Hoje, 13 de junho, para os católicos, é dia de Santo Antônio, Santo Antônio de Pádua ou Santo Antônio de Lisboa. O orago de origem portuguesa, a lembrar as raízes lusitanas das crenças brasileiras, muito mais que santo casamenteiro, atribuição pela qual é mais conhecido, é também protetor das mulheres, dos pobres e padroeiro dos objetos perdidos.
Não pretendo falar sobre o santo, escrever uma hagiografia. Me interessa, na realidade, uma construção relacionada ao culto desse santo popular: A Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo, localizada na rua Borba, bairro Cachoeirinha, zona Sul de Manaus. O nome 'Pobre Diabo' ao lado de 'Santo Antônio' é estranho a alguns, geralmente aos que anseiam um catolicismo brasileiro oficial, romanizado. Analisarei as origens do termo 'Pobre Diabo', que confunde-se com a construção da capela.
O historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro, no livro Roteiro Histórico de Manaus, afirma que essa nomenclatura tem origem popular. Um comerciante português de nome Antônio José da Costa, dono de um estabelecimento na rua da Instalação, mandou fazer uma tabuleta com a figura de um pobre vestindo trapos, com a legenda 'Ao Pobre Diabo', uma referência irreverente ao comerciante, que não vendia fiado pois era um pobre Diabo.
Em outra versão, que consta em uma matéria do Diário Oficial do Estado publicada em 11 de junho de 1927, recuperada pelo pesquisador Durango Duarte no livro Manaus: entre o passado e o presente, Antônio José da Costa era sócio de José Joaquim de Souza Júnior. O português, todos os dias ao fechar o comércio, dizia: "Meu Santo Antônio, protegei este pobre diabo". Desfeita a sociedade em 1878, Antônio abriu, na mesma rua, um estabelecimento com o nome O Pobre Diabo. Encontrei, em edição do jornal A Província do Amazonas, de 26 de fevereiro de 1888, um estabelecimento com o nome 'Pobre Diabo', localizado na rua da Instalação (1).
Ainda de acordo com essa matéria, Antônio José da Costa mudou-se da rua da Instalação para o bairro da Cachoeirinha, onde adquiriu um terreno na extinta Praça Floriano Peixoto, local onde foi erguida a capela. De acordo com Mário Ypiranga, coube a mulher de Antônio, Cordolina Rosa de Viterbo, financiar a construção da capela, dedicada a Santo Antônio, santo de origem portuguesa, a mesma de seu falecido marido. Ao santo uniu-se o termo Pobre Diabo, talvez por lembrança dos dizeres diários do comerciante ou pelo nome de seu antigo estabelecimento. Ao que tudo indica, a construção data de 1897, conforme matéria do Jornal do Amazonas recuperada por Mário Ypiranga:
"A muito conhecida e laboriosa Sra. D. Cordolina Rosa de Viterbo tendo feito erigir à sua custa no bairro da Cachoeirinha, Praça Floriano Peixoto, desta capital, uma pequena e elegante capela, sob a invocação do glorioso Santo Antônio, estava disposta a mandar benzê-la no dia 15 de agosto deste ano, a fim de mais realçar as festas desta data memorável para o Estado do Pará, de onde é natural a referida senhora, atendendo, porém, a que os nossos irmãos brasileiros estão presentemente expondo a sua vida pela pátria, onde o fanatismo faz milhares de vidas (2), resolveu adiar a benção da capela para outro dia que será previamente anunciado" (3).
O nome Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo é contemporâneo à construção. Em uma nota publicada no Jornal do Comércio em 29 de maio de 1910, informava-se que o serviço de bondes seria reforçado aos domingos, desde as 15:00 horas da tarde, com mais de um bonde e dois reboques, por ocasião da realização da "Festa de Santo Antônio do Pobre Diabo" (4).
Além do nome pitoresco, a capela também foi palco de alguns acontecimentos um tanto curiosos. Em 1907, Bibiano de Oliveira Costa, praticamente da Marinha Mercante, namorava a jovem Maria da Costa Carneiro, de 16 anos, na Capela do Pobre Diabo. A mãe da jovem, Felizarda da Costa Carneiro, sabendo do relacionamento e sentindo-se ofendida (possivelmente pela idade da filha e também pelo local onde ocorrera o encontro amoroso) denunciou Bibiano ao delegado do 2° Distrito, Elviro Dantas, que prendeu o jovem. Preso, Bibiano disse que pediria Maria da Costa Carneiro em casamento. O delegado determinou que a união fosse realizada em 12 de abril de 1907 (5). Santo Antônio, indiretamente, concretizou um enlace matrimonial, ainda que em circunstâncias pouco formais.
O nome Santo Antônio do Pobre Diabo é uma característica do catolicismo popular brasileiro, que foi se desenvolvendo à margem do poder institucionalizado, maleável e influenciando por elementos do meio em que se estabelece. Ao nome do santo lusitano uniu-se o termo 'Pobre Diabo', surgindo algo novo, único em nossa cidade, estranho aos mais conservadores mas acessível aos grupos populares e por eles já incorporado. Salve Grande Antônio, Salve Santo Antônio do Pobre Diabo.
NOTAS:
(1) A Província do Amazonas, 26/02/1888.
(2) O jornal se refere a Guerra de Canudos.
(3) Jornal do Amazonas, 12/08/1897. In: MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998.
(4) Jornal do Comércio, 29/05/1910.
(5) Jornal do Comércio, 12/04/1907.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998.
DUARTE, Durango. Manaus: entre o passado e o presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
Santo Antônio com o Menino Jesus. Pintura de Stephan Kessler. Commons.wikimedia.org
Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo, no bairro da Cachoeirinha. Manausagil.com
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