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quinta-feira, 4 de julho de 2019

Uma reforma espiritual no Egito Faraônico: Akhenaton na sua consagração divina e humanizada (I PARTE)


O artigo a seguir, sobre a reforma religiosa no período Armaniano (Egito, 1352 a.C. - 1336 a.C.), é de autoria da acadêmica de História na Universidade Federal do Amazonas Inara Kézia Gama, que desenvolve pesquisa sobre a reforma espiritual no Egito Faraônico durante o reinado de Akhenaton.



Estela Amarniana. Na cena, Akhenaton e Nefertiti com suas três filhas estão sob os raios do deus sol Aton, uma família reunida sob a benção e proteção dos raios de Aton. FONTE: National Geographic (PT).

Resumo
O período Amarniano é a periodização criada pela egiptologia para se referir aos anos entre 1352 e 1336 a.C., 18ª dinastia do Egito Faraônico, no contexto do novo império. O termo foi criado também para contemplar a reforma proposta pelo faraó Amenhotep IV, posteriormente chamado Akhenaton. Em seu reinado, o faraó estabeleceu uma reforma religiosa e modificou o panteão egípcio, nomeando o deus Aton- o disco solar- como o único deus. A implantação de uma espécie de “monoteísmo” em uma civilização politeísta é um assunto de enorme controvérsia na egiptologia. Jan Assmann um dos mais conceituados egiptólogos que aborda a religião egípcia na contemporaneidade, salienta a importância da reforma de Amarna: “a redescoberta do rei herético, Akhenaton, que após sua morte foi submetido a uma completa dammatio memorie no Egito, é a mais significativa descoberta da egiptologia” (ASSMANN, 2013, p.79). As fontes trabalhadas pelo presente projeto foram traduzidas por Ciro Flamarion Cardoso, que dedicou-se a pesquisar o período Amarniano. Esta tradução encontra-se na tese da Gisela Chapot (2015), o próprio Ciro Cardoso cedeu o material para o desenvolvimento do trabalho da Chapot. Emanuel Araújo no seu livro Escrito para a eternidade, a literatura no Egito faraônico (2000) organizou em seis partes os estilos da literatura no Egito Antigo e situa o Grande Hino a Aton na Literatura lírica, pois sua escrita está estreitamente ligado a poemas amorosos, hinos de vitória militar e religião (ARAÚJO, 2000). O desenvolvimento do hino de louvor ao deus Aton, expressou uma nova feição do comando faraônico durante o reinado de Akhenaton, que pretendemos analisar nessa pesquisa.
Introdução
O período da reforma de Amarna é um assunto de grande turbulência entre egiptólogos. A tese monoteísta foi defendida fervorosamente nos séculos XIX e XX. James Henry Breasted é o acadêmico imprescindível para o estudo da religião de Amarna, pois foi o egiptólogo desbravador dos hinos de Aton. Arthur Weigall elaborou a primeira biografia do monarca: The Life and Times of Akhnaton, Paraoh of Egypt (1910) que foi um best-seller de enorme influência na área ao longo do século XX. Weigall foi o responsável por redescobrir e estabelecer Akhenaton na era moderna. “O glorioso” Akhenaton segundo Weigall era um anterior de Jesus Cristo, sua religião constituía uma “religião tão pura, comparável apenas ao cristianismo” (1910, p.53)1. Com sua pesquisa voltada para a vida de Akhenaton, Weigall afirma:

As lindas doutrinas da religião com as quais o nome desse faraó é identificado foram produções de seus últimos dias e até ele ter pelo menos dezessete ou dezoito anos de idade, nem seu monoteísmo exaltado nem nenhum dos seus futuros princípios eram realmente aparentes. Algum tempo depois do oitavo ano de seu reinado, descobriu que ele desenvolveu uma religião tão pura que deve compará-la com o cristianismo para descobrir suas falhas, e o leitor verá que a teologia soberana não foi derivada da sua educação2. (WEIGALL, 1910, p. 53)

Breasted e Weigall estabelecem um Akhenaton protocristão, ao relacionarem e aproximarem a tradição religiosa do Egito antigo com o monoteísmo judaico-cristão, uma visão que influenciou uma geração considerável de estudiosos, embora seja problemática e atualmente combatida na egiptologia. Ciro Flamarion Cardoso fala que essas comparações entre textos sagrados dos egípcios e cristãos, tinham como objetivo buscar “um pensamento teológico análogo” (2008, p. 1). O rico panteão egípcio e a complexidade de suas manifestações religiosas, difíceis de serem apreendidas fora de uma chave de entendimento judaico-cristã intensificaram controvérsias ao longo do século XIX e XX e ainda estão longe de serem encerradas.

Jan Assmann salienta as diferenças entre o “monoteísmo” de Akhenaton do bíblico, o chamado ‘cosmoteista’, mas também estabelece aproximações, sugerindo até mesmo possíveis influências do primeiro sobre o segundo. Para o autor, a bíblia teria se baseado na adoração do poder cósmico que se prolifera no sol e estabelecia a ordem universal através da luz, fonte da vida e do seu movimento diário e ocasionador do tempo. Assmann caracteriza o monoteísmo de Moisés e explica como seus seguidores negaram as crenças egípcias e suas possíveis influências na origem do monoteísmo judaico-cristão, sendo os egípcios condenados a meros idólatras politeístas. O Egito passou a simbolizar o rejeitado, a interpretação religiosa errônea, o modo de vida “pagão”. (ASSMANN, 1997, p.4).

Rosalie David demonstra certas semelhanças que não podem passar despercebidas entre o Grande Hino a Aton e o Salmo 104 do Antigo Testamento, como a seguinte passagem: “Seus raios sustentam todos os campos; quando seu brilho forte, eles vivem e crescem para você. Você marca as estações para nutrir tudo àquilo que fez” (Hino a Aton) e “Tu produzes feno para os animais e plantas para uso dos homens; tu fazes sair o pão do seio da terra” (Salmo 104:14).

Ciro Cardoso afirma que historiadores da religião sugerem outras possíveis definições para o caso do “monoteísmo” no Egito: como o henoteísmo, que seria a centralização da crença em um único deus em meio a um cenário politeísta incontestável, permanecendo a crença em diversos deuses e o kathenoteísmo, que significaria a centralização da importância do culto a cada deus independentemente, novamente, sem contestar o politeísmo. Para o autor, esses são aspectos da monolatria, mas não de monoteísmo (CARDOSO, 1999, p. 63). No entanto, Erik Hornung afirma: “agora, pela primeira vez na história, o divino tornou-se uno, sem multiplicidade complementar; o henoteísmo transformou-se em monoteísmo” (1983, p. 246). Ou seja, a situação em Amarna escapa de qualquer tentativa de definição simplista.

