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sexta-feira, 25 de março de 2022

Matéria viscosa, matéria vistosa: a escarradeira

Escarradeira de porcelana francesa. FONTE: Leslie Diniz Leilões.

A escarradeira, também conhecida como cuspideira e salivadeira, é um objeto utilizado, como revelam seus nomes, para escarrar e cuspir. Suas origens remontam à Idade Média Oriental. Na China, por exemplo, foram encontradas escarradeiras em tumbas de imperadores que remontam ao século VIII. As intensas trocas comerciais entre o Oriente e o Ocidente, no século XVI, fizeram as escarradeiras se popularizar nas Cortes da Europa - escarrar era um hábito - principalmente durante o apogeu das exportações de tabaco das colônias portuguesas e espanholas na América. Após o tabaco ser mascado, ele era cuspido nesses recipientes. Além desse uso, a escarradeira também era utilizada para fins médicos, com a eliminação de secreções decorrentes de doenças como a gripe e a tuberculose. 

Sua chegada ao Brasil se deu entre fins do século XVIII e início do XIX. Encontramos em jornais do Rio de Janeiro publicados entre as décadas de 1820 e 1840, pessoas anunciando a compra e a venda de escarradeiras. Em 1827, a Chácara Copacabana, do Padre Jacinto Pires Lima, foi furtada por uma quadrilha. Dentre os inúmeros itens subtraídos, consta uma escarradeira (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 30/03/1827, p. 03). Por volta de 1838, uma pessoa anônima, estabelecida na rua do Valongo, comprava objetos de segunda mão. Um dos objetos que procurava, ao lado de uma bacia e jarro de prata, era a escarradeira (O DESPERTADOR, 30/11/1838, p. 04). Em um leilão realizado em 1845 na rua do Ouvidor, foi leiloada uma escarradeira feita de mogno (JORNAL DO COMMERCIO, 20/06/1845, p. 03). O lampista Auguste Daveau, proprietário da loja 'Bule Monstro', anunciava ter para vender em 1859 "escarradeiras de latão e de folha envernizada, ditas hygienicas de patente" (ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA CORTE E PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO, 1859, p. 86).

A escarradeira, que já tinha uma origem ligada a membros do topo da hierarquia social, foi incorporada no Brasil pela nobreza, pela burguesia e pela classe média urbana. As utilizadas por esses segmentos eram feitas de porcelana, de louça, de faiança, de vidro e de madeiras e metais nobres. Eram decoradas com motivos florais, com paisagens bucólicas do campo, figuras de animais e muitas vezes suas formas, sendo mais empregada as do leão, com a representação de seu rosto e suas patas, de forma a lembrar, talvez, as origens orientais. Na geografia doméstica, a escarradeira, que poderia ser uma ou duas, ficava na sala, ao lado das cadeiras e sofás, e também debaixo ou ao lado da cama, junto do urinol. O sociólogo e historiador Gilberto de Mello Freyre registra que elas também eram postas na porta de casa, onde recebiam os visitantes: "Os viajantes estrangeiros que aqui estiveram no fim do século XVIII e no começo do XIX não se cansam de censurar nos brasileiros daquele tempo o mau hábito de viveram cuspindo, as salas cheias de escarradeiras ou cusparadas" (FREYRE, 2013). Os viajantes estrangeiros encontraram escarradeiras aos montes nas casas grandes e nas casas da burguesia e da classe média que começava a se formar em meados de 1800. A arqueóloga e historiadora Tânia Andrade Lima, em estudo sobre a cultura material do Rio de Janeiro do século XIX, afirma que a escarradeira é um objeto que diz muito, assim como outros, da mentalidade burguesa da época e suas práticas sociais:

"Destinados a aparar o excesso de saliva e catarro produzido pelo organismo e também o resultante do hábito de mascar o fumo, esses objetos confirmam a impregnação das mentalidades, à época, pelo humorismo hipocrático. Inusitados para os padrões atuais, atestam a extrema importância que as sociedades que os produziram ou adotaram no século passado atribuíam ao aoto de cuspir, de escarrar, de expelir o que consideravam nocivo ao organismo. Para que esta prática fosse exercida sem qualquer constrangimento, transformaram-na em um ato não apenas socialmente tolerado, mas sobretudo elegante, criando para esta finalidade requintados recipientes destinados a receber os fluidos viscosos" (LIMA, 1996, p. 66).

Sobre o hábito de cuspir e escarrar eram impostas, pelo menos desde o século XVI, normas de conduta. O teólogo e filósofo holandês Erasmo de Rotterdam, no livro A civilidade pueril, publicado em 1530, recomenda que quando se fosse cuspir, a pessoa deveria virar-se para o outro lado, de forma a evitar que as gotículas atingissem alguém. Se a matéria mucosa caísse no chão, o recomendado era que se colocasse o pé em cima. Cuspir em um lenço era o mais recomendável. Apesar de ser um hábito, não deveria ser praticado rotineiramente: "Não é de bom tom engolir saliva. Muito menos, tal como se vê em pessoas que, sem necessidade e mais por costume, apenas pronunciam três palavras e já estão a cuspir" (ROTTERDAM, 2006, p. 150).  Esse hábito, que se tornava cada vez mais intolerável, pôde ser mais ou menos controlado, de acordo com o sociólogo alemão Norbert Elias, através da escarradeira, que se tornou um utensílio bastante requisitado nas residências burguesas (ELIAS, 1994, p. 159).

As escarradeiras não ficavam restritas ao ambiente doméstico, estando presentes em hospitais, escolas, igrejas, bares e teatros. Vejamos a extensa lista de objetos solicitados pelo Presidente da Província do Amazonas para o Hospital Militar de Manaus em 1876: Nela constam xícaras, bules, copos, lamparinas, colchões, cadeiras, urinóis e "cincoenta escarradeiras de madeira" (JORNAL DO AMAZONAS, 06/07/1876, p. 03). Na lista de objetos a serem adquiridos pelo Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, consta o pedido de uma dúzia de escarradeiras, não sendo especificado de que material (DIÁRIO OFFICIAL, 22/08/1896, p. 07). As que eram encomendadas para hospitais - geralmente de ferro ou outro material mais simples - ficando ao lado das camas dos pacientes, tinham um tratamento diferente. Contra vários tipos de doenças, o jornal A Federação recomendava, em 1899, que "na bacia de cama e escarradeira deve sempre haver uma porção do soluto de sulfato de cobre" (A FEDERAÇÃO, 15/12/1899, p. 01).

Ainda de acordo com Tânia Andrade Lima, as escarradeiras eram produzidas na China e exportadas para a Europa no século XVIII. Posteriormente surgiram oficinas nas cidades portuguesas de Viana, Porto e Gaia (LIMA, 1996, p. 67). Encontrou-se em um jornal baiano de 1841 um vendedor comercializando objetos de Prata vindos da cidade do Porto. Entre facas, garfos e bules estavam as escarradeiras (CORREIO MERCANTIL, 20/03/1841, p.04). Também existiam fábricas em outros países Europeus, como a Alemanha. É de lá uma interessante peça que faz parte do acervo do Museus Ibram Goiás, datada do século XIX e produzida pela fábrica Bonn Franz Ant Mehlem (1840-1884). Veio de Limoges, na França, uma belíssima escarradeira do Museu Histórico e Pedagógico Visconde de Mauá, em Mogi das Cruzes, São Paulo. Deve-se mencionar a produção brasileira, que teve como representante a Fábrica Nacional de Vidros de São Roque, no Rio de Janeiro, que produzia "escarradeiras de diferentes côres, imitando as francesas, proprias para sala de visita" (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 03/04/1860, p. 04).

