François-Marie Arouet.
François-Marie
Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), foi um dos mais
importantes sábios de sua época, atuando nas áreas da Filosofia,
epistolografia (escrita de cartas), dramaturgia, história e escrita
de ensaios. O seu lado historiador é pouco conhecido por causa de
uma cultura escolar que evidencia apenas o seu conhecimento
filosófico, esquecendo como esse autor iluminista foi um dos
historiadores mais talentosos do século XVIII.
O
interessante em Voltaire é que este, diferente de seu contemporâneo
Gibbon, teve uma produção histórica diversificada, indo desde o
tema de grandes personagens (História de Carlos XII da Suécia,
História de Pedro, o Grande da Rússia e O século de Luís XIV);
passando pela escrita de cartas; e a construção de uma História
Universal. Essa diversidade exige um exame delicado dessas obras,
para que, através de uma síntese, seja feita a análise de seu
pensamento historiográfico.
Tema
de grandes personagens: Escrever sobre monarcas é um dos gêneros
mais antigos entre os historiadores. Cortesãos criavam uma aura
quase mística sobre essas personagens, pendendo mais para o lado
fabuloso e bajulatório, registrando fatos da vida particular (na
maioria das vezes, sem utilidade alguma). Voltaire inova esse gênero
ao registrar fatos grandiosos, que trouxeram efeitos para seus
respectivos reinos, e exemplos para se seguir ou não. Carlos XII,
que, depois de uma insaciável sede de conquista foi derrotado, serve
de exemplo para a “cura” da ambição. Pedro, o Grande da Rússia,
é o civilizador de seu reino, introdutor das artes, das ciências,
das leis e bons costumes no seu país que ainda tinha características
bárbaras. Em O Grande Século de Luís XIV Voltaire apresenta o
reinado desse monarca francês como um dos quatro grandes séculos da
humanidade (Felipe e Alexandre, na Grécia; Augusto, em Roma; o
Renascimento, na Itália; e, por último, a França de Luís XIV). O
patrocínio das artes, a construção de academias, instituições
científicas, manufaturas e outras tecnologias, são marcas
civilizatórias. É no grande século que temos a concepção de
filosofia da História e tempo de Voltaire: Particular e original, o
autor acredita que a humanidade tende a avançar e se aperfeiçoar
culturalmente, mas também afirma que recaídas na barbárie podem
ocorrer.
A
História, para nosso autor, é um conjunto dos desenvolvimentos
produzidos pelo homem nas artes, ciências e técnicas; de
transformações espirituais e morais. É uma concepção cultural da
história humana. Diferente da ideia de Gibbon, que afirmava que a
natureza humana era imutável, Voltaire acreditava que esta poderia
mudar através de uma série de fatores (costumes, leis, religião
etc). Assim como a época de Luís XIV teve seu apogeu, ela termina
em declínio, com a perseguição aos protestantes e a repressão aos
jansenistas.
As
Cartas Filosóficas: As Cartas Filosóficas ou Cartas sobre os
Ingleses, produzidas quando o autor estava exilado na Inglaterra,
trazem três elementos fundamentais na vida e na abordagem histórica
de Voltaire: tolerância, liberdade e diversidade. Na Inglaterra
conviviam em paz diferentes religiões, diferente da França, onde
reinavam as perseguições religiosas. A tolerância abria espaço
para a superioridade da cultura inglesa em relação à francesa. A
maior parte das cartas é dedicada às religiões dos ingleses, e as
outras abordam o comércio, as artes, o governo, a ciência e a
Filosofia. A liberdade que os ingleses têm aos escolher sua crença,
a monarquia constitucional, que limita os poderes do monarca e a
ilustração desse dirigente garantem a superioridade desse país.
As
comparações entre as instituições romanas e inglesas fazem
Voltaire afirmar que a tendência da humanidade é o progresso, e que
esta não deve tomar a Antiguidade como referencial.
