Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo. Foto de Euzivaldo Queiroz. FONTE: A Crítica, 13/06/2016.
Hoje,
13 de junho, para os católicos, é dia de Santo Antônio, Santo
Antônio de Pádua ou Santo Antônio de Lisboa. O orago de origem
portuguesa, a lembrar as raízes lusitanas das crenças brasileiras,
muito mais que santo casamenteiro, atribuição pela qual é mais
conhecido, é também protetor das mulheres, dos pobres e padroeiro
dos objetos perdidos.
Não
pretendo falar sobre o Santo, escrever uma Hagiografia. Me interessa,
na realidade, uma construção relacionada ao seu culto: A Capela de
Santo Santo Antônio do Pobre Diabo, localizada na rua Borba, bairro
Cachoeirinha, zona Sul de Manaus, Tombada como Patrimônio Histórico
Estadual. O nome ‘Pobre Diabo’ ao lado de ‘Santo Antônio’ é
estranho a alguns, geralmente aos que anseiam um catolicismo
brasileiro oficial, romanizado. Analisarei as origens do nome ‘Pobre
Diabo’, que confunde-se com a construção da capela.
O
historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), em
seu Roteiro Histórico de Manaus,
afirma que essa nomenclatura tem origem popular. Um comerciante
português de nome Antônio José da Costa, estabelecido na rua da Instalação, mandou fazer uma tabuleta com
a figura de um pobre vestindo trapos, com os dizeres “Ao Pobre
Diabo”, uma referência irreverente ao proprietário, que não
vendia fiado pois era uma pessoa “pobre”.
Em
outra versão, que consta em uma matéria do Diário Oficial do
Estado do Amazonas publicada em 11 de junho de 1927 e
recuperada pelo pesquisador Durango Martins Duarte no livro Manaus
entre o passado e o presente,
Antônio José da Costa era sócio de José Joaquim de Souza Júnior.
O português, que tinha uma
imagem de Santo Antônio em uma das prateleiras do estabelecimento,
todos os dias ao fechá-lo
dizia: “Meu Santo Antônio, protegei este pobre Diabo” (1).
Desfeita a sociedade em 1878, Antônio abriu, na mesma rua, um
estabelecimento de nome ‘O Pobre Diabo’. Encontrei, em edição
de 26 de fevereiro de 1888 do jornal A Província do Amazonas, um
comércio com o nome ‘Pobre Diabo’, localizado na rua da
Instalação (2).
Ainda
de acordo com essa publicação, Antônio José da Costa mudou-se da
rua da Instalação para o bairro da Cachoeirinha, onde adquiriu, em
1896, um terreno na antiga Praça Floriano Peixoto, local onde foi
erguida a capela. Mário Ypiranga Monteiro afirma que coube a mulher
de Antônio, Cordolina Rosa de Viterbo, financiar a construção da
capela dedicada a Santo Antônio, santo de devoção da família, após uma promessa pela recuperação da saúde do marido. Ao
nome de Santo Antônio uniu-se o termo Pobre Diabo, possivelmente por
lembrança dos dizeres diários do comerciante ou pelo nome de seu
antigo comércio. Ao que tudo indica, a construção data de
1897, como consta em matéria daquele ano publicada no Jornal do Amazonas
e transcrita por Mário Ypiranga:
“A
muito conhecida e laboriosa Sra. D. Cordolina Rosa de Viterbo tendo
feito erigir à sua custa no bairro da Cachoeirinha, Praça Floriano
Peixoto, desta capital, uma pequena e elegante capela, sob a
invocação do glorioso Santo Antônio, estava disposta a mandar
benzê-la no dia 15 de agosto deste ano, a fim de mais realçar as
festas desta data memorável para o Estado do Pará, de onde é
natural a referida senhora, entendendo, porém, a que os nossos
irmãos brasileiros estão presentemente expondo a sua vida pela
pátria, onde o fanatismo faz milhares de vidas, resolveu adiar a
benção da capela para outro dia que será previamente anunciado”
(3).
