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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A Amazônia Pombalina

Retrato do Marquês de Pombal. Pintura de Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet, 1766.

A Amazônia começou a passar por transformações profundas na segunda metade do século XVIII. Em Portugal, subiu ao trono em 1750 o Rei D. José I, conhecido como O Reformador, que botou em prática um projeto de transformação política e econômica no reino e nas colônias, nomeando o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), para empreender essa tarefa.

Portugal era uma nação pobre e dependente da Inglaterra. Para superar essa condição, o Marquês de Pombal elaborou um ambicioso projeto de modernização das instituições. A Amazônia, que até então era uma região, no cenário colonial, subalterna, passou a fazer parte dos quadros de desenvolvimento mercantilista.

Numa tentativa de reordenação e aperfeiçoamento da manutenção das fronteiras, é criado em 1751 o Estado do Grão-Pará e Maranhão, formado pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, com capital em Belém.

As aldeias tiveram suas nomenclaturas alteradas, recebendo nomes portugueses. Exemplos: Mariuá – Barcelos; Taracuatíua – Fonte Boa; Saracá – Silves; Abacaxis – Itacoatiara; Trocano – Borba; Caiçara – Alvarães; São Paulo dos Cambebas – Vila de São Paulo de Olivença.

Em 03 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, desmembrada do Estado do Grão-Pará e Maranhão. A criação dessa nova unidade política colonial tinha três objetivos. O primeiro, facilitar a administração portuguesa na Amazônia, pois as dimensões geográficas da região faziam com que as decisões tomadas em São Luís, no Maranhão, e Belém, no Pará, chegassem de forma tardia nas localidades mais interioranas, extremamente distantes dos centros das decisões políticas. O segundo, facilitar a catequização dos indígenas. O terceiro, garantir a soberania portuguesa frente as ameaças de espanhóis, ingleses, holandeses e franceses.

O rei de Portugal, Dom José I, autorizou, no Alvará de 04 de abril de 1755, o casamento entre portugueses e indígenas, com amplos benefícios para os casais constituídos e seus descendentes, súditos a partir de agora com forte ligação com a metrópole portuguesa. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro”.

Os jesuítas foram expulsos da Amazônia em 1759. Essa ação fazia parte da obra modernizadora iluminista de Pombal, que previa a atuação ampliada do Estado sobre todos os setores da sociedade. Afirmava-se que os jesuítas estavam criando um "Estado dentro do Estado", oferecendo riscos à soberania portuguesa.

Com o fim da União Ibérica (1580-1640), período de domínio da Espanha sobre Portugal, foi necessário estabelecer novos tratados de limites. Três foram assinados durante o período Pombalino: Tratado de Madri (1750), Tratado de El Pardo (1761) e Tratado de Santo Ildefonso (1777).

No Tratado de Madri ficou acertado que Portugal reconhecia a soberania da Espanha sobre a Colônia de Sacramento, fundada pelos portugueses em 1680, e o território do Rio da Prata, enquanto a Espanha entregava a Portugal os Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul, e os territórios da Amazônia e Mato Grosso. Para ficar com essas terras, Portugal invocou a tese do Uti Possidetis, segundo a qual a terra pertence a quem a ocupa e desenvolve.

Esse tratado foi anulado em 1761 pelo Tratado de El Pardo por conta das Guerras Guaraníticas, encabeçadas pelos indígenas e jesuítas espanhóis que se recusaram a deixar as terras dos Sete Povos das Missões e pela falta de demarcação dos limites na Amazônia.

Em 1777 é assinado o Tratado de Santo Idelfonso, que determinou, de forma definitiva, que Portugal ficava com a região Amazônica, e a Espanha ficava com a Colônia de Sacramento e os Sete Povos das Missões, no Sul. O Tratado de Badajós, de 1801, autenticou essas decisões. A Amazônia, ocupada e desbravada pelos portugueses, agora lhes pertencia de fato.

Visando a dinamização da produção e comércio das drogas do sertão, o desenvolvimento da agricultura e a introdução de escravizados africanos, foi criada em 1755 a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, com sede em Lisboa.

Portugal buscou utilizar a mão de obra indígena, integrando os nativos à cultura europeia, os transformando, pela força, em braços úteis ao progresso econômico. Em 06 de junho de 1755 a escravidão indígena foi abolida, sendo os nativos igualados aos portugueses. Dois anos depois o trabalho forçado foi regulamentado através do Diretório dos Índios (1757).

O Diretório determinou que os indígenas ficariam sob domínio dos Diretores, que deveriam zelar pela administração das comunidades. Os indígenas foram proibidos de falar suas línguas e o nheengatu, língua geral criada pelos jesuítas, devendo falar apenas a língua portuguesa e utilizar sobrenomes em português. Suas casas deveriam ser construídas como a dos brancos, com divisões para quarto, cozinha etc.

Os indígenas deveriam se dedicar à agricultura de exportação, mas também eram obrigados a cultivar mandioca, feijão, milho e arroz para consumo próprio e para abastecer os moradores das cidades. A atividade comercial sofreu interferência, com a padronização de pesos e medidas. Os povoados próximos aos mares e rios deveriam se dedicar à salga de peixe para a exportação.

Nos povoados e arredores onde existissem drogas do sertão, os indígenas que tivessem finalizado o cultivo de suas roças seriam arregimentados pelo Diretor para sua exploração, com fiscalização do Cabo das Canoas, que evitaria que o diretor se beneficiasse do trabalho dos nativos.

Os indígenas eram obrigados a pagar o dízimo, que era a décima parte do que produzissem e adquirissem, ficando o diretor responsável pela cobrança. Este último tinha como salário a sexta parte do cultivo e produtos adquiridos pelos indígenas, estes últimos não devendo ser produtos comestíveis.

Nesse novo contexto de trabalho compulsório os indígenas eram distribuídos pelos diretores entre os habitantes dos povoados e vilas, os ajudando na extração das drogas do sertão e nas lavouras. Uma parte deles ficava retida em suas próprias povoações para a defesa do território e os serviços prestados à coroa. O diretório foi abolido em 1798.

Uma nova divisão territorial foi feita em 1772. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dividido em dois estados independentes: a Capitania do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís.

A Era Pombalina chegou ao fim em 1777, quando o Rei D. José I faleceu e sua filha, Maria I, demitiu o Marquês de Pombal do cargo de ministro.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FREIRE, José Ribamar Bessa (coord.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima. A Amazônia Colonial (1616-1798). Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.

SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. 1° ed. Rio de Janeiro: MEMVAVMEM, 2010.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Resenha: História do Declínio e Queda do Império Romano, de Edward Gibbon


Os homens letrados do século XVIII tinham um enorme talento na arte da escrita, talento esse por nós conhecido através das obras de Montesquieu, Voltaire, Rosseau e Diderot. O inglês Edward Gibbon (1737-1794) faz parte desse hall de iluministas, posição alcançada pela produção da monumental História do Declínio e Queda do Império Romano.

Poucas são as obras que fazem sucesso imediato ao ser publicadas. Em 1776 o primeiro volume de Declínio e Queda foi recebido de forma ambígua, entre a crítica dos conservadores e o entusiasmo dos mais liberais, mas tornou-se um sucesso de vendas. O advogado e biógrafo escocês James Boswell (1740-1795) acusou Gibbon de ser um “fantoche incrédulo”. O motivo? Gibbon inovou a História moderna ao analisar o declínio do Império Romano do Ocidente sob o ponto de vista da ascensão do Cristianismo. O historiador inglês não era ateu (foi calvinista, converteu-se ao catolicismo e reconverteu-se ao calvinismo), mas, assim como outros escritores do período das Luzes, era crítico da superstição, da intolerância que gerava o fanatismo e cerceava a liberdade, condição altamente necessária aos burgueses liberais do setecentos.

Foi em Roma, em 1764, durante uma viagem, que surgiu a ideia de investigar as causas do declínio e queda do Império Romano: “[…] enquanto eu estava sentado a cismar entre as ruínas do Capitólio e os monges descalços cantavam as vésperas no Templo de Júpiter; que a ideia de relatar o declínio e a queda da cidade pela primeira vez me veio à mente” (p. 19). Da cidade, ampliou a investigação para o Império. A junção de diferentes elementos históricos vistos (monges, ruínas romanas e a cidade moderna) foi o norte de Edward Gibbon.

Durante a juventude ele teve contato com as obras de Heródoto, Tucídides, Xenofonte, Horácio, Virgílio, Terêncio, Ovídio e outros gregos e latinos; assim como leu obras de autores contemporâneos, no caso Considerações sobre as causas da grandeza e decadência dos romanos, de Montesquieu; e outros do final do século XVII, como Grotius, Pascal, Putendorf, Locke e Bayle. Foram 12 longos anos de leituras de fontes primárias, de grande erudição, até que a obra fosse concluída entre 1788-89, totalizando seis densos volumes.

Nós, leitores brasileiros, temos acesso às edições abreviadas, que giram em torno de 504-607 páginas (só o primeiro volume do original possui 628 páginas). A que tenho em mãos é a mais recente, de 2005, em formato de bolso, organizada em 1952 pelo jornalista e erudito norte-americano Dero A. Saunders e traduzida pelo poeta, crítico literário e ensaísta brasileiro José Paulo Paes, que também traduziu a mais antiga, de 1989. O compêndio de Saunders nos permite, mesmo que o texto não seja integral, ter uma noção da grandiosidade da obra do historiador inglês. Gibbon analisa mais de mil anos de história, indo do século II d.C. até o século XV. Sua pena é como um manto que cobre todos os acontecimentos desse período.

O gênio do autor não reside apenas em sua erudição, no manuseio de inúmeras fontes, mas em seu estilo literário. Ele penetra no íntimo das instituições, dos cultos, das administrações imperiais, do caráter dos imperadores, das guerras e dos conflitos internos. A impressão que passa é a de ter sido testemunha ocular da desestruturação do Império, de ter entrado pessoalmente nas catacumbas cristãs primitivas, de ter visto de perto as invasões de godos, francos, vândalos, saxões, hunos e outros povos bárbaros. A economia não é o seu ponto forte, sendo todas as atenções voltadas para aspectos políticos, sociais e culturais. Toda essa vivacidade e acuidade são acompanhadas por críticas, polêmicas e ironias que transitam entre o irreverente e a acidez. Na introdução de sua obra, sobre a extensão e o poderio militar do Império na época dos Antoninos, Gibbon pinta o seguinte quadro do Império Romano no século II d.C.:

No segundo século da Era Cristã, o império de Roma abrangia a mais bela parte da terra e o segmento mais civilizado da humanidade. As fronteiras daquela vasta monarquia eram guardadas por antigo renome e disciplinada bravura. A influência branda mas eficaz das leis e dos costumes havia gradualmente cimentado a união das províncias. Seus pacíficos habitantes desfrutavam até o ponto de abuso os privilégios da opulência e do luxo (p. 31).

Gibbon, em um tom moralizante, que pode ser visto em outras passagens de sua obra, critica a opulência e luxo desmedidos, elementos que em excesso podem ser nocivos ao homem. Superstições, milagres e outros eventos explicados de forma sobrenatural são criticados, buscando-se explicações naturais, físicas e racionais. Em nível de exemplo, quando o autor aborda o Imperador Constantino, a primeira coisa que faz é desmistificar as visões divinas sobre sua conversão ao Cristianismo, apontando os motivos políticos, e não religiosos, desse fato. Fé cega e espírito crítico, natureza humana e religião, são para ele termos opostos.

Uma religião que até então vivia na clandestinidade, na periferia do Estado Romano, sendo por diversas vezes perseguida, foi aos poucos penetrando em suas estruturas, se expandindo até as mais distantes províncias, sendo apropriada por imperadores, nobres e servos. Em poucos séculos, de religião periférica e perseguida passou a religião oficial e perseguidora de seus opositores. O Cristianismo triunfou, o antigo mundo romano tornou-se cristão. Para Gibbon, essa vitória desestabilizou a antiga hegemonia ideológica imperial, que tinha seus alicerces, no Paganismo, na imagem e semelhança da figura do imperador à figura da divindade, contribuindo para a sua crise. O Cristianismo, pelo menos em tese, permitiria que todos ficassem em pé de igualdade.

Além de História, Declínio e Queda está impregnado de filosofia, de reflexões, e possui uma ponte entre o passado e o tempo em que o autor escrevia. Como foi dito no início, Gibbon era calvinista, converteu-se ao catolicismo e, posteriormente, retornou ao calvinismo. Ao abordar o Imperador Flávio Cláudio Juliano, mais conhecido como Juliano, o Apóstata, único imperador romano que abandonou o Cristianismo e retornou ao Paganismo, Gibbon parece exprimir nele suas experiências pessoais: a insubmissão, o gosto pela liberdade, a denúncia da hipocrisia religiosa e o interesse por disputas religiosas. O período em que o livro é gestado é marcado por conflitos entre católicos e protestantes, pela transformação política, econômica, social e cultural das nações europeias, que despontavam como potências mundiais, e por revoluções. O pensamento humano estava mudando. Roma atingiu o ápice do crescimento civilizatório, mas, conquista após conquista, ficou imobilizada em seus próprios domínios, ruindo por fatores internos e externos. O mesmo poderia acontecer com a Inglaterra, a França e a Espanha. Não por acaso, mais de um século e meio depois a obra foi lida por vários políticos durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Ocidente e outras áreas do globo novamente entraram em um colapso político-social.