A escarradeira possivelmente chegou ao Amazonas por volta de 1850, assim como outros objetos domésticos, favorecida que foi a região pelo estabelecimento de uma linha regular de vapores da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas (1852), propriedade do Barão de Mauá que mais tarde, em 1871, seria adquirida por empresários ingleses. A primeira referência encontrada data de 1859, na lista de objetos da Enfermaria Militar localizada em Manaus (ESTRELLA DO AMAZONAS, 20/07/1859, p. 03). Já por volta de 1870 a encontramos sendo comercializada. O comerciante Bernardo Truão, proprietário da Loja Esperança, importou em 1877 variadas "fazendas de luxo e miudezas" de Paris, Viena e Hamburgo, de onde vieram escarradeiras de porcelana (CORREIO DO NORTE, 21/07/1877, p. 04). Na Livraria Clássica, de Silva & Gomes, podiam ser encontradas, em 1892, "escarradeiras nickeladas e de zinco" (DIÁRIO DE MANÁOS, 06/04/1892, p. 04). Em 1898 a Casa Pekim, na rua Henrique Martins, comercializava "escarradeiras finas" (COMMERCIO DO AMAZONAS, 31/05/1898, p. 03).

O uso desse utensílio era tão arraigado na sociedade burguesa manauara que ele acabava tornando-se sinônimo de imundície em algumas situações. O jornal humorístico A Marreta, ao se referir a uma prostituta polaca que residia na Avenida Epaminondas, afirmou que ela era "peior do que uma escarradeira de tysico (tuberculoso)" (A MARRETA, 10/11/1912, p. 02). "Vae lavar tuas escarradeiras, sujo", bradavam os redatores de O Pimpão contra um português que estava tentando conquistar uma jovem (O PIMPÃO, 05/09/1911, p. 04). O Rebenque, protestando contra as moças que iam à missa e, ao invés de prestarem atenção nos ofícios, ficavam tagarelando, as alertava que "[...] as cabeças dos catholicos que vão a igreja, assistir religiosamente os seus actos, não podem nem devem servir de escarradeiras" (O REBENQUE, 11/01/1913, p. 03).

As mais belas escarradeiras do Amazonas encontram-se em exposição no museu do Teatro Amazonas. São de procedência holandesa e alemã, produzidas pela histórica fábrica Villeroy & Boch, em atividade desde 1748. São decoradas com figuras de animais, principalmente de pássaros, e cenas urbanas como um passeio de charrete, algo bastante característico do período. Outras, possivelmente de igual qualidade e beleza, devem ter se perdido nos antigos palacetes aristocráticos e residências pequeno-burguesas, a arruinar-se no Centro da cidade. Fazendo um exercício imaginativo, podemos nos transportar para a Manaus do final do século XIX e início do século XX para visualizar os usos da escarradeira. Quantas cusparadas e escarradas não foram dadas nos intervalos dos grandes espetáculos nas vistosas escarradeiras espalhadas pelo Salão Nobre do teatro, ou nas reuniões realizadas nos salões das casas mais suntuosas da Avenida Joaquim Nabuco e da Avenida Eduardo Ribeiro. Matéria viscosa de artistas, políticos, militares de alta patente, homens de negócios, cônsules, expectorada entre um gole de champagne francês Veuve Clicquot Ponsardin, vinho português do Porto e uma tragada de charuto cubano, o melhor do mundo. Expectoração que poderia anteceder ou suceder a assinatura de algum tratado, de acordo comercial entre seringalistas e casas aviadoras, ou de simples agendamento de convescote nos bosques do Tarumã no final de semana.

Até quando as escarradeiras foram utilizadas? É difícil precisar. As encontramos sendo vendidas ou leiloadas em anúncios de jornais até a década de 1940. A partir daí elas praticamente somem de circulação. As antigas escarradeiras de porcelana, de prata e de vidro, são substituídas por novos modelos hidráulicos, instalados em pontos estratégicos de espaços públicos e estabelecimentos comerciais, como bem exemplifica um anúncio de 1926 da Escarradeira Hygéa, criada no Rio de Janeiro, que possuía limpeza automática: "Os regulamentos de saúde publica exigem escarradeiras deste systhema". A revista Careta, do Rio de Janeiro, registra a instalação desse tipo de escarradeira em Manaus, no consultório do médico José Garcia e no Posto de Profilaxia Miranda Leão (CARETA, 17/09/1927, p. 37). É provável também que entraram em decadência juntamente aos hábitos de mascar fumo e usar cachimbo, e que tornaram-se, disso não tenhamos dúvida, menos toleráveis com o passar do tempo: o refinamento deu lugar ao estranhamento, à repugnância, reação que ainda temos quando vemos essas peças expostas em museus e lembramos dos seus usos no passado.


FONTES:

Diário do Rio de Janeiro, 30/03/1827.

O Despertador, RJ, 30/11/1838.

Correio Mercantil, BA, 20/03/1841.

Jornal do Commercio, RJ, 20/06/1845.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro, 1859.

Estrella do Amazonas, 20/07/1859.

Diário do Rio de Janeiro, 03/04/1860.

Jornal do Amazonas, 06/07/1876.

Correio do Norte, 21/07/1877.

Diário de Manáos, 06/04/1892.

Commercio do Amazonas, 31/05/1898.

A Federação, 15/12/1899.

O Pimpão, 05/09/1911.

A Marreta, 10/11/1912.

O Rebenque, 11/01/1913.

Careta, RJ, 17/09/1927.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução de Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1994.

FREYRE, Gilberto de Mello. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. São Paulo: Global, 2013.

LIMA, Tânia Andrade Lima. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. Manguinhos - História, Ciências, Saúde, v. II, n.3, p. 44-96, 1996.

ROTTERDAM, Erasmo de. De Pueris (Dos Meninos) e A Civilidade Pueril. Tradução de Luiz Feracine. São Paulo: Editora Escala, 2006.

sexta-feira, 11 de março de 2022

Brasil Colônia: uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida

Vista de um Engenho Real no Brasil. Franz Post, século XVII. FONTE: Musée du Louvre/René-Gabriel Ojéda.

O texto aqui apresentado é fruto de uma resenha do primeiro capítulo do livro Casa Grande & Senzala, do sociólogo e historiador Gilberto de Mello Freyre. Nessa primeira parte é discutida a formação da sociedade colonial brasileira, assentada na monocultura, na mão de obra escrava e no hibridismo cultural entre o colonizador, o indígena e o escravo africano.

Por volta de 1532 - ponto de partida proposto por Freyre - quando a Coroa Portuguesa enviou a primeira expedição colonizadora, comandada pelo nobre, militar e administrador colonial Martim Afonso de Souza, teve início a empreitada portuguesa nessa parte dos trópicos, quando estes já tinham, pelo menos, um século de experiência na Índia e na África, vide a conquista da cidade de Ceuta em 1415. A estrutura mercantil da extração do Pau-brasil deu lugar à atividade agrícola, que garantiu estabilidade, diferente do que ocorria quando a organização era feita através de feitorias para a estocagem da madeira. A colonização foi organizada tendo como base a agricultura, a regularidade do trabalho escravo e a união do português com a mulher indígena e mais tarde a africana. Surge, assim, uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida.

