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segunda-feira, 25 de março de 2024

Amazônia em textos: Quatro gêneros de coisas que há neste rio (1641)

Cacaueiro, 1806. Desenho de Charles Landseer. Fonte: Brasiliana Iconográfica.

O padre jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña (1597-1675) foi o cronista da viagem de Pedro Teixeira ao Rio Amazonas, tendo nos legado a obra Nuevo Descubrimento Del Gran Río de Las Amazonas. No trecho abaixo ele fala sobre quatro gêneros da região com potencialidade econômica: madeiras, cacau, tabaco e cana-de-açúcar:

"Há neste grande Rio das Amazonas quatro gêneros que, cultivados, serão sem dúvida suficientes para enriquecer não a um mas a muitos Reinos. O primeiro são as madeiras, que além de haver muitas de tanta curiosidade e estima como o melhor ébano, há tantas das comuns para embarcações, que se poderiam mandar para outras regiões, certos sempre de que, por muito que se tirem, nunca se poderão esgotar. O segundo gênero é o cacau, de que suas margens estão tão cheias que algumas vezes as madeiras que se cortavam para o alojamento de todo o exército eram quasi exclusivamente as das árvores que produzem este tão estimado fruto da Nova Espanha, e de todos os lugares onde sabem o que seja o chocolate. Esse fruto beneficiado é de tanto proveito, que a cada pé de árvore correspondem de renda todos os anos, fora todos os gastos, oito reais de prata ; e bem se vê com que pouco trabalho se cultivam estas árvores neste Rio, pois sem nenhum benefício da arte, só a natureza as enche de abundantes frutos.

O terceiro é o tabaco, que se encontra em grande quantidade e muito crescido entre os moradores ribeirinhos; e se se cultivasse com o cuidado que pede esta semente, seria cios melhores do mundo, porque na opinião dos entendidos, a terra e clima formam tudo o que se pode desejar para grandiosa colheita. As maiores, que a meu ver, se deveriam empreender neste Rio, são as de açúcar, que é o quarto gênero que, como. o mais nobre, mais proveitoso, mais seguro e de maiores rendimentos para a Coroa Real, e do qual há tempos tanto diminuiu o tráfico no Brasil, mais se deveria tomar a peito, e procurar desde logo instalar muitos engenhos, que em breve tempo restaurassem as perdas daquela costa. Para o que não seria mister nem muito tempo nem muito trabalho, nem, o que hoje se receia, muita costa; pois a terra para cana doce é a mais famosa que há em todo o Brasil, como podemos testemunhar, os que percorremos aquelas regiões: porque é toda: ela um massapê contínuo, que é o que os lavradores desta planta tanto estimam e com as inundações do Rio, que nunca duram senão poucos dias, ficam tão fertilizadas que antes seria para temer o demasiado viço.

E não será novidade naquela terra levar cana doce, pois por todo este dilatado Rio, desde as suas nascentes, sempre a fomos encontrando, que parece dava desde logo mostras do muito que depois se multiplicará, quando se queiram fazer engenhos para tratá-la. Estes serão de mui pequeno custo, por haver, como disse, as madeiras à mão e a água em abundância, e só se precise de cobre, o que com muita facilidade fornecerá nossa Espanha, certa do bom pagamento que por ele havia de receber.

Não só estes gêneros podia prometer este novo mundo descoberto, com que enriquecer a todo o Orbe, mas também outros muitos, que, embora em menor quantidade, não deixariam de auxiliar com o seu quinhão para o enriquecimento da Coroa Real, como são o algodão, que se colhe em abundância, o urucú, com que se obtém um vermelho perfeito, que os estrangeiros estimam grandemente; a canafístula, a salsaparrilha, os óleos que competem com os melhores bálsamos para curar feridas, as gomas e resinas perfumadas, a pita, de que se tira o mais estimado fio, e da qual há grande abundância , e outras muitas coisas que cada dia a necessidade e a ambição virão trazendo à luz".

ACUÑA, Cristóbal de. Descobrimentos do Rio das Amazonas. São Paulo: Companhia das Letras, 1941, 193-195.

sábado, 13 de março de 2021

Manaus na década de 1920

Nesse vídeo, através de fotografias, são apresentados diferentes lugares da cidade de Manaus na década de 1920. São registros de prédios públicos e particulares, praças, bairros, ruas, locais de lazer e personagens da capital amazonense durante a crise econômica da borracha.

Trilha sonora:

Charleston - Royalty Free Music (Disponível em Ghoulish Grin Films).



domingo, 28 de fevereiro de 2021

Zona Franca de Manaus: 54 anos no coração da Amazônia

Vista aérea do Distrito Industrial de Manaus na década de 1970. FONTE: Instituto Durango Duarte.

Terminado o ‘boom’ da economia gomífera (1890-1920), o Amazonas se viu mergulhado em uma crise sem precedentes. A borracha asiática dominava o mercado mundial desde 1913. Em 1920 a produção de borracha brasileira foi de 30.790 toneladas, enquanto a asiática foi de 304.816 toneladas (LOUREIRO, Antonio José Souto. A Grande Crise. 2° Ed. Manaus: Valer, 2008, p. 23). O cenário era desolador, mas uma breve recuperação veio com a Segunda Guerra Mundial. Entre 1942 e 1945 o Amazonas se viu inserido nesse conflito. Em 1941 o Japão atacou bases Aliadas americanas e britânicas no Pacífico, dominando logo depois as colônias asiáticas produtoras de borracha. Sem acesso a essa matéria-prima, útil à indústria bélica e manufatureira, os Aliados voltaram suas atenções para o Amazonas. Em 1942, navios brasileiros foram torpedeados pelos alemães, o que fez o país declarar guerra ao Eixo.

O Estado, através de acordos firmados entre o Brasil e os Aliados, entrou no conflito como fornecedor de borracha. Mais uma vez ocorreria um surto de imigração nordestina para a Amazônia. Através dos “Acordos de Washington”, ficou estabelecido que os Estados Unidos investiriam no financiamento da produção de borracha na Amazônia, enquanto que o governo brasileiro se encarregaria de recrutar o maior contingente possível de trabalhadores. Estima-se que, entre 1942 e 1945, o governo conseguiu enviar do Nordeste, que passava por uma terrível seca, cerca de 60.000 retirantes para a região Norte.

