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quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

A ocupação da América

Esquema de ocupação da América. Fonte: Letícia Fuentes.

Quando os europeus chegaram ao continente que seria denominado América, se depararam com milhares de habitantes, com formas de organização, línguas e culturas diferentes das suas. O impacto, de ambos os lados, foi imenso. Os invasores começaram a se questionar quais as origens daquelas pessoas. Teriam nascido ali? Vieram de outro lugar?

O linguista Benito Arias Montano (1527-1598), autor da Bíblia Poliglota, registrou, em uma perspectiva religiosa, que a América foi povoada por personagens bíblicos: Ophis colonizou a região nordeste do continente, enquanto Jobal colonizou o Brasil.

Desde a segunda metade do século XIX, pesquisadores das mais variadas áreas, como História, Antropologia e Arqueologia, elaboraram hipóteses e criaram teorias sobre a ocupação do continente americano: teoria asiática, teoria malaio-polinésia e teoria africana.

Teoria Asiática

Essa teoria afirma que grupos de homens e mulheres caçadores e coletores chegaram à América através do Estreito de Bering, região que separa o extremo leste da Ásia do extremo oeste da América do Norte, há cerca de 18-20 mil a.C., período em que ocorreram profundas mudanças climáticas.

Esses povos saíram de suas regiões de origem em busca de melhores condições de vida, atravessando essa passagem entre a Ásia e a América, em diferentes ondas migratórias, durante a última Era do Gelo, momento em que as camadas de gelo se elevaram e, consequentemente, os níveis dos oceanos diminuíram, formando uma ponte terrestre entre os dois continentes.

Através da análise de milhares de amostras de DNA, geneticistas mostraram que povos como os incas, astecas e iroqueses, entre as Américas do Sul e do Norte, eram geneticamente semelhantes aos dos povos da Sibéria, uma extensa região do norte da Ásia que compreende o Cazaquistão, a Mongólia e a China.

O historiador Fausto Evaldo Strassburger afirma que "O pressuposto de que o homem teria vindo unicamente a pé, atravessando a Beríngia, atrás dos rebanhos de animais que migravam, não faz justiça à capacidade intelectual humana, reduzindo o homem americano a um descendente de um animal não mais capaz que os camelos, mastodontes e bisões que migravam para a América".

Teoria Malaio-Polinésia

Essa teoria defende que grupos de caçadores e pescadores, hábeis na arte da navegação, teriam vindo da Polinésia, da Melanésia e da Austrália (regiões da Oceania), entre 10 e 4 mil anos a.C. para a América através do Oceano Pacífico, utilizando embarcações rústicas de pequeno porte, tendo aproveitado as correntes marinhas em direção à costa do continente americano.

Da costa da América do Sul eles se espalharam pelo restante do território. Em sítios arqueológicos peruanos foram encontrados vestígios de aves marinhas, mariscos, peixes, moluscos, ferramentas e habitações, com forte indício de terem pertencido a pescadores, dado o tipo de dieta e materiais encontrados.

O etnólogo francês Paul Rivet (1876-1958), criador dessa teoria, não descarta as migrações pelo Estreito de Bering, afirmando que os humanos podem ter chegado à América através de mais de uma rota em diferentes momentos. Análises genéticas constataram que o DNA de grupos nativos da América do Sul possui semelhanças com povos da Oceania.

Teoria Africana

Uma outra teoria, defendida principalmente por pesquisadores brasileiros, afirma que os povos americanos descendem de africanos que teriam migrado para a América através do Estreito de Bering, em data ainda incerta. Essa teoria tem como base o estudo dos crânios de indígenas brasileiros e de outras partes do continente, que após análise mostraram ter semelhança com os de povos da África.

Arqueólogos brasileiros, europeus e estadunidenses, ao fazerem a análise craniométrica, demonstraram que eles não possuíam traços asiáticos, mas sim africanos. Para o arqueólogo Walter Neves, a América foi ocupada primeiramente por povos africanos e não-mongolóides (não asiáticos).

O exemplar mais antigo foi encontrado no Brasil em 1974. Trata-se do fóssil de uma mulher, batizada como Luzia, datado com 11.500 anos de idade. Seu crânio possui fortes traços africanos, o que pode indicar que a chegada desse grupo foi anterior à dos asiáticos. Os cientistas acreditam que os grupos asiáticos, por conta da disputa por alimentos e território, exterminaram os africanos.

Concordado com o historiador Fausto Strassburger que "[...] pessoalmente acredita-se que possam ter sido várias ondas migratórias de diferentes lugares do mundo e que formaram esta diversidade de tipos genealógicos observados nos ameríndios, já que em algumas populações indígenas atuais da América observam-se traços característicos da etnia mongólica, noutras de aborígines australianos, noutras de polinésios, noutras de africanos, enfim, compondo uma variedade morfológica que dificilmente teria sido formada pelo concurso de apenas uma etnia".

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. História do Amazonas. Manaus: Editora Valer, 2011.

STRASSBURGER, Fausto Evaldo. Ocupação humana no continente americano. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal da Fronteira Sul, Curso de Licenciatura em História, Erechim, RS, 2020.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A Amazônia Pombalina

Retrato do Marquês de Pombal. Pintura de Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet, 1766.

A Amazônia começou a passar por transformações profundas na segunda metade do século XVIII. Em Portugal, subiu ao trono em 1750 o Rei D. José I, conhecido como O Reformador, que botou em prática um projeto de transformação política e econômica no reino e nas colônias, nomeando o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), para empreender essa tarefa.

Portugal era uma nação pobre e dependente da Inglaterra. Para superar essa condição, o Marquês de Pombal elaborou um ambicioso projeto de modernização das instituições. A Amazônia, que até então era uma região, no cenário colonial, subalterna, passou a fazer parte dos quadros de desenvolvimento mercantilista.

Numa tentativa de reordenação e aperfeiçoamento da manutenção das fronteiras, é criado em 1751 o Estado do Grão-Pará e Maranhão, formado pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, com capital em Belém.

As aldeias tiveram suas nomenclaturas alteradas, recebendo nomes portugueses. Exemplos: Mariuá – Barcelos; Taracuatíua – Fonte Boa; Saracá – Silves; Abacaxis – Itacoatiara; Trocano – Borba; Caiçara – Alvarães; São Paulo dos Cambebas – Vila de São Paulo de Olivença.

Em 03 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, desmembrada do Estado do Grão-Pará e Maranhão. A criação dessa nova unidade política colonial tinha três objetivos. O primeiro, facilitar a administração portuguesa na Amazônia, pois as dimensões geográficas da região faziam com que as decisões tomadas em São Luís, no Maranhão, e Belém, no Pará, chegassem de forma tardia nas localidades mais interioranas, extremamente distantes dos centros das decisões políticas. O segundo, facilitar a catequização dos indígenas. O terceiro, garantir a soberania portuguesa frente as ameaças de espanhóis, ingleses, holandeses e franceses.

O rei de Portugal, Dom José I, autorizou, no Alvará de 04 de abril de 1755, o casamento entre portugueses e indígenas, com amplos benefícios para os casais constituídos e seus descendentes, súditos a partir de agora com forte ligação com a metrópole portuguesa. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro”.

Os jesuítas foram expulsos da Amazônia em 1759. Essa ação fazia parte da obra modernizadora iluminista de Pombal, que previa a atuação ampliada do Estado sobre todos os setores da sociedade. Afirmava-se que os jesuítas estavam criando um "Estado dentro do Estado", oferecendo riscos à soberania portuguesa.

Com o fim da União Ibérica (1580-1640), período de domínio da Espanha sobre Portugal, foi necessário estabelecer novos tratados de limites. Três foram assinados durante o período Pombalino: Tratado de Madri (1750), Tratado de El Pardo (1761) e Tratado de Santo Ildefonso (1777).

No Tratado de Madri ficou acertado que Portugal reconhecia a soberania da Espanha sobre a Colônia de Sacramento, fundada pelos portugueses em 1680, e o território do Rio da Prata, enquanto a Espanha entregava a Portugal os Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul, e os territórios da Amazônia e Mato Grosso. Para ficar com essas terras, Portugal invocou a tese do Uti Possidetis, segundo a qual a terra pertence a quem a ocupa e desenvolve.