A aptidão do português para a colonização de caráter híbrido e escravocrata é fruto de seu passado cultural entre a África e a Europa, das influências da cultura e clima africanos sobre a europeia, tornando maleáveis suas instituições, a alimentação, a vida sexual e a religião. Tiveram grande contribuição para atenuar o caráter português as relações tensas entre a Europa e a África. Contato através da guerra, do uso dos cativos conquistados no trabalho agrícola e industrial. A origem portuguesa também é marcada pelo contato com populações africanas e árabes, o que contribuiu para a constituição de uma sociedade marcada pela bicontinentalidade, pelo equilíbrio de antagonismos e pela flexibilidade de se ajustar às diferenças culturais. É a partir dessa convivência entre sentimentos e valores antagônicos que terá origem a formação da sociedade brasileira. Contribuiu enormemente a mobilidade e adaptabilidade para a vida nos trópicos, herança da presença semita na Península Ibérica, o que compensou o baixo índice demográfico de Portugal, que com “[…] um pessoalzinho ralo, insignificante em número – sobejo de quanta epidemia, fome e sobretudo guerra afligiu a Península na Idade Média” (FREYRE, 2003, p. 70), conseguiu se espraiar por várias partes do mundo, através da mobilidade e miscibilidade. Freyre afirma que os membros da administração reinol, administradores, guerreiros e técnicos, moviam-se entre as possessões como se estivessem em um tabuleiro de gamão.

Freyre afirma que miscibilidade do português jamais foi igualada por outro povo colonizador. Foi através do intercurso com as nativas e as mulheres de origem africana que se compensou o baixo índice demográfico, possibilitando a colonização em larga escala em territórios vastíssimos. Intercurso já praticado na Península, com as mulheres árabes, cuja semelhança os portugueses encontrarão nas indígenas da América Portuguesa. Outro elemento que favoreceu o empreendimento português foi o clima. O clima de Portugal é aproximado do africano, o que facilitou a vitória portuguesa nos trópicos. Esse se adaptou perfeitamente, diferente dos colonizadores vindos de países de clima frio. O português, por sua predisposição de clima e cultura, venceu o meio, marcado pelo

clima irregular, palustre, perturbador do sistema digestivo; clima na sua relação com o solo desfavorável ao homem agrícola e particularmente ao europeu, por não permitir nem a prática de sua lavou tradicional regulada pelas quatro estações do ano nem a cultura vantajosa daquelas plantas alimentares a que ele estava desde há muitos séculos habituado” (FREYRE, 2003, p. 76).

O português, nos Trópicos, mudou seu sistema de alimentação e o seu sistema de lavoura. O colonizador do Norte da Europa, nesse ponto, teve vantagem, pois na América do Norte encontrou um clima semelhante ao de sua cultura agrícola natural. Ao enfrentar todos esses desafios, registra o autor, o português criou uma obra original. Não foi uma tarefa fácil. Grandes eram os desequilíbrios, como a terra pouco fértil, os rios caudalosos e as grandes secas. O português fez um enorme esforço civilizador nos trópicos. Antes do reconhecimento do território, estabeleceu-se uma exploração comercial através de feitorias, sem o objetivo de fixar o homem ao solo. Aos poucos o colonizador modificou essa estrutura, buscando criar riqueza e fixar-se. Desenvolveu-se, através da iniciativa particular, incentivada pela Coroa, uma colônia de plantação, a plantation, que tinha como base a grande lavoura e o trabalho escravo. Diferente do que ocorrera na América Espanhola, onde houve extermínio ou segregação entre os colonizadores e os nativos, o homem lusitano buscou constituir família com a mulher da terra conquistada e mais tarde com a escrava importada. Desenvolveu-se uma sociedade patriarcal e aristocrática. O elemento dinâmico da colonização brasileira foi a família, família dita rural ou semi-rural, cujo domínio só rivalizava com o da Igreja. A família colonial fez pesados investimentos, desbravando e cuidando da terra. Some-se à isso a moral sexual e religiosa, lírica, amaciada pelo contato anterior com a cultura árabe. A religião Católica tinha caráter mais popular que oficial.

O caráter agrícola da colonização se impôs como uma necessidade, haja vista não terem sido encontrados, em um primeiro momento, matérias-primas que atendessem às necessidades do comércio mercantilista europeu. A natureza era esmagadora, em estado bruto, concorrendo, na maioria das vezes, contra a atividade agrícola. Mas o português conseguiu adaptar-se. Um exemplo disso é o uso que fez dos rios. Os grandes rios, com suas cheias, destruíam plantações e criações de gado. Dessa forma, foram de grande valia os rios de pequeno porte, regulares, que contribuíram para o florescimento da lavoura, da pecuária, sendo utilizados também no transporte de mercadorias. Gilberto Freyre afirma que prolongou-se no brasileiro a tendência portuguesa de expandir-se ao invés de condensar-se. Isso fica bastante claro na figura do bandeirante, que fundava, de forma imperialista, subcolônias, expandindo o território. Apesar das conquistas territoriais, os ímpetos imperialistas e separatistas dos bandeirantes foram anestesiados pela geografia do território. Outro tipo social móvel foi o jesuíta, que se moviam pelo território educando a catequizando os nativos. A mobilidade não oferecia riscos para a unidade política pois não se desenvolveram no território separatismos como os que vieram com os espanhóis, ingleses e franceses. “O Brasil formou-se, despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça” (FREYRE, 2003, p. 91). Importava muito mais a religião Católica que a raça, pois foi através do Catolicismo que se constituíram laços profundos de solidariedade e unidade política.

Após refletir sobre a inconstância cultural do português e sua propensão para a miscibilidade, Freyre discorre sobre como as diferenças geográficas da América Portuguesa poderiam ter concorrido para o surgimento de extremismos regionais. No entanto, elas influenciaram apenas no tipo de agricultura praticada e no sistema alimentar. Essa diferença era visível na mesa colonial, com influências mais indígenas em uma parte, mais africanas em outras e, principalmente, da cozinha portuguesa, africana e indígena. Interessante a relação que o autor faz entre o latifúndio escravocrata e o mal abastecimento alimentar da população colonial. A plantation dominava a economia, deixando em segundo plano a agricultura de subsistência. Dessa forma compreende-se que “Muito da inferioridade física do brasileiro, em geral atribuída toda à raça, ou vaga e muçulmanamente ao clima, deriva-se do mau aproveitamento dos nossos recursos naturais em nutrição” (FREYRE, 2003, p. 95). O luso-brasileiro dos primeiros séculos era mal alimentado. Viviam-se extremos alimentares, como a alimentação servida na casa grande e na senzala. Daí Freyre afirmar que dos escravos descendiam os melhores elementos da população, elementos fortes e sadios, diferente do que ocorria na população pobre e livre, cujos representantes eram mal nutridos e sobre os quais recaíam diferentes tipos de doenças. Nesse ponto vemos o pioneirismo de Freyre, que discorda dos sociólogos que viam na mestiçagem ou no clima tropical as causas da degeneração do brasileiro. O que age sobre a população são os efeitos nefastos da economia escravocrata, esterilizante, que gera a fuga de braços da agricultura, a instabilidade de abastecimento, a má conservação dos alimentos. Mesmo nas casas grandes, entre os senhores, a alimentação não era tão boa como se supõe: carne uma vez ou outra, poucas frutas e legumes e de baixa qualidade. A pobreza de cálcio do solo brasileiro escapava ao controle, mas a deficiência alimentar causada pelo modelo econômico poderia ser corrigida. Escapa à generalização sobre a deficiência alimentar a realidade paulista, por sua formação semi rural, agrícola e pastoril, que garantiu um abastecimento regular e variado de gêneros alimentícios.