O governo norte-americano ficou de pagar 100$ por trabalhador instalado nos seringais. Manaus se tornou uma das subsedes da Rubber Development Company, órgão criado para administrar os serviços no Estado. A exportação da borracha, a circulação monetária, a construção de um aeroporto, os investimentos na capital e a especulação imobiliária criaram um momento de recuperação e alimentaram a esperança de dirigentes e empresários locais. Esse pequeno surto de desenvolvimento teve seu fim paralelo ao término da Guerra. O antigo mercado asiático estava novamente aberto, novas técnicas aperfeiçoaram o uso da borracha sintética. Já não existia mais a necessidade da borracha amazônica. O conflito acabara e, com ele, o Amazonas caiu novamente no esquecimento.


Deputado Federal Francisco Pereira da Silva (1890-1973). FONTE: Blog 'Antonio Miranda'.

Francisco Pereira da Silva (1890-1973), Deputado Federal pelo Amazonas (1946-1963), buscando soluções para a crise econômica a tempos se abatia sobre o Estado, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 1.310, de 23 de outubro de 1951, propondo a criação de um porto-franco na capital amazonense nos moldes dos existentes no México e no Panamá. Esse projeto, após ser emendado pelo Deputado Federal Maurício Joppert da Silva (1890-1985), relator da matéria na Câmara, foi convertido, quase seis anos mais tarde, em Lei n° 3.173, de 06 de junho de 1957, criando um porto livre destinado ao armazenamento, beneficiamento e retirada de produtos vindos do exterior. Nesse mesmo ano, estampou a primeira página da edição do dia 31 de julho do Jornal do Commercio de Manaus a matéria "Zona Franca em Manaus na ordem do dia", que discorria sobre as expectativas que a medida gerava nos empresariados local, nacional e internacional, interessados nas importações e exportações (Jornal do Commercio, 31/07/1957, p. 01). Apesar da movimentação que já estava causando, a Zona Franca seguiu sem regulamentação pelo Governo Federal.

Foi somente no Regime Militar (1964-1985), período em que uma nova política de integração nacional foi pensada para a região, que a Zona Franca de Manaus foi regulada e implementada. No Governo do Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, o Decreto-Lei n° 288, de 28 de fevereiro de 1967, alterou as disposições da Lei n° 3173 de 6 de junho de 1957 e regulou a Zona Franca de Manaus. O primeiro artigo desse Decreto-Lei define bem o modelo econômico a entrar em vigor: “Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatôres locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos” (Decreto-Lei n° 288, de 28 de fevereiro de 1967). Para administrá-la foi criada a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus). No dia 01 de março daquele ano era publicada na primeira página do Jornal do Commercio de Manaus a matéria "Nova fase para o Amazonas. Manaus dentro da Zona Franca", em que o autor afirmava que "A transformação da cidade de Manaus em Zona Franca provocou justificado entusiasmo nos circulos administrativos, industriais, comerciais e, enfim, em todos os setores das mais diversas atividades, sendo saudada com a maior euforia" (Jornal do Commercio, 01/03/1967, p. 01).


Loja de artigos importados no Centro de Manaus. Foto de 1968. FONTE: Revista O Cruzeiro, 18/05/1968, p. 04.

Era chegada a hora do Amazonas se reerguer. Apenas em seu primeiro ano de existência, a Zona Franca fez surgir 1.339 novos estabelecimentos comerciais. Eram empresas dos ramos de eletrodomésticos, alimentos, tecidos e hotelaria. Sua primeira indústria foi a IPLAM – Indústria de Pasteurização de Leite do Amazonas. O projeto para a construção de sua usina, na Avenida Constantino Nery, foi aprovado pela SUFRAMA entre 1967 e 1968, pois enquadrava-se no plano de desenvolvimento do Amazonas mediante incentivos fiscais. Ela era especializada na pasteurização de leite e produção de seus derivados.

No Centro de Manaus, antigos prédios do tempo da borracha eram adaptados ou demolidos para dar lugar a novos empreendimentos. Estrangeiros de diferentes partes do mundo e brasileiros de outros Estados vinham em busca dos artigos regionais e internacionais. Faziam sucesso as calças Lee, His, Lewis, as televisões, as câmeras fotográficas, os brinquedos chineses e japoneses e as vitrolas portáteis. Cada turista tinha direito a trazer 100 dólares em artigos e mais 25 dólares em produtos comestíveis (CORRÊA, Luiz de Miranda. Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro. Manaus: Artenova, 1969, p. 100-101). Em 1960 a população de Manaus era estimada em 175.343 habitantes. Em 1970, com a criação de novas vagas de emprego, esse número saltou para 314.197 (IBGE, censos de 1960 e 1970). A cidade se expandiu. Surgiram novos bairros, em sua maioria frutos de invasões inopinadas.

O Distrito Industrial de Manaus, localizado entre as zonas Sul e Leste da cidade, teve a sua pedra fundamental lançada no dia 30 de setembro de 1968. Foi planejado pelos arquitetos Luís Carlos Antony e Fernando Pereira da Cunha, da ‘Antony & Pereira da Cunha – Arquitetos Associados Ltda’. Junto ao marco foi fixada uma faixa com a frase ‘Distrito Industrial: marco da redenção da Amazônia Ocidental”. A tradicional revista Manchete, do Rio de Janeiro, assim descreveu a paisagem das obras: “Tratores abrem caminho na selva, derrubando árvores e deixando o sulco de futuras estradas. Pesados caminhões transportam homens e máquinas. Vista do alto, a bordo de um avião de carreira que chega a Manaus, a área mostra a presença definitiva do homem da cidade até a margem do Rio Negro, numa grande faixa de terra onde a mata deixou de existir e o progresso já chegou” (Manchete, 30/11/1968, p. 110). Em 1972 o Distrito Industrial recebeu sua primeira indústria, a CIA – Companhia Industrial Amazonense. Ocupando uma área de 45.416 m², produzia boa parte do estanho e das ligas metálicas consumidas no Brasil.

O artigo 42 do Decreto-Lei n° 288 determinou que as isenções da Zona Franca vigorariam por 30 anos, indo até 1997, podendo ser prorrogadas por decreto do Poder Executivo. A primeira prorrogação ocorreu em 1986, por 10 anos, vigorando até 1997. Em seguida, em 1988, a Zona Franca foi prorrogada por mais 25 anos, até 2013. Em 2003 ocorre nova prorrogação, de mais 10 anos, garantindo os incentivos até 2023. A última foi decretada em 2014, por mais 50 anos, até 2073 (COSTA, José Alberto Machado da; PONTES, Rosa Oliveira de. Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo e agenda de aperfeiçoamento, p. 227 In: SILVA, Osíris M. A. da. HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Pan-Amazônia: Visão histórica, perspectivas de integração e crescimento. Manaus, 2016, p. 221-267).