O que é o Império Romano para o historiador inglês? Me pergunto toda vez que o leio, mas sei que não é uma simples unidade política. Sua célebre frase ‘a história, esse quadro terrível dos crimes, das perversidades e das desgraças do gênero humano’ pode nos dar uma pista. O Império Romano surgiu por mãos humanas e ruiu por mãos humanas, é produto da força inventiva e destruidora do homem. Essa é a natureza humana. Segundo ele não devemos nos perguntar porque o Império caiu, mas sim porque durou tanto tempo. História do Declínio e Queda do Império Romano é um monumento da literatura e historiografia modernas, inovador em sua época pelo exame crítico das fontes primárias, pela leitura do Cristianismo como elemento influenciador da queda do Império Romano do Ocidente, pela contextualização e visão abrangente dos eventos históricos. Em um futuro não muito distante o livro de Edward Gibbon voltará ao topo das vendas, preenchendo estantes em todo o mundo, alavancado por nossa crescente necessidade de compreender o atual cenário político e seus possíveis desdobramentos. Sua leitura não é uma dica, mas uma agradável obrigação.


Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa.


CRÉDITO DA IMAGEM:

skoob.com.br

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Leituras de 2016

Santo Agostinho, Caio Júlio Fedro, Voltaire, Montesquieu e Antônio Simplício de Almeida Neto

Esse ano foi bastante produtivo. Tive um artigo publicado na revista do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), um capítulo em livro lançado em outro estado e fui convidado para ser um dos administradores da página Manaus de Antigamente. O número de curtidores e de acessos ao blog aumentaram de forma incrível. Com compromisso dentro e fora da universidade, consegui concluir a leitura de 5 livros, dos quais 4 incríveis clássicos da literatura ocidental: Santo Agostinho, Fedro, Voltaire e Montesquieu. Os clássicos são sempre atuais. A leitura da obra de Simplício de Almeida Neto ocorreu através de uma atividade acadêmica, e foi muito proveitosa.

Santo Agostinho (Coleção Os Pensadores, Abril Cultural, 1999)

Ler Santo Agostinho é tentar compreender o (s) pensamento (s) de um dos maiores autores do Ocidente. As principais obras do bispo da cidade de Hipona e santo da Igreja são, em ordem cronológica: Contra os acadêmicos (386); Solilóquios (387); Do Livre-Arbítrio (388-395); De Magistro (389); De Trinitate (399-422); Confissões (400); A Cidade de Deus (413-426); e Retratações (413-426). A Coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, traz recortes de várias obras suas. Me chamaram a atenção a concepção que ele tinha de História, abordada em A Cidade de Deus, para ele o resultado do pecado de Adão e Eva, transmitido para todos os homens e mulheres, que o expressam na construção da cidade terrena, dos impérios e das civilizações; e de homem, em Solilóquios, constituído de duas personalidades: a primeira personalidade seria o “Homem exterior”, do mundo mundano, com necessidades biológicas, instintivo e animal. O segundo, o “Homem interior”, está ligado aos sentimentos, ao plano metafísico com Deus. É no homem interior, ligado a Deus, que Agostinho busca a felicidade e um sentido para sua existência.

Fábulas (Editora Escala, 2006)

Caio Júlio Fedro, ou apenas Fedro, é um autor com uma trajetória interessante. Nascido na Trácia, no século I d.C., fora levado para Roma para servir como escravo de Augusto, que logo lhe deu a liberdade. Conhecedor do grego, aperfeiçoou seu latim e aprimorou suas habilidades na escrita. Leitor de Esopo, o principal fabulista do mundo grego, introduziu em Roma esse gênero através de sua obra Fabulae (Fábulas). Através de personagens fictícios como animais, objetos e pessoas, nos transmite grandes lições de moral, ética, prudência e humildade. Minhas fábulas preferidas são A gralha soberba e o pavão, sobre aceitar a nossa vida sem criar falsas imagens desta; A rã implodida e o boi, sobre como não devemos tentar parecer ser mais do que realmente somos; A gratidão do rato, de como não devemos menosprezar as pessoas simples; Desculpas sim, porém não esquecer, sobre como perdemos a confiança em pessoas que nos enganam uma vez; e O crime tem preço, sobre como que faz o mal, o recebe de volta.

Cartas Filosóficas (Editora Escala, 2006)

Três elementos estão presentes nessa obra epistolográfica de Voltaire: tolerância, liberdade e diversidade. Eles são a essência da cultura burguesa do século XVIII. Crítico ácido dos reis absolutistas, dos membros da nobreza e do clero, saiu da França e se refugiou na Inglaterra, redigindo as Cartas Filosóficas ou Cartas Inglesas. Em 25 cartas, o autor compara instituições, costumes, crenças e outros aspectos da Inglaterra com a França. É uma forma de mostrar para as autoridades civis e religiosas da França, onde foi perseguido. Gostei das seguintes cartas: As 7 primeiras sobre grupos religiosos; 10° Sobre o Comércio; 8° Sobre o Parlamento; 11° Sobre a Inoculação do Vírus da Varíola; 20° Sobre os Senhores que Cultivam as Letras; 23° Sobre a Consideração que se deve ter pelos Literatos; e 24° Sobre as Academias. Nessas cartas temos o Voltaire filósofo, historiador, ensaísta e novelista.


Cartas Persas (Editora Escala, 2 volumes, 2006)

Mais uma obra epistolográfica, de caráter crítico-social ou uma sátira para alguns críticos literários. Montesquieu, assim como Voltaire, é um burguês letrado do século das Luzes, e tece críticas às instituições políticas e religiosas. Através de um grupo fictício de viajantes persas, o autor constrói um choque cultural entre a Europa e o Oriente, gênero comparativo recorrente no século XVIII. É através de personagens como Rica, Usbek e Ibben, que Montesquieu consegue escrever, criticar e idealizar as instituições de Paris e de outras cidades da Europa sem se preocupar com a censura (publicou o livro de forma anônima em 1721). As cartas que mais me interessaram, enviadas para amigos que estão na Europa ou no Oriente, foram: sobre os Monarcas; o Papa, a Comédia, a Liberdade das mulheres ocidentais em relação às orientais; as Cortes; e as Religiões.

