Estátua de Martinho Lutero, em Washington (EUA). Obra do escultor alemão Ernst Friedrich August Rietschel (1884).
O
presente texto, simples e livre de qualquer formalidade, não se
pretende ser mais uma explicação sobre os processos que culminaram
na Reforma Protestante, mas sim uma
discussão sobre os
reflexos desse evento em discursos contemporâneos, estando inserido
no campo das mentalidades formadas sobre a Reforma, que completa 500
anos em 2017.
Sábado,
20 horas. Mudando aleatoriamente de canais, paro em um programa de
uma emissora Protestante. Na pauta, dirigida pelo apresentador na
companhia de dois teólogos, os 500 anos de um dos eventos mais
importantes da Era Moderna: A Reforma Protestante. São cinco séculos
de um movimento que moldou de forma significativa o panorama político
e religioso do Ocidente e, dadas as influências posteriores, o mundo
de forma geral.
No
horário, o programa já estava bastante adiantado, mas o que foi
assistido serviu de fonte para a produção desse artigo. Os dois
teólogos afirmavam, com alegria, que “Lutero libertou a Europa
da tirania da Igreja Católica”
e que o “movimento
renovou o Cristianismo”.
Afirmações essas feitas com uma vivacidade que poderia fazer pensar
se esses convidados não estiveram em Wittenberg, na Alemanha, em
1517, ajudando o monge
agostiniano na propagação de suas ideias.
Uma
semana depois, na universidade, ouvi nos corredores uma conversa
entre dois estudantes. Ao que tudo indica, católicos praticantes,
tanto pelo tom da conversa quanto pelos adereços, bótons de santos
e terços. Um dizia que
Lutero era um “herege”
que dividiu o Cristianismo. Outro, no
mesmo tom, via naquele monge agostiniano a figura que contribuiu para
a proliferação de inúmeras “seitas sem unidade”
que se arrastam até os dias de hoje. Bem que esses dois poderiam
estar, em 1517, do alto do
Castelo de Wittenberg vendo,
sob protestos, Lutero pregar as 95 teses na porta da Igreja.
São
comentários interessantes, um mais caloroso que o outro, mostrando
como um evento de 500 anos permanece “vivo” na mente e no
discurso de seus favoráveis e opositores
do século XXI. A História é
o campo
de combate da memória. Ganha, geralmente,
aquele que está atrelado ao Estado e às mais altas posições. No
entanto, não estamos falando de grupos pequenos que lutam por suas
memórias, mas sim de duas grandes e poderosas ramificações do
Cristianismo, com milhões de adeptos ao redor do mundo. É
uma disputa que parte do alto, disputa essa com reações imediatas
ao evento.
Em
fevereiro de 1518, o Papa Leão X, a pedido da Ordem dos
Agostinianos, pediu para que as ideias de Lutero parassem de ser
difundidas. O teólogo italiano Silvestro Mazzolini da Priero redigiu
Um
Diálogo contra as Teses Presuntivas de Martinho Lutero sobre o Poder
do Papa.
João
Maier, amigo de Lutero, escreveu teses contra suas ideias, o
considerando um herege estúpido, o que terminou por iniciar uma
disputa teológica, o famoso Debate
de Leipzig,
que terminou sem vencedores. Por
último, Martinho Lutero foi excomungado da Igreja Católica em 1521,
quando queimou a Bula que oferecia ou a retratação ou a excomunhão.
Vejamos
o que diz o padre Paulo Ricardo, figura
famosa no meio religioso católico, no
texto Por
que não sou Protestante?
Sobre a Reforma Protestante e seus agentes: “Os
reformadores protestantes, como Martinho Lutero, João Calvino e
Ulrich Zwinglio, vendo a triste situação em que se encontravam os
homens da Igreja, quiseram empreender uma mudança, mas, no fim,
acabaram mutilando a Igreja”. Conclusões
semelhantes às dos dois estudantes anteriormente citados.
Para
o pastor Paulo Júnior, em O
que foi a Reforma Protestante? Afirma
que “em uma época que o povo comum era privado da leitura das
Escrituras e o papa liderava a cristandade com mãos de ferro, Lutero
foi uma voz levantada por Deus para dar início a uma completa
revolução espiritual na Alemanha. Lutero combateu os vários
desvios doutrinários de sua época praticados pela Igreja Católica
Romana, condenou veementemente a venda de indulgências, traduziu a
Bíblia para o alemão e a colocou nas mãos do povo comum. Enfim,
inflamou o coração de seus irmãos a uma busca sincera por Deus e o
Cristianismo autêntico”.
Diferentes
discursos, alguns do século XVI, outros do século XXI. Mesmo com
inúmeros séculos de diferença entre uns e outros, eles possuem o
mesmo objetivo: defender
determinada visão de mundo. Os
teólogos não estavam ao lado de Lutero na hora de fixar as 95 teses
na porta da Igreja, nem os estudantes estavam do alto do castelo
protestando contra a ação desse monge. Essas pessoas apenas
defendem aquilo que lhes foi transmitido de determinada forma, oral
ou escrita,
dentro
de uma visão religiosa
de mundo. O curioso é observar como 500 anos depois o evento
permanece vivo por meio da mentalidade e dos discursos sobre ele
formados e propagados. É como se a qualquer momento Lutero ou o Papa
Leão X fossem ressurgir e fazer uma observação: “não foi assim,
pois eu estava lá”…
FONTES:
RICARDO, Paulo Pe. Por que não sou protestante? Disponível em: https://padrepauloricardo.org/episodios/por-que-nao-sou-protestante. Acesso em 28/05/2017.
JÚNIOR, Paulo Pr. O que foi a Reforma Protestante? Disponível em: https://defesadoevangelho.com.br/videos/o-que-foi-reforma-protestante/. Acesso em 28/05/2017.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
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