Akhenaton desenvolveu no Egito uma nova visão de mundo, “solarizando” o panteão, pois a fonte de toda vida passaria a ser originária do disco solar Aton (CHAPOT, 2015, p. 380)3. E mais: estabeleceu um grupo que personificaria seu poder- a família real de Amarna. Seu repertório imagético, leva em conta seu lado humano, ilustrando a intimidade com sua rainha Nefertiti (que significa ‘A bela chegou’) e seu lado paterno. O faraó determinou o louvor ao sol com hinos para o deus e tais poemas marcaram seu reinado e sua revolução religiosa.

A cosmovisão de Akhenaton articula um novo contexto sociopolítico ao elevar seu poder divino ao mesmo tempo em que os aproximou de seus atributos humanos. Nesse sentido, a figura monárquica passa por um processo de humanização. A representação da vida privada da família real era algo incomum na arte egípcia. A famosa “Estela de Berlim” era utilizada para a veneração doméstica pela elite de Tell El Armana. Nessa estela, a família esbanja afagos e carícias incomuns, sentados casualmente sob os raios de Aton, que os ilumina no alto da cena, algo incomum e excepcional na iconografia do Antigo Egito.

Emanuel Araújo explica que as cenas da família podem ser pensadas como “recurso de propaganda para aproximar o rei e sua família dos súditos num momento de afirmação da nova teologia, ou também como apresentação de uma família unida em torno do culto do deus que se impunha sobre o velho panteão” (1996, p. 24). Portanto, essa humanização da figura faraônica é um aspecto importante e que merece uma análise mais aprofundada, pois desmistifica e relativiza a famosa caracterização do faraó exclusivamente como “rei-deus”, além de problematizar a tão marcada ideia de “despotismo oriental”4.

A bibliografia utilizada no desenvolvimento do projeto demonstra a complexidade religiosa e literária do Egito faraônico. Weigall e Assmann enfatizam a semelhança da religião de Akhenaton com o monoteísmo bíblico, destacando uma possível raiz egípcia na fonte bíblica. Como já observado nas páginas acima, embora acreditemos que seja errôneo dizer que existiu um “monoteísmo" no período Amarniano, não descartamos a possibilidade de uma influência da experiência egípcia no monoteísmo judaico-cristão posterior. No entanto, o objetivo da pesquisa é enfocar na especificidade do período Amarniano, de forma a situar as fontes no seu período e entendê-las no seu próprio contexto, sem maiores pretensões de analisar suas possíveis influências no monoteísmo judaico-cristão, tampouco pretendemos usar nosso instrumental monoteísta para traduzir a complexidade do momento. Ou seja, a intenção é investigar o nascimento de uma nova fé e o seu impacto em uma sociedade político-religiosa, onde a prática pagã prevalecia. O ‘faraó herege’ tivera um papel fundamental para a reforma espiritual, trazendo uma renovação na prática religiosa e grandes impactos na exposição da família real e na arte.

O presente projeto tem como ênfase demonstrar a relevância de temáticas ambientadas na Antiguidade na formação da nossa identidade cultural e na composição do pensamento contemporâneo. Se por um lado, seu universo mitológico nos causa estranhamento através de um jogo de alteridade, algumas de suas preocupações e dos seus valores nos aproximam, como no caso Amarniano, pois ao enfocar aspectos míticos e religiosos, percebemos as inúmeras ressonâncias dessas temáticas em nossa própria cultura. Dessa forma, acreditamos que colaboraremos para despertar o interesse dos alunos da Universidade Federal do Amazonas pela área de História Antiga.

Tomaz Tadeu da Silva (2000) problematiza os conceitos da identidade e diferença. Explica que a identidade é um processo de produção simbólica e discursiva, ao afirmar uma identidade, está se negando outras. A diferença é ‘um produto derivado da identidade’ (SILVA, 2000, p. 73), sendo assim, identidade e diferença completam-se. O autor afirma que identidade e diferença são frutos de criação linguística, fazem parte do mundo cultural e social. A linguagem faz parte desse processo, pois é através da fala que produzimos a identidade e a diferença. (SILVA, 2000).

A identidade e diferença são resultados de processos culturais e sociais, assim, as pluralidades delas são inevitáveis. Não podemos definir a identidade, já que ela trabalha em conjunto com a diferença. Seguindo essa lógica, o Grande Hino a Aton, que exprime a nova religião Amarniana, tem como base os hinos solares de Amon-Rá. Explicamos ao longo do desenvolvimento do presente projeto, que o período Amarniano se define e se caracteriza por uma reforma político-religiosa, onde Akhenaton em sua “nova” religião solar cultua somente o deus Aton. No entanto, questionamos: apesar da reforma religiosa, pode-se negar a influência dos processos religiosos anteriores ao período Amarniano? Com base das leituras realizadas, é certo que não.

Jan Assmann (2001) afirma que os hinos solares de Amon-Rá, serviram de exemplo para os hinos de Aton. Nicolas Grimal (2012) explica que não há nada de renovação e nem tão pouco uma novidade. Regina Coeli (2009) na sua dissertação apresenta as aproximações do culto a Aton aos cultos solares anteriores ao período de Amarna. Gisela Chapot (2015) na sua tese apresenta o cenário Amarniano como ‘uma nova visão de mundo’ construída por Akhenaton, que ao lado da família real Amarniana, apresenta a sociedade egípcia, uma família reunida que oficializavam os cultos a Aton. Além de seu ofício como faraó, Akhenaton é representado como esposo e pai, o que destaca seu lado humano. Chapot apresenta essa família através da iconografia, em que se percebe o diferencial do período Amarniano em relação aos períodos anteriores. Até então, um rei se expor ao lado da sua esposa e suas filhas não era algo comum.

Observa-se então, que a identidade religiosa Amarniana tem ligações com identidades religiosas solares anteriores, assim fica claro que a identidade e diferença trabalham em conjunto na construção e produção social e cultural.

