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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Políbio de Megalópolis: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Políbio de Megalópolis (200 a. C. - 118 a. C.). Estátua localizada no Parlamento de Viena, na Áustria.

Políbio de Megalópolis (200 a. C. - 118 a. C.) foi um historiador grego nascido na cidade de Megalópolis, na região da Arcádia. O período em que viveu, de derrocada do mundo helenístico e hegemonia do Império Romano, influenciou grandemente sua produção historiográfica, representada pela obra Histórias, formada por 40 volumes (cobre o período que vai de 220 a. C até 167 a. C.) e cuja análise central recai sobre diferentes aspectos da dominação romana e suas instituições políticas.

Feito prisioneiro pelos romanos, conheceu diretamente suas instituições políticas e como estas funcionavam. O principal elemento do pensamento histórico desse historiador grego diz respeito à história pragmática. A produção de uma narrativa histórica deveria ter uma utilidade, e para Políbio a utilidade da história seria a de que esta possibilitaria a compreensão do tempo presente das sociedades auxiliando nas formas de agir sobre estas. Por formas de agir, entende-se a prática política. Políbio trazia algumas concepções anteriormente vistas em historiadores como Heródoto e Tucídides, da história com um sentido pedagógico para as futuras gerações, mas inovava em certos aspectos:

"[...] Resolvi escrever uma História do gênero pragmático, primeiro porque há sempre uma novidade digna de tratamento novo - não seria possível aos antigos narrar eventos posteriores à sua própria época - e, em segundo lugar por ser considerável a utilidade prática de tal gênero de História, tanto no passado quanto - e principalmente - no presente, numa época em que o progresso das artes e das ciências tem sido tão rápido que as pessoas desejosas de aprender são capazes - digamos assim - de submeter a uma análise metódica quaisquer circunstâncias passíveis de exame. Sendo então o meu objetivo não tanto entreter os leitores quanto beneficiar os espíritos afeitos à reflexão [...], me dediquei a escrever este gênero de História" (POLÍBIO, Histórias, 9, 2).

Nessa passagem, fica claro que a história pragmática, para Políbio, era um gênero à parte de outras formas de trabalho histórico. O historiador grego não pretende entreter seus leitores. Isso está relacionado à prática de antigos historiadores que escreviam genealogias de famílias nobres e realizavam estudos sobre a origem de cidades, gêneros que, para Políbio, estavam voltados mais para o entretenimento do que para a reflexão. Tendo experiência em assuntos militares, interessava-se pela descrição das campanhas, aderindo ao militarismo cívico em oposição ao militarismo tirânico. Políbio realizou um trabalho metódico, pautado no exame crítico das fontes, no conhecimento dos lugares que cita em seu trabalho (o que evidencia a relação entre história e geografia) e na experiência com a política (em sua terra natal, foi eleito hiparco, comandante da cavalaria).

Também relaciona-se à sua história pragmática a ideia de que a história do mundo até então habitado e conhecido, o ecoumene, estava conectada a partir da Segunda Guerra Púnica:

"Até essa época os eventos mundiais tinham sido por assim dizer dispersos, pois não eram interligados por uma unidade de iniciativa, de resultados ou de localização; desde essa época, porém, a História passou a ser um todo orgânico, e os eventos na Itália e na Líbia interligaram-se com os da Hélade e da Ásia, todos convergindo para um único fim. Por isso a nossa História pragmática inicia-se nessa época" (POLÍBIO, Histórias, 1, 3).

As ações humanas, para o historiador, possuem início, causa e pretexto. Os dois últimos elementos de causalidade (causa e pretexto), seriam o fio condutor do primeiro (início). Sobre a Fortuna ou a intervenção divina, Políbio tem uma concepção interessante: Só se devem atribuir as causas aos desígnios divinos quando estas não podem ser explicadas dadas suas complexidades. Caso sejam naturalmente compreensíveis e alcançáveis pela razão, devem ser entendidas como eventos decorrentes da ação humana.

Sobre a concepção de história de Políbio, cujo cerne é a política, diz o professor de História Antiga da Unb, Henrique Modanez de Sant' Anna:

"Há, no tempo do nosso autor, uma versão estoica acerca da sucessão cíclica das formas de governo, a qual Políbio incorpora numa sequência curiosa de mudanças políticas vistas na história: da monarquia, a primeira forma de organização conhecida (para Políbio, ao menos), passando pelas revoluções e etapas intermediárias do processo (tirania, aristocracia, oligarquia e democracia), à democracia anárquica ou eclocracia, que conduz toda a sociedade novamente ao ponto de sua teoria cíclica, vale dizer, ad infinitum"(SANT' ANNA, 2012, p. 147).

João Emiliano Fortaleza de Aquino, professor de filosofia da Uece, em contrapartida, afirma que deve-se distinguir a noção de história cíclica das instituições políticas da concepção da prática historiográfica de Políbio, o que seria contraditório, tendo em vista ser ela uma "história pragmática, contemporânea e útil" (AQUINO, 2006, p. 66).

Para Políbio, o sucesso de Roma na dominação de vastas áreas do mundo conhecido explicava-se pela característica de sua constituição política, mista, constituída por monarquia (cônsules), aristocracia (senadores) e democracia (povo), o que evitaria que o sistema político se degenerasse em apenas uma forma de governo, com a união dos melhores elementos dessas formas de governar.

Políbio escreveu em dialeto ático, em prosa, sem recorrer a elementos estilísticos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AQUINO, João Emiliano Fortaleza. Memória e consciência histórica. Fortaleza: Editora Uece, 2006.

SANT' ANNA, Henrique Modanez. Políbio e os princípios de sua investigação histórica: algumas considerações. UFF: Revista Mundo Antigo, ano I, V. 01, N. 02 - dezembro de 2012.


CRÉDITO DA IMAGEM:

http://mototurismo.alidays.it

segunda-feira, 26 de março de 2018

Amiano Marcelino: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Escultura entalhada em madeira representando o historiador Amiano Marcelino (330 - 395/400 d. C.). Alfeld, Alemanha, século XVII.

Amiano Marcelino (330 - 395/400 d. C.) foi um militar e historiador nascido na cidade de Antioquia, atual Antáquia, na Turquia. Considerado um dos últimos grandes historiadores romanos (embora fosse grego de nascimento) e o último historiador pagão, escreveu em um período de profundas transformações do Império Romano, com destaque para a ascensão e oficialização do Cristianismo como religião de Estado através do Édito de Tessalônica, decretado pelo imperador Teodósio I em 380 d. C.