Representações Utópicas no Ensino de História (Editora Unifesp, 2011)

Mais que qualquer outra disciplina, a História traz a questão da utopia de forma mais clara, pois aborda variados temas passados, todos com suas contradições, necessitando ser esmiuçados e explicados, sempre com algum significado para o presente. Temas que retratam guerras, revoluções, conflitos de classe, movimentos sociais e políticos, são exemplos de como a História carrega, no passado, inúmeras lições para se aprender no presente. Representações Utópicas no Ensino de História, livro do professor Antônio Simplício de Almeida Neto, trata das representações utópicas que os professores de história possuem em relação a sua disciplina, a maneira como eles representam o futuro em relação à disciplina escolar.

Infelizmente, nem só de coisas boas o ano feito. Dia 14 perdi meu pai e avô João Augusto de Carvalho, o qual agradeço imensamente por minha formação, apesar de não ter sido um neto à altura. Deixei pelo caminho História do Declínio e Queda do Império Romano, de Edward Gibbon; e De Pueris, de Erasmo de Roterdã. São leituras que vão ficar para 2017. Essas que foram feitas acima, recomendo, pois são obras agradáveis, edificantes para a moral e a ética, Desejo aos seguidores e seguidoras um bom final de ano e muitas leituras.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Estante Virtual
Editora Escala
Editora Nova Alexandria
Livrarias Saraiva


sexta-feira, 13 de maio de 2016

A relação entre Filosofia e História e a busca da construção do sentido

Por Wilton Abrahim


A filosofia é a mãe das ciências, e é tão antiga quanto a História. Ela é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos. Desde os seus primórdios com os pré-socráticos até os dias atuais, é uma conduta da vida humana e do comportamento do homem na sociedade, por isso está filiada à sabedoria, que permite adquirir a capacidade de pensar, de agir e de participar da sociedade, assim fazendo uma relação com a História, que é a ciência do homem no tempo. A História soma-se à filosofia para apresentar uma finalidade na busca pela sabedoria; e dar um sentido à vida do homem e em sua capacidade intelectual. No decorrer dos séculos, vamos ter inúmeros filósofos da história.
Segundo Olinto A. Pegoraro: “a maior dificuldade das teorias do destino é o confronto com a liberdade. Sempre a liberdade humana transcendeu as leis da física e da biologia; sempre tivemos a possibilidade de agir contra as leis, de decidir entre levar uma vida justa ou injusta, de viver bem ou distribuir-nos1
Para Ricardo Timm, devemos nos perguntar “Qual o sentido de fazer filosofia, hoje, aqui e agora?”. Inúmeros historiadores fizeram esse questionamento, tais como: Giambattista Vico (1668-1744) foi um filósofo, jurista, político, retórico e historiador italiano, vindo a ser reconhecido apenas no século XIX. Escreveu Ciência Nova, obra em que pretendia criar uma forma alternativa de estudar as ciências humanas, principalmente a história, forma diferente da aplicada às ciências naturais.
Vico põe a filosofia e filologia como duas disciplinas auxiliares da História. Em filosofia, aproveita-se a reflexão, as ideias e a sabedoria humana; e na filologia, o conhecimento da língua e das tradições dos povos. A filosofia oferece o arcabouço teórico, e a filologia o concreto, tangível, fragmentos das produções humanas. Vico, em oposição a Descartes, afirma que para verdadeiramente se conhecer algo é necessário que seu conhecedor o tenha criado. Vico afirma que o homem não caminha necessariamente para o progresso do pensamento racional.
Para Olinto A. Pegoraro: “O Cristianismo, que surgiu em plena expansão do estoicismo e neoplatonismo, aos poucos substitui o férreo determinismo da providência estoica pela providência totalmente transcendente e extracósmica2”. Vico confirma a Providência Divina para dar um sentido à História; e este afirma que essa ciência tem uma parte construída pelo homem e outra por Deus. Neste ponto Deus é o arquiteto, enquanto o homem seria o construtor.
Um outro historiador muito polêmico que podemos abordar é o francês François-Marie Arouet, mas conhecido como Voltaire (1694-1778). Seu lado historiador é pouco conhecido, pois o que vemos mais é o filosófico. Para Voltaire, a História é um conjunto dos desenvolvimentos produzidos pelo homem, nas artes, ciências e técnicas, através das transformações espirituais e morais. Sua obra filosófica-histórica foi A Filosofia da História.
Em Filosofia da História temos dois sentidos: o primeiro é uma forma de conceber o processo histórico; o segundo está em um modo de reconstituir esse processo para os leitores do presente. A obra filosofia da história é um ensaio sobre o mundo Antigo e sobre o que se produziu sobre ele. Diferente de Vico, Voltaire atacava as concepções religiosas que se fizeram da história das nações e também lendas, mitos e fábulas. A Historiografia de Voltaire é crítica, secularizada, cultural e filosófica.
Este dois grandes historiadores filósofos fizeram o uso do sentido da filosofia, que mudou a mentalidade e a forma de pensamento. Contudo, nós estudantes acadêmicos temos o dever de nos aprofundarmos nas questões filosóficas, criando assim, um sentido para nossos projetos de pesquisa, de pós-graduação e entre os iniciantes, pois o sentido somos nós que construímos.

1 PEGORARO, Olinto A. “concepções do mundo”. In--------------------------- SENTIDOS DA HISTÓRIA. P 18. Petrópolis, RJ:Vozes, 2011.
2 Ibidem, p.20.


Wilton Abrahim Gomes Garcez é acadêmico da Licenciatura em História na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).











CRÉDITO DA IMAGEM:

geekness.com.br



sexta-feira, 1 de abril de 2016

Voltaire - Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

François-Marie Arouet.

François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), foi um dos mais importantes sábios de sua época, atuando nas áreas da Filosofia, epistolografia (escrita de cartas), dramaturgia, história e escrita de ensaios. O seu lado historiador é pouco conhecido por causa de uma cultura escolar que evidencia apenas o seu conhecimento filosófico, esquecendo como esse autor iluminista foi um dos historiadores mais talentosos do século XVIII.

O interessante em Voltaire é que este, diferente de seu contemporâneo Gibbon, teve uma produção histórica diversificada, indo desde o tema de grandes personagens (História de Carlos XII da Suécia, História de Pedro, o Grande da Rússia e O século de Luís XIV); passando pela escrita de cartas; e a construção de uma História Universal. Essa diversidade exige um exame delicado dessas obras, para que, através de uma síntese, seja feita a análise de seu pensamento historiográfico.