Esse tratado foi anulado em 1761 pelo Tratado de El Pardo por conta das Guerras Guaraníticas, encabeçadas pelos indígenas e jesuítas espanhóis que se recusaram a deixar as terras dos Sete Povos das Missões e pela falta de demarcação dos limites na Amazônia.

Em 1777 é assinado o Tratado de Santo Idelfonso, que determinou, de forma definitiva, que Portugal ficava com a região Amazônica, e a Espanha ficava com a Colônia de Sacramento e os Sete Povos das Missões, no Sul. O Tratado de Badajós, de 1801, autenticou essas decisões. A Amazônia, ocupada e desbravada pelos portugueses, agora lhes pertencia de fato.

Visando a dinamização da produção e comércio das drogas do sertão, o desenvolvimento da agricultura e a introdução de escravizados africanos, foi criada em 1755 a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, com sede em Lisboa.

Portugal buscou utilizar a mão de obra indígena, integrando os nativos à cultura europeia, os transformando, pela força, em braços úteis ao progresso econômico. Em 06 de junho de 1755 a escravidão indígena foi abolida, sendo os nativos igualados aos portugueses. Dois anos depois o trabalho forçado foi regulamentado através do Diretório dos Índios (1757).

O Diretório determinou que os indígenas ficariam sob domínio dos Diretores, que deveriam zelar pela administração das comunidades. Os indígenas foram proibidos de falar suas línguas e o nheengatu, língua geral criada pelos jesuítas, devendo falar apenas a língua portuguesa e utilizar sobrenomes em português. Suas casas deveriam ser construídas como a dos brancos, com divisões para quarto, cozinha etc.

Os indígenas deveriam se dedicar à agricultura de exportação, mas também eram obrigados a cultivar mandioca, feijão, milho e arroz para consumo próprio e para abastecer os moradores das cidades. A atividade comercial sofreu interferência, com a padronização de pesos e medidas. Os povoados próximos aos mares e rios deveriam se dedicar à salga de peixe para a exportação.

Nos povoados e arredores onde existissem drogas do sertão, os indígenas que tivessem finalizado o cultivo de suas roças seriam arregimentados pelo Diretor para sua exploração, com fiscalização do Cabo das Canoas, que evitaria que o diretor se beneficiasse do trabalho dos nativos.

Os indígenas eram obrigados a pagar o dízimo, que era a décima parte do que produzissem e adquirissem, ficando o diretor responsável pela cobrança. Este último tinha como salário a sexta parte do cultivo e produtos adquiridos pelos indígenas, estes últimos não devendo ser produtos comestíveis.

Nesse novo contexto de trabalho compulsório os indígenas eram distribuídos pelos diretores entre os habitantes dos povoados e vilas, os ajudando na extração das drogas do sertão e nas lavouras. Uma parte deles ficava retida em suas próprias povoações para a defesa do território e os serviços prestados à coroa. O diretório foi abolido em 1798.

Uma nova divisão territorial foi feita em 1772. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dividido em dois estados independentes: a Capitania do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís.

A Era Pombalina chegou ao fim em 1777, quando o Rei D. José I faleceu e sua filha, Maria I, demitiu o Marquês de Pombal do cargo de ministro.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FREIRE, José Ribamar Bessa (coord.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima. A Amazônia Colonial (1616-1798). Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.

SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. 1° ed. Rio de Janeiro: MEMVAVMEM, 2010.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

De Capitania de São José do Rio Negro à Província do Amazonas

 
Trecho da Lei n° 582 de 05 de Setembro de 1850. Fonte: Collecção das Leis do Império do Brasil de 1850. Tomo XI, parte I, p. 271. Acervo da Câmara dos Deputados.

No dia 05 de Setembro comemora-se a Elevação do Amazonas à categoria de Província. É a data maior do nosso estado. Para entendermos esse acontecimento é preciso compreender primeiro o processo de constituição política do Amazonas.

O embrião político do Estado do Amazonas foi a Capitania de São José do Rio Negro, criada pelo Império Português em 03 de março de 1755 e instalada oficialmente em 07 de maio de 1758. O historiador Arthur Cézar Ferreira Reis ensina que ela foi criada para dinamizar a administração da região Amazônica, facilitar a catequese dos indígenas e garantir a soberania portuguesa, pois as dimensões continentais do Estado do Maranhão e Grão-Pará, cuja administração estava centrada em São Luís e Belém, era um problema para a manutenção da autoridade nessa porção do território. Nada melhor do que a criação de uma nova unidade política (REIS, 1989, p. 119).

A Amazônia, é sempre bom lembrar, era um território autônomo que respondia diretamente à Portugal. Em 1621, durante a União Ibérica, foi criado o Estado do Maranhão e Grão-Pará, separado do Estado do Brasil, visando a defesa e a colonização da parte setentrional da América Portuguesa e o desenvolvimento da coleta das drogas do sertão. Em 1751, dada a ascensão metórica do Pará, o nome foi alterado para Estado do Grão-Pará e Maranhão e, em 1772, o Maranhão torna-se uma capitania independente, passando a existir o Estado do Grão-Pará e Rio Negro, com a Capitania de São José do Rio Negro subordinada à do Grão-Pará.

A Capitania de São José do Rio Negro foi crescendo lentamente, enfrentando dificuldades técnicas e financeiras, o baixo povoamento e a dependência política e econômica do Grão-Pará. No entanto, no final do século XVIII, entre 1788 e 1799, surgiu um fio de esperança em dias melhores. Nesse período assumiu seu governo o militar português Manuel da Gama Lobo d’Almada, responsável por introduzir uma série de melhoramentos. Em 1791 transferiu a capital de Barcelos para o Lugar da Barra (Manaus), por considerá-lo estratégico entre os rios Negro e Solimões, facilitando a defesa e o comércio. Construiu fábricas de panos e tecidos, padarias, cordoarias, olarias, açougues, engenhos e introduziu gado no Vale do Rio Branco (MONTEIRO, 1994, p. 51). Esses foram os anos mais prósperos da capitania.

“A inveja e o despeito, porém, preparavam um golpe fatal para a obra de Almada”, escreveu o historiador Agnello Bittencourt sobre as medidas tomadas pelo governo do Grão-Pará para conter a rápida ascensão do Rio Negro. Assustado com o crescimento da capitania e temendo a perda de seu cargo para Lobo d’Almada, o governador da Capitania do Grão-Pará, D. Francisco de Sousa Coutinho, com apoio de seu irmão, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro em Portugal, passa a perseguir Lobo d’Almada, determinando o retorno da capital para Barcelos, cortando as verbas para a capitania e o acusando de usurpar o erário. Com a honra ferida e anos de trabalho arruinados, Almada falece em 1799 (BITTENCOURT, 1985, p. 262-263; REIS, 1989, p. 146-148). O cenário era aterrador: “O Rio Negro ia atravessar um longo período de amarguras. As vilas e povoados principiaram a viver novamente dias miseráveis. A população diminuída, as lavouras e as indústrias entrariam a definhar. O censo de 1799 acusou 15.480 almas. Os cômputos anteriores assinalavam maior total” (REIS, 1989, p. 149).

De acordo com Agnello Bittencourt, por volta de 1820 já “fervilhavam nas intenções políticas da Capitania as ideias autonomistas”. Essas ideias, afirma Arthur Reis, foram bem recebidas pela população, que ansiava pela independência em relação ao Grão-Pará. A situação do Rio Negro a cada dia tornava-se insustentável, e pouco era feito pela autoridade instituída em Belém. Silves, Vila Nova da Rainha e Barcelos, em 1818, solicitaram à D. João VI a separação (BITTENCOURT, 1985, p. 263; REIS, 1989, p. 151). Em 1820 estoura em Portugal a Revolução Liberal do Porto, movimento que pedia o retorno de D. João VI e a recolonização do Brasil, desde 1815 elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Participaram dos trabalhos nas Cortes Gerais deputados favoráveis à emancipação da Capitania de São José do Rio Negro. Em 29 de Setembro de 1821 Dom João transformou as capitanias em províncias, com o Rio Negro subordinado ao Grão-Pará. Na Constituição Política da Monarquia Portuguesa consta o nome da Província do Pará e Rio Negro.