Tendo vivido nessa época, século IV, nos oferece, através de sua principal obra, Res Gestae (Os Feitos), que acredita-se ser uma tentativa de continuar a obra de Tácito, um panorama, ainda que de forma fragmentada (dos 31 livros que compunham a obra apenas 17 foram preservados), do processo de conturbação e decadência do Império. De acordo com Bruna Campos Gonçalves, "seu relato começa em 96 d. C. com o reinado do imperador Nerva (96 - 98 d. C.) e perpassa por todos os imperadores terminando sua narrativa com o governo de Valentiniano II (378 - 383 d. C.)" (GONÇALVES, 2008, p. 97). O grosso que sobreviveu de Os Feitos cobre os reinados de Constâncio II, Juliano, o Apóstata, e Valentiniano II.

O primeiro livro sobrevivente, de número 14, é dedicado, em um primeiro momento, às ações de César Galo, primo de Constâncio II. Galo foi um César extremamente cruel e violento, assim como seu primo, sobre quem recaem as atenções do historiador posteriormente. Além das descrições sobre Galo e Constâncio II, também é feita uma digressão sobre os costumes dos sarracenos. Roma, para Amiano, era uma cidade que atravessara todos os estágios da vida, passando do estado pueril para a maturidade, chegando à velhice com grande sabedoria. Os romanos do passado eram simples, desprendidos da ganância. A partir dessa imagem da cidade é apresentada uma outra, a da luxúria e ostentação de alguns habitantes, elementos já criticados por poetas e historiadores de tempos mais remotos. Alguns tem apelidos como "Barril", "Linguiça" e "Barriga de Porco". Esse é, de acordo com John Burrow, 

"o velho tema da luxúria contrastada com a virtude e a venerabilidade romanas antigas, mas apresentado aqui com vivacidade e riqueza de detalhes excepcionais, e uma forte sugestão de lembranças de desfeitas pessoais; é decerto particularmente penoso que, por ocasião de uma ameaça de escassez de alimentos, quando os estrangeiros foram expulsos da cidade, não tenha sido feita exceção aos professores de artes, mas sim a dançarinos e professores de dança" (BURROW, 2013, p. 190).

Ainda falando sobre Galo, Amiano utiliza metáforas animais para descrever esse César, que ora era como "uma cobra ferida por uma lança ou pedra" ou "um leão que experimentou o gosto da carne humana". São feitas algumas digressões sobre as Províncias do oriente. Por último, Galo teve um destino semelhante ao de muitos príncipes e imperadores predecessores: foi executado. Amiano invoca a justiça divina, Adrastia (Nêmesis), "que pune a maldade e recompensa as boas ações [...] Rainha das causas, árbitra e juíza de todas as coisas, ela controla a urna de onde se retira a sorte dos homens e regula suas vicissitudes de fortuna" (BURROW, 2013, p. 191). 

Boa parte dos elementos do pensamento histórico e prática historiográfica vistos no livro 14, segundo John Burrow, voltarão a aparecer nos fragmentos posteriores: 

"desconfiança e crueldade imperiais; digressões etnográficas e geográficas; veneração pelo passado de Roma e pela própria cidade, apesar das descrições satíricas da população; devoção aos deuses antigos; autoconsciência literária e alusão a exemplos históricos; excessos metafóricos na escrita e o acréscimo de imagens de bestas selvagens" (BURROW, 2013, p. 192).

Outro elemento marcante é a crença de Amiano em presságios e adivinhações, para ele conhecimentos inexatos e muitas vezes utilizados de forma indevida ou exagerada. Os deuses, a exemplo dos sinais dados por pássaros, controlavam esses animais para revelar aos homens diferentes tipos de acontecimentos. Na condição de militar, ficou ligado ao exército até 363 d. C., tendo sido testemunha ocular de inúmeras batalhas, acompanhando as campanhas dos imperadores no Oriente, na Gália e na Germânia. Nas campanhas de Juliano, observa e descreve as cenas dos campos de combate.

O interesse de Amiano pelo reinado de Juliano diz respeito a sua tentativa de reviver os cultos pagãos, abandonando o Cristianismo, tentativa essa que lhe reservou a alcunha de Juliano, o Apóstata. As ações de Juliano são violentas, com a proibição aos cristãos de ministrarem aulas, destruição de igrejas e inúmeros sacrifícios. Esses atos eram criticados por Amiano, pois seu paganismo era "[...] de um tipo mais contido e genial" (BURROW, 2013, p. 195). Amiano, ao contrário de outros historiadores como Tácito, que tinha uma visão depreciativa dos cristãos, demonstrava certa tolerância com os praticantes dessa religião.

Após a morte de Juliano, os governos seguintes são marcados por dois acontecimentos considerados críticos: a permissão da entrada de godos via Danúbio em territórios romanos (376) e a derrota e morte do imperador Valente na batalha de Adrianópolis (378). Roma era assediada, mas não estava em declínio. Era, antes disso, o centro do mundo, a Cidade Eterna. Amiano, grego, escreve em latim. Bruna Campos, citando o professor Ronald Mellor, apresenta duas prováveis causas para essa escolha:

"A óbvia razão literária era continuar a obra de Tácito, enquanto que a razão política era escrever, como chamou o retórico grego Temístio την διαλεκτον κρατουσαν (‘a língua dos nossos governantes’). Diferentemente do cortesão Temístio, Amiano não estava tentando alcançar os favores imperiais, mas estava profundamente comprometido com Roma e com sua herança politica. Seu orgulho de sua cidadania romana é evidente em toda sua obra". (MELLOR, 1999, p.126). 

Amiano Marcelino, considerado um  dos últimos grandes historiadores romanos (de origem grega) da Antiguidade Tardia e o último historiador pagão, escreveu sua obra em latim, obra essa cujos principais elementos são a desconfiança e crueldade imperiais; digressões etnográficas e geográficas; veneração pelo passado de Roma e pela própria cidade, apesar das descrições satíricas da população; devoção aos deuses antigos; autoconsciência literária e alusão a exemplos históricos; excessos metafóricos na escrita; o acréscimo de imagens de bestas selvagens; e a crença em presságios e adivinhações. Res Gestae é mais uma obra do último século de existência do Império Romano, que oferece, ainda que de forma incompleta, um panorama da desestruturação da unidade imperial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BURROW, John. Uma História das Histórias. De Heródoto e Tucídides ao século XX. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, tradução de Nana Vaz de Castro, 2013.