Tema de grandes personagens: Escrever sobre monarcas é um dos gêneros mais antigos entre os historiadores. Cortesãos criavam uma aura quase mística sobre essas personagens, pendendo mais para o lado fabuloso e bajulatório, registrando fatos da vida particular (na maioria das vezes, sem utilidade alguma). Voltaire inova esse gênero ao registrar fatos grandiosos, que trouxeram efeitos para seus respectivos reinos, e exemplos para se seguir ou não. Carlos XII, que, depois de uma insaciável sede de conquista foi derrotado, serve de exemplo para a “cura” da ambição. Pedro, o Grande da Rússia, é o civilizador de seu reino, introdutor das artes, das ciências, das leis e bons costumes no seu país que ainda tinha características bárbaras. Em O Grande Século de Luís XIV Voltaire apresenta o reinado desse monarca francês como um dos quatro grandes séculos da humanidade (Felipe e Alexandre, na Grécia; Augusto, em Roma; o Renascimento, na Itália; e, por último, a França de Luís XIV). O patrocínio das artes, a construção de academias, instituições científicas, manufaturas e outras tecnologias, são marcas civilizatórias. É no grande século que temos a concepção de filosofia da História e tempo de Voltaire: Particular e original, o autor acredita que a humanidade tende a avançar e se aperfeiçoar culturalmente, mas também afirma que recaídas na barbárie podem ocorrer.

A História, para nosso autor, é um conjunto dos desenvolvimentos produzidos pelo homem nas artes, ciências e técnicas; de transformações espirituais e morais. É uma concepção cultural da história humana. Diferente da ideia de Gibbon, que afirmava que a natureza humana era imutável, Voltaire acreditava que esta poderia mudar através de uma série de fatores (costumes, leis, religião etc). Assim como a época de Luís XIV teve seu apogeu, ela termina em declínio, com a perseguição aos protestantes e a repressão aos jansenistas.

As Cartas Filosóficas: As Cartas Filosóficas ou Cartas sobre os Ingleses, produzidas quando o autor estava exilado na Inglaterra, trazem três elementos fundamentais na vida e na abordagem histórica de Voltaire: tolerância, liberdade e diversidade. Na Inglaterra conviviam em paz diferentes religiões, diferente da França, onde reinavam as perseguições religiosas. A tolerância abria espaço para a superioridade da cultura inglesa em relação à francesa. A maior parte das cartas é dedicada às religiões dos ingleses, e as outras abordam o comércio, as artes, o governo, a ciência e a Filosofia. A liberdade que os ingleses têm aos escolher sua crença, a monarquia constitucional, que limita os poderes do monarca e a ilustração desse dirigente garantem a superioridade desse país.

As comparações entre as instituições romanas e inglesas fazem Voltaire afirmar que a tendência da humanidade é o progresso, e que esta não deve tomar a Antiguidade como referencial.

O Ensaio sobre os Costumes: É nessa obra, produzida em um trabalho de mais de 30 anos, que Voltaire apresenta uma história genuinamente universal. Sua História começa pela China, passa pelo Extremo Oriente, Ásia, África e a América. Ele começa pelas civilizações orientais afirmando que os historiadores cristãos ou não conseguiam dar conta delas ou, quando o faziam, cometiam erros grosseiros. Na abordagem das nações, Voltaire, por meio da reflexão filosófica, distingue o que é verossímil do que é lenda ou fábula. As fontes materiais devem ser analisadas sob a filosofia. Os relatos de viagem que chegavam do novo mundo eram um prato cheio para os intelectuais, que logo tratavam de comparar sua sociedade com essas que eram descobertas. O Ensaio também a marcado pelas comparações, críticas e diferenças entre culturas, mas sempre lembrando que Voltaire não era um relativista cultural.

Por exemplo, ao elogiar a evolução dos chineses na Antiguidade, o desenvolvimento de suas artes e tecnologias, Voltaire logo se lembra que, por mais que tenha sido grandiosos no passado, esse povo se encontrava, agora, parado no tempo. Por mais que se elogiassem outras sociedades, as grandes eras de Voltaire eram todas europeias (Grega, Romana, Italiana e Francesa). As críticas se dirigiam em peso às superstições, fé cega e religiões dominantes (tanto do lado europeu quanto do asiático), que, assim como eram para Gibbon, em Voltaire são exemplos da barbárie.

Filosofia da História: A Filosofia da História, em Voltaire, tem dois sentidos: o primeiro, é uma forma de conceber o processo histórico; o outro, um modo de reconstituir esse processo para os leitores do presente. A Filosofia age como instrumento de reflexão sobre a História e também como um conjunto de normas para a reconstituição do material historiográfico. A Filosofia da História é um ensaio sobre o mundo Antigo e sobre o que se produziu sobre ele. Voltaire ataca as concepções religiosas que fizeram da história das nações (muitas obras analisavam, dentro da matriz cristã, o povo hebreu e seu Deus como o centro dos acontecimentos), e também os mitos, lendas e fábulas dos outros povos, geralmente tomados como reais.

Feito este breve panorama sobre sua produção historiográfica, pode-se agora elencar seus principais elementos:

Voltaire, escritor do século XVIII, é um defensor do direito, da liberdade de pensamento, da pluralidade e da tolerância; crítico ferrenho do fanatismo e superstição, presentes por ele nos dogmatismos de uma autoridade maior (Igreja Católica) e em crenças sem fundamento. Somente a reflexão filosófica pode superar as superstições e dogmatismos. Voltaire era deísta, acreditava na existência de um Deus, pois este daria um sentido a realidade. O que esse autor quer, como ele mesmo afirma, é uma religião simples e uma fé racional. Era um crítico do otimismo, de que o homem sempre caminha em direção ao melhor, e acreditava que períodos de barbárie poderiam voltar. Tomar a Antiguidade como exemplo não é aceitável, pois está impregnado de mitos, lendas e histórias fabulosas que atrapalham o processo histórico. O poder político não é algo ruim, desde que esse se oriente pela razão, evitando dogmatismos. A Historiografia de Voltaire é crítica, secularizada, cultural e filosófica.


FONTES:

SOUZA, Maria das Graças de. Ilustração e história: o pensamento sobre a história no Iluminismo francês. São Paulo, Discurso Editorial, 2001.

LOPES, Marcos Antônio. Ideias de História: tradição e inovação de Maquiavel a Herder. Londrina, EDUEL, 2007.