D. João deixou seu filho, D. Pedro, como Príncipe Regente. As Cortes exigiam o retorno do regente para poder recolonizar o território. Com apoio da elite brasileira, D. Pedro rompeu relações com Portugal e proclamou a Independência em 7 de Setembro de 1822. O Grão-Pará continuou fiel à antiga metrópole. Sabendo da resistência que encontraria em regiões com fortes laços econômicos, políticos e culturais com Portugal, o agora Imperador Dom Pedro I contratou, para impor a adesão ao Império, os militares Thomas John Cochrane e John Pascoe Grenfell, da Marinha Real Britânica, especialistas em processos de independência. Grenfell, sob comando de Cochrane, se dirigiu ao Grão-Pará. Chegou em Belém no dia 10 de agosto de 1823. Intimou o governo a aderir ao Império Brasileiro. No dia seguinte, receando um ataque à capital, a independência foi reconhecida, sendo o auto de juramento lavrado em 15 de agosto. A notícia da adesão foi chegando lentamente aos povoados e vilas, chegando ao Lugar da Barra (Manaus) em 09 de novembro.

A adesão à Independência ocorreu no Largo da Trincheira (Praça IX de Novembro), lugar simbólico onde localizavam-se a Fortaleza, a Igreja e o Cemitério, na manhã do dia 09 de novembro. A Câmara de Serpa instalou-se na Barra no dia 19, com o juramento de fidelidade à D. Pedro I realizado na manhã do dia 22. No dia seguinte foi eleita uma Junta Governativa formada por Bonifácio João de Azevedo, Raymundo Barroso de Bastos, Plácido Moreira de Carvalho, Luiz Ferreira da Cunha e João da Silva Cunha. Os dirigentes do Amazonas esperavam que a adesão trouxesse a tão sonhada autonomia (REIS, 1989, p. 156).

Conforme André Roberto de Arruda Machado, no projeto da Constituição para o Império do Brasil o Rio Negro constava como uma de suas províncias (MACHADO, 2006, p. 48). Arthur Reis, comentando a carta magna outorgada em 1824, registrou que “O Rio Negro, naturalmente, estava incluído. Apesar da clareza do texto da lei magna, logo a seguir, marcando o governo o número de deputados ao Parlamento que convocou e nomeando os presidentes para as Províncias, não incluía o Amazonas, considerando-o, tacitamente, uma dependência do Pará” (REIS, 1989, p. 157). Para Agnello Bittencourt, a Independência de 1822 “[…] não ergue da oppressão a Capitania do Rio Negro […] provocando tal situação várias explosões de ânimo” (BITTENCOURT, 1985, p. 264). Mesmo “feridos”, os amazonenses juraram fidelidade à Constituição Imperial em 1825.

Entre as décadas de 1820 e 1840 foram apresentados diferentes projetos pela emancipação do Rio Negro. Políticos paraenses como João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha – que foi o primeiro presidente da província do Amazonas – Frei José dos Inocentes e D. Romualdo Antônio Seixas foram as principais vozes favoráveis à transformação do Amazonas em unidade política independente, argumentando que o governo paraense, dada a extensão continental do território, não conseguiria dar a devida atenção à região, que tinha um enorme potencial econômico. Os políticos contrários afirmavam que o Amazonas possuía uma população rarefeita, carência de mão de obra especializada, rendas públicas e produção insignificantes (FREITAS, 2010).

O maior exemplo das “explosões de ânimo” foi o levante militar de 1832, ocorrido no Lugar da Barra (Manaus). Conforme pesquisa da historiadora Letícia Pereira Barriga, o movimento foi iniciado por praças de 1° e 2° linhas que reivindicavam o pagamento dos salários atrasados. Eles tomaram o Trem de Guerra, os armamentos e as munições, assassinando o comandante militar do Rio Negro, coronel Joaquim Filipe dos Reis. “De levante militar por insatisfação de pagamentos atrasados”, registra Barriga, “o movimento ampliou-se e assumiu um caráter separatista”. Em 22 de junho os revoltosos proclamam a Província do Rio Negro (BARRIGA, 2015, p. 02). O levante, em poucos meses, foi sufocado por tropas militares vindas de Belém, que ocuparam o Lugar da Barra em 12 de agosto, pondo fim à província (LOUREIRO, 1989, p. 14). O Código do Processo Criminal, promulgado pela Regência em 1832, transformou o Rio Negro em Comarca do Alto Amazonas, uma das três que compunham a Província do Pará, formada pelos municípios de Tefé, Luseia, Mariuá (Barcelos) e Manaus, este último elevado à vila (BITTENCOURT, 1985, p. 264; LOUREIRO, 1989, p. 14).

A criação da província vai ser postergada por várias décadas. A situação vai mudar quando, a partir da segunda metade do século XIX, a soberania sobre a Amazônia tornou-se uma questão de primeira ordem, pois era grande o interesse de outras nações sobre as riquezas da região. Para evitar futuras ameaças estrangeiras – sobretudo da Inglaterra, a potência industrial e política da época – e assegurar a soberania sob esse vasto território, o Império acelerou o processo de criação da Província do Amazonas (LOUREIRO, 1989, p. 16). André Luiz dos Santos Freitas afirma que é provável que a Cabanagem (1835-1840) tenha exercido influência sobre a criação da província, pois o estabelecimento de uma nova autoridade poderia evitar revoltas semelhantes (FREITAS, 2010). O deputado paraense João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha apresentou uma indicação em 1844: “Indico que se dirija á Assembléa Geral uma representação para que a Comarca do Alto Amazonas seja elevada à cathegoria de Província. Pará, 7-11-1844” (BITTENCOURT, 1985, p. 271). 

Seis anos depois, o Imperador Dom Pedro II homologou a Lei n° 582 de 5 de Setembro de 1850, elevando a Comarca do Alto Amazonas à categoria de Província do Amazonas, tendo como capital a Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, atual Manaus. Seu primeiro presidente foi João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, nomeado por Carta Imperial de 07 de junho de 1851. Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa registra que a instalação ocorreu somente em 01 de Janeiro de 1852. Ela teve lugar em um sobrado localizado entre as ruas Oriental (posteriormente rua da Instalação), Frei José dos Inocentes e Henrique Antony, que funcionava como a Casa da Câmara Municipal. Estiveram presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como grande número de populares. A população da cidade era estimada em pouco mais de 4.000 habitantes (PEDROSA, 2021).

A criação da Província do Amazonas, um sonho antigo dos tempos da Capitania, representou a autonomia dos amazonenses, que agora poderiam crescer sem depender do controle, muitas vezes autoritário, do governo paraense e suas elites; e a garantia da soberania do Império Brasileiro em terras distantes e quase esquecidas, mas tão cobiçadas por outras nações. O 5 de Setembro é uma data que fala sobre a identidade do amazonense.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BITTENCOURT, Agnello. Corografia do Estado do Amazonas. Manaus: ACA – Fundo Editorial, 1985. [original de 1925].

BARRIGA, Letícia Pereira. Espírito de revolta e separação – o Rio Negro e sua luta por uma nova província na primeira metade do XIX. XVIII Simpósio Nacional de História – Lugares dos Historiadores: velhos e novos desafios, 27-31 jul. 2015.

FREITAS, André Luiz dos Santos. O Gigante Abatido: O Longo Processo de Constituição da Província do Amazonas (1821-1850). Dissertação (Mestrado em História), PUC-SP, 2010.

LOUREIRO, Antonio José Souto. O Amazonas na Época Imperial. Manaus: T. Loureiro, 1989.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 3° ed. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1994.

MACHADO, André Roberto de Arruda. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime português na província do Grão-Pará (1821-1825). Tese (Doutorado em História). USP, 2006.

PEDROSA, Fábio Augusto de Carvalho. A antiga Casa da Câmara Municipal e a Instalação da Província do Amazonas. Blog História Inteligente, 04/09/2023. Disponível em: https://historiainte.blogspot.com/2021/09/a-antiga-casa-da-camara-municipal-e.html fbclid=IwAR3qUcvV7Ixt0Bu_mUKXQkqYzHdlNQE2NEHZCZlfKcFzCqvoAMRq4HTAS_k

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

"Imitadores do belo sexo": travestis na Manaus da Belle Époque

Darwin, o travesti mais famoso do Brasil no início do século XX. Em 1916 realizou algumas apresentações em Manaus. Fonte: Revista de Theatro e Sport, RJ, 26/08/1916.