Entre 1975 e 1976, o Governo Federal implementou na Zona Franca o Índice Mínimo de Nacionalização. As empresas sediadas na Zona Franca estavam autorizadas a importar apenas peças, componentes e matérias-primas que não eram produzidas no mercado interno, sendo o restante adquirido localmente. Também foi imposto um limite anual de importação. A liberdade de importação foi restringida, mas o mercado interno foi estimulado. No Governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) o mercado brasileiro foi aberto às importações, cujas tarifas eram extremamente baixas. A Zona Franca, desde 1975 vinha nacionalizando sua produção, se viu diante de uma concorrência desigual, pois os produtos nacionais, dadas as tarifas e carências tecnológicas, passaram a ser menos visados que os importados. A diminuição da competitividade foi superada no final da década de 1990 e início dos anos 2000 com medidas como a redução de 88% do Imposto de Importação, a implantação de normas técnicas de qualidade, automação das fábricas, reestruturação fabril, criação do Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Polo Industrial de Manaus e do Centro de Biotecnologia da Amazônia.

Atualmente existem 600 empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus, que geram mais de meio milhão de empregos diretos e indiretos. Esse modelo econômico, que completa 54 anos, segue sendo o sustentáculo não só do Amazonas, mas da região Norte como um todo, seja no comércio, na indústria ou na agropecuária.

sábado, 10 de agosto de 2019

A tartaruga na economia amazonense (séculos XVIII e XIX)

Pesca das tartarugas. FONTE: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá/Biblioteca Digital Luso-Brasileira.

A tartaruga, no passado remoto do Amazonas, foi um dos principais produtos da economia local. Antes que a borracha suplantasse, ainda nos tempos da Província, outras atividades, a tartaruga e seus derivados figuravam entre os principais produtos de exportação. O sabor inigualável de sua carne, dos ovos e os usos de sua gordura a tornavam um produto bastante visado. 

Em viagem de correição das povoações da Capitania de São José do Rio Negro entre 1774 e 1775, o Ouvidor e Intendente Geral Francisco Xavier Ribeiro Sampaio, em seu diário, registrou os usos da tartaruga pelas populações, da captura aos preparos:

"No tempo, em que as tartarugas estão nas praias, he que se faz o maior provimento, porque se lança mão dellas, e se virão com as costas para a terra, ficando assim impossibilitadas a moverem-se, e se carregão para as embarcações.

Os ovos não só servem para se comerem, mas tambem delles se fabrica o azeite, ou manteiga, que constitue hum importante ramo do commercio entre as capitanias do Pará, e Rio Negro. Este azeite se purifica ao fogo. Das banhas da tartaruga se extrahe tambem outra manteiga, que he na verdade excellente. Em fim a tartaruga he sadia, nutritiva, e de facil digestão. Os indios a preferem a todo o outro genero de comida, e os nossos europeos, costumados a ella, lhe dão a mesma preferencia". (SAMPAIO, 1825, p. 86).


No final do século XVIII, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) notou que, na Capitania de São José do Rio Negro, assim como em toda a região amazônica, a tartaruga era vital para os indígenas e os habitantes brancos. Sua carne substituía a rarefeita presença de gado (FERREIRA, 2005, p. 237). O governo da Capitania mantinha canoas utilizadas na condução de tartarugas dos pesqueiros, que além da população civil, também abasteciam as tropas de guarnição.

Apesar de fazer parte da economia da Capitania, a captura de tartarugas era feita de forma bastante irregular, pois muitas delas morriam ou se perdiam no processo, conforme registrado por Ferreira:

"[...] 2.896 que entraram no ano passado para o curral da capitania, morreram 1.600, que se não aproveitaram. No de 1784 entraram 2.710 e morreram 1.217. No de 1783 entraram 2.892 e morrerem 833. E por este modo vem cada tartaruga a importar em um preço que por nenhum título se acomoda com a razão e com a economia". (FERREIRA, 2005, p. 245).

Alexandre Rodrigues Ferreira produziu um interessante registro iconográfico sobre o recolhimento dos ovos de tartaruga e o preparo e engarrafamento da manteiga.

Recolhimento dos ovos de tartaruga e preparo da manteiga. FONTE: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Acervo de Antonio José Souto Loureiro.

A economia gerada em torno da tartaruga era altamente predatória, como registrou Alexandre Rodrigues Ferreira. Estima-se que para produzir um galão com o óleo eram necessários 2000 ovos. Em uma época de bom recolhimento os indígenas chegavam a produzir 2000 potes do produto (totalizando 4 milhões de ovos), comercializados nas capitanias de São José do Rio Negro e Grão Pará.

Mais de um século depois, por volta de 1849 o viajante e naturalista britânico Alfred Russel Wallace, em viagem pelos rios Amazonas e Rio Negro, experimentou diferentes pratos feitos com tartaruga, de omeletes a carne guisada. Wallace notou que a tartaruga era o principal réptil da região:

"Dos seus ovos prepara-se excelente óleo. A maior e mais abundante é a grande tartaruga do Amazonas, ou a jurará dos índios. Atinge ao comprimento de 3 pés e tem o casco oval, um tanto achatado, de cor escura e inteiramente liso. É encontrada abundantemente em todas as águas do Amazonas, e na maior parte dos lugares é o alimento comum dos habitantes". (WALLACE, 2004. p. 563).

Wallace nos informa que as tartarugas, no mês de setembro, logo após a descida dos níveis dos rios, depositavam seus ovos nos bancos de areia que se formavam, fazendo buracos profundos. Os indígenas, conhecedores há séculos dessa periodicidade, ia às praias, recolhendo milhares de ovos. Wallace nos descreve o processo de preparo do óleo, seus usos e consequências:

"Enchem as suas canoas com os ovos que, em seguida, dentro da própria canoa, são quebrados e misturados a um só tempo. O óleo sobrenada, e, em seguida, é escumado e cozido, sendo guardado, depois dessa operação, a fim de ser usado para a iluminação ou culinariamente. Destroem-se assim, anualmente, milhões de ovos. Em conseqüência dessa devastação, estão-se tornando cada vez mais raras as tartarugas grandes do Amazonas". (WALLACE, 2004, p. 563).

Os indígenas capturavam as tartarugas com anzol, rede ou flechadas, sendo o último método o mais utilizado. As estimativas de Wallace da quantidade de ovos empregados na produção de óleo são maiores que as de Alexandre Rodrigues, levando-se em conta, claro, o espaço de tempo que separa os escritos de cada um:

"Nas praias mais extensas, chega-se a produzir dois mil potes de óleo por ano. Cada pote contém 5 galões, e são necessários cerca de 2.500 ovos para cada pote, o que dá a cifra de 5.000.000 de ovos destruídos em uma só localidade". (WALLACE, 2004, p. 563).

