Vamos aprender a raciocinar historicamente, visitem o História Inteligente. Pretende-se incentivar as pessoas à leitura, à escrita e aos estudos das Humanidades, destacando aqui a importância da História, que não é simples “memorização” ou conjunto de datas e fatos, mas antes uma ciência na qual se busca compreender os processos humanos, processos esses que por serem humanos são desiguais, no tempo, repercutindo em mudanças na estrutura de nossa sociedade.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2025
Manaus e seus historiadores, de Geraldo Pinheiro (1949)
sexta-feira, 12 de julho de 2024
O Dicionário Amazonense de Biografias e a consagração da elite amazonense
Em 1973 o Professor Agnello Bittencourt (1876-1975) publicou no Rio de Janeiro, pela Editora Conquista, o livro Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Trata-se de um alentado trabalho de mais de 500 páginas contendo verbetes dos nomes, naturais da terra ou oriundos de outras paragens, que construíram o Amazonas. Mais que uma obra fundamental aos estudiosos de temáticas amazônicas, ele pode ser entendido como um instrumento de consagração da elite amazonense (DAOU, 2014; DANTAS, 2024).
Essa constatação vêm de longa data. As primeiras impressões surgiram simultaneamente à publicação. Genesino Braga, historiador dos mais renomados, publicou no Jornal do Commercio uma resenha com o sugestivo título Os varões assinalados. Os 270 verbetes privilegiaram os homens cujos nomes, por si só, em nossa sociedade, eram importantes elementos de distinção social, capazes de garantir importantes vantagens:
"Nelas se ostentam, como numa galeria de nossos varões insignes, quantos, aqui nascidos ou não, finados aqui ou alhures, deram a sua gota de suor, a sua gota de sangue, ou a sua gota de lágrima, para que esta terra alcançasse o fastígio de civilização dos dias de hoje e para que este povo se robustecesse na consciência de sua própria madureza social e política e de seu potencial de riqueza" (BRAGA, 1973, p. 03).
Não muito diferente, o escritor Moacyr Rosas definiu o Dicionário como o "[...] verdadeiro PANTEON amazonense" (CID, 1973, p. 11). Um panteão de homens responsáveis pelo progresso do Estado e que deveriam ser conhecidos e cultuados pela sociedade. Estirpes como as de Lobo d'Almada, Tenreiro Aranha, Manoel de Miranda Leão, Barão de Manaus, Jorge de Moraes, Comendador J. G. de Araújo, Heliodoro Balbi e Álvaro Maia.
Como se formou a elite amazonense? O Amazonas não possuía nobreza da terra com raízes na colonização da região no século XVII. O grupo dominante, formado por comerciantes portugueses e brasileiros, profissionais liberais e funcionários públicos, começou a ser organizar e ganhar destaque apenas a partir da segunda metade do século XIX com a instalação da Província do Amazonas e sua máquina burocrática. Na passagem do século XIX para o XX, com o advento da economia gomífera, a elite se modificou. Surgiram seringalistas, aviadores, grandes comerciantes, grandes burocratas, políticos, médicos, farmacêuticos, engenheiros, advogados, juízes e desembargadores, brasileiros e estrangeiros, formados no país ou no exterior.
A elite que recebeu o Dicionário nem de longe lembrava seus antepassados. Uma parte migrara para o Sudeste com a crise da borracha nos anos 1920. Não consigo não associar sua publicação e ampla aceitação às mudanças que estavam ocorrendo no seio desse grupo seleto que desde priscas eras comandava os rumos políticos, econômicos e culturais do Estado. A tradicional elite amazonense, dado o impacto da Zona Franca, estava perdendo sua influência e seus locais de referência. Novos agentes econômicos surgiram, impondo suas lógicas de produção (SOUZA, 1978). Ela Precisava, dessa forma, de uma âncora para se agarrar à sua referência mais cara: os nomes carregados de glórias do passado. O autor deixa isso claro na introdução:
"Se uma civilização é resultante dos homens, aí estão alinhados os nomes e os feitos de vários estadistas, professores, jornalistas, sacerdotes e tantos expoentes das mais variadas profissões que no Amazonas ajudaram a fazer uma capital moderna em plena selva e se distinguiram em cargos políticos ou administrativos, ou em colunas da imprensa, ou no púlpito, ou na cátedra - todos esses instrumentos e sinais da civilização" (BITTENCOURT, 1973, p. 15).