Ainda sobre o regime alimentar, Gilberto Freyre afirma que a influência mais benéfica, fortificante, foi a africana, através dos alimentos vindos daquele continente e do regime alimentar do negro durante a escravidão. Essa última influência se explica pelo fato de que os senhores de engenho, buscando o melhor aproveitamento da mão de obra, investiam em uma alimentação que, se não era das melhores, atendia às necessidades do trabalho. Por essa nutrição relativamente melhor que a da maior parte da população, descendem do negro os melhores representantes de força e beleza, como as mulatas, os atletas e os fuzileiros navais. A figura do caboclo, união entre o branco e o índio e exaltada no passado como sendo a maior representante do vigor brasileiro, é na verdade fruto das três raças, principalmente do negro. Outras heranças da miscigenação, vindas do Europeu, foram as doenças venéreas, com destaque para a sífilis, que agiram negativamente sobre a população brasileira; e a relação de sadismo do branco sobre os dominados e masoquismo destes últimos. Sadismo sexual que penetrou nas instituições e na política. Masoquismo no gosto de sofrer, de buscar um redentor, um messias. E assim foi se constituindo a sociedade brasileira colonial, através do equilíbrio entre elementos antagônicos:

Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo” (FREYRE, 2003, p. 116).

Foram essenciais para a compreensão desse capítulo de Casa Grande & Senzala as notas de rodapé, em que Freyre expressa, assim como no corpo do texto, grande erudição e diálogo com a historiografia de seu tempo e estudos de outras áreas. As notas também são utilizadas pelo autor para manter diálogos com os pesquisadores dessas áreas, diálogos que vão do elogio, passam pela crítica e muitas vezes chegam à discordância, sempre acompanhada por uma gota de acidez, característica do autor. Essas notas foram sendo revisadas e incrementadas em novas edições. Foram escolhidas algumas para a análise. A escolha levou em conta, principalmente, a extensão das notas, algumas ocupando mais de duas laudas. A primeira nota que considerou-se foi a 16, em que Freyre debate com outros autores, como D. G. Dalgado, Emile Béringer e Luís Pereira Barreto, a questão da aclimatabilidade do português em várias partes do mundo. Eles defendem, muitas vezes de forma apologética, que o português, por suas disposições genéticas, constituídas através do contato com povos semitas e africanos, se aclimatam melhor que outros povos europeus. Freyre discorda de uma superioridade puramente étnica, dando como exemplo o fato de a Amazônia brasileira não ter sido plenamente colonizada por ele. “Essa área provavelmente só será colonizada plenamente com o desenvolvimento e barateamento da técnica de ar condicionado e de outras formas de domínio do clima pelo homem civilizado” (FREYRE, 2003, p. 121).

Outra interessante nota é 18, em que o autor analisa a relação entre as embarcações vindas da Índia para Lisboa e de Lisboa para a Índia e o Brasil. Estudando portarias, cartas, leis, provisões, alvarás e outros tipos de documentação, ele mostra como se deu esse contato, contato comercial que deu vazão a trocas culturais entre a América e o Oriente. Ele nota influências na arquitetura, nos costumes e nos objetos:

São esses contatos, que parecem ter sido frequentes, que explicam o fato de terem a vida, os costumes e a arquitetura no Brasil colonial recebido constante influência direta do Oriente, acusada pelo uso, generalizado entre a gente de prol, de palanquins, banguês, chapéus-de-sol, leques da China com figuras de seda estofada e caras de marfim, sedas, colchas da Índia, porcelana, chá etc., e ainda hoje atestada pelos antigos leões de louça de feitio oriental – ou, especificamente, chinês – que guardam, com expressão ameaçadora e zangada, os portões de velhas casas e o frontão da igreja do convento de São Francisco do Recife” (FREYRE, 2003, p. 123).

Possivelmente uma das notas mais notáveis seja a 55, em que Gilberto Freyre discute a formação da família patriarcal mantendo diálogo com os estudos de Caio Prado Júnior, autor de Formação do Brasil contemporâneo (1942), e Nelson Werneck Sodré, autor de Formação da sociedade brasileira (1944). Ele mostra ser inegável a importância da família patriarcal ou parapatriarcal na unidade colonizadora, mas essa importância é mais qualitativa do que quantitativa, pois em boa parte do Brasil, como mostraram Caio Prado e Sodré, foi difícil, por conta da escravidão, da instabilidade e segurança econômicas, a constituição de uma família tradicional assentada em bases sólidas e estáveis. Mas coube à minoria patriarcal influenciar o restante da população na constituição familiar ou no familismo, que não é só patriarcal, mas engloba outras organizações familiares: “E do ponto de vista sociológico, temos que reconhecer o fato de que desde os dias coloniais vêm se mantendo no Brasil, e condicionando sua formação, formas de organizações de famílias extrapatriarcais, extracatólicas que o sociólogo não tem, entretanto, o direito de confundir com prostituição ou promiscuidade” (FREYRE, 2003, p. 130-131). Essas organizações se desenvolveram tendo influência da cultura africana, de sociabilidade mais elástica que a tradicional lusitano-católica. Importante destacar a recuperação da historicidade desses grupos familiares que o autor faz, alertando aos pesquisadores que estes não devem relacioná-los ao imoral, indecente, mas sim compreendê-los em seu tempo.

Em outra nota, a 74, Gilberto Freyre rebate as críticas de Sérgio Buarque de Holanda, que afirma que o português não tinha predisposição para a agricultura, sendo um povo mais comerciante que rural. Em Raízes do Brasil ele descreve o colonizador português como um utilitarista que buscava resultados mais práticos que planejados, um semeador, explorador. Freyre rebate os argumentos de Sérgio Buarque, mostrando que o português não foi um completo desapegado em relação ao trabalho agrícola, dando como exemplo, entre outros, os dos colonos portugueses açorianos, que menos influenciados pela dinâmica do trabalho escravo, foram bons lavradores e pastores, tendo um verdadeiro amor pela terra e seu cultivo.”Tanto não foi absoluto”, escreve Freyre, ao falar sobre o empreendimento português na América, “que os portugueses fundaram no Brasil, sobre base principalmente agrária, a maior civilização moderna nos trópicos, tornando-se também lavradores notáveis em outras partes da América” (FREYRE, 2003, p. 133-134). Os rios, pequenos rios, são melhor analisados na nota 77. Através de trabalhos de autores como Durval Vieira de Aguiar e Teodoro Sampaio, Freyre mostra como os grandes rios, como o São Francisco e o Amazonas, impediam o florescimento de uma sociedade fixa, próspera e organizada, tendo como base a agricultura, fosse no Nordeste ou na Amazônia, respectivamente. Foram nos rios de pequeno porte que se desenvolveram as plantações, que foram construídas as moendas e as casas grandes.