A captura desenfreada de tartarugas e o uso desmedido de seus ovos, denunciadas por Alexandre Rodrigues Ferreira no século XVIII, já mostravam seus efeitos na segunda metade do século XIX. Wallace notou que as tartarugas começavam a se tornar cada vez mais raras. Isso refletia no preço que o animal e seus derivados atingiam nas cidades. Em Manaus, por volta de 1859, D. Lourença de Barros França vendia o pote de manteiga de ovos de tartaruga a 9 mil réis (ESTRELLA DO AMAZONAS, 01/01/1859). 

A Província do Amazonas tinha uma arrecadação significativa com a exportação de tartarugas. No ano de 1858 foram cobrados mil réis por cada uma que foi exportada (ESTRELLA DO AMAZONAS, 10/03/1858). Em 27 de dezembro de 1870, o paquete a vapor Belém saiu de Manaus com uma carga de 295 latas e 57 potes de manteiga de tartaruga com destino ao Pará (COMÉRCIO DO AMAZONAS, 31/12/1870).

O óleo de tartaruga era empregado na iluminação das vilas e cidades. O historiador Otoni Moreira Mesquita afirma que o viajante e naturalista alemão Johann Baptist von Spix, em 1819, "notou que o óleo de tartaruga de "pior qualidade" era empregado em lâmpadas, como azeite de iluminação" (SPIX apud MESQUITA, 2006, p. 106). A iluminação não era das melhores, pois eram frequentes as queixas de administradores e da população, que a partir das 18 horas encontravam-se em uma quase completa escuridão, não fossem alguns poucos focos de iluminação com óleo de tartaruga ou de peixe-boi. Objetos também eram confeccionados com seus ossos e casco. Em 1864 o Centro Comercial Amazonense, do 'Teixeira Barateiro', anunciava que tinha para vender "[...] pentes de tartaruga para senhoras, um rico sortimento de obras de tartaruga malhetadas a ouro: como seja grampos para cabellos, pentes, alfinetes para peito, fivellas para cinto, botões para punhos & tudo obras de gostos admiraveis" (O CATEQUISTA, 23/01/1864).

Nesse período as autoridades locais começaram a condenar a forma como a tartaruga era explorada, de forma altamente predatória e danosa ao meio ambiente. Manoel Gomes Corrêa de Miranda, 1° Vice-Presidente da Província do Amazonas, sancionou a Lei N° 102, de 08 de Julho de 1859, sobre a viração, captura e pesca de tartarugas e pirarucus. Sobre as tartarugas, ficou estabelecido nos incisos 1° e 2° do Artigo 1:

"Art. 1°. Fica prohibido em toda a Provincia:

§ 1°. A condução de tartarugas em canôas ou jangadas de modo que fiquem apinhoadas ou cavalgadas uma sobre as outras, e por isso em numero maior de uma por cada 4 arrobas, que lotar a conoa, ou de treze por cada tonellada. Os infractores soffrerão a multa de 1.000 reis, ou meio dia de prisão, por cada tartaruga excedente do numero fixado por arrobas ou tonelladas.

Fica sujeito ao dobro d'estas penas, por cada tartaruga todo aquelle que as conservarem em curraes ou depositos, em espaço menor de quatro palmos.

§ 2°. A' viração ou frechação das tartarugas, durante a epocha da desovação, que deve contar-se dez dias antes de principiarem ellas a reunirem-se em cada praia ou localidade, com a pena de tres mil reis, ou dia e meio de prisão á cada pessoa emprega n'este serviço, e de 1.000 reis, ou meio dia de prisão por cada tartaruga virada, ou frechada". (ESTRELLA DO AMAZONAS, 10/09/1859).

Apesar da proibição, a captura desmedida de tartarugas e o recolhimento de seus ovos continuou. Três anos depois, em 1862, o Presidente da Província do Amazonas Manoel Clementino Carneiro da Cunha chamou de "desenfreada orgia" a forma como os ovos continuavam a ser recolhidos e esmagados:

"E' revoltante o que se pratica nas praias depois que as tartarugas ali sobem para depositarem os ovos! Para as mulheres começa o trabalho, para os homens a mais desenfreada orgia, segundo o que se me informa. Milhares de milhares de ovos, desses germens de uma futura e abundante riquesa, permitta-se-me a expressão, são safrificados á voracidade dessas aves de rapina, para o fabrico da manteiga" (AMAZONAS, 1862, p. 50).

Falando sobre a produção de azeites na Província, Manoel Clementino Carneiro da Cunha informa que, se ela fosse aperfeiçoada, traria grandes benefícios. No entanto, ela permanecia

"[...] no seu estado de irregularidade, e imperfeição primitivas, tornando-se antes um elemento de damno do que de utilidade para a Provincia, que vê todos os annos a grande perda que por ahi vai em suas praias, de immensos ovos de tartarugas estragados brutalmente no emprego que delles fazem sem methodo, e sem proporção no fabrico do azeite resultando desse estrago soffrer a população falta, de abastança de tartarugas, de que faz a sua alimentação ordinaria; e isso sem que ao menos uma vantagem, ou uma utilidade real, e conveniente, resulte dessa manipulação, que indemnise, ou que compense esse prejuiso". (AMAZONAS, 1862, p. 55).

Apesar das críticas e alertas feitos pelos viajantes nos séculos XVIII e XIX e, mais tarde, pelos administradores públicos locais, e das proibições, a tartaruga continuaria sendo explorada comercialmente de forma predatória por pelo menos mais de um século. 


FONTES:

Estrella do Amazonas, 10/03/1858.

Estrella do Amazonas, 01/01/1859.

Estrella do Amazonas, 10/09/1859.

AMAZONAS. Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da provincia do Amazonas pelo exm.o senr. dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha, presidente da mesma provincia, na sessão ordinaria de 3 de maio de 1862.

Commercio do Amazonas, 31/12/1870.

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de São José do Rio Negro com a Informação do Estado Presente. CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos. Diários, p. 209-350, 22/10/2005.

MESQUITA, Otoni Moreira. Manaus: História e Arquitetura - 1852-1910. 3° ed. Manaus: Editora Valer, Prefeitura de Manaus e Uninorte, 2006.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825. (Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin).

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,  2004.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Biblioteca Digital Luso-Brasileira.

Acervo de Antonio José Souto Loureiro.


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Neocolonialismo e Guerra como "esperanças" de crescimento da Amazônia no pós-crise da borracha

Vila Operária de Fordlândia, às margens do rio Tapajós, no Pará, em 1933.