Este texto contou com a contribuição do acadêmico do curso de História na UFAM Wilton Abrahim Gomes Garcez.


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quarta-feira, 30 de março de 2016

Giambattista Vico - Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Giambattista Vico. Quadro de Francesco Solimena.

Giambattista Vico (1668-1744) foi um filósofo, jurista, político, retórico e historiador italiano, considerado um dos principais nomes do Iluminismo, vindo, no entanto, a ser reconhecido como tal apenas no século XIX, quando suas ideias e obras passaram a influenciar pensadores como Hegel e Marx.

Vico nasceu no século XVII, período em que as ciências matemáticas estavam em alta e dominavam o pensamento de intelectuais das Ciências Naturais. Desde a segunda metade do século XVII, a Filosofia criada por René Descartes foi o principal referencial no estudo dessas ciências. Mas no que consistia o pensamento de Descartes? Para René Descartes a única verdade firme, certa e segura era que seus pensamentos existiam (penso, logo existo) e esta verdade deveria ser aplicada como princípio básico de toda a sua filosofia. Este penso abrange tudo o que afirmamos, negamos, sentimos, imaginamos, cremos e sonhamos. Eram ignoradas as percepções sensoriais, que poderiam nos levar ao erro. O conhecimento verdadeiro só poderia ser alcançado através do trabalho lógico da mente, trabalho esse que para Descartes teria sido alcançado pelos matemáticos.

Indo na contramão do domínio matemático, Vico se debruçou no estudo de Direito Romano, Filologia e História, conhecimentos sempre postos à dúvida pelos métodos matemáticos, que os colocava em segundo plano. Sua maior obra, a Ciência Nova, não fez muito sucesso em sua época, sendo preciso mais 100 anos para que isso ocorresse. Dela, tiramos as principais concepções de Vico sobre a História:

Ao escrever Ciência Nova, Vico pretendia criar uma forma de estudar as Ciências Humanas, principalmente a História, forma essa diferente da aplicada às Ciências Naturais. A História, para Vico, era um conjunto de fatos que segue determinadas leis e se desenvolve segundo alguns princípios.

Vico põe Filosofia e Filologia como duas disciplinas da História. Da primeira, aproveita-se a reflexão, as ideias e a sabedoria humana. Da segunda, tiramos o conhecimento da língua e das tradições dos povos. A união entre essas duas disciplinas (uma reflexiva e outra empírica) é um dos pontos-chave de sua obra. Em síntese, a Filosofia oferece o arcabouço teórico, e a Filologia o concreto, tangível, fragmentos das produções humanas. Vico, em oposição a Descartes, afirma que para verdadeiramente se conhecer algo é necessário que seu conhecedor a tenha criado. As instituições, construções, leis e demais técnicas foram criadas pelo homem, e logo a História é objeto do conhecimento humano.

Os períodos históricos ou eras são outro ponto do pensamento de Vico. Existem três eras históricas: a Era dos Deuses; a Era dos Heróis; e a Era dos Homens. A Era dos Deuses corresponde ao tempo imemorável, quando os homens, diante da grandeza da natureza, a endeusavam. A segunda era, a dos Heróis, ainda mantém os traços de aspectos sobrenaturais, mas já abre espaço para o surgimento de instituições políticas e a formação de classes sociais. A terceira e última, a dos Homens, levou bastante tempo para se firmar, e se caracteriza por lutas internas, pela construção de Impérios grandiosos como o romano e do surgimento da Filosofia.

Vico afirma que o homem não caminha necessariamente para o progresso do pensamento racional, e que o retorno ao pensamento da era dos deuses é uma possibilidade. Um exemplo que ele nos dá é a decadência cultural durante a Idade Média. Essa é a teoria dos avanços e dos retornos, também presente em Voltaire. O movimento cíclico não é circular e de fases fixas, é, na verdade, espiral, pois as fases históricas nunca se repetem como foram no passado. Ele afirma que as barbáries da Idade Média foram diferentes das barbáries dos tempos homéricos.

A providência existe em Vico, e este afirma que a História tem uma parte construída pelo homem, e outra por Deus. Deus seria o arquiteto da História, enquanto o homem seria o construtor dessa obra (um projeta, o outro constrói). Essa providência é mais racional que as elaboradas em séculos anteriores, pois as religiões, leis, instituições, construções etc, são criações essencialmente humanas, podendo ser explicadas de forma natural. A Providência surge apenas para dar um sentido à caminhada do homem em sua história.

A produção histórica de Vico se destaca pelos seguintes pontos: Foi o primeiro historiador da Idade Moderna a tentar garantir a cientificidade da História e de outras disciplinas humanas; não se submete aos métodos matemáticos e cartesianos; une a reflexão filosófica, oferecendo um arcabouço teórico, com o empirismo característico da Filologia, que estuda os fragmentos e linguagens deixados pelo homem; e leva em conta, de forma universal, o fato de que o homem, de acordo com o seu grau de desenvolvimento histórico, tem sua forma de ser, pensar e agir.


FONTES:

HADDOCK. B. A. Uma introdução ao pensamento Histórico. Tradução de Maria Branco. Lisboa, Gradiva, 1989.

MARANGON, Rosa Maria. A evolução da História do Homem segundo Giambattista Vico. Juiz de Fora, UFJF, 2007.



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Edward Gibbon - Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Edward Gibbon (1737-1794).

Edward Gibbon (1737-1794), historiador inglês autor de História do Declínio e Queda do Império Romano, foi um dos maiores representantes do período das “luzes” inglesas. No que foi abordado sobre sua obra, referente ao papel do Cristianismo no processo de declínio e queda do Império Romano, pode-se fazer a seguinte análise sobre seu pensamento e produção historiográfica:

Mais do que se debruçar sobre o Império Romano e sua queda, e o papel do Cristianismo nesse processo, Gibbon, dentro do espírito filosófico característico das letras no século XVIII, traz em sua obra a reflexão sobre a religião na época dos romanos e como esta se encontrava no tempo em que vivia, fazendo uma ponte entre o mundo antigo e o moderno.

Superstições, milagres e outros eventos explicados de forma sobrenatural, são por ele motivos de crítica. Não só a superstição cristã, mas o paganismo também é visto por Gibbon com maus olhos, por suas práticas como adivinhações, sacrifícios e prostituição. Fé cega, espírito crítico, natureza humana e religião são conceitos para ele opostos. Contra o “mundo” sobrenatural o autor busca explicações naturais, físicas e racionais.