Cecília Azevedo (2003) apresenta múltiplas faces da abordagem das identidades, afirma que devemos identificar as duplas características em dois princípios: principio da alteridade e principio da representação ou encenação. As identidades são construídas com base em acontecimentos, valores, interesses e ideias que projetam as identidades coletivas (AZEVEDO, 2003, p. 45), ressalta ainda que “identidade é uma construção social e simbólica dinâmica em função de sua permeabilidade em face do contexto. Portanto, as identidades mostram-se móveis porque contingentes.” (AZEVEDO, 2003, p. 43)

Norberto Luiz Guarinello (2013) aborda a História antiga como tipo de memória social, que é primordial para o desenvolvimento da identidade coletiva. Através da memória, as identidades são formadas, por meios de processos que ao longo dos séculos, percebemos que a construção da identidade tem espaço nas Ciências Humanas contemporâneas. “A memória social é, com frequência, um campo de conflito, no qual diferentes sentidos são conferidos ao passado: personagens e fatos distintos são valorizados ou rejeitados, interpretações são contrapostas, silêncios ou rememorações festivais se confrontam.” (GUARINELLO, Norberto Luiz, 2013, p.9)

A teologia heliopolitana é praticada desde o Antigo Império (2686-2181 a.C), os cultos heliopolitanos foram bastantes praticados no Médio Império (2055-1650 a.C). O Novo Império (1550-1069 a.C.)5 que tem início a partir da 18º dinastia teve como ênfase os cultos solares, o principal os de Amon-Rá. A solarização na religião egípcia é o marco na civilização egípcia, que tem suas formas e significados associados ao mito de criação.

Então, apesar da reformulação religiosa, acreditamos que o período Amarniano não fora algo “novo” na religião solar egípcia como tantas vezes se defende na egiptologia. A solarização já era algo predominante da religião egípcia, que ao longo dos períodos dinásticos, ganhou novas características. Akhenaton e Nefertiti formaram um casal político, onde apresentaram por meio da arte Amarniana, cenas íntimas do casal. Nos cultos, realizavam oferendas a Aton que com seus raios terminados em mãos, abençoava o casal solar. Nas representações, suas filhas também participam dos cultos- principalmente Meritaton- em alguns casos, Nefertiti com sua filha aparecem realizando as oferendas, em outras, Akhenaton e sua filha. Formam uma família e esse foi o diferencial na imagem da religião Amarniana associada a uma família ensolarada, isso foi primordial para o ofício religioso de Amarna.

NOTAS:

1O autor usa a palavra “doutrina” para se referir à religião estabelecida por Akhenaton, o que é consideravelmente anacrônico, já que essa ideia é proveniente do monoteísmo judaico-cristão. Talvez a intenção do autor fosse enfatizar a base do ensinamento transmitido pelo faraó, porém acreditamos que “doutrina” não seja a palavra mais apropriada para tratar desse período Amarniano.

2 Tradução livre do original do autor: “The beautiful doctrines of the religion with which this Pharaoh’s name is identified were productions of his later days; and until he was at least seventeen or eighteen years of age neither his exalted monotheism nor any of his future principles were really apparent. Some time after the eighth year of his reign one finds that he had evolved a religion so pure that one must compare it with Christianity in order to discover its faults; and the reader will presently see that the superb theology was not derived from his education”.

3 A tese de doutorado de Gisela Chapot da UFF trabalha a cosmovisão do reinado de Akhenaton, em que se estabelece a ideia de um deus “solarizado”, propagado pela nova teologia solar do deus Aton em volta da família real Amarniana.

4Erik Hornung debate as formas de definição do faraó que predominaram ao longo do século passado. Durante muito tempo se considerou apenas a natureza despótica do rei, mas em 1902 Alexandre Moret começou a especular sobre a divindade do rei, que era fundamental para o entusiasmo de construções tão monumentais como as feitas no Egito. A partir dos anos 60 Georges Posener enfatizou o seu aspecto humano, atrelado ao divino, tendência que tem se fortalecido desde então. Hornung descarta o ainda tão usado termo cunhado por Moret de “rei-deus”, conceito que ilustra apenas a sua faceta divina em detrimento de sua humanidade, e de seu papel como representante do culto. Cf: HORNUNG, 1994, p. 252.

5 Os anos datados são utilizados por Emanuel Araújo (2000), que segue a linha cronológica de Shaw & Nicholson (1996, 310-312). Araújo explica que está listado apenas o que constavam no texto. Observa-se na cronologia algumas fases de reinados de faraós que não foram datados. A cronologia egípcia foi estipulada pelo sacerdote egípcio Maneto (323-245 a.C) que dividiu em trinta dinastias o reinado dos reis. Essa cronologia não é totalmente precisa, porém egiptólogos seguem essa divisão. Há também a trigésima primeira dinastia, que foi estipulada por um cronógrafo subsequente. De qualquer forma, o contexto histórico egípcio é baseado nos registros de Maneto. Em 332 a.C, o rei da Macedônia, Alexandre, o Grande começa seu reinado no Egito. Consequentemente, o Egito passou a seguir uma linhagem Greco-macedônica, de origem ptolomaica e tendo como o general Ptolomeu de Alexandre (posteriormente rei Ptolomeu I) o descendente dessa linhagem. Cleópatra VII foi a ultima rainha da linhagem egípcia Greco-macedônica, depois disso o Egito tornou-se uma província romana em 30 a.C. Assim, deu-se o inicio do Império Romano, com a linhagem chamada de período Greco-romano. Antes do Egito se torna um reino unificado em 3100 a.C e do estabelecimento das dinastias, a população vivia em varias comunidades no Delta e no decorrer do Nilo. Essas comunidades desenvolveram-se gradativamente e dividiram-se em dois reinos, um localizado no norte e outro no sul. Contemporaneamente, esse contexto é conhecido como período Pré-Dinástico (c. 5000- c. 3100 a.C). (DAVID, 2011).


Inara Kézia Gama, 20, é acadêmica do 7° período do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Sua área de pesquisa é a História Antiga, com destaque para o Egito Antigo, com ênfase no resgate da importância da imagem do faraó em torno do sistema político-religioso. Trabalha a identidade cultural, crendo na importância de se esclarecer como o contexto multicultural faz parte da nossa identidade, abrangendo aspectos sociais, políticos, econômicos, linguísticos e religiosos.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

O novo fôlego das pesquisas em História Antiga do Departamento de História da UFAM


Ontem, 07/06, na Sessão 04: Literatura, Arte e História, da XII Semana de História da Universidade Federal do Amazonas, um trabalho chamou bastante a atenção dos ouvintes: Uma Reforma Espiritual no Egito Faraônico: Akhenaton na sua Consagração Divina e Humanizada, da graduanda Inara Kezia Gama Araújo, do 5° período.