GONÇALVES, B. C. . Amiano Marcelino e sua obra Res Gestae: tratamento documental e os livros XXV, XXVI e XXVII. In: XXIII Semana de Estudos Clássicos / V Encontro de Iniciação Científica em Estudos Clássicos Cultura Clássica: Inter-relações e permanência, 2008, Araraquara. Anais da XXIII Semana de Estudos Clássicos V Encontro de Iniciação Científica em Estudos Clássicos. Cultura Clássica: inter-relações e permanência, 2008. p. 95-102.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Falkensteinfoto/Alamy Stock Photo

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Inscrições e tradição da América Pré-Histórica, especialmente do Brasil: O Champollion amazonense


Reproduzo, a seguir, um texto publicado em 1927 na revista 'O Acadêmico', da antiga Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Manaus, que aborda o trabalho de tradução de epígrafes antigas no Brasil e em outros países pelo arqueólogo, linguista e numismata amazonense Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1858-1931), referido 'Champollion amazonense', lembrando assim o trabalho de Jean-François Champollion (1790-1832), o famoso linguista e egiptólogo francês.


O CHAMPOLLION AMAZONENSE

O Amazonas, grande em tudo, possui em seu seio uma alta individualidade que uma vez conhecida nos grandes centros científicos, tornar-se-a uma celebridade mundial.

Queremos nos referir ao sábio amazonense coronel Bernardo Ramos, tradutor das inscrições lapidares, não só do Brasil, como de diversas partes do mundo. 

E como o grande cientista chegou a desvendar tão precioso mistério?

O coronel Bernardo Ramos, dando-se ao fatigante trabalho de colecionar moedas, organizou a terceira coleção numismática do mundo, hoje de propriedade do Estado, e, findo esse trabalho, verificou que entre as diversas moedas, anteriores à nossa era cristã, muitas de suas inscrições eram semelhantes às que se encontravam em rochedos e pedras do nosso país.

Há mais de vinte anos que o coronel Bernardo Ramos vem empreendendo novas investigações, chegando afinal, depois de muito estudo e paciência, a decifrar as inscrições lapidares existentes no território nacional, passando as suas indagações a outros países da América do Sul, da América do Norte, da América Central, como da Europa, da Ásia e da África.

Assim como Champollion, célebre orientalista francês, que em 1821 após várias tentativas de sábios em pesquisas para traduzir os hieróglifos, escrita pela qual "os egípcios exprimiam tudo que respeitava às ciências e às artes, ou para representar ideias misteriosas de sua religião", conseguiu desvendar o segredo daquele povo, Bernardo Ramos, o notável cientista amazonense, decifrou as inscrições lapidares do Brasil.

Descoberta a chave da escrita de nossas pedras, o coronel Bernardo Ramos lançou as suas vistas para outros países, encontrando sempre semelhança, nas nossas inscrições, com as de outras nações.

Pelos estudos do paleógrafo amazonense, ficamos sabendo que muito anterior à Cristo passou pelo nosso Continente uma grande civilização.

Entre as decifrações do Brasil, figuram como muito importantes as da Gávea, no Rio de Janeiro, dando notícia da passagem por ali de navegantes fenícios, (887-856 antes da nossa era) e da Pedra Lavrada, na Paraíba do Norte, cuja inscrição em grego antigo datando cerca de mil anos a.C., representa 708 signos, emblemas, astros, constelações, etc.

Além disso, o reputado sábio amazonense tem traduzido outras inscrições que se encontram em pedras do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Destaca-se ainda a decifração de algumas inscrições lapidares existentes na Colômbia, Guiana Inglesa, Venezuela, Guatemala, México, Argentina e Chile, como uma infinidade em várias regiões dos Estados Unidos da América do Norte.

Computando as inscrições lapidares do Continente americano com as conhecidas na Escócia, em Leon, da Espanha, na França, em Creta, na Índia e na África Austral, o coronel Bernardo Ramos encontrou absoluta identidade de caracteres alfabéticos, como de conceitos, tudo provando afinidade existente para o entendimento entre povos antiquíssimos, por meio de uma escrita seguida nos diversos continentes.

A esse tempo, o nosso continente era conhecido pelo nome Croniano, segundo as descobertas do coronel Bernardo Ramos.

Em 1922, o nosso ilustre coestaduano transportando-se ao Rio de Janeiro, fez ali diversas conferências sobre este importante assunto, conferências essas que foram presididas pelo preclaro senador Epitácio Pessoa, então Presidente da República.

Já anteriormente, o coronel Bernardo Ramos, no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, numa sessão presidida pelo então Bispo da Diocese, D. João Irineu Joffely, apresentara a sua tese sobre as inscrições lapidares existentes em diversos pontos do país.

Diante do sucesso alcançado na Capital da República, o deputado Daniel Carneiro, então representante cearense, apresentou, juntamente com a bancada paraibana, um projeto autorizando o governo a mandar imprimir a valiosa obra do coronel Bernardo Ramos.

Recebendo o respectivo projeto algumas emendas no Senado, voltou à Câmara, onde ainda se acha, a fim de que esta tomasse conhecimento das alterações daquela casa do Congresso.

A obra aludida compõe-se de quatro volumes com mais de duas mil inscrições lapidares, devidamente traduzidas, sem falar num grande número de cerâmicas, em que o cientista coestaduano prova que a escrita usada pelos assírios e babilônios, etc, era da mesma forma seguida pelos gregos.

A publicação dessa obra virá a ser o maior acontecimento do século, porque, desvendando um segredo sepultado em milênios, nos colocará em contato com uma remota civilização, cuja notícia se perde na noite dos tempos.

Devido a esses estudos em escavações de um passado longínquo, nós amazonenses, ficamos sabendo que, muito anteriormente à era cristã, existiu no Uatumã, do Estado, uma Assembleia ilíada, encontrando o erudito conterrâneo vestígios de leis de Sólon.

O professor Ludovico Schewennehagen, um estudioso também do assunto, publicou na 'A União', do Estado da Paraíba, de 15 de março último, um magistral artigo, em que analisando o trabalho do nosso ilustre coestaduano, o considerou como digno de ser "colocado na primeira linha das coleções epigráficas".