Na década de 20 do século passado, Europa e Estados Unidos controlavam boa parte dos países da África, Ásia, Oceania, Oriente Médio e América. A Amazônia foi economicamente controlada, por 30 anos, por agentes do capital estrangeiro. No entanto, uma dominação completa, característica do neocolonialismo (dominação política e econômica), surgiria na região, mais especificamente no Tapajós (PA) a partir do final dos anos 20.

Henry Ford, grande empresário da indústria automobilística do início do século XX, buscava a autossuficiência de matérias-primas para suas indústrias. Não só Henry, mas um grande número de empresários americanos voltariam a depender da borracha brasileira. Durante a Primeira Guerra, o comércio europeu se tornou instável, agravado que fora pelo bloqueio marítimo alemão. A Inglaterra, que detinha o monopólio da borracha, viu os estoques acumularem e os preços caírem. Visando garantir preços estáveis e impedir a acumulação do produto durante o pós-guerra, o país adotou, a partir de 1923, o Plano Stevenson, que, basicamente, passa a limitar a cota de cada produtor inglês.

Com menos matéria-prima no mercado e os preços novamente favoráveis aos ingleses, os grandes fabricantes americanos de pneus foram os mais prejudicados. Como reação, as grandes companhias da época (Goodyear, Firestone e Ford) passaram a buscar diferentes locais, da América à África, para implantar seus próprios seringais.

José Custódio Alves de Lima, cônsul geral do Brasil nos Estados Unidos, depois de saber do interesse do empresário em criar um seringal em Everglades, na Flórida, lhe sugeriu a Amazônia como local de implantação para seu projeto. José Custódio, em contato com Dionísio Bentes, governador do Pará, facilitou para Ford a aquisição de um milhão de hectares no Tapajós. A Companhia Ford, através de contrato firmado com o governo do Estado do Pará em 03/01/1927, tinha o direito à exploração das terras, dos minerais e de outras matérias-primas nela encontradas; de realizar a navegação nos rios Tapajós e Amazonas; construir estradas, armazéns, fábricas, criar núcleos de povoação, escolas, linhas de comunicação etc, sem necessidade do aval de qualquer autoridade. Poderia criar sua própria relação política, sem intervenção do governo. Estava, também, isenta de qualquer imposto pelo prazo de 50 anos. Surgiu um território americano na Amazônia, independente do Brasil, gerido por uma empresa privada.

Antigos trabalhadores das cidades do interior, dos seringais e de outras atividades atingidas pela grande crise, passaram a se dirigir à região que ficou conhecida como Fordlândia. Xingu, Madeira, Purus, Acre, Solimões, Guaporé e Jutaí foram os maiores “fornecedores” de mão de obra. Essas pessoas, acostumadas com um tradicional sistema de trabalho comandado pelo aviamento e pela rigidez do seringalista, pela primeira vez venderiam suas forças de trabalho através de um sistema de contrato. O funcionário recebia da Companhia uma chapa de alumínio, com seu número de identificação e tipo de serviço, pelo valor de dez mil réis. Através dessa chapa eram controladas as faltas, as licenças para tratamentos médicos, pagamentos de férias e transferências.

O regime de trabalho era pesado, indo de 7 da manhã à 17 da tarde, com direito a uma hora de intervalo. Relógios e sirenes ditavam o início e o fim do dia. Nos Estados Unidos vigorava a Lei Seca, que proibia o consumo de bebidas alcoólicas em todo o território. Henry Ford, com apoio do governo paraense, implantou a medida em Fordlândia, onde já existia um considerável número de bares e casas de diversão. Para escapar da rigidez da fiscalização, à mesma maneira que nos Estados Unidos, surgiu um intenso movimento de contrabando de bebidas. Nos barracões onde eram feitas as refeições dos funcionários de patentes mais baixas, peixe e farinha eram substituídos por pão e espinafre, e servidos em bandejas padronizadas. A imposição dessas mudanças, nos anos 1930, fez surgir movimentos de greve radicais, com a destruição de galpões, tomada de usinas e refeitórios.

Os funcionários americanos abandonaram Fordlândia. Foi preciso a intervenção de forças policiais para o fim do movimento. Mas, antes mesmo de qualquer revolta, essa concessão já não mostrava os resultados esperados:

A grande distância do porto de Santarém, dificultando a comunicação e o abastecimento comercial, a reduzida força de trabalho, a não seletividade das mudas e sementes de seringueiras e a topografia do local, bastante acidentada, representavam um entrave para a lucratividade da empresa¹.

Soma-se ao fracasso técnico a doença do mal das folhas, que atacava a árvore da seringueira e reduzia a produção do látex. Com o fracasso da primeira concessão de terra, a Ford permutou com o governo uma parte de Fordlândia por outra, dessa vez Belterra, distante 30 milhas de Santarém. Da mesma forma que na primeira, Belterra recebeu todos os aparatos necessários para seu funcionamento: escolas, hospitais, vilas, instalações industriais, um porto e estradas. Os antigos trabalhadores de Fordlândia foram transferidos para Belterra, e também foram realizadas novas contratações. Esse, que parecia ser o emprego dos sonhos, mostrava sua face mais cruel com a política da empresa para com os funcionários. Um anúncio da companhia em 1943, publicado em O Jornal de Santarém², oferecia 9 cruzeiros por dia para homens e 6 para mulheres. As crianças, que já eram aceitas a partir dos 7 anos, ganhava 0, 50 por hora de serviço. Os fiscais estavam sempre atentos aos afazeres dos funcionários. Por menor que fosse o erro, o trabalhador era expulso da companhia sem o direito de tentar se explicar. Esses problemas, a baixa produtividade das plantações e a invenção da borracha sintética buna, mais barata que a natural, deram fim ao projeto, que durou de 1927 até 1945.

Entre 1942 e 1945, o Amazonas se viu inserido no conflito mundial. Em 1941, o Japão atacou bases Aliadas americanas e britânicas no Pacífico, dominando logo depois as colônias asiáticas produtoras de borracha. Sem acesso a essa matéria-prima, útil à indústria bélica e manufatureira, os Aliados voltaram suas atenções para o Amazonas. Em 1942, navios brasileiros foram torpedeados pelos alemães, o que fez o país declarar guerra ao Eixo.