Sou amigo de Inara desde quando ela entrou na graduação, em 2016. Acompanhei de perto toda sua evolução, seu entusiasmo pela História Antiga, com ênfase no Antigo Egito, seus primeiros escritos e, agora, a participação em uma sessão coordenada. A apresentação de seu trabalho, fruto de pesquisas para o PIBIC, deu novo fôlego às pesquisas em História Antiga do Departamento de História da UFAM, tão acostumado a outras áreas. O Departamento, aliás, teve 3 projetos aprovados nessa área, todos orientados pela Prof. Dra. Joana Campos Clímaco: As cartas de Arísteas e seu impacto no Judaísmo Helenístico; Uma reforma espiritual no Egito Faraônico: Akhenaton na sua consagração divina e humanizada; e A Antiguidade, o cinema e suas representações nos livros didáticos de História do 6° ano.

Confiram, abaixo, um resumo e a introdução do trabalho apresentado por Inara. Que ele sirva de inspiração para os outros graduandos, para que surjam novas pesquisas em História Antiga, sejam elas sobre o Oriente, Grécia, Roma e o Egito, bem como em outras áreas.


UMA REFORMA ESPIRITUAL NO EGITO FARAÔNICO: AKHENATON NA SUA CONSAGRAÇÃO DIVINA E HUMANIZADA

RESUMO

O período Amarniano - conhecido também como reforma espiritual - ocorreu em torno de 1352-1336 a. C. na 18° dinastia, contexto do novo império, reforma fundada pelo faraó Amen-hotep IV, posteriormente chamado Akhenaton. Em seu reinado, o faraó estabeleceu uma revolução espiritual e modificou o panteão egípcio, nomeando o deus Aton - o disco solar - como o único deus. Com o seu decreto, ocorreu uma revolta entre nobres e sacerdotes.

As características do período Amarniano é algo que chama atenção na descrição da realeza, pois além de Akhenaton consagrar-se como um ser divino em torno do deus Aton, o papel de um faraó humanizado é detectado na sua teologia solar. Akhenaton efetivou um repertório novo na prática religiosa, por meio da sua imagem, arte e religião, onde o marco dessa nova religião é regido pelo mais belo poema: O Grande Hino a Aton.

INTRODUÇÃO

Amen-hotep IV (Akh-em-Aton), foi o faraó da 18º dinastia no período entre 1352 e 1336. Causou uma profunda reforma religiosa no Egito, atribuindo culto somente a um deus, elegendo o disco solar (Aton) como único deus, o criador do mundo. Sua inovação desestrutura e reconstrói a religião egípcia, renovando o panteão e atribuindo um novo olhar para o Egito faraônico. O novo cenário foi motivo de revolta entre nobres e sacerdotes. A implantação de uma espécie de monoteísmo em uma civilização politeísta é um assunto de enorme controvérsia na egiptologia. Jan Assmann um dos mais conceituados egiptólogos que aborda a religião egípcia na contemporaneidade, salienta de forma evidente o prestígio da reforma de amarna (conhecido também como reforma espiritual): “a redescoberta do rei herético, Akhenaton, que após sua morte foi submetido a uma completa damnatio memorie no Egito, é a mais significativa descoberta da egiptologia”¹. É comum dizer que os egípcios eram politeísta e o próprio faraó era tradicionalmente relacionado e poderes divinos e Amen-hotep IV edifica isso perfeitamente, fazendo-se único e exclusivamente rei, homem, deus e sacerdote. O grande hino a Aton é um dos poemas que exprime a nova doutrina no novo império e o mais belo já registrado nesse período. A ênfase do projeto é apresentar uma nova ótica faraônica, descortinar a face do faraó detectando principalmente se lado humano, além de sua posição política-religiosa. Dessa forma pretendemos contemplar e apreciar as riquezas que o antigo Egito nos proporciona, na arte, cultura, linguagem, literatura e religião. O objetivo é justificar a importância que a história antiga em suas diversas construções sociais, assim buscando meios de despertar o interesse na área da Antiguidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ASSMANN, Jan. Of god and gods. Egypt, Israel and the rise of monotheism. Madison, EUA: The University of Wisconsin press, 2008.
_____________. The prince of monotheism. California: Stanford University Press, 2010.
ARAÚJO, Emanuel. Pobres faraós divinos. Textos de História, v. 4, n° 2, p. 5-29, 1996.
________________. Escritos para a eternidade. A literatura no Egito faraônico. Brasília: Editora Universidade de Brasília/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.
CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 2004.
CHAPOT, Gisela. A família real amarniana e a construção de uma nova visão de mundo durante o reinado de Akhenaton (1353-1335 a.C.). Niterói, 2015.
HORNUNG, E. O Rei. In: DONADONI, S. (org). O homem egípcio. Lisboa (PT): Presença, p. 239-262, 1994.

NOTAS:
¹ ASSMANN, Jan. “ A new State theology- the religion of light”. In: SEYFRIEND, Friderike. In the light of Amarna: 100 years of the Nefertiti discovery. Berlin: Imhof Verlag, 2013 p.79.

Inara Kezia Gama Araújo, 18, é acadêmica do 5° período do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Sua área de pesquisa é a História Antiga, com destaque para o Egito Antigo, com ênfase no resgate da importância da imagem do faraó em torno do sistema político-religioso. Trabalha a identidade cultural, crendo na importância de se esclarecer como o contexto multicultural faz parte da nossa identidade, abrangendo aspectos sociais, políticos, econômicos, linguísticos e religiosos.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Cristianismo e heresias: O nascimento de uma nova fé à luz do Império Romano no século II. O contexto pagão e suas influências para as apologias cristãs

Hoje estarei dando início a uma série de postagens sobre história social e história cultural da Idade Média, a partir de artigos produzidos pelos alunos do 4° período do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), da disciplina História Medieval II, ministrada pelo professor Me. Tiago José Cavalcanti Atroch e da qual fui Monitor esse ano.

CRISTIANISMO E HERESIAS: O NASCIMENTO DE UMA NOVA FÉ À LUZ DO IMPÉRIO ROMANO NO SÉCULO II. O CONTEXTO PAGÃO E SUAS INFLUÊNCIAS PARA AS APOLOGIAS CRISTÃS

Inara Kezia Gama Araújo¹

RESUMO
A ênfase do artigo é apresentar o impacto do cristianismo no império romano no século II d.C. Sua proliferação interferiu na política, cultura e religião. Os cristãos não adoravam os deuses pagãos, e com isso os seguidores acreditavam que se alguma desgraça ao povo acontecesse, era imediato culpar os cristãos por não cultuar os deuses. Do século II a III d.C, o crescimento do cristianismo não podia ser mais controlado, e isso chamou atenção dos romanos. As escrituras apologéticas cristãs mostravam sua racionalização da fé cristã, sua moral e argumentos filosóficos. Afinal, a multicultural de Alexandria é o princípio de vários povos vivendo em uma cidade de tamanha exuberância de filosofia, arte, cultura, linguagem, religião e costumes. Os apologistas cristãos tinham admiração pela erudição grega, e em suas escritas, harmonizam o cristianismo para com os gregos. O imperador romano Constantino oficializou o cristianismo como a verdadeira religião, assim, abolindo o paganismo. Apesar disso, é difícil acreditar nessa abolição. Suas influências são visíveis, tanto pelo contexto, como na construção de sua identidade cultural.
Palavras-chave: cristianismo primitivo, apologias, heresias, paganismo, doutrina, identidade cultural.