FONTE:

O Acadêmico: Órgão do Centro Acadêmico da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Manaus. 31/10/1927


sábado, 2 de dezembro de 2017

Cristianismo e heresias: O nascimento de uma nova fé à luz do Império Romano no século II. O contexto pagão e suas influências para as apologias cristãs

Hoje estarei dando início a uma série de postagens sobre história social e história cultural da Idade Média, a partir de artigos produzidos pelos alunos do 4° período do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), da disciplina História Medieval II, ministrada pelo professor Me. Tiago José Cavalcanti Atroch e da qual fui Monitor esse ano.

CRISTIANISMO E HERESIAS: O NASCIMENTO DE UMA NOVA FÉ À LUZ DO IMPÉRIO ROMANO NO SÉCULO II. O CONTEXTO PAGÃO E SUAS INFLUÊNCIAS PARA AS APOLOGIAS CRISTÃS

Inara Kezia Gama Araújo¹

RESUMO
A ênfase do artigo é apresentar o impacto do cristianismo no império romano no século II d.C. Sua proliferação interferiu na política, cultura e religião. Os cristãos não adoravam os deuses pagãos, e com isso os seguidores acreditavam que se alguma desgraça ao povo acontecesse, era imediato culpar os cristãos por não cultuar os deuses. Do século II a III d.C, o crescimento do cristianismo não podia ser mais controlado, e isso chamou atenção dos romanos. As escrituras apologéticas cristãs mostravam sua racionalização da fé cristã, sua moral e argumentos filosóficos. Afinal, a multicultural de Alexandria é o princípio de vários povos vivendo em uma cidade de tamanha exuberância de filosofia, arte, cultura, linguagem, religião e costumes. Os apologistas cristãos tinham admiração pela erudição grega, e em suas escritas, harmonizam o cristianismo para com os gregos. O imperador romano Constantino oficializou o cristianismo como a verdadeira religião, assim, abolindo o paganismo. Apesar disso, é difícil acreditar nessa abolição. Suas influências são visíveis, tanto pelo contexto, como na construção de sua identidade cultural.
Palavras-chave: cristianismo primitivo, apologias, heresias, paganismo, doutrina, identidade cultural.

1 INTRODUÇÃO

Fílon de Alexandria (circa 20 a.C. - 50 d.C.), filósofo judeu-helenista. Gravura presente na obra "Les vrais pourtraits et vies des hommes illustres grecz, latins et payens" (1584), de André Thevet.

O resgate do contexto da antiguidade tem o objetivo de enfatizar a forma como o cristianismo foi se expandindo e ganhando seguidores. Apesar muitos terem abandonado suas antigas crenças, o cenário de templos, exaltação ao ser Divino e sua imagem, é fruto da identidade pagã. Como é possível se converte e deixar de seguir tudo que fez parte da construção da identidade social, político, econômico e social?
Segundo Werner Jaeger, a civilização grega exerceu uma profunda influência sobre a mentalidade cristã. A filosofia grega tem suas influências nas doutrinas cristãs. O novo testamento é o início do cristianismo primitivo, tem suas raízes na Paideia Grega e é onde se encontra uma postura ética e moral. Clemente de Alexandria e Orígenes de Alexandria são os primeiros escritores cristãos, e eles fizeram parte da educação grega.
A influência pagã no cristianismo, tem uma relação mítica. É notável, como os cristãos eram obedientes ao seu Deus e acreditavam na ressurreição de cristo. Não é diferente a dos pagãos. Se tratando de mito, o paganismo é recheado de mitologias na qual, todos os deuses, tinham seus aspectos, seja ela na guerra, na colheita, na prosperidade, na fertilidade, na sabedoria e etc. O mito serve para exaltar seu Deus, seus deuses. Afinal, Mitologia e religião têm suas diferenças.
E claro, como a proposta do artigo é mostrar a fundação do cristianismo, é impossível esquecer-se dos judeus. Logo no início, o cristianismo se difundiu nas cidades helênicas entre os judeus da Diáspora, sendo assim, vista como uma seita no judaísmo. O Judaísmo se tornou subitamente conhecido, e tem uma relação com a educação grega, onde Fílon de Alexandria adaptou-se com a filosofia grega.
A diversificação de religiões (egípcia, grega, romana e judia) é um dos assuntos que busco explicar por meio da nova religião nascida no império romano. É um assunto complexo, contudo, procurei especificar suas características que o contexto apresenta.
Os conflitos religiosos após a oficialização do cristianismo, é importante para melhor compreensão de como eles fazem parte do nosso cotidiano e a construção do imaginário. Sendo assim, cabe a nós reconhecer de como a antiguidade nos proporciona tamanha atração com seus legados e construção histórica. Minha intenção de buscar o cristianismo primitivo, foi para melhor enriquecimento e entendimento de como os pagãos são tratados com mais fervor como hereges na idade média, já em um período na qual é o ápice do cristianismo, formada como uma doutrina e a igreja católica sendo a elite.