Gilberto Freyre volta a debater com um autor na nota 113. Nela ele fala sobre a afirmação feita pelo pesquisador A. Machant na obra Do escambo à escravidão, publicada em 1943. Marchant, apoiando-se na obra de Fernão Cardim, afirma que na Bahia de 1580 os habitantes tinham um bom acesso à legumes, frutas e verduras, tanto da terra quanto de Portugal. Freyre lembra que, se houve algum tempo em que existiu uma agricultura regular na Bahia, foi nos princípios da colonização, pois logo depois a monocultura da cana de açúcar dominou a vida econômica e prejudicou o abastecimento de víveres. O autor alerta que deve-se levar em conta o fato de que Cardim, assim como outros cronistas desse tempo, era um padre visitador, figura que costumava ser bem recebida nas cidades e engenhos. A abundância de alimentos era uma exceção nessas ocasiões. Para corroborar sua visão, Freyre cita estudos modernos sobre o tema:

Do ponto de vista da alimentação, estudiosos modernos do assunto, interessados em preparar, baseados em inquéritos regionais, um mapa da alimentação no Brasil, e também Josué de Castro, confirmam o que neste ensaio se diz desde 1933 sobre as relações entre o sistema feudal-capitalista de plantação e a paisagem. Segundo o professor Josué de Castro, no Nordeste, “a monocultura intempestiva de cana, destruindo quase que inteiramente o revestimento florestal da região subvertendo por completo o equilíbrio ecológico da paisagem e entravando todas as tentativas de cultivo de outras plantas alimentares no lugar, constitui-se degradante da alimentação regional” (FREYRE, 2003, p. 144-145).

Por último, destacamos a nota 170, na qual o autor apresenta uma discussão bibliográfica sobre as origens da sífilis, doença que atacava as populações brasileiras desde o início da colonização. Esse assunto, destaca Freyre, é marcado por controvérsia, pois não se tem uma origem definida. Alguns autores, como Milton J. Rosenau, afirmam, tendo como base vestígios de esqueletos, que a doença tem origem americana. Outros, como L. W. Wyde, advertem que ninguém pode afirmar onde e quando surgiu qualquer doença. É ainda mais interessante a defesa que Freyre faz do interesse de pesquisadores e sociólogos pelas doenças e outras áreas como a arquitetura. Ele afirma que “Esquecem-se médicos e engenheiros assim melindrados de que se procuramos arranhar tais assuntos, sempre o fazemos do ponto de vista ou sob aspectos que pouco têm que ver com a técnica da medicina ou da engenharia, isto é, o encaramos do ponto de vista da história ou antropologia social; do ponto de vista da sociologia genética” (FREYRE, 2003, p. 152-153).


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:


FREYRE, Gilberto. Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida. In: Casa-Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48° ed. São Paulo: Global, 2003, p. 64-156.






quarta-feira, 28 de julho de 2021

Monumentos: da construção à destruição

Via Ápia, em Roma. FONTE: Alamy.com

Nos últimos dias, ao lado das manchetes sobre as Olimpíadas de Tokyo, um fato ocorrido no Brasil chamou a atenção: um incêndio provocado contra a estátua do bandeirante Borba Gato (1649-1718), localizada no distrito de Santo Amaro, em São Paulo. A obra, de autoria do escultor Júlio Guerra e com mais de 10 metros, foi inaugurada em 1963, durante as comemorações do IV Centenário de Santo Amaro. O que motiva a construção de monumentos? Não precisa ser um especialista para saber que monumentos, desde as mais simples placas às esculturas monumentais, são construídos para celebrar e eternizar determinadas memórias e personagens. O historiador Jacques Le Goff explica o sentido do monumento através da análise filológica:

"A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo monere significa 'fazer recordar', de onde 'avisar', 'iluminar', 'instruir'. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos. Quando Cícero fala dos monumenta hujus ordinis [Philippicae, XIV, 41], designa os atos comemorativos, quer dizer, os decretos do senado. Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma obra comemorativa de arquitetura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte" (LE GOFF, 1990, p. 535-536).

Em síntese, monumentos são erguidos desde que os grupos humanos organizaram-se e passaram a querer deixar suas marcas na sociedade, evocando eventos naturais, grandes feitos, guerras, heróis e líderes políticos. Foi por iniciativa do Estado, aliás, com apoio das elites, que muitos monumentos surgiram, pois a ele interessava, e ainda interessa, a preservação e o apagamento de certas memórias.

Manuel de Borba Gato (1649-1718) foi um bandeirante paulista dos séculos XVII e XVIII. Os bandeirantes foram responsáveis pela expansão do território da América Portuguesa, desbravando novas terras, ouro e pedras preciosas e fundando cidades. Além de pedras preciosas, os bandeirantes também procuravam mão de obra, capturando indígenas e negros em quilombos. Borba Gato também participou da Guerra dos Emboabas (1707-1709), em que enfrentaram-se os bandeirantes, que primeiro descobriram metais preciosos no interior e queriam a exclusividade na exploração, e os emboabas, portugueses e brasileiros de outras regiões, que também procuravam por metais preciosos. Vivia-se um contexto bélico, de carnificina e escravidão.

Passados quase três séculos, a historiografia brasileira tradicional construiu um mito em torno da figura dos bandeirantes, destacando suas qualidades de desbravadores e conquistadores. Tomemos como exemplo a síntese de benefícios feita pelo professor Gaspar de Freitas no livro didático Pontos de Geografia e História do Brasil, publicado na década de 1930 para ser utilizado nos ensinos primário, secundário e comercial: "As entradas e bandeiras prestaram muitos serviços ao Brasil; descobriram minas de ouro, diamantes e outras pedras preciosas; aumentaram o território brasileiro muito para Oeste; iniciaram o povoamento dos sertões; abriram caminhos; exploraram os grandes rios; praticaram a navegação; etc" (FREITAS, 1939, p. 148). Gaspar de Freitas cita Borba Gato como um dos principais bandeirantes, ao lado de Fernão Dias Pais Leme, que exploraram Minas Gerais (FREITAS, 1939, p. 147).

Se os bandeirantes foram importantes para o país, o foram ainda mais para o Estado de São Paulo, onde a partir deles construiu-se uma identidade regional, como registra o escritor Euclides da Cunha, de forma romântica, no início do século XX: "O paulista – e a significação histórica deste nome abrange os filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e regiões do Sul – erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo, com a feição perfeita de um dominador da terra, emancipando-se, insurreto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopéia inédita das bandeiras" (CUNHA, 1984 Apud SOUZA, 2007,  p. 156).

Pouco importava, nesse período, se os bandeirantes escravizaram e dizimaram indígenas e negros. Isso se torna um mero detalhe em meio a inúmeros feitos heroicos que trouxeram inúmeros benefícios para o país. Era esse o discurso laudatório na época em que o monumento a Borba Gato foi construído. Fabricavam-se heróis que estabeleceram, no passado, as bases do nacionalismo e, nos casos dos bandeirantes, do regionalismo paulista.

Nas décadas seguintes, sobretudo as de 1970 e 1980, a historiografia brasileira passou por profundas transformações. Certas análises começaram a ser questionadas e os processos históricos passaram a ser estudados de forma crítica. O discurso laudatória deu lugar às relações dialéticas, aos embates entre vencedores e vencidos, sendo valorizado, agora, o protagonismo destes últimos. Indígenas, escravos, mulheres e pobres ganharam voz. As ações dos bandeirantes passaram a ser vistas como violentas e sanguinárias, sendo responsáveis pela morte de milhares de pessoas. Outros estudos, no entanto, passaram a destacar os pontos positivos e negativos das bandeiras. Assim o fizeram os historiadores Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo:

"As bandeiras contribuíram significativamente para ocupar e povoar o interior do Brasil, fundando povoados, criando vilas e dando início à exploração mineradora. Por outro lado, dizimaram muitos grupos indígenas e submeteram-nos à escravidão. Sua atuação, contudo, foi decisiva na consolidação da presença portuguesa além do tratado de Tordesilhas, ampliando consideravelmente as fronteiras da colônia" (VICENTINO E DORIGO, 1997, p. 128).