O
antropólogo Manoel Nunes Pereira (1893-1985), no texto Igrejas
de Manaus, publicado em 1938 na
Revista da Semana, do
Rio de Janeiro, registrou que
a Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo despertava a curiosidade em
quem visitava a cidade: “- Olhe só… O Pobre Diabo aqui
tem sua igreja! E entrechocam-se os mais espirituosos e irreverentes
commentarios” (4).
A Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo em 1938. FONTE: PEREIRA, Manoel Nunes. Igrejas de Manaus. Revista da Semana, RJ, anno XXXIX, N. 7, 22/01/1938, p. 16.
Nunes
Pereira adverte os leitores de que apenas o bairro em que estava a
capela (Cachoeirinha), é que pertencia ao Diabo, “a
igreja, entretanto, pertence ao orago portuguez, miraculosamente
casamenteiro”. “Durante
os festejos anuais, que se realizam na referida igreja”,
escreve Pereira com uma leve
dose de humor,
“o Pobre Diabo até fica do lado de fóra, com os joelhos
na poeira humilde do arraial. Lá dentro officia o padre, acolytos
agitam thuribulos, cantôras sacras elevam hymnos, mas ao pobre diabo
só é permittido bater no peito, contrictamente”
(5).
O
nome Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo é contemporâneo à
construção. Em uma nota publicada no Jornal do Commercio em 29 de
maio de 1910, informava-se que o serviço de bondes seria reforçado
aos domingos, desde as 15 horas, com mais de um bonde e dois
reboques, por ocasião da realização da “Festa de Santo Antônio
do Pobre Diabo” (6).
Além
do nome pitoresco, a capela também foi palco de acontecimentos um
tanto curiosos. Em 1907, Bibiano de Oliveira Costa, praticante da
Marinha Mercante, tinha
encontros amorosos com a
jovem Maria da Costa Carneiro, de 16 anos, no interior desse templo.
A mãe de Maria, Felizarda da Costa Carneiro, descobrindo o
relacionamento e sentindo-se ofendida por ele ocorrer dentro de um
lugar sagrado, denunciou Bibiano ao Delegado do 2° Distrito, Elviro
Dantas, que o prendeu no dia
11 de abril de 1907. Preso,
Bibiano disse que pediria Maria da Costa Carneiro em casamento. O
Delegado, então, determinou que a união fosse realizada no dia
seguinte (7).
Santo Antônio, indiretamente, concretizou um enlace matrimonial,
ainda que em circunstâncias pouco formais.
O
nome Santo Antônio do Pobre Diabo é uma característica do
Catolicismo popular brasileiro, que foi se desenvolvendo à margem do
poder institucionalizado, maleável e influenciado por elementos do
meio em que se estabeleceu. Ao
nome do santo lusitano uniu-se o de ‘Pobre Diabo’, surgindo daí
algo novo, único em nossa cidade, estranho aos mais conservadores
mas acessível aos grupos populares e por eles já incorporado.
Salve Grande Antônio. Salve Santo Antônio do Pobre Diabo...
NOTAS:
(1)
DUARTE, Durango Martins. Manaus entre o passado e o presente. Manaus:
Ed. Mídia Ponto Comm, 2009, p. 140.
(2)
Agências. A
Província do Amazonas, 26/02/1888, p.
01.
(3)
O jornal se refere à Guerra de Canudos. MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de
Manaus. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998 Apud MONTEIRO, Mário Ypiranga. Capela do Pobre Diabo. Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 3° Edição, nov/1999 (Série Memória 1).
(4)
PEREIRA, Manoel Nunes. Igrejas de Manaus. Revista da Semana, RJ, anno
XXXIX, N. 7., 22/01/1938, p.
16.
(5)
Ibid, p. 16.
(6)
Festa de Santo Antônio do Pobre Diabo. Serviço de Bondes. Jornal do
Commercio, 29/05/1910, p. 02.
(7)
Cupido e… polícia. Travessuras e casório. Jornal do Commercio,
12/04/1907, p. 01.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DUARTE, Durango Martins. Manaus
entre o passado e o presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm,
2009.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Capela do Pobre Diabo. Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 3° Edição, nov/1999 (Série Memória 1).
PEREIRA,
Manoel Nunes. Igrejas de Manaus. Revista
da Semana, RJ, anno
XXXIX, N. 7., 22/01/1938, p.
16.