1 INTRODUÇÃO

Fílon de Alexandria (circa 20 a.C. - 50 d.C.), filósofo judeu-helenista. Gravura presente na obra "Les vrais pourtraits et vies des hommes illustres grecz, latins et payens" (1584), de André Thevet.

O resgate do contexto da antiguidade tem o objetivo de enfatizar a forma como o cristianismo foi se expandindo e ganhando seguidores. Apesar muitos terem abandonado suas antigas crenças, o cenário de templos, exaltação ao ser Divino e sua imagem, é fruto da identidade pagã. Como é possível se converte e deixar de seguir tudo que fez parte da construção da identidade social, político, econômico e social?
Segundo Werner Jaeger, a civilização grega exerceu uma profunda influência sobre a mentalidade cristã. A filosofia grega tem suas influências nas doutrinas cristãs. O novo testamento é o início do cristianismo primitivo, tem suas raízes na Paideia Grega e é onde se encontra uma postura ética e moral. Clemente de Alexandria e Orígenes de Alexandria são os primeiros escritores cristãos, e eles fizeram parte da educação grega.
A influência pagã no cristianismo, tem uma relação mítica. É notável, como os cristãos eram obedientes ao seu Deus e acreditavam na ressurreição de cristo. Não é diferente a dos pagãos. Se tratando de mito, o paganismo é recheado de mitologias na qual, todos os deuses, tinham seus aspectos, seja ela na guerra, na colheita, na prosperidade, na fertilidade, na sabedoria e etc. O mito serve para exaltar seu Deus, seus deuses. Afinal, Mitologia e religião têm suas diferenças.
E claro, como a proposta do artigo é mostrar a fundação do cristianismo, é impossível esquecer-se dos judeus. Logo no início, o cristianismo se difundiu nas cidades helênicas entre os judeus da Diáspora, sendo assim, vista como uma seita no judaísmo. O Judaísmo se tornou subitamente conhecido, e tem uma relação com a educação grega, onde Fílon de Alexandria adaptou-se com a filosofia grega.
A diversificação de religiões (egípcia, grega, romana e judia) é um dos assuntos que busco explicar por meio da nova religião nascida no império romano. É um assunto complexo, contudo, procurei especificar suas características que o contexto apresenta.
Os conflitos religiosos após a oficialização do cristianismo, é importante para melhor compreensão de como eles fazem parte do nosso cotidiano e a construção do imaginário. Sendo assim, cabe a nós reconhecer de como a antiguidade nos proporciona tamanha atração com seus legados e construção histórica. Minha intenção de buscar o cristianismo primitivo, foi para melhor enriquecimento e entendimento de como os pagãos são tratados com mais fervor como hereges na idade média, já em um período na qual é o ápice do cristianismo, formada como uma doutrina e a igreja católica sendo a elite.

2 OS APOLOGISTAS: A ERUDIÇÃO GREGA NA CONSTRUÇÃO DO CRISTIANISMO

Alexandria, por seu notório esplendor cultural e filosófico, tem como os primeiros apologistas cristão, Clemente e Orígenes. Grandes admiradores da erudição grega aproveitaram da Paideia grega pra desenvolver a nova crença. Tornaram-se os principais fundadores da filosofia cristã. Ambos nasceram na metade do século II. A inclusão do cristianismo no ambiente helênico era para fortalecer seu crescimento e assim sendo, adaptar-se a cultura grega para desenvolver suas apologias e o discurso teológico-cristão.
Os apologistas do século II tem um nível de intelectualidade, por isso, precisavam fazer do cristianismo, uma filosofia apropriada para com a cultura de Alexandria.
A intenção de Clemente era a “conversão” dos helenos, porém, sabia que para tal iniciativa, teria que traduzir a linguagem cristã. Assim, as apologias cristãs são herdadas da filosofia helênica, como diz Joana Clímaco:
Clemente, ele próprio um grego converso, vivenciou a atmosfera da Segunda sofistica; era um grande admirador da cultura e tradição filosófica dos helenos, apesar de repudiar o politeísmo e suas práticas. Fazia uso da Paideia grega para justificar racionalmente a sua fé e exortar os gregos à conversão. Nesse sentido, empregava sua erudição e sua capacidade retórica com o intuito apologético, pois acreditava que só por intermédio da razão se conheceria a verdadeira essência de deus. Dessa forma, conciliava sua fé cristã com uma curiosidade pelo universal, comparando textos de tradições diversas. Seu ponto de partida foram as escrituras judaicas, que transformaram em objeto de teologia, associando a fé e razão. (Alexandria Greco-romana: hibridismo cultural do contexto a fundação ao cristianismo, p. 81-82).
O neoplatonismo, uma escola filosófica, na qual Orígenes de Alexandria fez parte, é uma escola pagã. Uma escola que se organiza a partir de Plotiano. O filósofo estimulava praticas ascéticas como importante aspecto de vida do filósofo, com o intuito de fazer as pessoas caminhem em uma vida contemplativa separada de preocupações corpóreas e terrenas. Seguindo isso, a semelhança entre o cristianismo e o neoplatonismo, onde o individuo acreditava na alma personifica e liberta para alcançar a salvação. Porém, apesar das tendências espiritualistas e místicas do neoplatonismo, o comprometimento com a argumentação filosófica, o distingue da percepção cristã. Mas, ambas são formadas no cenário intelectual de Alexandria.
Fílon de Alexandria é do século I d.C conseguiu conciliar a fé judaica com a educação helenizada. Conquistou a cidadania alexandrina e incluído em suas esferas administrativas, um caso raro entre os outros judeus da cidade. Podemos considerar Fílon o primeiro filósofo judeu, sua utilização da filosofia grega, apesar de suas crenças judaicas, pode se dizer que foi um meio de participar do processo de interação da linguagem grega. Influenciou apologistas cristãos e pensadores judeus posteriores, filósofos islâmicos, dando origem ao neoplatonismo medieval. Joana Clímaco diz o seguinte:
A familiaridade de Fílon com a filosofia grega fora talvez uma consequência de proximidade entre a intelectualidade judaica de Alexandria e as escolas filosóficas gregas difundidas até então (orfismo, estoicismo, ceticismo, pitagorismo e platonismo), muitas das quais foram revitalizadas no ambiente eclético da cidade. Sua filosofia judaico-helenística também se somou ao sincretismo resultante do contato da filosofia grega com as religiões orientais. Ao conciliar escrituras bíblicas com a filosofia grega, as obras de Fílon foram fundamentais para a expansão da cultura clássica do mundo romano, para a interpretação bíblica desenvolvida pelos Padres da Igreja e formação da teologia cristã e para a difusão do neoplatonismo nos séculos seguintes, que teve Alexandria como um de seus centros mais expressivos. Nesse sentido, a metrópole ainda facilitava o encontro de mundos através de seus núcleos intelectuais. (Alexandria Greco-romana: hibridismo cultural do contexto de fundação ao cristianismo, p. 79)