O
Ensaio sobre os Costumes: É nessa obra, produzida em um trabalho
de mais de 30 anos, que Voltaire apresenta uma história genuinamente
universal. Sua História começa pela China, passa pelo Extremo
Oriente, Ásia, África e a América. Ele começa pelas civilizações
orientais afirmando que os historiadores cristãos ou não conseguiam
dar conta delas ou, quando o faziam, cometiam erros grosseiros. Na
abordagem das nações, Voltaire, por meio da reflexão filosófica,
distingue o que é verossímil do que é lenda ou fábula. As fontes
materiais devem ser analisadas sob a filosofia. Os relatos de viagem
que chegavam do novo mundo eram um prato cheio para os intelectuais,
que logo tratavam de comparar sua sociedade com essas que eram
descobertas. O Ensaio também a marcado pelas comparações, críticas
e diferenças entre culturas, mas sempre lembrando que Voltaire não
era um relativista cultural.
Por
exemplo, ao elogiar a evolução dos chineses na Antiguidade, o
desenvolvimento de suas artes e tecnologias, Voltaire logo se lembra
que, por mais que tenha sido grandiosos no passado, esse povo se
encontrava, agora, parado no tempo. Por mais que se elogiassem outras
sociedades, as grandes eras de Voltaire eram todas europeias (Grega,
Romana, Italiana e Francesa). As críticas se dirigiam em peso às
superstições, fé cega e religiões dominantes (tanto do lado
europeu quanto do asiático), que, assim como eram para Gibbon, em
Voltaire são exemplos da barbárie.
Filosofia
da História: A Filosofia da História, em Voltaire, tem dois
sentidos: o primeiro, é uma forma de conceber o processo histórico;
o outro, um modo de reconstituir esse processo para os leitores do
presente. A Filosofia age como instrumento de reflexão sobre a
História e também como um conjunto de normas para a reconstituição
do material historiográfico. A Filosofia da História é um ensaio
sobre o mundo Antigo e sobre o que se produziu sobre ele. Voltaire
ataca as concepções religiosas que fizeram da história das nações
(muitas obras analisavam, dentro da matriz cristã, o povo hebreu e
seu Deus como o centro dos acontecimentos), e também os mitos,
lendas e fábulas dos outros povos, geralmente tomados como reais.
Feito
este breve panorama sobre sua produção historiográfica, pode-se
agora elencar seus principais elementos:
Voltaire,
escritor do século XVIII, é um defensor do direito, da liberdade de
pensamento, da pluralidade e da tolerância; crítico ferrenho do
fanatismo e superstição, presentes por ele nos dogmatismos de uma
autoridade maior (Igreja Católica) e em crenças sem fundamento.
Somente a reflexão filosófica pode superar as superstições e
dogmatismos. Voltaire era deísta, acreditava na existência de um
Deus, pois este daria um sentido a realidade. O que esse autor quer,
como ele mesmo afirma, é uma religião simples e uma fé racional.
Era um crítico do otimismo, de que o homem sempre caminha em direção
ao melhor, e acreditava que períodos de barbárie poderiam voltar.
Tomar a Antiguidade como exemplo não é aceitável, pois está
impregnado de mitos, lendas e histórias fabulosas que atrapalham o
processo histórico. O poder político não é algo ruim, desde que
esse se oriente pela razão, evitando dogmatismos. A Historiografia
de Voltaire é crítica, secularizada, cultural e filosófica.
FONTES:
SOUZA,
Maria das Graças de. Ilustração e história: o pensamento sobre
a história no Iluminismo francês. São Paulo, Discurso
Editorial, 2001.
LOPES,
Marcos Antônio. Ideias
de História: tradição e inovação de Maquiavel a Herder.
Londrina,
EDUEL, 2007.
Este texto contou com a contribuição do acadêmico do curso de História na UFAM Wilton Abrahim Gomes Garcez.
CRÉDITO DA IMAGEM:
cultura.culturamix.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário