos e não-mongolóides (não asiáticos).

O exemplar mais antigo foi encontrado no Brasil em 1974. Trata-se do fóssil de uma mulher, batizada como Luzia, datado com 11.500 anos de idade. Seu crânio possui fortes traços africanos, o que pode indicar que a chegada desse grupo foi anterior à dos asiáticos. Os cientistas acreditam que os grupos asiáticos, por conta da disputa por alimentos e território, exterminaram os africanos.

Concordado com o historiador Fausto Strassburger que "[...] pessoalmente acredita-se que possam ter sido várias ondas migratórias de diferentes lugares do mundo e que formaram esta diversidade de tipos genealógicos observados nos ameríndios, já que em algumas populações indígenas atuais da América observam-se traços característicos da etnia mongólica, noutras de aborígines australianos, noutras de polinésios, noutras de africanos, enfim, compondo uma variedade morfológica que dificilmente teria sido formada pelo concurso de apenas uma etnia".

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. História do Amazonas. Manaus: Editora Valer, 2011.

STRASSBURGER, Fausto Evaldo. Ocupação humana no continente americano. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal da Fronteira Sul, Curso de Licenciatura em História, Erechim, RS, 2020.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A Amazônia Pombalina

Retrato do Marquês de Pombal. Pintura de Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet, 1766.

A Amazônia começou a passar por transformações profundas na segunda metade do século XVIII. Em Portugal, subiu ao trono em 1750 o Rei D. José I, conhecido como O Reformador, que botou em prática um projeto de transformação política e econômica no reino e nas colônias, nomeando o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), para empreender essa tarefa.

Portugal era uma nação pobre e dependente da Inglaterra. Para superar essa condição, o Marquês de Pombal elaborou um ambicioso projeto de modernização das instituições. A Amazônia, que até então era uma região, no cenário colonial, subalterna, passou a fazer parte dos quadros de desenvolvimento mercantilista.

Numa tentativa de reordenação e aperfeiçoamento da manutenção das fronteiras, é criado em 1751 o Estado do Grão-Pará e Maranhão, formado pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, com capital em Belém.

As aldeias tiveram suas nomenclaturas alteradas, recebendo nomes portugueses. Exemplos: Mariuá – Barcelos; Taracuatíua – Fonte Boa; Saracá – Silves; Abacaxis – Itacoatiara; Trocano – Borba; Caiçara – Alvarães; São Paulo dos Cambebas – Vila de São Paulo de Olivença.

Em 03 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, desmembrada do Estado do Grão-Pará e Maranhão. A criação dessa nova unidade política colonial tinha três objetivos. O primeiro, facilitar a administração portuguesa na Amazônia, pois as dimensões geográficas da região faziam com que as decisões tomadas em São Luís, no Maranhão, e Belém, no Pará, chegassem de forma tardia nas localidades mais interioranas, extremamente distantes dos centros das decisões políticas. O segundo, facilitar a catequização dos indígenas. O terceiro, garantir a soberania portuguesa frente as ameaças de espanhóis, ingleses, holandeses e franceses.

O rei de Portugal, Dom José I, autorizou, no Alvará de 04 de abril de 1755, o casamento entre portugueses e indígenas, com amplos benefícios para os casais constituídos e seus descendentes, súditos a partir de agora com forte ligação com a metrópole portuguesa. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro”.

Os jesuítas foram expulsos da Amazônia em 1759. Essa ação fazia parte da obra modernizadora iluminista de Pombal, que previa a atuação ampliada do Estado sobre todos os setores da sociedade. Afirmava-se que os jesuítas estavam criando um "Estado dentro do Estado", oferecendo riscos à soberania portuguesa.

Com o fim da União Ibérica (1580-1640), período de domínio da Espanha sobre Portugal, foi necessário estabelecer novos tratados de limites. Três foram assinados durante o período Pombalino: Tratado de Madri (1750), Tratado de El Pardo (1761) e Tratado de Santo Ildefonso (1777).

No Tratado de Madri ficou acertado que Portugal reconhecia a soberania da Espanha sobre a Colônia de Sacramento, fundada pelos portugueses em 1680, e o território do Rio da Prata, enquanto a Espanha entregava a Portugal os Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul, e os territórios da Amazônia e Mato Grosso. Para ficar com essas terras, Portugal invocou a tese do Uti Possidetis, segundo a qual a terra pertence a quem a ocupa e desenvolve.