Ainda na introdução, Agnello afirma que buscou "[...] adotar uma atitude de isenção e imparcialidade, despido das emoções que a perspectiva do tempo diluiu e deve ter apagado" (BITTENCOURT, 1973, p. 14). Apesar da tentativa, na leitura das biografias apreendemos diferentes aspectos da sociabilidade da elite amazonense, elite essa da qual o autor fazia parte e conviveu pessoalmente por mais de seis décadas até sua mudança para o Rio de Janeiro: influências, alianças, disputas, tensões, ataques e mágoas.
Escrito por alguém que conviveu pessoalmente com boa parte dos biografados, o Dicionário de Agnello Bittencourt "transcreve o julgamento social de uma época" (CHARLE Apud DAOU, 2014, p. 33). E não existia ninguém melhor para realizar esse julgamento, pois Bittencourt, à época decano dos intelectuais amazonenses, reunia as qualidades de "autoridade" e "intelectual ideal", como bem definiu o historiador Hélio Dantas (DANTAS, 2024). Dessa forma, ele seria "[...] uma manifestação da própria elite em questão" (DAOU, 2014, p. 55).
Atualmente, quem melhor analisou o impacto do Dicionário foi a antropóloga Ana Maria Daou, autora de um importante estudo sobre a formação e transformação da elite amazonense na virada do século XIX para o XX. Ao entrevistar membros e descendentes da elite amazonense que viviam no Rio de Janeiro, alguns recomendaram a leitura do livro e demonstraram concordância com seu conteúdo "no sentido da autoconsagração ou de seu oposto, quando da exclusão de um familiar não contemplado nos verbetes" (DAOU, 2014, p. 35).
Dicionários biográficos dessa natureza são de extrema importância para a realização de estudos históricos, antropológicos e sociológicos, pois, de acordo com a historiadora Alzira Alves de Abreu, eles possibilitam "[...] identificar a composição social das elites políticas, intelectuais, operárias, empresariais, militares, jornalísticas e outras, e o grau de participação dessas elites na esfera pública do poder" (ABREU, 1998, p. 03)
O Dicionário Amazonense de Biografias não foi publicado apenas para preencher uma lacuna em nossa historiografia, como menciona Agnello Bittencourt (BITTENCOURT, 1973, p. 13), mas também, e principalmente, para legitimar e consagrar a elite amazonense, responsável por "desenvolver" e "civilizar" uma sociedade tão diversa e peculiar como a do Amazonas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Alzira Alves de. Dicionário biográfico: a organização de um saber. XXII Encontro Anual da ANPOCS, 1998.
BRAGA, Genesino. Os varões assinalados. Jornal do Commercio, 29/09/1973.
BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973.
CID, Pablo. Palavras... Jornal do Commercio, 09/09/1973.
DAOU, Ana Maria. A Cidade, o Teatro e o "Paiz das Seringueiras": práticas e representações da sociedade amazonense na passagem do século XIX-XX. Rio de Janeiro: Rio Book's, 2014.
DANTAS, Hélio da Silva. O adeus ao "mestre Agnello": Análise da consagração de um intelectual amazonense (parte I). Blog do Francisco Gomes, 07/07/2024.