2 OS APOLOGISTAS: A ERUDIÇÃO GREGA NA CONSTRUÇÃO DO CRISTIANISMO

Alexandria, por seu notório esplendor cultural e filosófico, tem como os primeiros apologistas cristão, Clemente e Orígenes. Grandes admiradores da erudição grega aproveitaram da Paideia grega pra desenvolver a nova crença. Tornaram-se os principais fundadores da filosofia cristã. Ambos nasceram na metade do século II. A inclusão do cristianismo no ambiente helênico era para fortalecer seu crescimento e assim sendo, adaptar-se a cultura grega para desenvolver suas apologias e o discurso teológico-cristão.
Os apologistas do século II tem um nível de intelectualidade, por isso, precisavam fazer do cristianismo, uma filosofia apropriada para com a cultura de Alexandria.
A intenção de Clemente era a “conversão” dos helenos, porém, sabia que para tal iniciativa, teria que traduzir a linguagem cristã. Assim, as apologias cristãs são herdadas da filosofia helênica, como diz Joana Clímaco:
Clemente, ele próprio um grego converso, vivenciou a atmosfera da Segunda sofistica; era um grande admirador da cultura e tradição filosófica dos helenos, apesar de repudiar o politeísmo e suas práticas. Fazia uso da Paideia grega para justificar racionalmente a sua fé e exortar os gregos à conversão. Nesse sentido, empregava sua erudição e sua capacidade retórica com o intuito apologético, pois acreditava que só por intermédio da razão se conheceria a verdadeira essência de deus. Dessa forma, conciliava sua fé cristã com uma curiosidade pelo universal, comparando textos de tradições diversas. Seu ponto de partida foram as escrituras judaicas, que transformaram em objeto de teologia, associando a fé e razão. (Alexandria Greco-romana: hibridismo cultural do contexto a fundação ao cristianismo, p. 81-82).
O neoplatonismo, uma escola filosófica, na qual Orígenes de Alexandria fez parte, é uma escola pagã. Uma escola que se organiza a partir de Plotiano. O filósofo estimulava praticas ascéticas como importante aspecto de vida do filósofo, com o intuito de fazer as pessoas caminhem em uma vida contemplativa separada de preocupações corpóreas e terrenas. Seguindo isso, a semelhança entre o cristianismo e o neoplatonismo, onde o individuo acreditava na alma personifica e liberta para alcançar a salvação. Porém, apesar das tendências espiritualistas e místicas do neoplatonismo, o comprometimento com a argumentação filosófica, o distingue da percepção cristã. Mas, ambas são formadas no cenário intelectual de Alexandria.
Fílon de Alexandria é do século I d.C conseguiu conciliar a fé judaica com a educação helenizada. Conquistou a cidadania alexandrina e incluído em suas esferas administrativas, um caso raro entre os outros judeus da cidade. Podemos considerar Fílon o primeiro filósofo judeu, sua utilização da filosofia grega, apesar de suas crenças judaicas, pode se dizer que foi um meio de participar do processo de interação da linguagem grega. Influenciou apologistas cristãos e pensadores judeus posteriores, filósofos islâmicos, dando origem ao neoplatonismo medieval. Joana Clímaco diz o seguinte:
A familiaridade de Fílon com a filosofia grega fora talvez uma consequência de proximidade entre a intelectualidade judaica de Alexandria e as escolas filosóficas gregas difundidas até então (orfismo, estoicismo, ceticismo, pitagorismo e platonismo), muitas das quais foram revitalizadas no ambiente eclético da cidade. Sua filosofia judaico-helenística também se somou ao sincretismo resultante do contato da filosofia grega com as religiões orientais. Ao conciliar escrituras bíblicas com a filosofia grega, as obras de Fílon foram fundamentais para a expansão da cultura clássica do mundo romano, para a interpretação bíblica desenvolvida pelos Padres da Igreja e formação da teologia cristã e para a difusão do neoplatonismo nos séculos seguintes, que teve Alexandria como um de seus centros mais expressivos. Nesse sentido, a metrópole ainda facilitava o encontro de mundos através de seus núcleos intelectuais. (Alexandria Greco-romana: hibridismo cultural do contexto de fundação ao cristianismo, p. 79)

3 MITOLOGIA E RELIGIÃO: A NARRATIVA GLORIOSA DE SEUS DEUSES, ASSOCIADA À FIGURA DO HOMEM PARA SUA EXALTAÇÃO DIVINA

Como de costume de antigas civilizações politeístas, seus deuses são sempre associados com os acontecimentos da humanidade. Seus feitos são eternizados em templos, esculturas, rituais e o mais digno dentro dessas características, é sua relação com a imagem do rei. Quando se trata de prosperidade do reino, o estabelecimento da ordem cósmica é o primordial para a segurança do povo e é claro, do rei. Grandes faraós egípcios, helênicos, ptolomeus e romanos, têm suas características semelhantes à do Egito faraônico.
O faraó (casa grande) era o principal da escala social. Rei, sacerdote, chefe militar, senhor dos exércitos, filho e protegido de tais deuses, era uma figura exaltada, repeitada e temível. Gregos, macedônios e romanos, são incluídos nesses aspectos. Ora, quem que quisesse se tornar o faraó, não queria ser glorificado? Foi assim que Alexandre, o Grande, em 332 a.C. quando ele derrotou os persas no segundo domínio no Egito, foi recebido como o salvador, e se tornou o faraó, sendo conhecido como o filho de Zeus-Amon. Otaviano (futuramente Imperador Augusto), após sua batalha de Àcio em 31 a.C, derrotando Marco Antônio e se tornando o Senhor do Egito, se tornou faraó e governou o Egito como seu domínio pessoal. No Egito Romano, o período faraônico “perde seu esplendor”, mas a sua identidade é mantida, principalmente na imagem do imperador.
Augusto transformou o Egito como província imperial, governada por um prefeito de ordem equestre, designado diretamente pelo imperador. O prefeito era a autoridade máxima local: comandante do exército, chefe da administração civil e das finanças e magistrado.
Os cultos aos deuses, é uma das tradições pagãs, na qual, determinado deus(a) tem sua personificação e narrado a sua história, cuja sua ênfase é retratar o seu significado e sua grandiosidade para que seu nome seja um feito místico escrito, narrativo e eternizado.
Qual a relação dos cultos pagãos para os cultos cristãos? Um dos mais famosos mitos egípcios é de Isis e Osíris. O episódio conta o assassinato de Osíris e a busca de Isis pelos pedaços de Osíris espalhados pelas margens do rio Nilo. No ritual, a pessoa que queria iniciar-se, deveria se apresentar em publico como um deus e chamava a ele mesmo de renascido. Assim, para com os cristãos. Quando Jesus foi crucificado, morto e sepultado, e no terceiro dia ressuscitou. Quando eles eram batizados, acreditavam que estavam renascendo. Suas semelhanças, é clara nas suas crenças e que seus Deuses e Deus voltaram a viver após a morte.
Essas crenças é anterior a época cristã, sendo assim, é visível que a religião pagã tem participações nas crenças cristãs. Faço observações de traços semelhantes nas partes da oração do Credo: “Creio no espírito Santo” “Na ressurreição da carne, na vida eterna “, é explícito como suas crenças é comparável aos dos pagãos, eram obedientes aos seus Deuses e mostravam isso através de cultos e rituais, na qual suas praticas são para agradecer e retribuir o que suas proteções, prosperidade e também em aspectos mais pessoais, são atendidos através de sua divindade.
Seja no politeísmo ou monoteísmo, suas semelhanças são em questão da função do divino eterno, como seu feito histórico faz parte de suas vidas e de que a gratidão, respeito e benevolência são executados através de seus cultos e rituais.
Minha intenção não é misturar as crenças religiosas, e sim, deixar notório como cada uma tem sua semelhança e de como podemos compreender a essência do poder divino em nossas vidas, como esses seres fizeram e ainda fazem parte da nossa identidade cultural. Atribuir as comparações, é enfatizar de como mitologia e religião, por mais que muitas vezes possamos juntá-las em um único corpo, é possível e correto separá-las para melhor conhecimento de que mito é uma história recheada de feitos históricos, cujo determinado Deus ou Deus tem seu legado construído e sua função para a vida de seus seguidores e religião é uma instituição formada que parte do poder da crença e tem seu princípio sobrenatural e tem sistemas de doutrina.