Travesti, de acordo com a empresa de consultoria em diversidade Transcendemos, “é uma pessoa que foi designada homem no seu nascimento, mas se entende como uma figura feminina”. Por muito tempo a palavra, de maneira pejorativa e transfóbica, esteve associada à prostituição (TRANSCENDEMOS, s. d.). Com o avanço da luta de grupos LGBTQIAPN+, ele vem sendo ressignificado como uma forma de resistência. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Em 2022, conforme levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), foram assassinadas 131 pessoas trans, mas é possível que o número seja ainda maior dada a sub notificação. Escrevi esse texto buscando compreender como elas eram vistas e viviam na Manaus do início do século XX, período marcado por um turbilhão de transformações.

Por muito tempo a homossexualidade e a travestilidade foram analisados apenas do ponto de vista religioso, entendidos como pecados que atentavam contra a obra do criador. A partir da segunda metade do século XIX, tornaram-se objetos de estudo da medicina, que as definiu como “distúrbio, anomalia, carecendo de cura, correção” (MOREIRA, 2012, p. 263). O professor Adailson Moreira, em estudo sobre a homossexualidade no Brasil do século XIX, registra que “As práticas sexuais passaram dos domínios da religião para os da ciência, com sua postura higienista” (MOREIRA, 2012, p. 256). Naquele contexto de transformações políticas, econômicas e urbanas, os “desvios” deveriam ser combatidos em nome de uma sociedade sadia, burguesa e heteronormativa.

Uma das primeiras apresentações de transformistas em Manaus ocorreu em 1899. Em 18 de janeiro daquele ano os jornais Commercio do Amazonas A Federação noticiaram que se apresentaria brevemente no Teatro Amazonas o transformista português José Minuto, discípulo do artista italiano Leopoldo Fregoli (1867-1936). O espetáculo ocorreu no dia 23 de janeiro. Dentre os inúmeros personagens, Minuto interpretou mulheres. Os dois periódicos publicaram críticas diferentes entre si. O Commercio do Amazonas informou que a presença de público foi pequena e que o transformista “representou muito correctamente, colhendo enthusiasticos applausos” (COMMERCIO DO AMAZONAS, 26/01/1899, p. 02). A Federação afirmou que o público manauara desconhecia o gênero apresentado, estando bastante ansiosa para vê-lo. Em tom de lamento, registrou que a apresentação ficou muito abaixo do esperado: “Minuto, porém, pelo que ante-hontem tivemos occasião de ver, não merece quanto delle por ahi se apregôa” (A FEDERAÇÃO, 25/01/1899, p. 01).

O Carnaval era uma época propícia para a inversão dos sexos sem medo da repressão policial, pois tratava-se apenas de uma “brincadeira”. Em uma sociedade que reprimia com violência o diferente, era o momento perfeito para se libertar das amarras. O jornal Correio do Norte, em crônica sobre as festividades de 1906 em Manaus, registrou a presença de um travesti em um carro alegórico que passava pela avenida Eduardo Ribeiro: “Um máscara, em trajes femininos, saltou em terra. Trajava um vestido liso, de cor escura, e sobre elle um bello avental de tiras bordadas, sombreadas de azul. Um lenço de seda branco, dobrado em diagonal, occultava-lhe os cabellos, - systema usado pelas criadas estrangeiras” (CORREIO DO NORTE, 15/04/1906, p. 01).

Na edição de 08 de novembro de 1916, o Jornal do Commercio, na seção Diversões, anunciou que na próxima semana estrearia, no Cine Polytheama, a “troupe de variedades” dirigida por Alfredo Albuquerque. Uma de suas atrações era Darwin, famoso “imitador do bello sexo” (JORNAL DO COMMERCIO, 08/11/1916, p. 01). No dia 11 o periódico voltaria a divulgar o evento, descrevendo Darwin como “notavel imitador do bello sexo”, dono de um “lindíssimo guarda-roupa” (JORNAL DO COMMERCIO, 11/11/1916, p. 04). As expectativas para sua apresentação eram grandes, pois àquela altura ele era considerado o melhor travesti do país. Um dia antes do acontecimento, o JC publicou que “O celebre e admiravel artista Darwin, o mais perfeito e luxuoso imitador do bello sexo, estreará, amanhã, no palco desse theatro” (JORNAL DO COMMERCIO, 17/11/1916, p. 01). No dia 18 ele publicou um anúncio com a foto do artista:

Colossal e estrondoso sucesso com a grandiosa estréa do celebre artista de fama mundial DARWIN o mais perfeito e admiravel imitador do bello sexo, com um repertorio de primeira ordem e luxuosissimo guarda roupa. DARWIN é simplesmente admirável! NÃO TEM RIVAL!! Números novos todas as noites!

E’ de tal ordem a perfeição do trabalho de DARWIN que um jornal da Capital Federal termina assim um dos seus elogios ao grande artista: “E’ o caso de perguntar-se: Darwin será realmente um homem imitando a mulher em scena ou será uma mulher fazendo-se passar por homem fora do palco?” (JORNAL DO COMMERCIO, 18/11/1916, p. 04).

Por que utilizo o artigo 'o' e não 'a' travesti? O utilizo levando em conta a trajetória de Darwin e a forma como se identificava. Nas entrevistas que deu a jornais do Rio de Janeiro, onde realizou suas principais apresentações, nunca se identificou com o gênero feminino. Dizia sempre estar feliz com o seu sexo, apesar das especulações, como registrou o Jornal do Brasil (KOCH, 2022).

No dia 20 Darwin participou de um espetáculo em homenagem à colônia italiana da cidade. No dia seguinte o JC escreveu que ele se apresentaria novamente no palco do Polytheama, e que estava obtendo “ruidoso sucesso” (JORNAL DO COMMERCIO, 21/11/1916, p. 01). Ele fez novas apresentações nos dias seguintes, como consta em anúncio de 24 de novembro de 1916: “Darwin. O celebre e inexcedivel imitador do bello sexo em novos e deslumbrantes numeros do seu encantador repertorio” (JORNAL DO COMMERCIO, 24/11/1916, p. 04). A apresentação do dia 24 foi a última referência encontrada sobre sua passagem por Manaus. De acordo com as publicações do Jornal do Commercio, ele foi bastante aclamado pelos espectadores, dando provas do estrondoso sucesso que vinha fazendo no Sul do país e na Europa.

Anúncio da apresentação de Darwin no Cine Polytheama. Fonte: Jornal do Commercio, Manaus, 18/11/1916.

Entre 1919 e 1928 foram exibidos no Cine Polytheama filmes protagonizados pelo transformista estadunidense Julian Eltinge (1881-1941): o drama A Tentadora Condessa, um deleite “Para os que apreciam o transformismo, que, quando feito com esmero é uma verdadeira arte” (JORNAL DO COMMERCIO, 03/09/1919, p. 04); Madame Carfax, “na qual aquelle habil transformista americano tem uma extraordinaria creação no sexo opposto” (JORNAL DO COMMERCIO, 01/01/1920, p. 04); e Madame Charlston, descrito como “Uma encantadora história de amor” (JORNAL DO COMMERCIO, 31/10/1928, p. 04).

Julian Eltinge (1881-1941), protagonista de filmes exibidos em Manaus entre 1919 e 1928. Fonte: memoriascinematograficas.com.br.

A travestilidade, deve-se destacar, só era tolerada a nível artístico, em cinemas, teatros e boates. O historiador Wellington do Rosário de Oliveira, em estudo sobre travestilidade e gênero, afirma que “O problema é que a tensão aumentava à medida em que esses indivíduos deixavam esses espaços para se tornarem figuras públicas. Com isso, coube à polícia intervir e a imprensa remediar com o intuito de “limpar a cidade” contra os “maus costumes” (OLIVEIRA, 2021, p. 85). Fora dos palcos, os travestis e homens afeminados eram sistematicamente perseguidos e criticados respectivamente. Na seção de moda do Jornal do Commercio de Manaus, foi publicado em 1926 um artigo sobre as roupas femininas e masculinas. O autor criticou com bastante veemência a aparência dos novos chapéus masculinos, afirmando que eles estavam parecidos com os das mulheres: “O que se dá com os vestidos acontece com os chapéos, sendo mais notavel o facto de querer o sexo barbado tambem adoptar o systema ridículo para imitar as mulheres” (JORNAL DO COMMERCIO, 16/05/1926, p. 06).

No Código Penal Brasileiro de 1890, promulgado em 11 de outubro pelo presidente Marechal Deodoro da Fonseca, foi determinado no artigo 379 do sétimo capítulo, intitulado Do uso de nome supposto, titulos indevidos e outros disfarces, que “Disfarçar o sexo, tomando trajos improprios do seu, e trazel-os publicamente para enganar” (DECRETO N° 847, 11/10/1890) era crime, punível com prisão de 15 a 60 dias.