Constantino, uma das principais personagens para a Igreja, é analisado por Gibbon, assim como a Apostasia de Juliano e o culto dos santos, das relíquias e o movimento monástico. No que se refere a Constantino, Gibbon inicia sua análise desmistificando as visões divinas sobre sua conversão; mostra as contradições entre as fontes dos primeiros séculos da Igreja (A História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia); elucida a influência dos contextos políticos, e não religiosos, nesse fato; e conclui explicando o porque da sobrevida do paganismo logo após o triunfo do Cristianismo (o autor afirma, primeiramente, que a hipocrisia, pelo fato dos cristãos passarem a perseguir seus antigos perseguidores; e logo depois, as disputas entre cristãos partidários, são as principais causas).

Ao abordar Juliano, o Apóstata, único imperador romano que abandonou o Cristianismo e voltou ao Paganismo, e apresentar as causas para essa reconversão, Gibbon parece exprimir na figura desse imperador suas próprias experiências pessoais: insubmissão, gosto pela liberdade, denuncia da hipocrisia religiosa, interesse por disputas religiosas e uma má administração da autoridade religiosa. Gibbon deixa evidente seu gosto pela Mitologia Grega, afirmando que a religião dos antigos permitia que seus seguidores “dosassem” sua fé. A tolerância de Juliano e sua aversão à violência são elogiados, enquanto o excesso dos cultos pagãos, com seus sacrifícios e adivinhações, são criticados. A superstição, cristã ou pagã, é uma ameaça ao pensamento crítico do Iluminismo.

Depois da Apostasia de Juliano o autor aborda o culto dos santos e das relíquias, que, para ele, do reino de Constantino à Reforma de Lutero (século 4 d.C. ao século 16 d.C.), vem sendo um problema, pois a Igreja, vendo a possibilidade de lucrar, começa a produzir relíquias em grande quantidade e, na maioria das vezes, falsas. A destruição de antigos templos pagãos, a conversão forçada de judeus e os milagres são motivos de lamentação e crítica.

Por último, a barbárie representada pela religião cristã mostra sua pior forma, para Gibbon, no movimento monástico. Os monges, em nome de uma religião, se privam de liberdade, de modos e de qualquer sinal de pensamento racional e reflexivo. Gibbon nutre grande aversão por essas personagens, que considera escravas de regras inflexíveis. O elogio aos mosteiros surge quando ele relata que estes locais, ao recuperar e copiar obras antigas como as de Cícero e Tito Lívio, nas línguas grega e latina, contribuíram para o letramento dos povos bárbaros.

Depois dessa breve elucidação sobre parte da obra História do Declínio e Queda do Império Romano, é preciso levar em conta, para compreender o pensamento histórico e produção historiográfica de Gibbon, sua posição social e o contexto no qual viveu:

Edward Gibbon, burguês liberal da Inglaterra setecentista, preza a liberdade de pensamento, a tolerância, o espírito crítico e o convívio social. A análise histórica e humana da religião é uma continuidade da história natural da religião, inaugurada pelo filósofo e historiador britânico David Hume. O espírito filosófico de Gibbon é evidente quando este, ao abordar as querelas religiosas dos antigos, faz a reflexão para sua época e experiência pessoal (controvérsias de Oxford). Gibbon é um polemista, e suas críticas são dirigidas ao extremismo, fé cega, hipocrisia (os cristãos que antes eram perseguidos se tornaram os novos perseguidores) e à autoridade religiosa (Igreja Católica) que minava os direitos civis. Ele era um cético, e aproveitava as oportunidades de tecer críticas ao Cristianismo e, em certa medida, ao paganismo. A verdade, para esse autor, é relativa, e a natureza humana é fixa e imutável. A novidade na produção historiográfica de Gibbon fica no seu exame crítico das fontes primárias, na leitura do Cristianismo como fator influenciador para a queda do Império, na contextualização e visão abrangente dos eventos e sua importância para a história.


''A História, esse quadro terrível dos crimes, das perversidades e das desgraças do gênero humano''  - Edward Gibbon.



FONTES:

LOPES, Marcos Antônio. Ideias de História: tradição e inovação de Maquiavel a Herder. Londrina, EDUEL, 2007.


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nndb.com



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A febre do ouro no Brasil: o Ciclo da mineração

Mapa das Minas Gerais, século 18.

Desde o início das Grandes Navegações, ouro e pedras preciosas atiçavam a imaginação dos europeus, que esperavam encontrar nos territórios descobertos grandes riquezas como as do lendário reino de El Dorado, em algum lugar das Américas ;e as do reino do cristão Preste João, inicialmente citado na Ásia e mais tarde na África.

No Brasil, as primeiras notícias sobre a existência de ouro surgem na época do descobrimento, em 1500, quando os europeus tiveram os primeiros contatos com os nativos que aqui viviam. Isso ficou registrado na Carta a El-Rei D. Manuel, de autoria do escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha.

"O Capitão, quando eles vieram (índios), estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço [...] um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro." - (Carta de Pero Vaz de Caminha).

Várias foram as tentativas do reino de Portugal de encontrar ouro no Brasil. Foram organizadas inúmeras entradas, expedições organizadas e financiadas pela coroa, e bandeiras, expedições organizadas por particulares, para desbravar o interior em busca de minas. Enquanto isso, os espanhóis saqueavam os metais preciosos dos povos do México e do Peru, e também descobriam minas de ouro e prata. No Brasil, o ouro foi descoberto por bandeirantes paulistas no final do século 17.

"Em 1693, Antônio Rodrigues de Arzão descobriu ouro em Cataguases, atual estado de Minas Gerais; pouco depois, em 1698, Antônio Dias Oliveira descobriu ouro em Vila Rica, atual Ouro Preto; e, em 1700, foi a vez de Borba Gato achar ouro em Sabará. [...] em 1719, Pascoal Moreira Cabral descobriu ouro em Cuiabá e, em 1722, Bartolomeu Bueno Filho achou riquezas em Goiás" - (VICENTINO e DORIGO, 1997, p. 128).

Em 1729 foram descobertos diamantes no Arraial do Tijuco, atual Diamantina, em Minas Gerais. Inicialmente, as minas de diamante foram entregues para particulares, chamados contratadores e, mais tarde, o próprio governo português assumiu a exploração diamantífera.


Mineração de Diamante. Pintura de Carlos Julião.

Essas descobertas causaram uma grande migração de brasileiros e estrangeiros para as regiões das minas, Goiás e Mato Grosso,  que buscavam enriquecer com a mineração. No país, a população passou de 300 mil habitantes no final do século 17, para 3.300.000 mil no final do século 18. Com a mineração como principal atividade econômica e o solo pouco fértil, a agricultura e a criação de animais ficavam de lado, o que acabava gerando a falta de alimentos nessas áreas.

"A mineração produziu uma rápida concentração de populações em zonas pouco férteis, provocando uma grande procura de alimentação e crises terríveis de fome. Como solução, os mineradores de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais passaram a ser abastecidos com reses dos criadores do vale do São Francisco e sertões do Nordeste." (SIMONSEN, 1937, p. 239).

A mão de obra utilizada na mineração era escrava africana. Para o Brasil vieram dois grupos: os bantos e os sudaneses. Se dirigiram para Minas e a região Centro Oeste os sudaneses, negros fortes, altos e de elevado nível cultural. Foram de grande importância nesse ciclo econômico, pois traziam de seu continente séculos de experiência em mineração, tanto é que eram conhecidos como escravos britadores.

A "febre do ouro" foi responsável por conflitos nas Minas Gerais. A região atraiu colonos de vários cantos do país, que não eram bem recebidos pelos paulistas, os descobridores do ouro na região. Os paulistas apelidaram essas pessoas de Emboabas, que significa estrangeiro. Nesse confronto morreram centenas de emboabas e paulistas. O governo português interveio e separou a capitania de São Paulo e Minas Gerais da capitania do Rio de Janeiro. A criação das Casas de Fundição em 1720 e a cobrança de impostos motivou a revolta de Vila Rica, liderada por Filipe dos Santos, no mesmo ano. A revolta foi reprimida pelas autoridades e Filipe do Santos enforcado e esquartejado.


Vila Rica, 1820. Arnaud Julien Pallière.

O ouro propiciou o surgimento de núcleos urbanos como Vila Rica, São João Del Rey, Congonhas do Campo e Pirenópolis. A sociedade colonial se tornou mais diversificada, com mineradores, comerciantes, artesãos, tropeiros e advogados. As possibilidades ascensão social eram maiores. O eixo econômico e administrativo da Colônia, localizado até então na mais populosa e rica região, o Nordeste, mudou para a região Centro-Sul. Estradas foram abertas, cidades foram interligadas e surge pela primeira vez um mercado interno.

"Em 1763, por causa sobretudo de sua proximidade com as lavras de ouro, o Rio de Janeiro substituiu Salvador como capital da colônia, uma mudança que afetaria para sempre o Brasil. Ao escoar para a Europa a maior parte do metal precioso da colônia e, no sentido inverso, receber boa parte dos escravos e produtos destinados às lavras, o porto do Rio de Janeiro se tornou o mais importante da América Portuguesa." (FIGUEIREDO, 2012, p. 236)

Os filhos dos mais ricos iam estudar na Europa, e acabavam trazendo da viajem ideais iluministas, que mais tarde influenciariam várias revoltas no país. Nesse período, as artes, música, literatura, pintura e arquitetura se tornam mais refinadas, como fica evidente nas inúmeras igrejas barrocas e casarões construídos em Minas Gerais,  na composição de músicas sacras e nas obras arcadistas de Tomás Antônio Gonzaga  e Cláudio Manuel da Costa.

O conjunto de artistas mais atuante e criativo do Brasil no século XVIII era formado por dezenas de entalhadores, escultores, pintores e douradores [...]. Além de propiciar a aparição de uma fina escola de arquitetura e artes plásticas, a corrida do ouro estimulou o surgimento do movimento musical de expressão mais elevada nas Américas [...]. A literatura e a poesia fecham o rol dos subprodutos culturais da corrida do ouro. [...] A expressão máxima desse movimento foi o poeta Cláudio Manuel da Costa. (FIGUEIREDO, 2012, p. 234, 235)


Interior da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Fernando Piancastelli.

O ouro brasileiro também serviu para aliviar as dívidas portuguesas, em sua maioria com a Inglaterra. O Tratado de Methuen, firmado entre os dois países em 1703, estabelecia que Portugal comprasse tecidos ingleses, enquanto a Inglaterra comprava vinhos portugueses. Os tecidos ingleses tinham um valor muito mais elevado que os vinhos lusitanos.

"Os metais preciosos realizaram assim um circuito triangular: uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas; outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750), em especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco Palácio-Convento de Mafra; a terceira parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãos britânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra." (FAUSTO, 2001, p. 49, 50) 

Portugal, visando a maior arrecadação de lucros, criou mecanismos de distribuição de terras, fiscalização e cobrança sobre o ouro extraído das minas. Em 1702 foi criada a Intendência das Minas, órgãos presentes nas regiões mineradoras, cuja função era a distribuição de terras para a extração de ouro, a fiscalização e a cobrança de impostos sobre o metal extraído. Para evitar o contrabando, foi proibida a circulação de ouro em pó e em pepitas e, em 1720, foram criadas as Casas de Fundição, locais onde o ouro extraído era derretido e transformado em barras.

"O imposto cobrado pela Coroa Portuguesa sobre todo o ouro encontrado em suas colônias correspondia a 20% , ou seja, 1/5 (um quinto) do metal extraído que era registrado em "certificados de recolhimento" pelas casas de fundição. Este absurdo e altíssimo imposto, foi intitulado "O Quinto". [...] A Coroa Portuguesa quis, em determinado momento, cobrar os "quintos atrasados" de uma única vez, no episódio que ficou marcado em nossa história como "A Derrama". [...] Afonso Sardinha, em seu testamento declarou que guardava o ouro em pó em vasos de barro. Outro uso comum era o de imagens sacras ocas para esconder o ouro, daí a expressão "santo do pau oco". "(Reinaldo Luiz Lunelli)


Aos poucos as jazidas foram se esgotando, já que a extração era intensa e não possuía planejamento. Na segunda metade do século 18 a produção de ouro começara a cair gradualmente e, para reverter a perda de lucros, a Coroa Portuguesa aumentou os impostos. Esse aumento de impostos e o descontentamento da população, que não conseguia mais pagar o quinto por causa do esgotamento das jazidas, culminou, em 1789, na Inconfidência Mineira. A extração de ouro continuou nas décadas seguintes, mas não na mesma quantidade de antigamente.


FONTES: Carta a El-Rei D. Manuel. Pero Vaz de Caminha. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em 25/10/2014.

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997.

SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500 - 1820. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.

FIGUEIREDO, Lucas. Boa Ventura!: a corrida do ouro no Brasil (1697 - 1810). Rio de Janeiro: Record, 2012.

FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.

Reinaldo Luiz Lunelli. A atualização do Quinto. s.d. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/artigos/atualizacaodoquinto.htm. Acesso em 29/10/2014.


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