Esse tratado foi anulado em 1761 pelo Tratado de El Pardo por conta das Guerras Guaraníticas, encabeçadas pelos indígenas e jesuítas espanhóis que se recusaram a deixar as terras dos Sete Povos das Missões e pela falta de demarcação dos limites na Amazônia.

Em 1777 é assinado o Tratado de Santo Idelfonso, que determinou, de forma definitiva, que Portugal ficava com a região Amazônica, e a Espanha ficava com a Colônia de Sacramento e os Sete Povos das Missões, no Sul. O Tratado de Badajós, de 1801, autenticou essas decisões. A Amazônia, ocupada e desbravada pelos portugueses, agora lhes pertencia de fato.

Visando a dinamização da produção e comércio das drogas do sertão, o desenvolvimento da agricultura e a introdução de escravizados africanos, foi criada em 1755 a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, com sede em Lisboa.

Portugal buscou utilizar a mão de obra indígena, integrando os nativos à cultura europeia, os transformando, pela força, em braços úteis ao progresso econômico. Em 06 de junho de 1755 a escravidão indígena foi abolida, sendo os nativos igualados aos portugueses. Dois anos depois o trabalho forçado foi regulamentado através do Diretório dos Índios (1757).

O Diretório determinou que os indígenas ficariam sob domínio dos Diretores, que deveriam zelar pela administração das comunidades. Os indígenas foram proibidos de falar suas línguas e o nheengatu, língua geral criada pelos jesuítas, devendo falar apenas a língua portuguesa e utilizar sobrenomes em português. Suas casas deveriam ser construídas como a dos brancos, com divisões para quarto, cozinha etc.

Os indígenas deveriam se dedicar à agricultura de exportação, mas também eram obrigados a cultivar mandioca, feijão, milho e arroz para consumo próprio e para abastecer os moradores das cidades. A atividade comercial sofreu interferência, com a padronização de pesos e medidas. Os povoados próximos aos mares e rios deveriam se dedicar à salga de peixe para a exportação.

Nos povoados e arredores onde existissem drogas do sertão, os indígenas que tivessem finalizado o cultivo de suas roças seriam arregimentados pelo Diretor para sua exploração, com fiscalização do Cabo das Canoas, que evitaria que o diretor se beneficiasse do trabalho dos nativos.

Os indígenas eram obrigados a pagar o dízimo, que era a décima parte do que produzissem e adquirissem, ficando o diretor responsável pela cobrança. Este último tinha como salário a sexta parte do cultivo e produtos adquiridos pelos indígenas, estes últimos não devendo ser produtos comestíveis.

Nesse novo contexto de trabalho compulsório os indígenas eram distribuídos pelos diretores entre os habitantes dos povoados e vilas, os ajudando na extração das drogas do sertão e nas lavouras. Uma parte deles ficava retida em suas próprias povoações para a defesa do território e os serviços prestados à coroa. O diretório foi abolido em 1798.

Uma nova divisão territorial foi feita em 1772. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dividido em dois estados independentes: a Capitania do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís.

A Era Pombalina chegou ao fim em 1777, quando o Rei D. José I faleceu e sua filha, Maria I, demitiu o Marquês de Pombal do cargo de ministro.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FREIRE, José Ribamar Bessa (coord.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima. A Amazônia Colonial (1616-1798). Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.

SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. 1° ed. Rio de Janeiro: MEMVAVMEM, 2010.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

De Capitania de São José do Rio Negro à Província do Amazonas

 
Trecho da Lei n° 582 de 05 de Setembro de 1850. Fonte: Collecção das Leis do Império do Brasil de 1850. Tomo XI, parte I, p. 271. Acervo da Câmara dos Deputados.

No dia 05 de Setembro comemora-se a Elevação do Amazonas à categoria de Província. É a data maior do nosso estado. Para entendermos esse acontecimento é preciso compreender primeiro o processo de constituição política do Amazonas.