4 HERESIAS: O SEU IMPACTO NA DOUTRINA CRISTÃ E SEU CRESCIMENTO PARTINDO DA ANTIGUIDADE AO CONTEXTO DA IDADE MÉDIA

De origem grega, hairesis, significa “escolha, preferência pessoal”, porém certas vezes a versão portuguesa traduz como “seita”. Por isso, procurei contextualizá-la com o seu impacto perante os cristãos e de que como os hereges têm sua resistência até na Idade Média, onde a igreja católica apostólica romana exerce seu poder e sua poderosa elite.
No século IV d.C, o imperador romano Constantino(306-337), até então pagão, se batizou e oficializou a verdadeira religião: cristianismo. A partir de então, o paganismo entra em decadência (prefiro usar essa palavra do que dizer que foi abolida ou teve seu fim), dando um ponta pé inicial para um fervoroso cenário de conflitos religiosos onde cristãos e pagãos são os protagonistas.
O fortalecimento da fé cristã, causou um profundo impacto de identidade cultural, nas estruturas política, militar, sacerdotal, administrativo, e econômico, como fala Márcia Vasques:
Esta nova estrutura política alterou completamente a estrutura antiga do poder egípcio e, embora o país, no geral, tenha se mantido próspero durante o período romano, o enfraquecimento da economia dos templos e o rígido controle sobre a classe sacerdotal, preparou o caminho para o colapso dos templos egípcios e abriu espaço, no século IV d.C, para uma nova religião que crescia rapidamente: o cristianismo. (Crenças funerárias e identidade cultural no Egito Romano: máscaras de múmia, p. 10-11)
Assim como o cristianismo no início foi considerado uma seita perante os judeus e que os próprios consideravam os cristãos como hereges, por não seguirem sua doutrina religiosa, agora consideram os pagãos como hereges, aqueles de uma falsa mediação cultural.
A igreja católica na idade média era uma organização totalitária. Doutrinal, hierarquizada, autoritários e rituais estabelecidos. Qualquer divergência em relação a essa organizada e abrangente estrutura, infligia à ordem temporal divinamente ordenada, portanto, não seria tolerado.
A heresia era, como definiu o bispo Roberto Grosseteste no século XIII “uma opinião escolhida pela percepção humana, contrária à Sagrada Escritura, publicamente admitida e obstinadamente defendida”. A heresia popular não parecia preocupar a igreja, a sociedade estática, defensiva contra-ataques vindos de forças exteriores e havia pouco tempo para a experiência religiosa ou para debate intelectual. Contudo, isso mudou com uma explosão de exercício que os eruditos nomearam de “o Renascimento do século XII”. Esse fervor religioso foi acompanhada de uma denominação que Brenda Bolton chama de “a reforma medieval”.
Ambos foram fundamentais para o favorecimento de concentração no indivíduo, e na religião, uma procura individual pela redenção e o desejo do cristão leigo comum por uma relação mais direta e pessoal com Deus.
A igreja também começou a reforma-se. O papado que foi salvo de uma decadência no final do século XI por uma sucessão de papas reformadores, tiveram a responsabilidade de ordenar a casa. Lançou uma campanha contra a simonia (a venda de indulgências), o controle leigo sobre bispados e benefícios, o casamento de clérigos e impudência do clero.
Essa reforma, fez com que o papado fosse uma instituição monárquica organizada, burocrática e legalista, com o clero transformando-se numa casa fechada e exclusiva. Uma escola de pensamento que encara toda heresia ocidental como essencialmente maniqueísta. As ações e opiniões dos hereges ocidentais era um evangelismo provocado pela reação ao mundismo percebido e á corrupção da Igreja. Defino segundo Jeffrey Richards:
[...] a busca por uma vida religiosa mais completa e satisfatória através da austeridade pessoal, da adesão ao evangelho e da pregação foi um tema central. Foi a recusa da Igreja de reconhecer plenamente essas aspirações e essas práticas que transformou seus adeptos em hereges. [...] A heresia medieval nasceu das condições e da psicologia da sociedade medieval. tratava-se de dissensão religiosa e, em sua parte, de dissensão religiosa popular.(Sexo, desvio e danação: as minorias na idade média, p. 55)

5 CONCLUSÃO

É nítida a influência do paganismo no cristianismo. Seja ela em apologias, cultos e rituais. A inclusão tem como concepção, observar a forma de que como as identidades são plurais e como é uma construção social e mostram-se moveis. Pagãos, judeus e cristãos fazem parte do mesmo contexto. O paganismo não teve seu fim, pelo contrário, apesar dos cristãos abolirem os cultos Deuses, sua identidade esta viva em cultos, templos, escrituras e a imagem do ser divino exaltado, mais eficaz dentro de uma doutrina

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

JAEGER, Wener. Cristianismo primitivo e a Paideia grega. Tradução: Daniel da Costa. Santo Andre, SP: Academia cristã, 2014.
KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento. São Paulo: Paulus, 2005. v.2
CLÍMACO, Joana Campos. Alexandria Greco-romana: hibridismo cultural do contexto de fundação ao cristianismo./ Atravessando mundos: ensaios sobre a imaginação medieval./ Sínval Carlos Mello Gonçalves. Manaus: EDUA, 2015
VASQUES, Márcia Severina. Crenças funerárias e identidade cultural no Egito Romano: máscaras de múmia. São Paulo, 2005. v.1

RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na idade média. Tradução: Marco Antonio Esteves da Rocha e Renato Aguiar. Rio de janeiro: Jorge Zahard Ed, 1993.