O Amazonas, através de acordos firmados entre o Brasil e os Aliados, entrou no conflito como fornecedor de borracha. Mais uma vez ocorreria um surto de imigração nordestina para a Amazônia. Através dos “Acordos de Washington”, ficou estabelecido que os Estados Unidos investiriam no financiamento da produção de borracha na Amazônia, enquanto que o governo brasileiro se encarregaria de recrutar o maior contingente possível de trabalhadores. Estima-se que, entre 1942 e 1945, o governo conseguiu enviar do Nordeste, que passaram por uma terrível seca, cerca de 60.000 retirantes para a região Norte. O sistema de trabalho dos seringueiros continuava sendo o mesmo do início do século: em situação de semi escravidão, preso ao aviamento como devedor de um sistema cíclico. O governo norte-americano ficou de pagar 100$ por trabalhador instalado nos seringais. Manaus se tornou uma das subsedes da Rubber Development Company, órgão criado para administrar os serviços no Estado. A exportação da borracha, a circulação monetária, a construção de um aeroporto, os investimentos na capital e a especulação imobiliária criaram um momento de recuperação.

Enquanto o conflito ia se encaminhando e delineando o mapa político do mundo, os amazonenses e paraenses, inflados pelas propagandas do governo de Getúlio Vargas, mergulhavam, às de vezes de forma violenta, em um sentimento patriótico. Há registros, em Manaus, da malhação de bonecos de Judas como o nome ‘Xitler’, uma paródia com o nome do ditador alemão Adolf Hitler. Na Vila de Tomé-Açú, no Pará, foi construído um campo de concentração que chegou a receber 480 famílias japonesas, 32 alemãs e algumas italianas, tanto do próprio Estado quanto do Amazonas. Essas famílias, em Manaus e Belém, sofriam perseguição, tinham seus estabelecimentos e residências depredados pelo simples fato de virem dos países que formavam o Eixo.

Esse pequeno surto de desenvolvimento, de patriotismo, teve fim com a Segunda Guerra. O antigo mercado asiático estava novamente aberto, novas técnicas aperfeiçoaram o uso de borracha sintética. Já não existia mais a necessidade da borracha amazônica. O conflito acabara e, com ele

as esperanças de tirar a região do abismo sem fim do subdesenvolvimento. Os planos de desenvolvimento concebidos nos “Acordos” foram abandonados, as verbas indenizatórias dos trabalhadores foram descaminhadas, as estruturas do atraso não foram rompidas e tudo voltou como dantes. As atenções do governo federal agora são para as regiões Sul-Sudeste, por estas apresentarem mais condições de dinamismo econômico. A Amazônia vai ser mesmo esquecida do resto da nação por muito tempo³.

A Amazônia se viu novamente abandonada. O capital estrangeiro, depois de mais de 40 décadas conseguindo alguns resultados satisfatórios, foi direcionado para mercados mais estáveis. Em socorro à região, a nova Constituição de 1946, no artigo 199, de autoria do deputado federal Leopoldo Péres, instituiu que a União destinaria 3% de sua arrecadação para financiar o Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Em 1953 foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que visava o desenvolvimento da agricultura, da extração mineral e da pecuária. Por falta de estrutura, principalmente de estradas, o plano não vingou. A construção da estrada Belém-Brasília, em 1958, atraiu o capital de grandes indústrias que passaram a funcionar no Pará. Em 1966 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), que criou incentivos fiscais para empresas nacionais e estrangeiras se instalarem na região. O resultado desse programa foi a criação da Zona Franca de Manaus, zona de livre comércio.


NOTAS:

¹ AMORIM, Antônia Terezinha dos Santos. A Dominação norte-americana no Tapajós – A Companhia FORD Industrial do Brasil. Câmara Municipal de Santarém, Santarém (PA), 1995, p. 44.
² Ibidem, p. 108.
³ FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. Manaus nos anos 40 (II): A Segunda Guerra Mundial. 24/10/2015. Disponível em: http://historiainte.blogspot.com.br/2015/10/manaus-nos-anos-40-ii-segunda-guerra.html Acesso em 17/03/2017.


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Colin Mcphearson/Corbis/Latinstock - Rede Brasil Atual

quinta-feira, 1 de junho de 2017

A transição do Feudalismo para o Capitalismo: O debate de Paul Sweezy e Maurice Dobb

Paul Sweezy (1910-2004) e Maurice Dobb (1900-1976).

Paul Sweezy (1910-2004) foi um economista marxista norte-americano, teórico do neomarxismo do imperialismo e da teoria da dependência. Maurice Dobb (1900-1976) foi um economista marxista britânico, crítico da economia planificada socialista.

Paul Sweezy e Maurice Dobb foram dois autores da corrente marxista que se notabilizaram por seus debates acadêmicos em torno da transição do Feudalismo para o Capitalismo, envolvendo questões como a conceituação desse período; a relação da servidão com o Feudalismo e o impacto do comércio no modo de produção feudal. O debate, conhecido como Debate de Transição, pode ser lido em maior profundidade no livro A transição do feudalismo ao capitalismo (1977, Rio de Janeiro, Paz e Terra), organizado por Sweezy com a participação dos autores Rodney Hilton, Maurice Dobb, Kohachiro Takahashi, Georges Lefebvre, Christopher Hill, Giuliano Procacci, Eric Hobsbawm e John Merrington.

De acordo com Paul Sweezy, Dobb define o Feudalismo como "uma servidão na qual o produtor é obrigado mediante o uso da força, independente de suas vontades, de forma a cumprir as exigências econômicas do senhor, exigências que poderiam ser a prestação de serviços ou tributos a serem pagos em dinheiro ou espécie" (SWEEZY, 1977, p. 33). Ao não identificar um "sistema de produção", essa ideia é considerada falha por Sweezy. Esse autor afirma que a servidão não é restrita ao sistema feudal, e que esta pode ser verificada "em diferentes formas de organização econômica em diferentes épocas e em diferentes regiões" (SWEEZY, 1977, p. 33). 

Sweezy afirma que Dobb não define um sistema social, mas uma família dele com foco na servidão. Sweezy sugere que Dobb identifique qual membro dessa família está sendo estudado. Escolher um "membro" parece ser uma forma de evitar generalizações.

Em sua réplica, Maurice Dobb aponta suas discordâncias com Sweezy. Dobb rejeita as primeiras críticas de Sweezy, afirmando que a servidão não está ligada apenas à prestação de serviços compulsórios, "mas à exploração do produtor mediante coação direta político-legal" (SWEEZY, 1977, p. 57). Afirma ainda que, quando Sweezy diz que não houve a identificação de um sistema de produção, este pretende analisar a relação entre produtor e mercado. 

Enquanto Sweezy busca um sistema de produção, Dobb identifica pequenos modos de produção, "no qual o produtor possui os meios de produção, na qualidade de unidade produtora individual" (SWEEZY, 1977, p. 58).