Nos últimos anos as homenagens a personagens da História do Brasil ligados à escravidão indígena e africana e ao Regime Militar passaram a ser questionadas e criticadas. Esses questionamentos e críticas, que se transformam em ações concretas como ataques, ganharam impulso após a derrubada, por grupos que se intitulam revolucionários, de inúmeros monumentos históricos na Europa e nos Estados Unidos. O ataque à estátua de Borba Gato é de autoria do Coletivo 'Revolução Periférica'.

Sem dúvida alguma, nos dias de hoje, seria inaceitável uma homenagem à Borba Gato. Deve-se levar em conta, no entanto, que sua estátua foi erguida há quase 60 anos. Vivia-se outro contexto, como foi mostrado na pequena discussão historiográfica acima. Isso justifica alguma coisa? Claro que não, pois se assim fosse, teríamos que contextualizar e tentar ver com "bons olhos" períodos obscuros de nossa História, como Nazismo, o Fascismo e o Apartheid. Mas antes de sairmos derrubando e incendiando estátuas que, em sua maioria, foram erguidas há pelo menos 50 anos, devemos nos questionar sobre o seguinte: Quais as relações da população com essas obras? Qual o impacto delas em suas vidas? Elas sabem quem são os homenageados? Duas gerações de paulistas conviveram com a estátua de Borba Gato, transformando-a em símbolo desse distrito de São Paulo. A Mestre em Ciências Humanas Márcia Maria da Graça Costa e a historiadora Alzira Lobo de Arruda Campos, após analisarem a estátua de Borba Gato como um elemento de memória e identidade de Santo Amaro, concluíram que

"Trata-se, portanto, de um problema ideológico que deforma a realidade e manipula a fim de passar mensagens aprazíveis à própria identidade. Assim, a imagem do bandeirante foi falseada fazendo com que ele, de um predador de homens, se transformasse em um herói destemido ao qual se deveria a extensão das fronteiras do Brasil, além do hipotético meridiano de Tordesilhas" (COSTA E CAMPOS, 2019, p. 50).

Se fizéssemos, em Manaus, um questionário perguntando das pessoas quem é o homenageado com a estátua da Praça da Saudade, possivelmente poucos saberiam responder. Mas se perguntássemos se seriam a favor de sua demolição, a resposta, sem dúvida, seria não. Por mais que as pessoas não conheçam a História por trás do monumento, elas criam, através dos anos, uma relação com ele, relação essa de memória afetiva, pois aquele espaço marcou a vida das pessoas de diferentes formas.

A população vai continuar sendo expectadora das mudanças ou será convidada a participar delas?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


COSTA, M. M. G,; CAMPOS, Alzira L. de A. A Estátua de Borba Gato: Memória e Identidade de Santo Amaro. Veredas - Revista Interdisciplinar de Ciências Humanas, v. 2, p. 34-54, 2019.

FREITAS, Gaspar de. Pontos de Geografia e História do Brasil. 150° ed. Rio de Janeiro: Gráfica Sauer, 1939.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão [et al.]. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.

SOUZA, Ricardo Luiz de. A Mitologia Bandeirante: Construção e Sentidos. História Social, Campinas, n° 13, p. 151-171, 2007.

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997.


sexta-feira, 3 de julho de 2020

Escravas ou livres, sadias e de bons costumes: Amas de leite na cidade de Manaus (séculos XIX e XX)

Lucílio de Albuquerque (1877-1939): Mãe Preta, 1912. FONTE: commons.wikimedia.org.

As amas de leite eram mulheres que tinham como ocupação a amamentação dos filhos das classes mais abastadas da sociedade. No Brasil as escravas eram forçadas a amamentar e cuidar dos filhos de seus senhores, também sendo alugadas por estes e obrigadas a deixar seus rebentos sem esse contato maternal, o que gerava uma alta taxa de mortalidade entre os recém nascidos escravos (SILVA, 2016, p. 302). 

De acordo com o sociólogo e historiador Gilberto de Mello Freyre, esse costume tinha raízes portuguesas: "De Portugal transmitira-se ao Brasil o costume das mães ricas não amamentarem os filhos, confiando-os ao peito de saloias ou escravas" (FREYRE, 2003, p. 443). Tal costume não se reproduzia apenas por puro modismo ou indiferença . Imperavam questões de saúde. As sinhás, ainda muito jovens, tinham vários filhos em um curto intervalo de tempo, ficando esgotadas e impossibilitadas de lhes dar os devidos cuidados. Dessa forma, as escravas, "adaptadas" aos trópicos e consideradas mais resistentes, eram ideais para o aleitamento. "A tradição brasileira", escreve Freyre, "não admite dúvida: para ama-de-leite não há como a negra" (FREYRE, 2003, p. 444).

O historiador Luiz Felipe de Alencastro cita o aluguel de amas de leite como uma importante atividade econômica das cidades brasileiras do Império. "Pequenos senhores de escravos exploravam esse mercado, alugando a terceiros suas cativas em período pós-natal" (ALENCASTRO, 1997, p. 63). Ainda conforme Alencastro, a partir 1850 a presença de mulheres imigrantes de origem portuguesa "traz para a corte uma oferta de amas-de-leite brancas que passam a competir com as mucamas de aluguel, tornando complicado o debate sobre a amamentação" (ALENCASTRO, 1997, p. 64).

As libertas e as imigrantes citadas por Alencastro, para se sustentarem, também ofereciam esse serviço, que não se restringiu ao período do Império. As amas de leite continuaram a atuar ao longo do século XX, tanto no Brasil rural, profundo, quanto no urbano. Nos jornais publicados em Manaus entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX foram encontrados anúncios desse serviço, bem como registros em leis e decretos. Ainda que em menor quantidade quando comparados aos do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, são fontes importantes para a compreensão dessa prática na região.

Uma das referências mais antigas à atuação das amas de leite em Manaus surge no Código de Posturas Municipais de 1848. No artigo 137 do capítulo 16, sobre a economia municipal, ficou estabelecido que "As Câmaras marcarão salários às amas dos expostos pelo trabalho da criação, e educação, e prestarão enxoval preciso aos mesmos" (SAMPAIO, 2016, p. 35). Os expostos citados no artigo, de acordo com o historiador Renato Franco, eram 

"[...] as crianças recém-nascidas, anonimamente abandonadas pelos pais, que, assim, abriam mão da tutela e da criação dos filhos. Diferentemente dos órfãos, para quem a morte dos progenitores era uma referência incontornável, a criança exposta era considerada em seu grau zero de ascendência, portanto, por definição, livre" (FRANCO, 2018, s. p.).

O Capitão Clementino José Pereira Guimarães, Barão de Manaus, foi autorizado em 1865 "[...] a alugar escravas sadias e proprias para o serviço de casa de familia" (O Catechista, 28/01/1865, p. 04). De acordo com a Mestre em Educação Damiana Valente Guimarães Gutierres, "uma das principais características mais recorrentemente abordadas nos discursos dos anúncios é da ama de leite ser sadia, saudável e sem vício" (GUTIERRES, 2013, p. 113).

Em 1880, o jornal Amazonas, de propriedade do Coronel José Carneiro dos Santos, anunciava que em sua tipografia existia uma pessoa que precisava dos serviços de uma ama de leite, podendo ser livre ou escrava, e que esta oferecia um bom pagamento (Amazonas, 21/11/1880, p. 04).

As amas de leite poderiam ser escravas ou livres. FONTE: Amazonas, 21/11/1880, p. 04.

O trabalho dessas mulheres não ficava restrito ao ambiente familiar, também sendo sendo solicitado em instituições governamentais. Em 1888 o Instituto dos Educandos Artífices, instituição de ensino em regime de internato para meninos órfãos e carentes, fez publicar no Jornal do Amazonas que precisava de uma ama de leite, pagando bem a quem estivesse disponível (Jornal do Amazonas, 10/05/1888, p. 04).

Instituições como o Instituto dos Educandos Artífices solicitavam o serviço das amas de leite. FONTE: Jornal do Amazonas, 10/05/1888, p. 04.

Os anúncios do final do século XIX e início do século XX tornam-se mais detalhados, possibilitando conhecer os requisitos e as condições de trabalho dessas mulheres. Em 1898 o jornal Commercio do Amazonas publicou uma série de anúncios de um morador da rua Lima Bacury, no Centro, que precisava de uma ama de leite: "AMA DE LEITE. - Precisa-se de uma, a tratar na rua Lima Bacury, casa n. 44. Garante-se bom ordenado" (Commercio do Amazonas, 22/06/1898, p. 02, 01/07/1898, p. 02, 03/07/1898, p. 04 e 06/07/1898, p. 03). Em anúncio de 1906 veiculado no Correio do Norte solicitava-se uma ama de leite para trabalhar no interior: "Ama de leite. Precisa-se de uma, para o interior, logar sadio, paga-se bem. Quem estiver nas condições, dirija-se a Estrada Epaminondas n. 140 (Avenida Dr. Constantino Nery)" (Correio do Norte, 23/02/1906, p. 03). Em alguns casos amas da capital passaram a viver no interior do Estado com as famílias contratantes, em um verdadeiro movimento de migração interna.

Não raro amas de leite da capital mudavam-se com as famílias contratantes para o interior do Estado. FONTE: Jornal do Commercio, 24/06/1907, p. 02.

São raros os anúncios que informam a idade da criança que seria amamentada. Foi encontrado apenas um, de 1917, no qual a criança, filha de um casal morador da Praça da Constituição (Heliodoro Balbi, da Polícia), teria 8 meses (Jornal do Commercio, 26/08/1917, p. 01).

As amas de leite estrangeiras, portuguesas e espanholas, surgem nos anúncios de jornais nesse período. É possível que já atuassem na cidade há mais tempo. Na rua Mundurucus, por volta de 1905, uma portuguesa tinha "[...] leite abundando e novo" (Jornal do Commercio, 27/12/1905, p. 03), o que sugere que acabara de ter filho (s), estando apta para o trabalho de ama. Em outro anúncio publicado no Jornal do Commercio podemos observar que as amas de leite deveriam ser jovens, na casa dos 20 anos:

Anúncio de uma ama de leite espanhola, com idade entre 26 e 27 anos. As amas europeias passaram a rivalizar com as amas locais. FONTE: Jornal do Commercio, 17/12/1907, p. 03.

Além da boa saúde e ausência de vícios, uma das preferências dos usuários de seus serviços era que não tivessem filhos, já que toda a atenção deveria ser dada à (s) criança (s) do (s) contratante (s). Como no Império, não deveriam existir vínculos maternais mais profundos entre as amas e seus próprios filhos no século XX. Na ausência da mãe a criança deveria ser cuidada por terceiros, geralmente os avós. Essas mulheres acabavam criando sentimentos pelas crianças que amamentavam,  e vice-versa, como deixou registrado o poeta Agesilao Jorge no poema Ao passado, escrito em 1908 e publicado em 1911, no qual lembra de sua antiga ama de leite negra:

"Minha velha ama preta, alvinha de bonança,
conta, inda outra vêz, as lucidas historias
repletas de dragões e cheias de victorias,
como naquelle tempo em que eu inda era criança...

Conta-m'as, novamente, agora ao homem feito;
minh' alma aspira, olhando o teu rosto enrugado
e ouvindo o teu fallar dolorido e pausado
reviver o bom tempo em que me deste o peito!...

Que importa sejas preta e, talvêz mesmo, feia,
si no teu coração nevado de pureza
estão sempre a sorrir a Bondade, a Belleza
e o Amôr, a refulgir como uma lua cheia!...

Já nem conheces tu o rosto que beijavas
(agora tão mudado); o mesmo rosto anjo,
dormindo no teu collo, ó Santa, ó nobre Archanjo
que em minha doce Infancia, á noite, me emballavas!...

Quanto lastimo a ver-te hoje nessa velhice,
vivendo do Passado e esquecendo o Presente,
no cruel abatemente insano dessa mente
que se desfaz no occaso atro da caduquice!...

Pudesse eu despender um pouco de vigor
de minha mocidade e l' o insufflar á vida
que desffallce e morre, ora rão succumbida...
Provar-te ia assim esse meu grande amor!...

1908.

Agesilão Jorge" (Correio do Norte, 21/05/1911, p. 01).

Uma família da rua Municipal (Avenida Sete de Setembro) precisava de uma ama de leite que tivesse boa saúde e que não tivesse filho. FONTE: Jornal do Commercio, 07/01/1914, p. 01.

As agências de aluguel entram em cena nesse período. Têm-se o registro, em 1907, da Agência 'Locadora', localizada na então Avenida Silvério Nery (Joaquim Nabuco), alugando diversos serviços, dentre eles o de ama de leite:

"Agencia "Locadora"
Aluga-se cosinheiras, cosinheiros, copeiras, lavadeiras, criados, caixeiros e uma ama de leite.
Na mesma agencia trata-se de qualquer negocio.
Avenida Silverio Nery n. 88.
A. Araújo & Cia" (Jornal do Commercio, 31/01/1907, p. 04).

Os anúncios nos informam uma série de requisitos para o trabalho, sendo a boa saúde o mais frequentemente citado. FONTE: Jornal do Commercio, 19/03/1912, p. 01.

Desde fins do século XIX o trabalho das amas de leite passou a ser alvo de regulamentações, frutos da difusão de políticas sanitaristas há muito reclamadas por médicos e administradores públicos. No inciso 5 do capítulo 2 do Regulamento para o serviço sanitário do Estado do Amazonas (1894), sobre a atribuição dos empregados, determinou-se que estes tinham de "incumbir-se dos exames das amas de leite" (Diário Oficial, 14/01/1894, p. 01).

Existiam no mercado produtos utilizados para "otimizar" o trabalho das amas, isto é, fortificar o leite e deixá-lo livre de impurezas. Os jornais recomendavam o Vinho Iodo-Phosphatado de V. Werneck, o Vinho Toni-Nutritivo do dr. Lima Guimarães, "[...] empregado com vantagens nos casos de anemia, chlorose, enfraquecimento nas mulheres paridas e nas amas de leite" (Commercio do Amazonas, 28/09/1899, p, 04).

Essas questões higiênicas andavam de mãos dadas com o evolucionismo científico e as teorias raciais. O historiador Robson Roberto Silva registra que "a mentalidade cientificista do final do século XIX, fundamentada no racismo, justificava os cuidados que deveriam ter com o leite materno das escravas, pois havia a crença que esse leite transmitiria padrões de imoralidade para as crianças" (SILVA, 2016, p. 312). As escravas e as negras libertas eram acusadas de degenerar as crianças e o ambiente familiar. Não é de se estranhar que, em 1913, uma família da rua dos Andradas anunciasse que precisava de "[...] uma ama de leite séria e de bons costumes" (Jornal do Commercio, 20/03/1913, p. 01) ou que um agenciador informasse ter uma "[...] ama de leite portugueza com bom comportamento e de bôa familia" (Jornal do Commercio, 07/04/1913, p. 01).