3 MITOLOGIA E RELIGIÃO: A NARRATIVA GLORIOSA DE SEUS DEUSES, ASSOCIADA À FIGURA DO HOMEM PARA SUA EXALTAÇÃO DIVINA

Como de costume de antigas civilizações politeístas, seus deuses são sempre associados com os acontecimentos da humanidade. Seus feitos são eternizados em templos, esculturas, rituais e o mais digno dentro dessas características, é sua relação com a imagem do rei. Quando se trata de prosperidade do reino, o estabelecimento da ordem cósmica é o primordial para a segurança do povo e é claro, do rei. Grandes faraós egípcios, helênicos, ptolomeus e romanos, têm suas características semelhantes à do Egito faraônico.
O faraó (casa grande) era o principal da escala social. Rei, sacerdote, chefe militar, senhor dos exércitos, filho e protegido de tais deuses, era uma figura exaltada, repeitada e temível. Gregos, macedônios e romanos, são incluídos nesses aspectos. Ora, quem que quisesse se tornar o faraó, não queria ser glorificado? Foi assim que Alexandre, o Grande, em 332 a.C. quando ele derrotou os persas no segundo domínio no Egito, foi recebido como o salvador, e se tornou o faraó, sendo conhecido como o filho de Zeus-Amon. Otaviano (futuramente Imperador Augusto), após sua batalha de Àcio em 31 a.C, derrotando Marco Antônio e se tornando o Senhor do Egito, se tornou faraó e governou o Egito como seu domínio pessoal. No Egito Romano, o período faraônico “perde seu esplendor”, mas a sua identidade é mantida, principalmente na imagem do imperador.
Augusto transformou o Egito como província imperial, governada por um prefeito de ordem equestre, designado diretamente pelo imperador. O prefeito era a autoridade máxima local: comandante do exército, chefe da administração civil e das finanças e magistrado.
Os cultos aos deuses, é uma das tradições pagãs, na qual, determinado deus(a) tem sua personificação e narrado a sua história, cuja sua ênfase é retratar o seu significado e sua grandiosidade para que seu nome seja um feito místico escrito, narrativo e eternizado.
Qual a relação dos cultos pagãos para os cultos cristãos? Um dos mais famosos mitos egípcios é de Isis e Osíris. O episódio conta o assassinato de Osíris e a busca de Isis pelos pedaços de Osíris espalhados pelas margens do rio Nilo. No ritual, a pessoa que queria iniciar-se, deveria se apresentar em publico como um deus e chamava a ele mesmo de renascido. Assim, para com os cristãos. Quando Jesus foi crucificado, morto e sepultado, e no terceiro dia ressuscitou. Quando eles eram batizados, acreditavam que estavam renascendo. Suas semelhanças, é clara nas suas crenças e que seus Deuses e Deus voltaram a viver após a morte.
Essas crenças é anterior a época cristã, sendo assim, é visível que a religião pagã tem participações nas crenças cristãs. Faço observações de traços semelhantes nas partes da oração do Credo: “Creio no espírito Santo” “Na ressurreição da carne, na vida eterna “, é explícito como suas crenças é comparável aos dos pagãos, eram obedientes aos seus Deuses e mostravam isso através de cultos e rituais, na qual suas praticas são para agradecer e retribuir o que suas proteções, prosperidade e também em aspectos mais pessoais, são atendidos através de sua divindade.
Seja no politeísmo ou monoteísmo, suas semelhanças são em questão da função do divino eterno, como seu feito histórico faz parte de suas vidas e de que a gratidão, respeito e benevolência são executados através de seus cultos e rituais.
Minha intenção não é misturar as crenças religiosas, e sim, deixar notório como cada uma tem sua semelhança e de como podemos compreender a essência do poder divino em nossas vidas, como esses seres fizeram e ainda fazem parte da nossa identidade cultural. Atribuir as comparações, é enfatizar de como mitologia e religião, por mais que muitas vezes possamos juntá-las em um único corpo, é possível e correto separá-las para melhor conhecimento de que mito é uma história recheada de feitos históricos, cujo determinado Deus ou Deus tem seu legado construído e sua função para a vida de seus seguidores e religião é uma instituição formada que parte do poder da crença e tem seu princípio sobrenatural e tem sistemas de doutrina.