Sobre o impacto do comércio como elemento desestabilizador do "modo de produção feudal", Sweezy defende a tese de que forças externas, o mercado e o comércio, desintegraram o feudalismo, na medida em que centros de comércio passaram a se racionalizar e dividir o trabalho, se opondo "à ineficiência da organização senhorial da produção" (SWEEZY, 1977, p. 42).

Maurice Dobb, por outro lado, defende a tese de que houve uma interação entre duas forças, dando maior ênfase, no entanto, às forças internas. Dobb não nega que o crescimento das cidades mercantis e do comércio influenciaram na desintegração do modo de produção feudal, mas afirma que essa influência refletiu no aumento dos conflitos internos. Por exemplo, como cita Dobb, o crescimento do comércio "acelerou o processo de diferenciação social no pequeno modo de produção" (SWEEZY, 1977, p. 60).

Tese de Sweezy: O economista norte-americano defende que o fator central para a dissolução do Feudalismo e a ascensão do Capitalismo foi a expansão comercial ocorrida entre os séculos XI e XIV, um elemento externo a esse sistema. Essa expansão do comércio impulsionou a produção para a troca, em oposição a produção feudal voltada para o uso. O comércio estimulou o surgimento das cidades, que se tornaram pólos de produção racionalizada e de atração para os servos do campo.

Tese de Dobb: Para o economista inglês Dobb, o fator central da desintegração do Feudalismo foi interno, sendo a pressão dos senhores sobre os servos e os conflitos de classe entre dominadores e dominados suas principais causas.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Monthly Review
Spartacus Educational

terça-feira, 14 de julho de 2015

O Modo de Produção Asiático

Lavoura – Pintura na tumba de Sennedjem.

O Modo de Produção Asiático, termo cunhado por Karl Marx, refere-se ao modo de produção das sociedades do Antigo Oriente Próximo. Temos aí civilizações que floresceram na região do Mar Mediterrâneo e também entre os rios Tigre e Eufrates. O Egito e a Mesopotâmia são os exemplos mais clássicos. O período em que se observa esse modo de produção vai de 4000 a.C. a 3.500 a. C.

Nessa época, o homem, graças ao domínio da agricultura e de outras técnicas de trabalho, já havia passado do nomadismo para o sedentarismo, fixando-se permanentemente em uma região, geralmente próximo à um rio, criando aglomerados urbanos que mais tarde deram origem às cidades-estados.

A economia dessas civilizações era predominantemente agrária. As terras cultivadas pertenciam ao Estado, representado pela figura de um monarca, considerado representante divino na terra. Esse monarca passou a dominar as terras por meio da força. Para poder exercerem suas atividades, os agricultores entregavam ao monarca tributos, formados pelo excedente da produção agrícola. Esse excedente era então dividido entre a nobreza, funcionários de alta patente e sacerdotes.

Esses agricultores estavam em um regime de servidão coletiva, pois para tirar seu sustento da terra, deveria submeter-se ao pagamento dessa "taxa". Além desses tributos, esses trabalhadores também eram deslocados para a construção de canais e irrigação e monumentos.

Antes de se tornar sedentário e mais complexo, o homem vivia em comunidades tribais divididas em caçadores (homens) e coletores (mulheres), onde os alimentos adquiridos eram distribuídos de forma igualitária entre os componentes da comunidade.

No Modo de Produção Asiático, temos grandes comunidades agrícolas sedentárias submetidas à um poder centralizador, o monarca (Estado), que se apropria do excedente de produção - Despotismo Oriental -  e marcada pela divisão social entre dominadores e dominados. Além da força e da religião, o Estado utilizava como instrumento de dominação a escrita, destinada à um pequeno grupo de funcionários públicos que controlavam a produção e recolhiam os tributos.

O nome "Modo de Produção Asiático" é uma referência à observação feita por Karl Marx, que registrou que, em alguns países da Ásia do século XIX, ainda existia uma economia dominada por um chefe tribal, em oposição ao liberalismo econômico da Europa.

Em síntese, podemos entender o Modo de Produção Asiático como uma forma de economia do Antigo Mundo Oriental marcada por forte intervenção estatal, quase inexistência de propriedade privada e pelo surgimento das divisões de classes.


CRÉDITO DA IMAGEM: antigoegito.org



segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A febre do ouro no Brasil: o Ciclo da mineração

Mapa das Minas Gerais, século 18.

Desde o início das Grandes Navegações, ouro e pedras preciosas atiçavam a imaginação dos europeus, que esperavam encontrar nos territórios descobertos grandes riquezas como as do lendário reino de El Dorado, em algum lugar das Américas ;e as do reino do cristão Preste João, inicialmente citado na Ásia e mais tarde na África.

No Brasil, as primeiras notícias sobre a existência de ouro surgem na época do descobrimento, em 1500, quando os europeus tiveram os primeiros contatos com os nativos que aqui viviam. Isso ficou registrado na Carta a El-Rei D. Manuel, de autoria do escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha.

"O Capitão, quando eles vieram (índios), estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço [...] um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro." - (Carta de Pero Vaz de Caminha).

Várias foram as tentativas do reino de Portugal de encontrar ouro no Brasil. Foram organizadas inúmeras entradas, expedições organizadas e financiadas pela coroa, e bandeiras, expedições organizadas por particulares, para desbravar o interior em busca de minas. Enquanto isso, os espanhóis saqueavam os metais preciosos dos povos do México e do Peru, e também descobriam minas de ouro e prata. No Brasil, o ouro foi descoberto por bandeirantes paulistas no final do século 17.

"Em 1693, Antônio Rodrigues de Arzão descobriu ouro em Cataguases, atual estado de Minas Gerais; pouco depois, em 1698, Antônio Dias Oliveira descobriu ouro em Vila Rica, atual Ouro Preto; e, em 1700, foi a vez de Borba Gato achar ouro em Sabará. [...] em 1719, Pascoal Moreira Cabral descobriu ouro em Cuiabá e, em 1722, Bartolomeu Bueno Filho achou riquezas em Goiás" - (VICENTINO e DORIGO, 1997, p. 128).

Em 1729 foram descobertos diamantes no Arraial do Tijuco, atual Diamantina, em Minas Gerais. Inicialmente, as minas de diamante foram entregues para particulares, chamados contratadores e, mais tarde, o próprio governo português assumiu a exploração diamantífera.


Mineração de Diamante. Pintura de Carlos Julião.

Essas descobertas causaram uma grande migração de brasileiros e estrangeiros para as regiões das minas, Goiás e Mato Grosso,  que buscavam enriquecer com a mineração. No país, a população passou de 300 mil habitantes no final do século 17, para 3.300.000 mil no final do século 18. Com a mineração como principal atividade econômica e o solo pouco fértil, a agricultura e a criação de animais ficavam de lado, o que acabava gerando a falta de alimentos nessas áreas.