¹ Inara Kezia Gama Araújo, 18, é acadêmica do 4° período do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Sua área de pesquisa é a História Antiga, com destaque para o Egito Antigo, com ênfase no resgate da importância da imagem do faraó em torno do sistema político-religioso. Trabalha a identidade cultural, crendo na importância de se esclarecer como o contexto multicultural faz parte da nossa identidade, abrangendo aspectos sociais, políticos, econômicos, linguísticos e religiosos.







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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Leituras de 2016

Santo Agostinho, Caio Júlio Fedro, Voltaire, Montesquieu e Antônio Simplício de Almeida Neto

Esse ano foi bastante produtivo. Tive um artigo publicado na revista do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), um capítulo em livro lançado em outro estado e fui convidado para ser um dos administradores da página Manaus de Antigamente. O número de curtidores e de acessos ao blog aumentaram de forma incrível. Com compromisso dentro e fora da universidade, consegui concluir a leitura de 5 livros, dos quais 4 incríveis clássicos da literatura ocidental: Santo Agostinho, Fedro, Voltaire e Montesquieu. Os clássicos são sempre atuais. A leitura da obra de Simplício de Almeida Neto ocorreu através de uma atividade acadêmica, e foi muito proveitosa.

Santo Agostinho (Coleção Os Pensadores, Abril Cultural, 1999)

Ler Santo Agostinho é tentar compreender o (s) pensamento (s) de um dos maiores autores do Ocidente. As principais obras do bispo da cidade de Hipona e santo da Igreja são, em ordem cronológica: Contra os acadêmicos (386); Solilóquios (387); Do Livre-Arbítrio (388-395); De Magistro (389); De Trinitate (399-422); Confissões (400); A Cidade de Deus (413-426); e Retratações (413-426). A Coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, traz recortes de várias obras suas. Me chamaram a atenção a concepção que ele tinha de História, abordada em A Cidade de Deus, para ele o resultado do pecado de Adão e Eva, transmitido para todos os homens e mulheres, que o expressam na construção da cidade terrena, dos impérios e das civilizações; e de homem, em Solilóquios, constituído de duas personalidades: a primeira personalidade seria o “Homem exterior”, do mundo mundano, com necessidades biológicas, instintivo e animal. O segundo, o “Homem interior”, está ligado aos sentimentos, ao plano metafísico com Deus. É no homem interior, ligado a Deus, que Agostinho busca a felicidade e um sentido para sua existência.

Fábulas (Editora Escala, 2006)

Caio Júlio Fedro, ou apenas Fedro, é um autor com uma trajetória interessante. Nascido na Trácia, no século I d.C., fora levado para Roma para servir como escravo de Augusto, que logo lhe deu a liberdade. Conhecedor do grego, aperfeiçoou seu latim e aprimorou suas habilidades na escrita. Leitor de Esopo, o principal fabulista do mundo grego, introduziu em Roma esse gênero através de sua obra Fabulae (Fábulas). Através de personagens fictícios como animais, objetos e pessoas, nos transmite grandes lições de moral, ética, prudência e humildade. Minhas fábulas preferidas são A gralha soberba e o pavão, sobre aceitar a nossa vida sem criar falsas imagens desta; A rã implodida e o boi, sobre como não devemos tentar parecer ser mais do que realmente somos; A gratidão do rato, de como não devemos menosprezar as pessoas simples; Desculpas sim, porém não esquecer, sobre como perdemos a confiança em pessoas que nos enganam uma vez; e O crime tem preço, sobre como que faz o mal, o recebe de volta.

Cartas Filosóficas (Editora Escala, 2006)

Três elementos estão presentes nessa obra epistolográfica de Voltaire: tolerância, liberdade e diversidade. Eles são a essência da cultura burguesa do século XVIII. Crítico ácido dos reis absolutistas, dos membros da nobreza e do clero, saiu da França e se refugiou na Inglaterra, redigindo as Cartas Filosóficas ou Cartas Inglesas. Em 25 cartas, o autor compara instituições, costumes, crenças e outros aspectos da Inglaterra com a França. É uma forma de mostrar para as autoridades civis e religiosas da França, onde foi perseguido. Gostei das seguintes cartas: As 7 primeiras sobre grupos religiosos; 10° Sobre o Comércio; 8° Sobre o Parlamento; 11° Sobre a Inoculação do Vírus da Varíola; 20° Sobre os Senhores que Cultivam as Letras; 23° Sobre a Consideração que se deve ter pelos Literatos; e 24° Sobre as Academias. Nessas cartas temos o Voltaire filósofo, historiador, ensaísta e novelista.


Cartas Persas (Editora Escala, 2 volumes, 2006)

Mais uma obra epistolográfica, de caráter crítico-social ou uma sátira para alguns críticos literários. Montesquieu, assim como Voltaire, é um burguês letrado do século das Luzes, e tece críticas às instituições políticas e religiosas. Através de um grupo fictício de viajantes persas, o autor constrói um choque cultural entre a Europa e o Oriente, gênero comparativo recorrente no século XVIII. É através de personagens como Rica, Usbek e Ibben, que Montesquieu consegue escrever, criticar e idealizar as instituições de Paris e de outras cidades da Europa sem se preocupar com a censura (publicou o livro de forma anônima em 1721). As cartas que mais me interessaram, enviadas para amigos que estão na Europa ou no Oriente, foram: sobre os Monarcas; o Papa, a Comédia, a Liberdade das mulheres ocidentais em relação às orientais; as Cortes; e as Religiões.

Representações Utópicas no Ensino de História (Editora Unifesp, 2011)

Mais que qualquer outra disciplina, a História traz a questão da utopia de forma mais clara, pois aborda variados temas passados, todos com suas contradições, necessitando ser esmiuçados e explicados, sempre com algum significado para o presente. Temas que retratam guerras, revoluções, conflitos de classe, movimentos sociais e políticos, são exemplos de como a História carrega, no passado, inúmeras lições para se aprender no presente. Representações Utópicas no Ensino de História, livro do professor Antônio Simplício de Almeida Neto, trata das representações utópicas que os professores de história possuem em relação a sua disciplina, a maneira como eles representam o futuro em relação à disciplina escolar.

Infelizmente, nem só de coisas boas o ano feito. Dia 14 perdi meu pai e avô João Augusto de Carvalho, o qual agradeço imensamente por minha formação, apesar de não ter sido um neto à altura. Deixei pelo caminho História do Declínio e Queda do Império Romano, de Edward Gibbon; e De Pueris, de Erasmo de Roterdã. São leituras que vão ficar para 2017. Essas que foram feitas acima, recomendo, pois são obras agradáveis, edificantes para a moral e a ética, Desejo aos seguidores e seguidoras um bom final de ano e muitas leituras.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Estante Virtual
Editora Escala
Editora Nova Alexandria
Livrarias Saraiva


segunda-feira, 2 de maio de 2016

Alexandria - o Farol e o Porto

Por Antonio José Souto Loureiro


Alexandria em 1681. Gravura de Cornelius de Bruyn.

Os Egípcios receberam Alexandre com alegria, pois viam nele um libertador que poria fim ao duríssimo domínio persa. Por seu lado, Alexandre, como prova de respeito à civilização egípcia, dirigiu-se ao oásis de Siwa, para receber do deus Ámom-Rá a consagração como faraó legítimo.

Foi durante essa viagem que ele se deteve para fundar, no extremo ocidental do Delta, uma grande cidade, a primeira de uma longa série, à qual quis dar o seu nome. O seu plano consistia em erigir uma cidade sumptuosa que seria o núcleo do seu poder e um centro de cultura.  Alexandre Magno morreu antes de ver concluída a obra, mas Ptolomeu, seu sucessor, no Egito, foi quem continuou o seu ambicioso plano. Assim nascia Alexandria, no Inverno de 332-331 a.C., no local de uma antiga aldeia de pescadores e pastores chamada Rhakotis, a Oeste do delta, no istmo entre o mar e o lago Mareótis, perto do braço Canópico do Nilo.

Alexandria, estava magnificamente situada, na encruzilhada das rotas navais, fluviais e terrestres de três continentes: Europa, África e Ásia. Desta forma, será a capital cultural do Helenismo, pelo menos durante três séculos, e, rapidamente na maior cidade comercial do mundo.  A tradição atribui a planificação da cidade de Alexandria ao arquiteto e urbanista Dinócrates de Rodes, o mesmo que teria projetado a reconstrução do Artemísion de Éfeso, no tempo de Alexandre Magno. Duas grandes avenidas: a Avenida Norte-Sul e a Avenida Leste-Oeste, dividiam a cidade em quatro bairros principais, denominados pelas quatro primeiras letras do alfabeto grego. A artéria principal (Leste-Oeste), chamada Canópica, tinha 7 quilômetros e meio de comprimento e 30 metros de largura, sendo ladeada por passeios. A artéria norte-sul desdobrava-se em duas largas áleas separadas por um renque de árvores.

A configuração da cidade era geométrica. As ruas, de cada um dos seus 4 bairros, eram ortogonais. Dado o clima quente e seco característico daquela região, eram estreitas para originarem mais sombra. Na realidade, não eram necessárias ruas mais largas pois só em dias de festa a circulação tornava-se intensa. A cidade construiu-se muito rapidamente distinguindo-se das outras cidades egípcias por ter sido edificada não em tijolo, mas em pedra.

O palácio real dos Ptolomeus, o Bruquium, cobria por si só cerca de um quarto da cidade, todo ele construído com mármores importados. Contudo, a sua arquitetura, ainda que majestosa, em nada se assemelhava aos conjuntos monumentais das mansões faraônicas. Para além deste imenso palácio, a Neópolis, ou seja, a cidade nova, incluía diversas outras grandes construções: jardins, o Museu, a Biblioteca e o Teatro. A Leste, no subúrbio do Elêusis, situavam-se o ginásio, o estádio, o Hipódromo e um cemitério; a Oeste, a necrópole principal ao longo do canal que ligava Alexandria a Canopo. Nesta zona existiam ainda belos jardins e moradas sumptuosas onde, segundo o testemunho de Estrabão, se vivia alegremente.

O Porto

Para fazer de Alexandria um centro de comércio de primeira grandeza, foi necessário dotar a cidade com as estruturas e os aperfeiçoamentos necessários. Como o porto da cidade não era satisfatório, Alexandre mandou construir um porto artificial entre a costa e a Ilha de Faros que se encontrava aproximadamente a mil metros da margem. Esta ilha foi unida ao continente através de um paredão, o Heptaestádio, um dique com sete estádios de comprimento, aproximadamente 1200 m. A baía ficava assim dividida em dois portos: a leste, o porto de guerra, os arsenais, os estaleiros navais e o porto pessoal do soberano. A oeste, o porto mercantil, o Eunostos significando bom regresso. Duas aberturas existentes no dique permitiam aos navios passar de um porto para o outro. Este duplo porto de Alexandria foi mais tarde copiado em várias cidades helenísticas.

O Farol

O arquiteto Sóstrato de Cnido levantou, na ilha de Faros, o primeiro farol do mundo. Com cerca de 120 metros de altura e equipado com todos os instrumentos mecânicos então conhecidos para proteção da navegação era capaz de efetuar previsões meteorológicas. A sua luz era alimentada por lenha resinosa, içada por máquinas hidráulicas, que, por uma combinação de espelhos côncavos, se dizia ser visível a mais de 50 Km de distância.

O farol dispunha ainda de engenhos que assinalavam a passagem do sol, a direção do vento e as horas. Estava equipado com sinais de alarme acionados a vapor que se faziam ouvir durante o mau tempo, bem como com um elevador que permitia o acesso ao cimo da torre. Possuía também um periscópio gigante, por meio do qual um vigia podia observar embarcações que se encontrassem para além do horizonte aparente. Este farol, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, foi destruído por um terremoto no século XIV.

Em Alexandria a Bíblia deixou de ser uma tradição oral e foi escrita, pela primeira vez em grego. Quando foi tomada pelos árabes e sob o domínio bizantino, grande parte de seus rolos espalhou-se pela Europa, sendo talvez a raiz das bibliotecas dos conventos das Ordens então fundadas, como a dos Dominicanos.


Antonio José Souto Loureiro, 75, é escritor, médico reumatologista e historiador. Nasceu em Manaus, em 06 de junho de 1940. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É membro (Presidente) do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras e da Academia Amazonense de Medicina. É autor de Amazônia 10.000 anos, 1972; Síntese da História do Amazonas, 1978; A Gazeta do Purus, 1981; A Grande Crise, 1986; O Amazonas na Época Imperial, 1989; Tempos de Esperança, 1994; Dados para uma História do Grande Oriente do Estado do Amazonas, 1999; História da Medicina e das Doenças no Amazonas, 2004; O Brasil Acreano, 2004; e o Toque de Shofar.




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