Os jornais atuavam como órgãos defensores do saneamento moral da sociedade, apresentando às autoridades soluções para acabar com as “classes perigosas” (pobres, doentes, prostitutas, negros, homossexuais). A Marreta considerava, em 1912, que “Os invertidos de Manáos são de indole perversa, corruptos de natureza, excessivos e bandidos”, e apresentava o isolamento como resposta: “Pode-se arranjar uma ilha, e nella colocar os invertidos, obrigando-os a trabalhos forçados” (A MARRETA, 03/11/1912, p. 01). Para O Chicote, em 1913, a homossexualidade era um vício cujo crescimento estava desenfreado na cidade. Ela “desce do alto, arrasta na onda a infância inexperiente e atira para as esquinas dos cinemas e sombras propicias dos jardins publicos as figuras amarellentas e repulsivas dos “brizas”. Em tom de apelo, afirmou que era necessário bani-los da cidade, uma “urbs” aquatica para uns e Sodoma e Gomorrha para outros” (O CHICOTE, 02/08/1913, p. 01).

Travestis como Darwin, que encantou os palcos brasileiros e manauaras no início do século XX, só eram “aceitos” enquanto objetos de curiosidade e divertimento. A partir do momento que quiseram viver livremente, deixar suas marcas do mundo e desenvolver suas próprias sociabilidades, passaram a ser vistos como uma ameaça, um mal a ser debelado a qualquer custo. Quantas mudanças em mais de um século. Em 2017 foi fundada em Manaus a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (ASSOTRAM), uma importante vitória fruto de décadas de lutas. Hoje travestis ocupam lugares de destaque na sociedade: realizam pesquisas nas universidades, militam em associações e fiscalizam o governo na câmara dos deputados federais.

FONTES:

Commercio do Amazonas, 26/01/1899.

A Federação, 25/01/1899.

Correio do Norte, 15/04/1906.

A Marreta, 03/11/1912.

O Chicote, 02/08/1913.

Jornal do Commercio, 08/11/1916.

Jornal do Commercio, 11/11/1916.

Jornal do Commercio, 17/11/1916.

Jornal do Commercio, 18/11/1916.

Jornal do Commercio, 21/11/1916.

Jornal do Commercio, 24/11/1916.

Jornal do Commercio, 03/09/1919.

Jornal do Commercio, 01/01/1920.

Jornal do Commercio, 16/05/1926.

Jornal do Commercio, 31/10/1928.

131 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, aponta dossiê. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/131-pessoas-trans-perderam-a-vida-em-2022-no-brasil-aponta-dossie.

Decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MOREIRA, A. S. A homossexualidade no Brasil no século XIX. Bagoas: Revistas de Estudos Gays, v. 6, p. 253-279, 2012.

OLIVEIRA, Wellington do Rosário de. Travestismo, gênero e arte do disfarce: uma análise das narrativas periódicas sobre sujeitos em travesti no Rio de Janeiro (1912-1927). Revista Semina, Passo Fundo, vol. 20, n. 3, p. 75-00, set-dez 2021. Semestral.

O que é uma pessoa travesti? Disponível em: https://transcendemos.com.br/transcendemosexplica/trans/.

KOCH, Jandiro. Darwin: "imitador do belo sexo" transita pelos teatros brasileiros. Grafia Drag, 07/02/2022. Disponível em: https://www.ufrgs.br/grafiadrag/tag/darwin/

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Como escrever um TCC de História

Pintura de Albert Anker, 1908.

Um dos momentos mais marcantes na vida de um acadêmico, sem dúvidas, é a escrita do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), também conhecido como monografia. Não é para menos, pois sem ele você não consegue colar grau, pôr as mãos no tão sonhado diploma e nem exercer uma profissão. Nesse texto pretendo dar algumas dicas de como escrever um bom trabalho final de História.

O QUE É O TCC?

De acordo com algumas universidades, como a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), “O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é uma atividade acadêmica obrigatória que consiste na sistematização, registro e apresentação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos, produzidos na área do Curso, como resultado do trabalho de pesquisa, investigação científica e extensão. O TCC tem por finalidade estimular a curiosidade e o espírito questionador do acadêmico, fundamentais para o desenvolvimento da ciência” (UFVJM, s. d.). Em síntese, no trabalho de conclusão de curso o acadêmico irá demonstrar, através de pesquisa, todos os conhecimentos adquiridos durante sua formação. Tudo o que aprendemos na graduação em História, como ler e analisar textos e documentos e pesquisar em arquivos, deve ser aplicado no TCC.

ESCOLHA E DELIMITAÇÃO DO TEMA

Os professores são unânimes nesse ponto: escolha um assunto que lhe agrade. Uma das piores coisas que se pode fazer é escrever sobre algo que você não gosta. Qualquer leitura, por mais simples que seja, se torna enfadonha quando o assunto abordado não nos interessa. Quantas disciplinas encaramos sem gostar, não é mesmo? Mas os créditos valem o sacrifício.

Ao entrar na graduação, preciso escolher logo de cara o assunto que vou abordar no TCC? Não, não se afobe. Temos, é claro, alguns casos de pessoas que já entram no curso decididas com o que vão trabalhar. Mas o mais comum é que a escolha vá se desenrolando ao longo dos períodos. E você tem todo o direito de mudar de opção. Ao entrar na graduação, tinha em mente falar sobre a história de Manaus. Escolhi falar sobre as origens de suas primeiras ruas. Ao ter contato com o livro História da Morte no Ocidente, de Philippe Ariès, optei por escrever sobre a proibição dos enterros nas igrejas e o surgimento dos cemitérios na capital. Exemplos de assuntos:

História da Igreja;

Historiografia;

História Política;

Questões de gênero;

História da Amazônia;

Na pesquisa histórica utilizamos dois tipos de recortes: espacial e cronológico. Eles servem para delimitar a pesquisa, pois é praticamente impossível darmos conta, por causa dos prazos, de abordar períodos muito longos. Imaginem só o trabalho hercúleo que seria falar sobre a História da Amazônia. É algo muito amplo que foge da nossa capacidade, pois são milhares e milhares de anos para serem analisados. Como solução, escolhemos dentro desse assunto um tema, estabelecendo limites. Ex: economia gomífera no Amazonas (1880-1920). E não precisa ser necessariamente um recorte de várias décadas, podendo ser analisados alguns poucos anos. Em meu TCC, Os mortos e suas moradas na terra dos Barés: o fim dos enterros nas igrejas e seus arredores e a construção do cemitério de São José, em Manaus (1848-1859), estudei um período de 11 anos, justificando o recorte por ter constatado que foi nessa época que surgiram os primeiros discursos contra os enterros tradicionais e quando foram construídos os primeiros cemitérios públicos da cidade.

O que um bom TCC de História precisa ter? Vejamos o que dizem alguns professores:

– "O objeto de investigação claro para o leitor e o recorte temporal"Profa. Dra. Keith Valéria de Oliveira Barbosa.

– "Um TCC precisa ter o objeto de pesquisa bem definido espacialmente e temporalmente. Isso já deve estar apresentado no título. Deve ter uma base teórica e metodológica que dialoguem, pois a escolha das fontes, a sua coleta e o seu tratamento precisarão estar fundamentadas"Profa. Dra. Kátia Cilene do Couto.

– "Um bom TCC de história precisa ter basicamente dois elementos: 1) uma leitura/revisão bibliográfica consistente, seja com quem você concorda ou discorda como autor; e 2) um plano de pesquisa bem elaborado, sejam as fontes primárias ou secundárias. Algo que defina ‘eu vou trabalhar com isso’!"Prof. Dr. Bruno Miranda Braga.

Escolhido o assunto e delimitado o tema, você deve se perguntar sobre a viabilidade da pesquisa. Tenho tempo? Qual sua relevância? Existem fontes e referências bibliográficas disponíveis? Se existirem, estão ao meu alcance (compra, troca e empréstimo de materiais e livros)? Esses são os principais pontos a serem avaliados antes do início do trabalho. Vejam abaixo algumas monografias de História publicadas nos últimos anos na UFAM:

Da Vida para a História: a crise de 1954 e a repercussão da morte de Vargas na imprensa manauara. Autora: Larissa Leite Colares. Ano: 2019.

