quarta-feira, 27 de abril de 2016

Quando o Império Romano se torna Cristão

Por Pierre Maraval, historiador das religiões, especialista em Cristianismo Antigo, Antiguidade Tardia e professor emérito da Université Paris-Sorbonne.

A Visão da Cruz. Afresco de Rafael Sanzio, 1520-1524.

De Constantino a Teodósio
Da conversão do Imperador
à conversão do Império

Como muitos outros não-cristãos da sua época, o imperador Constantino parece ter sido, a princípio, simplesmente monoteísta, crendo num Deus criador supremo, conhecido por diferentes nomes e adorado de diversas maneiras. Assim, o Sol invictus aparece nas moedas depois de 308; só progressivamente é que ele virá a formular de maneira explícita, em textos provenientes da sua pena, sua adesão ao cristianismo. Não há por que contestar sua sinceridade, como fizeram vários historiadores, ainda que essa adesão lhe permita identificar-se como um instrumento escolhido pessoalmente por Deus e que essa relação pessoal adquira um alcance político: estava-se então num mundo em que pagãos e cristãos consideravam o imperador um indivíduo religiosamente marcado. Não se deve, de resto, imaginar uma conversão súbita, mas antes uma evolução, um despertar gradual: o próprio Eusébio de Cesareia, seu biógrafo, diz que o imperador recebeu várias vezes sinais de Deus.

Resulta em todo caso que, quando volta a Roma após a batalha da ponte Mílvio (312), Constantino encontra o denominador comum que garantirá tanto a unidade do seu Império - o reconhecimento de um Deus único -, como sua própria legitimidade, que ele faz proceder de uma missão pessoal recebida de Deus. Isso não o leva a uma atitude intolerante em matéria de religião. O "edito de Milão", de 313, exprime ao mesmo tempo a ideia de que a segurança do Império é assegurada pelo Deus supremo (e não mais pelos deuses da tetrarquia, Júpiter e Hércules) e o reconhecimento oficial do fato de que a religião não pode ser forçada. Constantino dá testemunho de uma política de consenso à qual cristãos e pagãos podem aderir, de um fundamento comum unitário: o monoteísmo, um monoteísmo que tolera as diferenças religiosas e rejeita a coerção. Pondo fim à Grande Perseguição lançada em 303 por Diocleciano, que fracassou em sua tentativa de erradicar o Cristianismo, Constantino tem em vista, portanto, conquistar os cristãos, incorporá-los ao Império e à sua política tradicional.

O caso é que, bem cedo, ele vai favorecer de forma manifesta a Igreja: doações de dinheiro, de terrenos, de palácios, financiamento de basílicas em Roma e em Jerusalém. Com isso, os bispos requerem que ele se envolva em seus assuntos internos e se, num primeiro, procura resolver os conflitos entre eles de maneira consensual, as resistências encontradas logo o levam a tomar medidas severas contra os dissidentes: donatistas e, mais tarde, arianos. Em compensação, em relação à religião tradicional, conserva uma atitude de tolerância (conquanto um pouco desdenhosa), contentando-se em proibir algumas práticas já recusadas por um paganismo esclarecido (os sacrifícios sangrentos, a magia, a adivinhação privada). Se não pôde conter os bispos e suas ásperas desavenças teológicas, soube, porém, durante seu reinado, neutralizar um cristianismo militante antipagão.

Os sucessores cristãos de Constantino (em particular Constâncio II, Valêncio e Teodósio) continuam a intervir nos assuntos da Igreja. Para tanto, podem se apoiar na teologia política elaborada por Eusébio de Cesareia em seus derradeiros escritos, em particular no Discurso para os trinta anos de reinado e na Vida de Constantino: se autor apresenta, neles, o modelo de um basileus cristão, posto à frente de um Império também cristão. Isso implica que ele "submeta os inimigos da verdade", proclame "as leis da verdadeira piedade" para todos, cuide de assegura  a salvação de todos. Investidos dessa missão de proteção, se não de vigilância, os imperadores cristãos, ao longo de toda a crise ariana, sustentam ou impõem fórmulas de fé diversas, concedendo seus favores aos que as aceitam, mas perseguindo os que as rejeitam (os dissidentes, sobretudo bispos, são depostos e banidos - é o caso de Atanásio de Alexandria e de Hilário de Poitiers). Ao cabo de cinquenta anos de controvérsias, a ascensão ao poder de Teodósio I (379-395) assinala o retorno definitivo à "ortodoxia". Definida no Concílio de Niceia de 325 e reafirmada no Concílio de Constantinopla de 381, recebe o apoio do imperador, que faz dela uma lei válida para todos. Uma série de leis, cada vez mais repressivas, restringem a liberdade de expressão e de culto de todos os dissidentes da ortodoxia, tidos como heréticos e perseguidos como tais.