As amas de leite, assim como os negociantes de gêneros alimentícios, seus empregados, vendedores ambulantes (peixeiros, leiteiros, garapeiros, doceiros, padeiros, merceeiros, confeiteiros), donos e empregados de restaurantes, hotéis, pensões, botequins, refinações, torrefações, açougueiros, magarefes, cozinheiros, copeiros, carregadores e condutores, deveriam comparecer na sede da Prefeitura, durante todo o mês, das 9 às 11 e das 13 às 16, para serem inspecionadas e receber a licença de atividade, sob a pena de multa (Inspecção Sanitaria. In: A Capital, 07/12/1917, p. 03).

Na década de 1930 as inspeções sanitárias obrigatórias para as categorias anteriormente citadas, estando aí incluídas as amas de leite, passaram a ocorrer duas vezes por ano. Ficou estabelecido no parágrafo único do artigo 321 do capítulo 8 do Código de Posturas de 1938, sobre a saúde pública, que caso a pessoa não comparecesse e fosse encontrada exercendo seu ofício sem a carteira sanitária seria multada em 20 mil réis e, no artigo 322, "caso o portador da carteira sanitária venha a contrair qualquer moléstia contagiosa, não poderá continuar a exercer sua atividade, enquanto não ficar curado, sob pena de multa de cinquenta mil réis" (SAMPAIO, 2016, p. 328).

É perceptível a importância que as amas de leite tiveram como trabalhadoras urbanas na cidade de Manaus, atuando em instituições de caridade, educacionais e, principalmente, casas particulares. Toleradas no século XIX por necessidades, garantindo ganhos a seus senhores e, no caso das mulheres livres, atuando de forma independente, as amas se tornaram alvo de críticas e da fiscalização sanitária, o que contribuiu para o seu desaparecimento.


FONTES:

O Catechista, 28/01/1865.

Amazonas, 21/11/1880.

Jornal do Amazonas, 10/05/1888.

Diário Oficial, 14/01/1894.

Commercio do Amazonas, 22/06/1898.

Commercio do Amazonas, 01/07/1898.

Commercio do Amazonas, 03/07/1898.

Commercio do Amazonas, 06/07/1898.

Commercio do Amazonas, 28/09/1899.

Jornal do Commercio, 27/12/1905.

Correio do Norte, 23/02/1906.

Jornal do Commercio, 17/12/1907.

Jornal do Commercio, 31/01/1907.

Jornal do Commercio, 24/06/1907.

Correio do Norte, 21/05/1911.

Jornal do Commercio, 19/03/1912.

Jornal do Commercio, 20/03/1913.

Jornal do Commercio, 07/04/1913.

Jornal do Commercio, 07/01/1914.

Jornal do Commercio, 26/08/1917.

A Capital, 07/12/1917.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALENCASTRO, Luiz Felipe. Vida privada e ordem privada no Império. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe (Org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 11-93.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48° ed. São Paulo: Global, 2003.

FRANCO, Renato. Órfãos e expostos no império luso-brasileiro. O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira, 23/05/2018. Disponível em:http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=5201&Itemid=344. Acesso em 02/07/2020.

GUTIERRES, Damiana Valente Guimarães. No colo da ama de leite: a prática cultural da amamentação e dos cuidados das crianças na Província do Grão-Pará no século XIX. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Belém, 2013.

SILVA, Robson Roberto. A presença das amas-de-leite na amamentação das crianças brancas na cidade de São Paulo no século XIX. Antíteses (Londrina), v. 9, n. 17, p. 297-322, jan./jun. 2016.

SAMPAIO, Patrícia Melo (Org.). Posturas municipais, Amazonas (1838-1967). Manaus: EDUA, 2016.

domingo, 29 de setembro de 2019

Atividade sobre a Mineração na América Portuguesa (8° ano do Ensino Fundamental)

Processo de extração e lavagem de ouro no Rio das Velhas. Gravura do século XVIII, de autor desconhecido. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. A Travessia da Calunga Grande - Três Séculos de Imagens sobre o Negro no Brasil (1637-1899). São Paulo: Edusp, 2000.

Essa atividade foi desenvolvida na disciplina Prática Integrada VII, do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ministrada pelo Professor Me. Felipe Cabral Cavalcante. Sob sua orientação ficamos encarregados de produzir uma atividade de Ensino Fundamental sobre a mineração na América Portuguesa tendo como limitador o livro Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, de forma a realizar a transposição didática de uma obra acadêmica para o ensino básico. A minha, abaixo reproduzida, versa sobre a Intendência de Minas, órgão administrativo que geria todos os assuntos referentes à mineração. Seu público alvo é o do 8° ano do Ensino Fundamental:


LEITURA COMPLEMENTAR

Leia o texto abaixo e, em seguida, responda as questões:


A Intendência de Minas

“Para executar o Regimento, cobrar o quinto, superintender1 todo o serviço da mineração e resolver os pleitos2 entre os mineradores, bem como destes com terceiros, em questões atinentes à mineração, criou-se um organismo administrativo especial: a Intendência de Minas. Em cada capitania em que houve extração de ouro, organizou-se uma Intendência que nas suas atribuições independia completamente das demais autoridades coloniais: só prestava contas e obediência ao governo da metrópole. Compunha-se a Intendência de um superintendente3, conhecido vulgarmente como intendente, a quem cabia a direção geral do serviço, e de um guarda-mor4, que é quem fazia a repartição das datas5 e fiscalizava, nas minas, a observância do regimento. O guarda-mor podia-se fazer substituir em lugares “afastados” […] por guarda-menores que ele próprio nomeava. Seguiam-se naturalmente escrivão e outros oficiais auxiliares.

Subordinava-se à Intendência a Casa de Fundição, onde se recolhia obrigatoriamente todo ouro extraído, e onde, depois de fundido, ensaiado, quintado (isto é, deduzido do quinto da coroa), e reduzido a barras cunhadas, era devolvido ao portador acompanhado de um certificado de origem que provava o cumprimento das formalidades legais e com que deviam circular as barras. Só então podia o ouro correr livremente e ser expedido para fora da capitania”.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. 23° Ed. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 175-176.



QUESTÕES

1. Liste os funcionários que formavam a Intendência de Minas e descreva suas funções.

2. Qual a relação entre a Intendência de Minas e a Casa de Fundição?


GLOSSÁRIO DE APOIO:

1 SUPERINTENDER: O mesmo que dirigir.
2 PLEITO: O mesmo que discussão.
3 SUPERINTENDENTE: O mesmo que chefe, supervisor.
4 GUARDA-MOR: Oficial que atuava como “policial”.
5 DATAS: Terrenos para mineração divididos em lotes.


A atividade consiste em duas questões dissertativas sobre um trecho da obra de Caio Prado Júnior. Para auxiliar os discentes, produziu-se um pequeno glossário de termos (destacados em negrito) que possam oferecer alguma dificuldade em sua realização. Sugere-se que seja realizada após, no mínimo, duas aulas sobre a mineração no período colonial, para que os alunos tenham algumas noções sobre o tema a que se refere o trabalho. Dessa forma, utilizando o trecho de uma obra acadêmica, transformada em uma atividade simples, com apoio do professor, os alunos do Ensino Fundamental já podem ir familiarizando-se com leituras mais complexas.



CRÉDITO DA IMAGEM:

http://multirio.rio.rj.gov.br