Desde a época em que fazia curso preparatório a autora gostava de estudar a vida de Getúlio Vargas, principalmente a sua morte. Já na graduação, decidiu que sua monografia seria sobre a o impacto da morte de Vargas em Manaus, entrando em contato com o professor de Brasil Republicano, que decidiu orientá-la.

O Egito faraônico no período Armaniano (1352-1336 A. C.): Cultos, Diplomacia, Poderes e Problematizações. Autora: Inara Kézia Gama Araújo. Ano: 2021.

A autora vinha pesquisando esse tema em projetos de iniciação científica. Pensou em abordá-lo na monografia pensando na pluralidade que esse período representa na egiptologia.

ESCOLHENDO O (A) ORIENTADOR (A)

Baseado na minha experiência e nas conversas com amigos de curso, afirmo que existem dois tipos de orientador: anjos e carrascos. Os anjos são aqueles que lhe acolhem, respeitando suas escolhas e fazendo críticas e sugestões construtivas, indicando fontes e referências e contribuindo para a realização da pesquisa. As seções de orientação são bastante produtivas. Ele também cuida dos seguintes aspectos:

Ajuda na estruturação do trabalho;

Informa sobre as normas técnicas que devem ser obedecidas e as corrige;

Corrige e revisa o trabalho ao longo de sua execução;

Os carrascos, por outro lado, têm o prazer de depreciar a pesquisa de seus orientandos e, sempre que podem, dão uma de Mestre dos Magos (desaparecem quando mais precisamos). As seções de orientação parecem mais uma estadia no Purgatório. Lembro que, certa vez, quando fazia um projeto voltado para o estudo da Amazônia, a orientadora só queria aceitá-lo se incluísse o referencial teórico de sua formação, no caso Michel Foucault. Com a minha negativa, perdi a orientação.

Escolha um (a) orientador (a) que tenha afinidade com o assunto que você escolheu. E também com você. As sociabilidades são muito importantes na vida acadêmica. Muitas dores de cabeça serão evitadas dessa forma. Aliás, qual seria a lógica em escolher um especialista em História Social do Trabalho para lhe orientar em uma pesquisa sobre História Cultural no Brasil Colônia?

No entanto, por conta do grande número de trabalhos, pode ser que aquele professor que você esteja interessado não tenha mais vagas abertas. Isso acontece com frequência. Não desanime. Dialogue com o que foi escolhido, mesmo que não seja o que você esperava.

MONTANDO O PROJETO

MONOGRAFIA HISTÓRICA I

O TCC, ou monografia histórica, é dividido em duas partes: Monografia Histórica I e Monografia Histórica II. A primeira é o projeto do seu trabalho, e deve ter a seguinte estrutura: Introdução; Justificativa; Objetivos; Metodologia; Fontes; e Referências Bibliográficas.

A introdução, como o próprio nome indica, é a parte em que você introduz o leitor ao tema do trabalho, apresentando as questões norteadoras, fazendo uma revisão da literatura existente, apresentando as fontes que serão utilizadas e o referencial teórico. Na justificativa você deve, obviamente, justificar a importância de sua pesquisa para a comunidade científica e as contribuições que ela traz para a temática pesquisada. Observações:

Faça uma revisão consistente da literatura, mas não exaustiva. Lembre dos prazos. Escolha alguns dos principais autores e apresente suas perspectivas;

O mesmo ocorre com o referencial teórico. Não é necessário escolher um planetário de autores. Fique com os fundamentais: vai escrever sobre metodologia da pesquisa histórica? Não esqueça de Marc Bloch. Vai falar de história das mulheres? Tenha em mãos trabalhos de Michelle Perrot;

Os objetivos são divididos em objetivo geral e objetivos específicos. O objetivo geral é amplo e está relacionado com o problema da pesquisa: qual o objetivo principal do trabalho? Dica: use verbos de compreensão/aplicação como explicar, ilustrar e demonstrar. Os objetivos específicos são a ponte de acesso ao objetivo geral. Neles são utilizados verbos de análise como analisar, comparar, categorizar e compreender. O ideal é que sejam formulados um objetivo geral e dois ou cinco específicos.

Na metodologia devem ser abordados os procedimentos utilizados na condução da pesquisa: pesquisa de campo, revisão bibliográfica, entrevistas, pesquisa documental, levantamento fotográfico, estudo de caso etc.

Na seção fontes deve ser arrolada a documentação empregada: jornais, revistas, leis, decretos, requerimentos, certidões de nascimento e óbito, registros paroquiais, fotografias, relatórios municipais e estaduais e outros tipos de documentos. Nas referências bibliográficas são elencados os artigos, livros e obras consultadas.

MONOGRAFIA HISTÓRICA II

A Monografia Histórica II é o trabalho em si, contendo os resultados da pesquisa. Têm a seguinte estrutura: capa; folha de rosto; agradecimentos (opcional); resumo; resumo em língua estrangeira; lista de figuras (se forem utilizadas); sumário; introdução; desenvolvimento; considerações finais; fontes; e referências bibliográficas.

A capa deve contar o cabeçalho com o nome da universidade, do instituto e do departamento, o nome do autor, título, cidade e ano de entrega. A folha de rosto começa com o nome do autor, seguida do título e, abaixo, informações sobre o trabalho e o nome do orientador (a). Por último, cidade e data novamente. Em seguida temos o resumo, que deve ser um compilado do tema estudado, trazendo as questões que serão trabalhadas, o objetivo, metodologia empregada, as considerações finais e as palavras-chave (de 3 a 5). Ele deve ser feito novamente na próxima página, só que em língua estrangeira (inglês, espanhol e francês).

Na introdução, o tema deve ser apresentado, contextualizado e delimitado, bem como as questões que norteiam a pesquisa, os objetivos e a metodologia. Os capítulos que compõe o trabalho também devem ser expostos, só que de forma sucinta. O tamanho da introdução varia, mas geralmente a encontramos com extensão de 3 a 5 páginas. No final, ela vai depender do tamanho da pesquisa. No desenvolvimento são apresentados os resultados da pesquisa, divididos em capítulos. É recomendável que o trabalho tenha de 3 a 5 capítulos.

Conclusão ou considerações finais? É um termo que gera debate na academia. Uma parte da comunidade científica defende que são termos diferentes que possuem o mesmo significado. A outra afirma que considerações iniciais e conclusão possuem diferenças: as considerações finais indicam que não existe uma verdade única sobre a pesquisa. Novos pontos de vista podem ser lançados ao tema, fazendo surgir novos resultados. A conclusão, por outro lado, transmite a ideia de totalidade, verdade absoluta, ideia rechaçada nas ciências. Para as considerações finais, você deve recapitular, de forma geral e sucinta, o tema pesquisado, reapresentar a justificativa, a metodologia, os objetivos, as hipóteses e, por fim, os resultados.

Nas fontes devem ser listados os documentos utilizados (leis, decretos, requerimentos, certidões de óbito e nascimento etc) e, na bibliografia, os textos, artigos, teses, dissertações e monografias que foram consultados.

CONCLUSÃO

O TCC, ou monografia, não é um bicho de sete cabeças. Infelizmente se sabe que é grande o número de pessoas que saem do ensino médio sem saber redigir um texto, problema que aflora na hora de realizar trabalhos acadêmicos. Por isso a importância, na graduação em História, de disciplinas como Metodologia da Pesquisa Histórica, em que temos contato com o instrumental de pesquisa. Você não precisa escrever a nova Apologia da História para ser aprovado por uma banca. A grande maioria dos trabalhos de conclusão de curso, não só de História como de outras áreas, são revisões bibliográficas. Com um bom orientador, fontes e referenciais teóricos, é possível fazer um bom trabalho, ser aprovado e tornar-se historiador.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Conjuntos, condomínios e o problema de moradia em Manaus

Conjunto Cidade Nova, na zona Norte de Manaus. Fonte: Acervo da fanpage Manaus Sorriso.

Manaus, há tempos, sofre com um enorme deficit habitacional. A corrida da borracha entre 1880 e 1910 trouxe milhares de pessoas para a cidade, que passaram a viver em péssimas condições em cortiços. Essa situação piorou na época da crise, a partir de 1920, quando milhares migraram do interior para a capital em busca de melhores condições de vida, dando origem à Cidade Flutuante, um aglomerado de habitações no Rio Negro que chegou a ter 12 mil moradores. Existiram, deve-se mencionar, algumas vilas operárias, mas elas não atendiam a demanda existente. Entre as décadas de 1950 e 1960 o Estado apostou na construção de conjuntos habitacionais para amenizar o problema. O primeiro conjunto residencial da cidade foi o Conjunto Juscelino Kubitschek, localizado na extinta Praça General Carneiro, entre as avenidas Carvalho Leal, Codajás e Castelo Branco, no bairro Cachoeirinha, na zona Sul. Construído através do DAPS (Departamento de Assistência e Previdência Social) e da Construtora Lippi, no Governo de Plínio Ramos Coelho, foi inaugurado pelo Presidente Juscelino Kubitschek em 1957.

No Regime Militar, a Cidade Flutuante foi demolida no Governo de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964-1967). Foram projetados dois conjuntos habitacionais para realocar parte – geralmente com melhor condição financeira – de seus habitantes: os conjuntos de Flores e Costa e Silva, construídos em 1967 e 1968, respectivamente, pela Companhia de Habitação do Amazonas (COHAB-AM). O grosso dos moradores recebeu uma ínfima ajuda financeira, dando origem a ocupações improvisadas em bairros como Compensa, São Lázaro, Crespo, São Jorge e Alvorada. Com a instalação da Zona Franca, em 1967, a população cresceu em grandes proporções com a vinda de trabalhadores do interior e de outros Estados. De acordo com o IBGE, a população de Manaus era de 175.343 habitantes em 1960. Em 1970 ela chegou a 314.197.

Um dos mais antigos conjuntos da cidade, voltado para as classes média e alta, faz parte do bairro Nossa Senhora das Graças, na zona Centro-Sul. Trata-se do Conjunto Isaías Vieiralves. Projetado pelo arquiteto Rubens Madela, foi construído pela Incorporadora Irmãos Valle Ltda, de Goiânia, especializada em apartamentos de luxo, e pela EMBRATEC – Empresa Técnica de Construções, responsável pela contratação dos funcionários. As primeiras residências foram entregues em 1970. Tinham pouco mais de 100m², 3 quartos, dois banheiros, garagem, quarto para empregada, área de serviço, sala ampla, sala de jantar e copa-cozinha. As obras foram concluídas em 1974. Seu nome é uma homenagem a Isaías Vieiralves (1884-1958), cearense de Sobral que veio para o Amazonas em 1914, estabelecendo-se como guarda-livros no rio Juruá e fundando em Manaus a Vieiralves Imobiliária S. A., uma das responsáveis pela venda de casas no conjunto. Manauense, Vila Amazonas, Ica Maceió e Haideya III são outros conjuntos existentes nesse bairro.

O bairro Dom Pedro, na zona Centro-Oeste, nasceu como um conjunto habitacional. As terras, que no início pertenciam a José Gabriel Rolim, foram adquiridas pelo empresário Isaac Benzecry, que posteriormente as vendeu para a Cooperativa Habitacional dos Trabalhadores de Manaus (COOPHAB – TRABAM), que iniciou em 1972 a construção do Conjunto Habitacional Dom Pedro I, nome dado em referência à comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil, festejada naquele ano. A inauguração ocorreu em 20 de março de 1974. As obras foram realizadas pela construtora Flávio Espírito Santo. Posteriormente foi construído o Conjunto Dom Pedro II. Considerado um dos bairros nobres da cidade, é formado pelos conjuntos Dom Pedro I e II, Kyssia I e II, Déborah e pelos loteamentos Parque Jerusalém e Tropical. Nele estão localizadas a sede da Polícia Federal do Amazonas, a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (Fcecon), a Fundação de Medicina Tropical Alfredo da Mata (FMT), a Vila Olímpica, o Centro de Convenções (Sambódromo), a Delegacia Geral da Polícia Civil do Amazonas, o Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro, o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas e a Secretaria de Estado da Juventude e Lazer.

Vista aérea do Conjunto Dom Pedro, na zona Centro-Oeste de Manaus. Fonte: Instituto Durango Duarte.

Ao longo da década de 1970 surgiram vários conjuntos, como o Ajuricaba, da Sociedade de Habitação do Amazonas (SHAM), na Alvorada; Bancários, da construtora Nóvoa e Cia Ltda., no Santo Antônio; Eldorado e Castelo Branco, no Parque 10 de Novembro, o primeiro a cargo da Soaplan – Sociedade Amazonense de Planejamento e Administração Ltda, e o segundo da SHAM; Coophasa, da Cooperativa Habitacional dos Subtenentes e Sargentos do Amazonas, no Nova Esperança; Parque das Laranjeiras, da ELA – Empresa Líder de Asses Ltda, em Flores; Petro e Tiradentes, o primeiro da A. Gaspar e o segundo a cargo da CERTAM – Companhia de Engenharia Ltda, no Aleixo; Ayapuá, erguido pela ARCA – Arquitetura e Construção do Amazonas, entre Ponta Negra e Compensa; e Santos Dumont, da A. Gaspar, no bairro da Paz.

Na Avenida Constantino Nery, no bairro Chapada, localiza-se o Conjunto dos Jornalistas. Iniciativa da Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP-AM) e da Cooperativa Habitacional dos Jornalistas Profissionais, com financiamento da Caixa Econômica Federal, foi idealizado no final da década de 1970 e construído pela construtora A. Gaspar entre 1980 e 1981. Cada apartamento possui 2 quartos, sala, banheiro, cozinha e área de serviço. A poucos metros dele encontra-se o Conjunto Tocantins, também construído pela A. Gaspar na década de 1980, sendo entregue em 1985.

O bairro Cidade Nova, na zona Norte, surgiu como um imenso conjunto através de planejamento habitacional feito no Governo de José Bernardino Lindoso em 1979. Ele foi criado para abrigar migrantes do interior e de outros Estados que vieram para a cidade trabalhar no Polo Industrial. Foi inaugurado oficialmente em 23 de abril de 1980. O nome Cidade Nova foi dado pois acreditava-se que o mesmo seria desmembrado da capital, tornando-se uma nova cidade que faria parte da Região Metropolitana de Manaus. Isso não ocorreu. O bairro é dividido em 24 núcleos e cinco subdivisões: Cidade Nova 1, Cidade Nova 2, Cidade Nova 3, Cidade Nova 4 e Cidade Nova 5. Em 1986 é inaugurado na Cidade Nova o Conjunto Manôa, construído pelo IPASEA e posteriormente pela SUHAB (Superintendência Estadual de Habitação) no Governo de Gilberto Mestrinho. Destinava-se a funcionários públicos.

O grosso da população, que entre 1980 e 1990 saltou de 642.492 para 1.010.544, não conseguiu moradia nos conjuntos. Foram feitas invasões, originando bairros como São José, Jorge Teixeira, Zumbi, Colônia Terra Nova e Cidade de Deus, nas zonas Norte e Leste, as principais áreas de expansão urbana nas últimas décadas.

Conjunto Viver Melhor, na zona Norte de Manaus. Fonte: divulgação.

Recentemente, o Governo do Estado, através da SUHAB e da Caixa Econômica Federal, construiu, na zona Norte, os conjuntos habitacionais Viver Melhor I e II, no bairro Lago Azul, e Viver Melhor III e IV, no bairro Colônia Terra Nova. Esses são apenas alguns exemplos do que foi feito até hoje para tentar sanar um problema urbano crônico, fruto da falta de planejamento de diferentes administrações municipais e estaduais. Observando boa parte desses casos, percebe-se que os grupos mais beneficiados com moradias foram as classes média e alta, enquanto os mais necessitados, que não podiam arcar com a compra dos imóveis, recorreram às ocupações irregulares para ter direito de habitar a cidade que ajudaram a construir.

Agora vejamos como se deu a construção de condomínios, símbolos da verticalização iniciada entre as décadas de 1970 e 1990, período marcado por significativos avanços nas técnicas construtivas, na otimização do uso do espaço urbano e pela busca, das classes média e alta, de novos modelos de habitação que oferecessem segurança, lazer e serviços de forma integrada.