Mas, entre os deveres do imperador, Eusébio incluía também o de combater o "erro ateu", o paganismo. Por isso, paralelamente às medidas de repressão das dissidências cristãs, os sucessores de Constantino tomam outras que vão restringir, depois proibir, a liberdade do culto pagão. Os filhos de Constantino são os primeiros a atacá-lo. Uma lei de Constante, de 341, declara: "Cesse a superstição, seja abolida a loucura dos sacrifícios." Ainda não se trata, porém, ao que parece, de uma proibição absoluta de todos os cultos pagãos já autorizados, mas de uma simples renovação das restrições impostas por Constantino. De fato, uma lei sua proíbe que se destruam templos, tolerados, "embora toda superstição deva ser totalmente destruída". Constâncio II vai mais longe, por motivos entre os quais parece ter estado a política: no período que vai de 353 a 357, depois da derrota do usurpador Magnêncio, que havia autorizado novamente os sacrifícios noturnos, várias leis ordenam o fechamento dos templos e tentam proibir totalmente o culto pagão: quem ousar sacrificar é ameaçado de ser "golpeado por um gládio vingador" e de confisco dos bens; a adoração de estátuas é proibida sob pena de morte. No entanto, essas medidas só foram parcialmente aplicadas. A política religiosa dos dois irmãos não resulta portanto na repressão sistemática do paganismo, mas somente num acentuado desfavorecimento.

O imperador Juliano, que nascera cristão mas voltara à religião tradicional, abole aquelas medidas e tenta reavivar esta; todavia, seu curto reinado (361-363) não lhe permite levar a cabo essa empreitada. Sua lei escolar, logo abolida por seu sucessor Joviano, havia tentado proibir que os professores cristãos difundissem a herança da cultura clássica, tida como um bem do paganismo. A política dos sucessores de Valenciniano e Valêncio é, no entanto, relativamente tolerante com este. Uma das suas principais leis, renovada em 370, declara manter a liberdade de culto. Mas, no final do seu reinado, Valêncio proíbe de novo os sacrifícios sangrentos.

A política religiosa de Graciano e Teodósio I - depois, com a morte do seu associado, deste último somente - adotará medidas muito mais decisivas, que acabarão pondo o paganismo fora da lei. Quando da sua ascensão ao poder, Teodósio rejeita o título e o manto de Pontifex maximus, e logo em seguida Graciano renuncia a ele. Os cristãos que voltam ao paganismo são objeto de vários editos, perdendo desde 381 o direito de fazer testamentos. Essa lei é renovada em 383: aplicando-se estritamente aos cristãos batizados que abandonam sua fé, considerados "excluídos do direito romano", ela deixa aos que foram apenas catecúmenos o direito de testar em benefício da família. Será endurecida por Teodósio em 391, a pretexto de que o abandono da comunhão cristã equivale a "apartar-se do resto dos homens". Por outro lado, velhas interdições visando as práticas religiosas tradicionais são renovadas: em 381 e 382, os sacrifícios sangrentos são proscritos, sob pena de deportação; em 385, as práticas de adivinhação, sob pena de morte. Os dois imperadores também vão investir contra as próprias instituições do culto pagão. No outono de 382, Graciano manda tirar do Senado a estátua e o altar da Vitória, depois suprime as imunidades das Vestais e dos sacerdotes pagãos, confisca seus rendimentos e subvenções; Teodósio ordena o fechamento dos templos: só podem permanecer abertos, com fins unicamente culturais ou para a realização de assembleias públicas, os que contêm obras de arte. Vários templos, em 384, são fechados ou demolidos.

Mas é uma série de leis emitidas de 391 a 394 que culmina essa investida, vedando qualquer manifestação do culto pagão: a lei de 24 de fevereiro de 391, proíbe-a para Roma; a de 16 de junho, para o Egito; a de 8 de novembro de 392, para todo o Império. Todos os sacrifícios, inclusive os modestos sacrifícios do culto doméstico, são desautorizados, seja em público, seja em particular, seja qual for o nível social, sob pena de multas pesadíssimas e até de punições mais graves. Essa lei é que faz do cristianismo a religião do Império, já que a religião tradicional perdeu todo direito legal de se exprimir: com Teodósio (e não com Constantino, como às vezes se diz), o Império Romano tornou-se oficialmente cristão.

FONTE:

MARAVAL, Pierre. Quando o Império Romano se torna cristão. In: CORBIN, Alain - (org.). História do Cristianismo. São Paulo, Martins Fontes, 2012.


CRÉDITO DA IMAGEM:

cleofas.com.br

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