O embrião político do Estado do Amazonas foi a Capitania de São José do Rio Negro, criada pelo Império Português em 03 de março de 1755 e instalada oficialmente em 07 de maio de 1758. O historiador Arthur Cézar Ferreira Reis ensina que ela foi criada para dinamizar a administração da região Amazônica, facilitar a catequese dos indígenas e garantir a soberania portuguesa, pois as dimensões continentais do Estado do Maranhão e Grão-Pará, cuja administração estava centrada em São Luís e Belém, era um problema para a manutenção da autoridade nessa porção do território. Nada melhor do que a criação de uma nova unidade política (REIS, 1989, p. 119).

A Amazônia, é sempre bom lembrar, era um território autônomo que respondia diretamente à Portugal. Em 1621, durante a União Ibérica, foi criado o Estado do Maranhão e Grão-Pará, separado do Estado do Brasil, visando a defesa e a colonização da parte setentrional da América Portuguesa e o desenvolvimento da coleta das drogas do sertão. Em 1751, dada a ascensão metórica do Pará, o nome foi alterado para Estado do Grão-Pará e Maranhão e, em 1772, o Maranhão torna-se uma capitania independente, passando a existir o Estado do Grão-Pará e Rio Negro, com a Capitania de São José do Rio Negro subordinada à do Grão-Pará.

A Capitania de São José do Rio Negro foi crescendo lentamente, enfrentando dificuldades técnicas e financeiras, o baixo povoamento e a dependência política e econômica do Grão-Pará. No entanto, no final do século XVIII, entre 1788 e 1799, surgiu um fio de esperança em dias melhores. Nesse período assumiu seu governo o militar português Manuel da Gama Lobo d’Almada, responsável por introduzir uma série de melhoramentos. Em 1791 transferiu a capital de Barcelos para o Lugar da Barra (Manaus), por considerá-lo estratégico entre os rios Negro e Solimões, facilitando a defesa e o comércio. Construiu fábricas de panos e tecidos, padarias, cordoarias, olarias, açougues, engenhos e introduziu gado no Vale do Rio Branco (MONTEIRO, 1994, p. 51). Esses foram os anos mais prósperos da capitania.

“A inveja e o despeito, porém, preparavam um golpe fatal para a obra de Almada”, escreveu o historiador Agnello Bittencourt sobre as medidas tomadas pelo governo do Grão-Pará para conter a rápida ascensão do Rio Negro. Assustado com o crescimento da capitania e temendo a perda de seu cargo para Lobo d’Almada, o governador da Capitania do Grão-Pará, D. Francisco de Sousa Coutinho, com apoio de seu irmão, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro em Portugal, passa a perseguir Lobo d’Almada, determinando o retorno da capital para Barcelos, cortando as verbas para a capitania e o acusando de usurpar o erário. Com a honra ferida e anos de trabalho arruinados, Almada falece em 1799 (BITTENCOURT, 1985, p. 262-263; REIS, 1989, p. 146-148). O cenário era aterrador: “O Rio Negro ia atravessar um longo período de amarguras. As vilas e povoados principiaram a viver novamente dias miseráveis. A população diminuída, as lavouras e as indústrias entrariam a definhar. O censo de 1799 acusou 15.480 almas. Os cômputos anteriores assinalavam maior total” (REIS, 1989, p. 149).

De acordo com Agnello Bittencourt, por volta de 1820 já “fervilhavam nas intenções políticas da Capitania as ideias autonomistas”. Essas ideias, afirma Arthur Reis, foram bem recebidas pela população, que ansiava pela independência em relação ao Grão-Pará. A situação do Rio Negro a cada dia tornava-se insustentável, e pouco era feito pela autoridade instituída em Belém. Silves, Vila Nova da Rainha e Barcelos, em 1818, solicitaram à D. João VI a separação (BITTENCOURT, 1985, p. 263; REIS, 1989, p. 151). Em 1820 estoura em Portugal a Revolução Liberal do Porto, movimento que pedia o retorno de D. João VI e a recolonização do Brasil, desde 1815 elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Participaram dos trabalhos nas Cortes Gerais deputados favoráveis à emancipação da Capitania de São José do Rio Negro. Em 29 de Setembro de 1821 Dom João transformou as capitanias em províncias, com o Rio Negro subordinado ao Grão-Pará. Na Constituição Política da Monarquia Portuguesa consta o nome da Província do Pará e Rio Negro.

D. João deixou seu filho, D. Pedro, como Príncipe Regente. As Cortes exigiam o retorno do regente para poder recolonizar o território. Com apoio da elite brasileira, D. Pedro rompeu relações com Portugal e proclamou a Independência em 7 de Setembro de 1822. O Grão-Pará continuou fiel à antiga metrópole. Sabendo da resistência que encontraria em regiões com fortes laços econômicos, políticos e culturais com Portugal, o agora Imperador Dom Pedro I contratou, para impor a adesão ao Império, os militares Thomas John Cochrane e John Pascoe Grenfell, da Marinha Real Britânica, especialistas em processos de independência. Grenfell, sob comando de Cochrane, se dirigiu ao Grão-Pará. Chegou em Belém no dia 10 de agosto de 1823. Intimou o governo a aderir ao Império Brasileiro. No dia seguinte, receando um ataque à capital, a independência foi reconhecida, sendo o auto de juramento lavrado em 15 de agosto. A notícia da adesão foi chegando lentamente aos povoados e vilas, chegando ao Lugar da Barra (Manaus) em 09 de novembro.

A adesão à Independência ocorreu no Largo da Trincheira (Praça IX de Novembro), lugar simbólico onde localizavam-se a Fortaleza, a Igreja e o Cemitério, na manhã do dia 09 de novembro. A Câmara de Serpa instalou-se na Barra no dia 19, com o juramento de fidelidade à D. Pedro I realizado na manhã do dia 22. No dia seguinte foi eleita uma Junta Governativa formada por Bonifácio João de Azevedo, Raymundo Barroso de Bastos, Plácido Moreira de Carvalho, Luiz Ferreira da Cunha e João da Silva Cunha. Os dirigentes do Amazonas esperavam que a adesão trouxesse a tão sonhada autonomia (REIS, 1989, p. 156).

Conforme André Roberto de Arruda Machado, no projeto da Constituição para o Império do Brasil o Rio Negro constava como uma de suas províncias (MACHADO, 2006, p. 48). Arthur Reis, comentando a carta magna outorgada em 1824, registrou que “O Rio Negro, naturalmente, estava incluído. Apesar da clareza do texto da lei magna, logo a seguir, marcando o governo o número de deputados ao Parlamento que convocou e nomeando os presidentes para as Províncias, não incluía o Amazonas, considerando-o, tacitamente, uma dependência do Pará” (REIS, 1989, p. 157). Para Agnello Bittencourt, a Independência de 1822 “[…] não ergue da oppressão a Capitania do Rio Negro […] provocando tal situação várias explosões de ânimo” (BITTENCOURT, 1985, p. 264). Mesmo “feridos”, os amazonenses juraram fidelidade à Constituição Imperial em 1825.

Entre as décadas de 1820 e 1840 foram apresentados diferentes projetos pela emancipação do Rio Negro. Políticos paraenses como João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha – que foi o primeiro presidente da província do Amazonas – Frei José dos Inocentes e D. Romualdo Antônio Seixas foram as principais vozes favoráveis à transformação do Amazonas em unidade política independente, argumentando que o governo paraense, dada a extensão continental do território, não conseguiria dar a devida atenção à região, que tinha um enorme potencial econômico. Os políticos contrários afirmavam que o Amazonas possuía uma população rarefeita, carência de mão de obra especializada, rendas públicas e produção insignificantes (FREITAS, 2010).

O maior exemplo das “explosões de ânimo” foi o levante militar de 1832, ocorrido no Lugar da Barra (Manaus). Conforme pesquisa da historiadora Letícia Pereira Barriga, o movimento foi iniciado por praças de 1° e 2° linhas que reivindicavam o pagamento dos salários atrasados. Eles tomaram o Trem de Guerra, os armamentos e as munições, assassinando o comandante militar do Rio Negro, coronel Joaquim Filipe dos Reis. “De levante militar por insatisfação de pagamentos atrasados”, registra Barriga, “o movimento ampliou-se e assumiu um caráter separatista”. Em 22 de junho os revoltosos proclamam a Província do Rio Negro (BARRIGA, 2015, p. 02). O levante, em poucos meses, foi sufocado por tropas militares vindas de Belém, que ocuparam o Lugar da Barra em 12 de agosto, pondo fim à província (LOUREIRO, 1989, p. 14). O Código do Processo Criminal, promulgado pela Regência em 1832, transformou o Rio Negro em Comarca do Alto Amazonas, uma das três que compunham a Província do Pará, formada pelos municípios de Tefé, Luseia, Mariuá (Barcelos) e Manaus, este último elevado à vila (BITTENCOURT, 1985, p. 264; LOUREIRO, 1989, p. 14).

A criação da província vai ser postergada por várias décadas. A situação vai mudar quando, a partir da segunda metade do século XIX, a soberania sobre a Amazônia tornou-se uma questão de primeira ordem, pois era grande o interesse de outras nações sobre as riquezas da região. Para evitar futuras ameaças estrangeiras – sobretudo da Inglaterra, a potência industrial e política da época – e assegurar a soberania sob esse vasto território, o Império acelerou o processo de criação da Província do Amazonas (LOUREIRO, 1989, p. 16). André Luiz dos Santos Freitas afirma que é provável que a Cabanagem (1835-1840) tenha exercido influência sobre a criação da província, pois o estabelecimento de uma nova autoridade poderia evitar revoltas semelhantes (FREITAS, 2010). O deputado paraense João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha apresentou uma indicação em 1844: “Indico que se dirija á Assembléa Geral uma representação para que a Comarca do Alto Amazonas seja elevada à cathegoria de Província. Pará, 7-11-1844” (BITTENCOURT, 1985, p. 271). 

Seis anos depois, o Imperador Dom Pedro II homologou a Lei n° 582 de 5 de Setembro de 1850, elevando a Comarca do Alto Amazonas à categoria de Província do Amazonas, tendo como capital a Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, atual Manaus. Seu primeiro presidente foi João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, nomeado por Carta Imperial de 07 de junho de 1851. Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa registra que a instalação ocorreu somente em 01 de Janeiro de 1852. Ela teve lugar em um sobrado localizado entre as ruas Oriental (posteriormente rua da Instalação), Frei José dos Inocentes e Henrique Antony, que funcionava como a Casa da Câmara Municipal. Estiveram presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como grande número de populares. A população da cidade era estimada em pouco mais de 4.000 habitantes (PEDROSA, 2021).

A criação da Província do Amazonas, um sonho antigo dos tempos da Capitania, representou a autonomia dos amazonenses, que agora poderiam crescer sem depender do controle, muitas vezes autoritário, do governo paraense e suas elites; e a garantia da soberania do Império Brasileiro em terras distantes e quase esquecidas, mas tão cobiçadas por outras nações. O 5 de Setembro é uma data que fala sobre a identidade do amazonense.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BITTENCOURT, Agnello. Corografia do Estado do Amazonas. Manaus: ACA – Fundo Editorial, 1985. [original de 1925].

BARRIGA, Letícia Pereira. Espírito de revolta e separação – o Rio Negro e sua luta por uma nova província na primeira metade do XIX. XVIII Simpósio Nacional de História – Lugares dos Historiadores: velhos e novos desafios, 27-31 jul. 2015.

FREITAS, André Luiz dos Santos. O Gigante Abatido: O Longo Processo de Constituição da Província do Amazonas (1821-1850). Dissertação (Mestrado em História), PUC-SP, 2010.

LOUREIRO, Antonio José Souto. O Amazonas na Época Imperial. Manaus: T. Loureiro, 1989.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 3° ed. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1994.

MACHADO, André Roberto de Arruda. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). Tese (Doutorado em História). USP, 2006.

PEDROSA, Fábio Augusto de Carvalho. A antiga Casa da Câmara Municipal e a Instalação da Província do Amazonas. Blog História Inteligente, 04/09/2023. Disponível em: https://historiainte.blogspot.com/2021/09/a-antiga-casa-da-camara-municipal-e.html fbclid=IwAR3qUcvV7Ixt0Bu_mUKXQkqYzHdlNQE2NEHZCZlfKcFzCqvoAMRq4HTAS_k