A Avenida Getúlio Vargas foi uma das mais requisitadas para a construção de prédios residenciais. No início da década de 1960 foi erguido o Condomínio Edifício Palácio do Rádio, propriedade do radialista Josué Cláudio de Souza, da Rádio Difusora. Com pedra fundamental lançada em 1957, foi inaugurado em 1962. A construção ficou a cargo da Cointer Ltda. Ele fazia parte um ambicioso projeto denominado ‘Cidade do Rádio’, que previa a construção de três edifícios residenciais de 12 andares, contando com supermercado, piscina, playground, auditório e serviços de luz e água próprios. Ao lado da Policlínica Gilberto Mestrinho se situa o Condomínio Edifício Monte Carlo, de 18 andares, planejado pela Soaplan – Sociedade Amazonense de Planejamento e Administração Ltda e construído entre 1973 e 1984. O Condomínio Edifício Mônaco, na esquina com a rua 24 de Maio, começou a ser construído em 1973. Com as obras paradas por vários anos, foi concluído em 1984.

Condomínio Edifício Cidade de Manaus, construído na década de 1970. Fonte: Google Maps.

Na Avenida Eduardo Ribeiro estão alguns clássicos da década de 1970. O Condomínio Edifício Cidade de Manaus, na esquina com a rua 24 de Maio, foi projetado pelo arquiteto Ary Macedo e construído entre 1969 e 1972 pela Construtora América do Sul – CASUL. Inaugurado em 31 de março de 1973, possui 24 pavimentos. Do outro lado da esquina ergue-se outro gigante, o Condomínio Edifício Palácio do Comércio, construído pela Cia. Rio Branco de Engenharia e Comércio. Inaugurado em 1978, possui 23 andares. Em frente a ele temos o Condomínio Edifício Zulmira Bittencourt. Na esquina com a rua Saldanha Marinho situa-se o Condomínio Edifício Manaus Shopping Center. Com 20 andares, foi construído entre 1973 e 1976 pela Construtora Adolpho Lindenberg S. A. Em seu lugar existiu, entre 1913 e 1973, o Cine Odeon. No térreo funcionou o Studio Center, cinema da empresa de Adriano Bernardino. Na parte alta da avenida, em frente ao Ideal Clube, na esquina com a Monsenhor Coutinho, onde ficava o Palacete Miranda Corrêa, domina a paisagem o Condomínio Edifício Maximino Corrêa, de 20 andares, projetado pelos arquitetos Luís Carlos Antony e Fernando Pereira da Cunha, com incorporação da firma Grande Rio S. A. e construção executada entre 1971 e 1973 pela Construtora Santa Catarina. Os anúncios o descreviam como um prédio luxuoso, com apartamentos de 2 e 3 quartos, dependência para empregada, playground e piscina. Teve financiamento da TROPICAL – Companhia de Crédito Imobiliário, com repasse do Banco Nacional de Habitação (BNH). Foi inaugurado em 30 de novembro de 1973.

A poucos metros do Manaus Shopping Center, na Saldanha Marinho com a Costa Azevedo, está o Condomínio Edifício Rio Madeira, construído pela Construtora Novoa & Cia Ltda. entre 1970 e 1973. Possui 12 pavimentos e um centro comercial. Também é na Saldanha Marinho, na esquina com a rua Barroso, que fica o Condomínio Edifício Alfredo da Cunha, construído entre 1970 e 1977 pela construtora Sociedade de Obras Ltda. Têm 49 apartamentos e uma galeria comercial no térreo. Ainda na Saldanha, próximo da Avenida Getúlio Vargas, o Condomínio Edifício Beta, construído entre 1973 e 1977, destaca-se pelos seus amplos apartamentos que chegam a 150m². Nele residiram personalidades ilustres da sociedade amazonense, como o poeta e imortal da Academia Amazonense de Letras (AAL) Almir Diniz de Carvalho e o historiador Coronel Roberto Mendonça.

Entre o antigo Cine Polytheama e o Palácio Rio Negro, na avenida Sete de Setembro, estão dois interessantes condomínios: o Condomínio Edifício Antônio Simões, empreendimento da Novacasa Imobiliária Industrial Ltda., com financiamento da Amazon-Lar (Associação de Poupança e Empréstimo) na qualidade de agente financeiro do Banco Nacional de Habitação (BNH) e construído pela Construtora Artec entre 1969 e 1976; e o Condomínio Edifício Infante Dom Henrique, construído pela construtora A. Gaspar no final da década de 1970 e entregue em 1981.

Na tradicional Avenida Joaquim Nabuco, outrora endereço da burguesia durante a Belle Époque, o Condomínio Edifício David Nóvoa, na esquina com a rua Lauro Cavalcante, representa bem os esforços de modernizar a cidade nos primeiros anos da Zona Franca. Seu lançamento ocorreu em 27 de setembro de 1968. Com 17 pavimentos, foi construído entre 1968 e 1972 através de consórcio entre a Importadora Nasser Comércio e Engenharia, de Belém, e a Construtora Nóvoa Ltda., de Manaus. Na época de sua inauguração foi considerado o edifício mais luxuoso da cidade. Nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, na rua Miranda Leão, encontramos o Condomínio Edifício Bader Sadala, propriedade da tradicional família Sadala, cujo nome homenageia a matriarca Bader Sadala, natural do Líbano. Sua construção teve início em 1985, foi paralisada em 1987 e concluída em 1990.

Condomínio Edifício Bader Sadala. Fonte: Google Maps.

No início da avenida Constantino Nery, ainda no Centro, ao lado do Terminal de Integração I, chama a atenção o Condomínio Edifício Manoel José Ribeiro, um tanto maltratado. Construído entre 1987 e 1989 pela Construtora Plinic, possui 80 apartamentos. Na Leonardo Malcher estão dois edifícios construídos pelo engenheiro paulista Luís Carlos Nistal: o Condomínio Edifício Maria Beatriz, de 1991-1992; e o Condomínio Edifício Anaira, na esquina com a rua Tapajós, erguido entre o final da década de 1980 e início de 1990.

O Condomínio Edifício Simon Bolívar, em rua homônima, perto da Praça da Saudade, é um genuíno representante da verticalização ocorrida em Manaus na década de 1980. Foi construído entre 1984 e 1987 pela Construtora Rayol Ltda., do saudoso empresário Murilo Rayol. Um pouco mais distante dali, na rua Ferreira Pena, o Condomínio Edifício São João Del Rey destaca-se pelo alto padrão e amplos apartamentos. Sua construção se deu entre 1987 e 1989 pela Construtora Rayol Ltda.

Até aqui é perceptível como o Centro foi a área em que teve início a verticalização. Com a ausência de leis de proteção ao patrimônio histórico, muitos bens de época foram demolidos para dar lugar a edifícios residenciais. A partir da publicação de planos diretores e do Tombamento da região central, esse processo foi levado para outras zonas, principalmente as Centro-Sul e Centro-Oeste. Um dos bairros mais afetados foi o Parque 10 de Novembro, na zona Centro-Sul. Na Avenida Djalma Batista foi erguido o então luxuoso Condomínio Amazonas Flat, projetado pelo premiado arquiteto Severiano Mário Porto e construído pela Engecenter entre 1986 e 1991. Primeiro apart-hotel de Manaus, foi considerado um dos prédios mais modernos e luxuosos da época, com apartamentos de 1, 2 e 3 quartos, 2 piscinas, sauna, quadra de tênis, squash, central telefônica, centro comercial, garagem coberta e circuito de TV. Em poucos meses todas as unidades foram vendidas.

Atualmente, de acordo com o IBGE, a cidade possui um déficit de moradia de 105.587 habitações. Seria necessária a construção de 5 mil casas por ano. Manaus tem uma população de 2.219.580 habitantes, dos quais 195 mil vivem na extrema pobreza. A tragédia ocorrida no bairro Jorge Teixeira, causando oito mortes, é parte de uma lamentável e histórica ausência do poder público no que diz respeito a políticas de habitação pública. Faltam políticas ambientais, sociais e habitacionais sólidas. Quanto aos condomínios, estima-se que eles existam em número de 500, atendendo diferentes tipos de gostos e bolsos. Aos interessados em conhecer de forma aprofundada o problema de moradia na cidade e sua verticalização, recomendo as dissertações Habitar na cidade: Provisão estatal da moradia em Manaus, de 1943 a 1975, da historiadora Vládia Pinheiro Cantanhede; e Solo Criado: estudo sobre o processo de verticalização em Manaus, do geógrafo Fellipe Costa Barbosa.

Artigo publicado na coluna Memória JC, do Jornal do Commercio, em 04/04/2023, p. A5.