4 HERESIAS: O SEU IMPACTO NA DOUTRINA CRISTÃ E SEU CRESCIMENTO PARTINDO DA ANTIGUIDADE AO CONTEXTO DA IDADE MÉDIA

De origem grega, hairesis, significa “escolha, preferência pessoal”, porém certas vezes a versão portuguesa traduz como “seita”. Por isso, procurei contextualizá-la com o seu impacto perante os cristãos e de que como os hereges têm sua resistência até na Idade Média, onde a igreja católica apostólica romana exerce seu poder e sua poderosa elite.
No século IV d.C, o imperador romano Constantino(306-337), até então pagão, se batizou e oficializou a verdadeira religião: cristianismo. A partir de então, o paganismo entra em decadência (prefiro usar essa palavra do que dizer que foi abolida ou teve seu fim), dando um ponta pé inicial para um fervoroso cenário de conflitos religiosos onde cristãos e pagãos são os protagonistas.
O fortalecimento da fé cristã, causou um profundo impacto de identidade cultural, nas estruturas política, militar, sacerdotal, administrativo, e econômico, como fala Márcia Vasques:
Esta nova estrutura política alterou completamente a estrutura antiga do poder egípcio e, embora o país, no geral, tenha se mantido próspero durante o período romano, o enfraquecimento da economia dos templos e o rígido controle sobre a classe sacerdotal, preparou o caminho para o colapso dos templos egípcios e abriu espaço, no século IV d.C, para uma nova religião que crescia rapidamente: o cristianismo. (Crenças funerárias e identidade cultural no Egito Romano: máscaras de múmia, p. 10-11)
Assim como o cristianismo no início foi considerado uma seita perante os judeus e que os próprios consideravam os cristãos como hereges, por não seguirem sua doutrina religiosa, agora consideram os pagãos como hereges, aqueles de uma falsa mediação cultural.
A igreja católica na idade média era uma organização totalitária. Doutrinal, hierarquizada, autoritários e rituais estabelecidos. Qualquer divergência em relação a essa organizada e abrangente estrutura, infligia à ordem temporal divinamente ordenada, portanto, não seria tolerado.
A heresia era, como definiu o bispo Roberto Grosseteste no século XIII “uma opinião escolhida pela percepção humana, contrária à Sagrada Escritura, publicamente admitida e obstinadamente defendida”. A heresia popular não parecia preocupar a igreja, a sociedade estática, defensiva contra-ataques vindos de forças exteriores e havia pouco tempo para a experiência religiosa ou para debate intelectual. Contudo, isso mudou com uma explosão de exercício que os eruditos nomearam de “o Renascimento do século XII”. Esse fervor religioso foi acompanhada de uma denominação que Brenda Bolton chama de “a reforma medieval”.
Ambos foram fundamentais para o favorecimento de concentração no indivíduo, e na religião, uma procura individual pela redenção e o desejo do cristão leigo comum por uma relação mais direta e pessoal com Deus.
A igreja também começou a reforma-se. O papado que foi salvo de uma decadência no final do século XI por uma sucessão de papas reformadores, tiveram a responsabilidade de ordenar a casa. Lançou uma campanha contra a simonia (a venda de indulgências), o controle leigo sobre bispados e benefícios, o casamento de clérigos e impudência do clero.
Essa reforma, fez com que o papado fosse uma instituição monárquica organizada, burocrática e legalista, com o clero transformando-se numa casa fechada e exclusiva. Uma escola de pensamento que encara toda heresia ocidental como essencialmente maniqueísta. As ações e opiniões dos hereges ocidentais era um evangelismo provocado pela reação ao mundismo percebido e á corrupção da Igreja. Defino segundo Jeffrey Richards:
[...] a busca por uma vida religiosa mais completa e satisfatória através da austeridade pessoal, da adesão ao evangelho e da pregação foi um tema central. Foi a recusa da Igreja de reconhecer plenamente essas aspirações e essas práticas que transformou seus adeptos em hereges. [...] A heresia medieval nasceu das condições e da psicologia da sociedade medieval. tratava-se de dissensão religiosa e, em sua parte, de dissensão religiosa popular.(Sexo, desvio e danação: as minorias na idade média, p. 55)

5 CONCLUSÃO

É nítida a influência do paganismo no cristianismo. Seja ela em apologias, cultos e rituais. A inclusão tem como concepção, observar a forma de que como as identidades são plurais e como é uma construção social e mostram-se moveis. Pagãos, judeus e cristãos fazem parte do mesmo contexto. O paganismo não teve seu fim, pelo contrário, apesar dos cristãos abolirem os cultos Deuses, sua identidade esta viva em cultos, templos, escrituras e a imagem do ser divino exaltado, mais eficaz dentro de uma doutrina

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

JAEGER, Wener. Cristianismo primitivo e a Paideia grega. Tradução: Daniel da Costa. Santo Andre, SP: Academia cristã, 2014.
KOESTER, Helmut. Introdução ao novo testamento. São Paulo: Paulus, 2005. v.2
CLÍMACO, Joana Campos. Alexandria Greco-romana: hibridismo cultural do contexto de fundação ao cristianismo./ Atravessando mundos: ensaios sobre a imaginação medieval./ Sínval Carlos Mello Gonçalves. Manaus: EDUA, 2015
VASQUES, Márcia Severina. Crenças funerárias e identidade cultural no Egito Romano: máscaras de múmia. São Paulo, 2005. v.1

RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na idade média. Tradução: Marco Antonio Esteves da Rocha e Renato Aguiar. Rio de janeiro: Jorge Zahard Ed, 1993.


¹ Inara Kezia Gama Araújo, 18, é acadêmica do 4° período do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Sua área de pesquisa é a História Antiga, com destaque para o Egito Antigo, com ênfase no resgate da importância da imagem do faraó em torno do sistema político-religioso. Trabalha a identidade cultural, crendo na importância de se esclarecer como o contexto multicultural faz parte da nossa identidade, abrangendo aspectos sociais, políticos, econômicos, linguísticos e religiosos.







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segunda-feira, 2 de maio de 2016

Alexandria - o Farol e o Porto

Por Antonio José Souto Loureiro


Alexandria em 1681. Gravura de Cornelius de Bruyn.

Os Egípcios receberam Alexandre com alegria, pois viam nele um libertador que poria fim ao duríssimo domínio persa. Por seu lado, Alexandre, como prova de respeito à civilização egípcia, dirigiu-se ao oásis de Siwa, para receber do deus Ámom-Rá a consagração como faraó legítimo.

Foi durante essa viagem que ele se deteve para fundar, no extremo ocidental do Delta, uma grande cidade, a primeira de uma longa série, à qual quis dar o seu nome. O seu plano consistia em erigir uma cidade sumptuosa que seria o núcleo do seu poder e um centro de cultura.  Alexandre Magno morreu antes de ver concluída a obra, mas Ptolomeu, seu sucessor, no Egito, foi quem continuou o seu ambicioso plano. Assim nascia Alexandria, no Inverno de 332-331 a.C., no local de uma antiga aldeia de pescadores e pastores chamada Rhakotis, a Oeste do delta, no istmo entre o mar e o lago Mareótis, perto do braço Canópico do Nilo.

Alexandria, estava magnificamente situada, na encruzilhada das rotas navais, fluviais e terrestres de três continentes: Europa, África e Ásia. Desta forma, será a capital cultural do Helenismo, pelo menos durante três séculos, e, rapidamente na maior cidade comercial do mundo.  A tradição atribui a planificação da cidade de Alexandria ao arquiteto e urbanista Dinócrates de Rodes, o mesmo que teria projetado a reconstrução do Artemísion de Éfeso, no tempo de Alexandre Magno. Duas grandes avenidas: a Avenida Norte-Sul e a Avenida Leste-Oeste, dividiam a cidade em quatro bairros principais, denominados pelas quatro primeiras letras do alfabeto grego. A artéria principal (Leste-Oeste), chamada Canópica, tinha 7 quilômetros e meio de comprimento e 30 metros de largura, sendo ladeada por passeios. A artéria norte-sul desdobrava-se em duas largas áleas separadas por um renque de árvores.

A configuração da cidade era geométrica. As ruas, de cada um dos seus 4 bairros, eram ortogonais. Dado o clima quente e seco característico daquela região, eram estreitas para originarem mais sombra. Na realidade, não eram necessárias ruas mais largas pois só em dias de festa a circulação tornava-se intensa. A cidade construiu-se muito rapidamente distinguindo-se das outras cidades egípcias por ter sido edificada não em tijolo, mas em pedra.

O palácio real dos Ptolomeus, o Bruquium, cobria por si só cerca de um quarto da cidade, todo ele construído com mármores importados. Contudo, a sua arquitetura, ainda que majestosa, em nada se assemelhava aos conjuntos monumentais das mansões faraônicas. Para além deste imenso palácio, a Neópolis, ou seja, a cidade nova, incluía diversas outras grandes construções: jardins, o Museu, a Biblioteca e o Teatro. A Leste, no subúrbio do Elêusis, situavam-se o ginásio, o estádio, o Hipódromo e um cemitério; a Oeste, a necrópole principal ao longo do canal que ligava Alexandria a Canopo. Nesta zona existiam ainda belos jardins e moradas sumptuosas onde, segundo o testemunho de Estrabão, se vivia alegremente.

O Porto

Para fazer de Alexandria um centro de comércio de primeira grandeza, foi necessário dotar a cidade com as estruturas e os aperfeiçoamentos necessários. Como o porto da cidade não era satisfatório, Alexandre mandou construir um porto artificial entre a costa e a Ilha de Faros que se encontrava aproximadamente a mil metros da margem. Esta ilha foi unida ao continente através de um paredão, o Heptaestádio, um dique com sete estádios de comprimento, aproximadamente 1200 m. A baía ficava assim dividida em dois portos: a leste, o porto de guerra, os arsenais, os estaleiros navais e o porto pessoal do soberano. A oeste, o porto mercantil, o Eunostos significando bom regresso. Duas aberturas existentes no dique permitiam aos navios passar de um porto para o outro. Este duplo porto de Alexandria foi mais tarde copiado em várias cidades helenísticas.

O Farol

O arquiteto Sóstrato de Cnido levantou, na ilha de Faros, o primeiro farol do mundo. Com cerca de 120 metros de altura e equipado com todos os instrumentos mecânicos então conhecidos para proteção da navegação era capaz de efetuar previsões meteorológicas. A sua luz era alimentada por lenha resinosa, içada por máquinas hidráulicas, que, por uma combinação de espelhos côncavos, se dizia ser visível a mais de 50 Km de distância.

O farol dispunha ainda de engenhos que assinalavam a passagem do sol, a direção do vento e as horas. Estava equipado com sinais de alarme acionados a vapor que se faziam ouvir durante o mau tempo, bem como com um elevador que permitia o acesso ao cimo da torre. Possuía também um periscópio gigante, por meio do qual um vigia podia observar embarcações que se encontrassem para além do horizonte aparente. Este farol, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, foi destruído por um terremoto no século XIV.

Em Alexandria a Bíblia deixou de ser uma tradição oral e foi escrita, pela primeira vez em grego. Quando foi tomada pelos árabes e sob o domínio bizantino, grande parte de seus rolos espalhou-se pela Europa, sendo talvez a raiz das bibliotecas dos conventos das Ordens então fundadas, como a dos Dominicanos.


Antonio José Souto Loureiro, 75, é escritor, médico reumatologista e historiador. Nasceu em Manaus, em 06 de junho de 1940. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É membro (Presidente) do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras e da Academia Amazonense de Medicina. É autor de Amazônia 10.000 anos, 1972; Síntese da História do Amazonas, 1978; A Gazeta do Purus, 1981; A Grande Crise, 1986; O Amazonas na Época Imperial, 1989; Tempos de Esperança, 1994; Dados para uma História do Grande Oriente do Estado do Amazonas, 1999; História da Medicina e das Doenças no Amazonas, 2004; O Brasil Acreano, 2004; e o Toque de Shofar.




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terça-feira, 14 de julho de 2015

O Modo de Produção Asiático

Lavoura – Pintura na tumba de Sennedjem.

O Modo de Produção Asiático, termo cunhado por Karl Marx, refere-se ao modo de produção das sociedades do Antigo Oriente Próximo. Temos aí civilizações que floresceram na região do Mar Mediterrâneo e também entre os rios Tigre e Eufrates. O Egito e a Mesopotâmia são os exemplos mais clássicos. O período em que se observa esse modo de produção vai de 4000 a.C. a 3.500 a. C.

Nessa época, o homem, graças ao domínio da agricultura e de outras técnicas de trabalho, já havia passado do nomadismo para o sedentarismo, fixando-se permanentemente em uma região, geralmente próximo à um rio, criando aglomerados urbanos que mais tarde deram origem às cidades-estados.

A economia dessas civilizações era predominantemente agrária. As terras cultivadas pertenciam ao Estado, representado pela figura de um monarca, considerado representante divino na terra. Esse monarca passou a dominar as terras por meio da força. Para poder exercerem suas atividades, os agricultores entregavam ao monarca tributos, formados pelo excedente da produção agrícola. Esse excedente era então dividido entre a nobreza, funcionários de alta patente e sacerdotes.

Esses agricultores estavam em um regime de servidão coletiva, pois para tirar seu sustento da terra, deveria submeter-se ao pagamento dessa "taxa". Além desses tributos, esses trabalhadores também eram deslocados para a construção de canais e irrigação e monumentos.

Antes de se tornar sedentário e mais complexo, o homem vivia em comunidades tribais divididas em caçadores (homens) e coletores (mulheres), onde os alimentos adquiridos eram distribuídos de forma igualitária entre os componentes da comunidade.

No Modo de Produção Asiático, temos grandes comunidades agrícolas sedentárias submetidas à um poder centralizador, o monarca (Estado), que se apropria do excedente de produção - Despotismo Oriental -  e marcada pela divisão social entre dominadores e dominados. Além da força e da religião, o Estado utilizava como instrumento de dominação a escrita, destinada à um pequeno grupo de funcionários públicos que controlavam a produção e recolhiam os tributos.

O nome "Modo de Produção Asiático" é uma referência à observação feita por Karl Marx, que registrou que, em alguns países da Ásia do século XIX, ainda existia uma economia dominada por um chefe tribal, em oposição ao liberalismo econômico da Europa.

Em síntese, podemos entender o Modo de Produção Asiático como uma forma de economia do Antigo Mundo Oriental marcada por forte intervenção estatal, quase inexistência de propriedade privada e pelo surgimento das divisões de classes.


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