SOUZA, Márcio. A Expressão Amazonense. Do colonialismo ao neocolonialismo. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978.
quarta-feira, 25 de abril de 2018
Políbio de Megalópolis: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica
Políbio escreveu em dialeto ático, em prosa, sem recorrer a elementos estilísticos.
terça-feira, 24 de abril de 2018
Críticas ao conceito de ciclo econômico: Os estudos de João Pacheco de Oliveira
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
OLIVEIRA, João Pacheco. O 'caboclo' e o 'brabo': notas sobre duas modalidades de incorporação da força de trabalho na expansão da borracha no vale amazônico no século XIX. Encontros com a Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, v.11, p.
_____________________. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016.
CRÉDITO DA IMAGEM:
FREYRE, Gilberto. Mucambos do Nordeste: Algumas notas sobre o typo de casa popular mais primitivo do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, s. d.
segunda-feira, 26 de março de 2018
Amiano Marcelino: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica
Tendo vivido nessa época, século IV, nos oferece, através de sua principal obra, Res Gestae (Os Feitos), que acredita-se ser uma tentativa de continuar a obra de Tácito, um panorama, ainda que de forma fragmentada (dos 31 livros que compunham a obra apenas 17 foram preservados), do processo de conturbação e decadência do Império. De acordo com Bruna Campos Gonçalves, "seu relato começa em 96 d. C. com o reinado do imperador Nerva (96 - 98 d. C.) e perpassa por todos os imperadores terminando sua narrativa com o governo de Valentiniano II (378 - 383 d. C.)" (GONÇALVES, 2008, p. 97). O grosso que sobreviveu de Os Feitos cobre os reinados de Constâncio II, Juliano, o Apóstata, e Valentiniano II.
O primeiro livro sobrevivente, de número 14, é dedicado, em um primeiro momento, às ações de César Galo, primo de Constâncio II. Galo foi um César extremamente cruel e violento, assim como seu primo, sobre quem recaem as atenções do historiador posteriormente. Além das descrições sobre Galo e Constâncio II, também é feita uma digressão sobre os costumes dos sarracenos. Roma, para Amiano, era uma cidade que atravessara todos os estágios da vida, passando do estado pueril para a maturidade, chegando à velhice com grande sabedoria. Os romanos do passado eram simples, desprendidos da ganância. A partir dessa imagem da cidade é apresentada uma outra, a da luxúria e ostentação de alguns habitantes, elementos já criticados por poetas e historiadores de tempos mais remotos. Alguns tem apelidos como "Barril", "Linguiça" e "Barriga de Porco". Esse é, de acordo com John Burrow,
"o velho tema da luxúria contrastada com a virtude e a venerabilidade romanas antigas, mas apresentado aqui com vivacidade e riqueza de detalhes excepcionais, e uma forte sugestão de lembranças de desfeitas pessoais; é decerto particularmente penoso que, por ocasião de uma ameaça de escassez de alimentos, quando os estrangeiros foram expulsos da cidade, não tenha sido feita exceção aos professores de artes, mas sim a dançarinos e professores de dança" (BURROW, 2013, p. 190).
Ainda falando sobre Galo, Amiano utiliza metáforas animais para descrever esse César, que ora era como "uma cobra ferida por uma lança ou pedra" ou "um leão que experimentou o gosto da carne humana". São feitas algumas digressões sobre as Províncias do oriente. Por último, Galo teve um destino semelhante ao de muitos príncipes e imperadores predecessores: foi executado. Amiano invoca a justiça divina, Adrastia (Nêmesis), "que pune a maldade e recompensa as boas ações [...] Rainha das causas, árbitra e juíza de todas as coisas, ela controla a urna de onde se retira a sorte dos homens e regula suas vicissitudes de fortuna" (BURROW, 2013, p. 191).
Boa parte dos elementos do pensamento histórico e prática historiográfica vistos no livro 14, segundo John Burrow, voltarão a aparecer nos fragmentos posteriores:
"desconfiança e crueldade imperiais; digressões etnográficas e geográficas; veneração pelo passado de Roma e pela própria cidade, apesar das descrições satíricas da população; devoção aos deuses antigos; autoconsciência literária e alusão a exemplos históricos; excessos metafóricos na escrita e o acréscimo de imagens de bestas selvagens" (BURROW, 2013, p. 192).