"A mineração produziu uma rápida concentração de populações em zonas pouco férteis, provocando uma grande procura de alimentação e crises terríveis de fome. Como solução, os mineradores de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais passaram a ser abastecidos com reses dos criadores do vale do São Francisco e sertões do Nordeste." (SIMONSEN, 1937, p. 239).

A mão de obra utilizada na mineração era escrava africana. Para o Brasil vieram dois grupos: os bantos e os sudaneses. Se dirigiram para Minas e a região Centro Oeste os sudaneses, negros fortes, altos e de elevado nível cultural. Foram de grande importância nesse ciclo econômico, pois traziam de seu continente séculos de experiência em mineração, tanto é que eram conhecidos como escravos britadores.

A "febre do ouro" foi responsável por conflitos nas Minas Gerais. A região atraiu colonos de vários cantos do país, que não eram bem recebidos pelos paulistas, os descobridores do ouro na região. Os paulistas apelidaram essas pessoas de Emboabas, que significa estrangeiro. Nesse confronto morreram centenas de emboabas e paulistas. O governo português interveio e separou a capitania de São Paulo e Minas Gerais da capitania do Rio de Janeiro. A criação das Casas de Fundição em 1720 e a cobrança de impostos motivou a revolta de Vila Rica, liderada por Filipe dos Santos, no mesmo ano. A revolta foi reprimida pelas autoridades e Filipe do Santos enforcado e esquartejado.


Vila Rica, 1820. Arnaud Julien Pallière.

O ouro propiciou o surgimento de núcleos urbanos como Vila Rica, São João Del Rey, Congonhas do Campo e Pirenópolis. A sociedade colonial se tornou mais diversificada, com mineradores, comerciantes, artesãos, tropeiros e advogados. As possibilidades ascensão social eram maiores. O eixo econômico e administrativo da Colônia, localizado até então na mais populosa e rica região, o Nordeste, mudou para a região Centro-Sul. Estradas foram abertas, cidades foram interligadas e surge pela primeira vez um mercado interno.

"Em 1763, por causa sobretudo de sua proximidade com as lavras de ouro, o Rio de Janeiro substituiu Salvador como capital da colônia, uma mudança que afetaria para sempre o Brasil. Ao escoar para a Europa a maior parte do metal precioso da colônia e, no sentido inverso, receber boa parte dos escravos e produtos destinados às lavras, o porto do Rio de Janeiro se tornou o mais importante da América Portuguesa." (FIGUEIREDO, 2012, p. 236)

Os filhos dos mais ricos iam estudar na Europa, e acabavam trazendo da viajem ideais iluministas, que mais tarde influenciariam várias revoltas no país. Nesse período, as artes, música, literatura, pintura e arquitetura se tornam mais refinadas, como fica evidente nas inúmeras igrejas barrocas e casarões construídos em Minas Gerais,  na composição de músicas sacras e nas obras arcadistas de Tomás Antônio Gonzaga  e Cláudio Manuel da Costa.

O conjunto de artistas mais atuante e criativo do Brasil no século XVIII era formado por dezenas de entalhadores, escultores, pintores e douradores [...]. Além de propiciar a aparição de uma fina escola de arquitetura e artes plásticas, a corrida do ouro estimulou o surgimento do movimento musical de expressão mais elevada nas Américas [...]. A literatura e a poesia fecham o rol dos subprodutos culturais da corrida do ouro. [...] A expressão máxima desse movimento foi o poeta Cláudio Manuel da Costa. (FIGUEIREDO, 2012, p. 234, 235)


Interior da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Fernando Piancastelli.

O ouro brasileiro também serviu para aliviar as dívidas portuguesas, em sua maioria com a Inglaterra. O Tratado de Methuen, firmado entre os dois países em 1703, estabelecia que Portugal comprasse tecidos ingleses, enquanto a Inglaterra comprava vinhos portugueses. Os tecidos ingleses tinham um valor muito mais elevado que os vinhos lusitanos.

"Os metais preciosos realizaram assim um circuito triangular: uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas; outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750), em especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco Palácio-Convento de Mafra; a terceira parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãos britânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra." (FAUSTO, 2001, p. 49, 50) 

Portugal, visando a maior arrecadação de lucros, criou mecanismos de distribuição de terras, fiscalização e cobrança sobre o ouro extraído das minas. Em 1702 foi criada a Intendência das Minas, órgãos presentes nas regiões mineradoras, cuja função era a distribuição de terras para a extração de ouro, a fiscalização e a cobrança de impostos sobre o metal extraído. Para evitar o contrabando, foi proibida a circulação de ouro em pó e em pepitas e, em 1720, foram criadas as Casas de Fundição, locais onde o ouro extraído era derretido e transformado em barras.

"O imposto cobrado pela Coroa Portuguesa sobre todo o ouro encontrado em suas colônias correspondia a 20% , ou seja, 1/5 (um quinto) do metal extraído que era registrado em "certificados de recolhimento" pelas casas de fundição. Este absurdo e altíssimo imposto, foi intitulado "O Quinto". [...] A Coroa Portuguesa quis, em determinado momento, cobrar os "quintos atrasados" de uma única vez, no episódio que ficou marcado em nossa história como "A Derrama". [...] Afonso Sardinha, em seu testamento declarou que guardava o ouro em pó em vasos de barro. Outro uso comum era o de imagens sacras ocas para esconder o ouro, daí a expressão "santo do pau oco". "(Reinaldo Luiz Lunelli)


Aos poucos as jazidas foram se esgotando, já que a extração era intensa e não possuía planejamento. Na segunda metade do século 18 a produção de ouro começara a cair gradualmente e, para reverter a perda de lucros, a Coroa Portuguesa aumentou os impostos. Esse aumento de impostos e o descontentamento da população, que não conseguia mais pagar o quinto por causa do esgotamento das jazidas, culminou, em 1789, na Inconfidência Mineira. A extração de ouro continuou nas décadas seguintes, mas não na mesma quantidade de antigamente.


FONTES: Carta a El-Rei D. Manuel. Pero Vaz de Caminha. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em 25/10/2014.

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997.

SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500 - 1820. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.

FIGUEIREDO, Lucas. Boa Ventura!: a corrida do ouro no Brasil (1697 - 1810). Rio de Janeiro: Record, 2012.

FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.

Reinaldo Luiz Lunelli. A atualização do Quinto. s.d. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/artigos/atualizacaodoquinto.htm. Acesso em 29/10/2014.


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