Outro elemento marcante é a crença de Amiano em presságios e adivinhações, para ele conhecimentos inexatos e muitas vezes utilizados de forma indevida ou exagerada. Os deuses, a exemplo dos sinais dados por pássaros, controlavam esses animais para revelar aos homens diferentes tipos de acontecimentos. Na condição de militar, ficou ligado ao exército até 363 d. C., tendo sido testemunha ocular de inúmeras batalhas, acompanhando as campanhas dos imperadores no Oriente, na Gália e na Germânia. Nas campanhas de Juliano, observa e descreve as cenas dos campos de combate.
O interesse de Amiano pelo reinado de Juliano diz respeito a sua tentativa de reviver os cultos pagãos, abandonando o Cristianismo, tentativa essa que lhe reservou a alcunha de Juliano, o Apóstata. As ações de Juliano são violentas, com a proibição aos cristãos de ministrarem aulas, destruição de igrejas e inúmeros sacrifícios. Esses atos eram criticados por Amiano, pois seu paganismo era "[...] de um tipo mais contido e genial" (BURROW, 2013, p. 195). Amiano, ao contrário de outros historiadores como Tácito, que tinha uma visão depreciativa dos cristãos, demonstrava certa tolerância com os praticantes dessa religião.
Após a morte de Juliano, os governos seguintes são marcados por dois acontecimentos considerados críticos: a permissão da entrada de godos via Danúbio em territórios romanos (376) e a derrota e morte do imperador Valente na batalha de Adrianópolis (378). Roma era assediada, mas não estava em declínio. Era, antes disso, o centro do mundo, a Cidade Eterna. Amiano, grego, escreve em latim. Bruna Campos, citando o professor Ronald Mellor, apresenta duas prováveis causas para essa escolha:
"A óbvia razão literária era continuar a obra de Tácito, enquanto que a razão política era escrever, como chamou o retórico grego Temístio την διαλεκτον κρατουσαν (‘a língua dos nossos governantes’). Diferentemente do cortesão Temístio, Amiano não estava tentando alcançar os favores imperiais, mas estava profundamente comprometido com Roma e com sua herança politica. Seu orgulho de sua cidadania romana é evidente em toda sua obra". (MELLOR, 1999, p.126).
Amiano Marcelino, considerado um dos últimos grandes historiadores romanos (de origem grega) da Antiguidade Tardia e o último historiador pagão, escreveu sua obra em latim, obra essa cujos principais elementos são a desconfiança e crueldade imperiais; digressões etnográficas e geográficas; veneração pelo passado de Roma e pela própria cidade, apesar das descrições satíricas da população; devoção aos deuses antigos; autoconsciência literária e alusão a exemplos históricos; excessos metafóricos na escrita; o acréscimo de imagens de bestas selvagens; e a crença em presságios e adivinhações. Res Gestae é mais uma obra do último século de existência do Império Romano, que oferece, ainda que de forma incompleta, um panorama da desestruturação da unidade imperial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BURROW, John. Uma História das Histórias. De Heródoto e Tucídides ao século XX. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, tradução de Nana Vaz de Castro, 2013.
GONÇALVES, B. C. . Amiano Marcelino e sua obra Res Gestae: tratamento documental e os livros XXV, XXVI e XXVII. In: XXIII Semana de Estudos Clássicos / V Encontro de Iniciação Científica em Estudos Clássicos Cultura Clássica: Inter-relações e permanência, 2008, Araraquara. Anais da XXIII Semana de Estudos Clássicos V Encontro de Iniciação Científica em Estudos Clássicos. Cultura Clássica: inter-relações e permanência, 2008. p. 95-102.
CRÉDITO DA IMAGEM:
Falkensteinfoto/Alamy Stock Photo
domingo, 18 de março de 2018
Francesco Guicciardini: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: