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sexta-feira, 3 de julho de 2020

Escravas ou livres, sadias e de bons costumes: Amas de leite na cidade de Manaus (séculos XIX e XX)

Lucílio de Albuquerque (1877-1939): Mãe Preta, 1912. FONTE: commons.wikimedia.org.

As amas de leite eram mulheres que tinham como ocupação a amamentação dos filhos das classes mais abastadas da sociedade. No Brasil as escravas eram forçadas a amamentar e cuidar dos filhos de seus senhores, também sendo alugadas por estes e obrigadas a deixar seus rebentos sem esse contato maternal, o que gerava uma alta taxa de mortalidade entre os recém nascidos escravos (SILVA, 2016, p. 302). 

De acordo com o sociólogo e historiador Gilberto de Mello Freyre, esse costume tinha raízes portuguesas: "De Portugal transmitira-se ao Brasil o costume das mães ricas não amamentarem os filhos, confiando-os ao peito de saloias ou escravas" (FREYRE, 2003, p. 443). Tal costume não se reproduzia apenas por puro modismo ou indiferença . Imperavam questões de saúde. As sinhás, ainda muito jovens, tinham vários filhos em um curto intervalo de tempo, ficando esgotadas e impossibilitadas de lhes dar os devidos cuidados. Dessa forma, as escravas, "adaptadas" aos trópicos e consideradas mais resistentes, eram ideais para o aleitamento. "A tradição brasileira", escreve Freyre, "não admite dúvida: para ama-de-leite não há como a negra" (FREYRE, 2003, p. 444).

O historiador Luiz Felipe de Alencastro cita o aluguel de amas de leite como uma importante atividade econômica das cidades brasileiras do Império. "Pequenos senhores de escravos exploravam esse mercado, alugando a terceiros suas cativas em período pós-natal" (ALENCASTRO, 1997, p. 63). Ainda conforme Alencastro, a partir 1850 a presença de mulheres imigrantes de origem portuguesa "traz para a corte uma oferta de amas-de-leite brancas que passam a competir com as mucamas de aluguel, tornando complicado o debate sobre a amamentação" (ALENCASTRO, 1997, p. 64).

As libertas e as imigrantes citadas por Alencastro, para se sustentarem, também ofereciam esse serviço, que não se restringiu ao período do Império. As amas de leite continuaram a atuar ao longo do século XX, tanto no Brasil rural, profundo, quanto no urbano. Nos jornais publicados em Manaus entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX foram encontrados anúncios desse serviço, bem como registros em leis e decretos. Ainda que em menor quantidade quando comparados aos do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, são fontes importantes para a compreensão dessa prática na região.

Uma das referências mais antigas à atuação das amas de leite em Manaus surge no Código de Posturas Municipais de 1848. No artigo 137 do capítulo 16, sobre a economia municipal, ficou estabelecido que "As Câmaras marcarão salários às amas dos expostos pelo trabalho da criação, e educação, e prestarão enxoval preciso aos mesmos" (SAMPAIO, 2016, p. 35). Os expostos citados no artigo, de acordo com o historiador Renato Franco, eram 

"[...] as crianças recém-nascidas, anonimamente abandonadas pelos pais, que, assim, abriam mão da tutela e da criação dos filhos. Diferentemente dos órfãos, para quem a morte dos progenitores era uma referência incontornável, a criança exposta era considerada em seu grau zero de ascendência, portanto, por definição, livre" (FRANCO, 2018, s. p.).

O Capitão Clementino José Pereira Guimarães, Barão de Manaus, foi autorizado em 1865 "[...] a alugar escravas sadias e proprias para o serviço de casa de familia" (O Catechista, 28/01/1865, p. 04). De acordo com a Mestre em Educação Damiana Valente Guimarães Gutierres, "uma das principais características mais recorrentemente abordadas nos discursos dos anúncios é da ama de leite ser sadia, saudável e sem vício" (GUTIERRES, 2013, p. 113).

Em 1880, o jornal Amazonas, de propriedade do Coronel José Carneiro dos Santos, anunciava que em sua tipografia existia uma pessoa que precisava dos serviços de uma ama de leite, podendo ser livre ou escrava, e que esta oferecia um bom pagamento (Amazonas, 21/11/1880, p. 04).

As amas de leite poderiam ser escravas ou livres. FONTE: Amazonas, 21/11/1880, p. 04.

O trabalho dessas mulheres não ficava restrito ao ambiente familiar, também sendo sendo solicitado em instituições governamentais. Em 1888 o Instituto dos Educandos Artífices, instituição de ensino em regime de internato para meninos órfãos e carentes, fez publicar no Jornal do Amazonas que precisava de uma ama de leite, pagando bem a quem estivesse disponível (Jornal do Amazonas, 10/05/1888, p. 04).

Instituições como o Instituto dos Educandos Artífices solicitavam o serviço das amas de leite. FONTE: Jornal do Amazonas, 10/05/1888, p. 04.

Os anúncios do final do século XIX e início do século XX tornam-se mais detalhados, possibilitando conhecer os requisitos e as condições de trabalho dessas mulheres. Em 1898 o jornal Commercio do Amazonas publicou uma série de anúncios de um morador da rua Lima Bacury, no Centro, que precisava de uma ama de leite: "AMA DE LEITE. - Precisa-se de uma, a tratar na rua Lima Bacury, casa n. 44. Garante-se bom ordenado" (Commercio do Amazonas, 22/06/1898, p. 02, 01/07/1898, p. 02, 03/07/1898, p. 04 e 06/07/1898, p. 03). Em anúncio de 1906 veiculado no Correio do Norte solicitava-se uma ama de leite para trabalhar no interior: "Ama de leite. Precisa-se de uma, para o interior, logar sadio, paga-se bem. Quem estiver nas condições, dirija-se a Estrada Epaminondas n. 140 (Avenida Dr. Constantino Nery)" (Correio do Norte, 23/02/1906, p. 03). Em alguns casos amas da capital passaram a viver no interior do Estado com as famílias contratantes, em um verdadeiro movimento de migração interna.

Não raro amas de leite da capital mudavam-se com as famílias contratantes para o interior do Estado. FONTE: Jornal do Commercio, 24/06/1907, p. 02.

São raros os anúncios que informam a idade da criança que seria amamentada. Foi encontrado apenas um, de 1917, no qual a criança, filha de um casal morador da Praça da Constituição (Heliodoro Balbi, da Polícia), teria 8 meses (Jornal do Commercio, 26/08/1917, p. 01).

As amas de leite estrangeiras, portuguesas e espanholas, surgem nos anúncios de jornais nesse período. É possível que já atuassem na cidade há mais tempo. Na rua Mundurucus, por volta de 1905, uma portuguesa tinha "[...] leite abundando e novo" (Jornal do Commercio, 27/12/1905, p. 03), o que sugere que acabara de ter filho (s), estando apta para o trabalho de ama. Em outro anúncio publicado no Jornal do Commercio podemos observar que as amas de leite deveriam ser jovens, na casa dos 20 anos:

Anúncio de uma ama de leite espanhola, com idade entre 26 e 27 anos. As amas europeias passaram a rivalizar com as amas locais. FONTE: Jornal do Commercio, 17/12/1907, p. 03.

Além da boa saúde e ausência de vícios, uma das preferências dos usuários de seus serviços era que não tivessem filhos, já que toda a atenção deveria ser dada à (s) criança (s) do (s) contratante (s). Como no Império, não deveriam existir vínculos maternais mais profundos entre as amas e seus próprios filhos no século XX. Na ausência da mãe a criança deveria ser cuidada por terceiros, geralmente os avós. Essas mulheres acabavam criando sentimentos pelas crianças que amamentavam,  e vice-versa, como deixou registrado o poeta Agesilao Jorge no poema Ao passado, escrito em 1908 e publicado em 1911, no qual lembra de sua antiga ama de leite negra:

"Minha velha ama preta, alvinha de bonança,
conta, inda outra vêz, as lucidas historias
repletas de dragões e cheias de victorias,
como naquelle tempo em que eu inda era criança...

Conta-m'as, novamente, agora ao homem feito;
minh' alma aspira, olhando o teu rosto enrugado
e ouvindo o teu fallar dolorido e pausado
reviver o bom tempo em que me deste o peito!...

Que importa sejas preta e, talvêz mesmo, feia,
si no teu coração nevado de pureza
estão sempre a sorrir a Bondade, a Belleza
e o Amôr, a refulgir como uma lua cheia!...

Já nem conheces tu o rosto que beijavas
(agora tão mudado); o mesmo rosto anjo,
dormindo no teu collo, ó Santa, ó nobre Archanjo
que em minha doce Infancia, á noite, me emballavas!...

Quanto lastimo a ver-te hoje nessa velhice,
vivendo do Passado e esquecendo o Presente,
no cruel abatemente insano dessa mente
que se desfaz no occaso atro da caduquice!...

Pudesse eu despender um pouco de vigor
de minha mocidade e l' o insufflar á vida
que desffallce e morre, ora rão succumbida...
Provar-te ia assim esse meu grande amor!...

1908.

Agesilão Jorge" (Correio do Norte, 21/05/1911, p. 01).

Uma família da rua Municipal (Avenida Sete de Setembro) precisava de uma ama de leite que tivesse boa saúde e que não tivesse filho. FONTE: Jornal do Commercio, 07/01/1914, p. 01.

As agências de aluguel entram em cena nesse período. Têm-se o registro, em 1907, da Agência 'Locadora', localizada na então Avenida Silvério Nery (Joaquim Nabuco), alugando diversos serviços, dentre eles o de ama de leite:

"Agencia "Locadora"
Aluga-se cosinheiras, cosinheiros, copeiras, lavadeiras, criados, caixeiros e uma ama de leite.
Na mesma agencia trata-se de qualquer negocio.
Avenida Silverio Nery n. 88.
A. Araújo & Cia" (Jornal do Commercio, 31/01/1907, p. 04).

Os anúncios nos informam uma série de requisitos para o trabalho, sendo a boa saúde o mais frequentemente citado. FONTE: Jornal do Commercio, 19/03/1912, p. 01.

Desde fins do século XIX o trabalho das amas de leite passou a ser alvo de regulamentações, frutos da difusão de políticas sanitaristas há muito reclamadas por médicos e administradores públicos. No inciso 5 do capítulo 2 do Regulamento para o serviço sanitário do Estado do Amazonas (1894), sobre a atribuição dos empregados, determinou-se que estes tinham de "incumbir-se dos exames das amas de leite" (Diário Oficial, 14/01/1894, p. 01).

Existiam no mercado produtos utilizados para "otimizar" o trabalho das amas, isto é, fortificar o leite e deixá-lo livre de impurezas. Os jornais recomendavam o Vinho Iodo-Phosphatado de V. Werneck, o Vinho Toni-Nutritivo do dr. Lima Guimarães, "[...] empregado com vantagens nos casos de anemia, chlorose, enfraquecimento nas mulheres paridas e nas amas de leite" (Commercio do Amazonas, 28/09/1899, p, 04).

Essas questões higiênicas andavam de mãos dadas com o evolucionismo científico e as teorias raciais. O historiador Robson Roberto Silva registra que "a mentalidade cientificista do final do século XIX, fundamentada no racismo, justificava os cuidados que deveriam ter com o leite materno das escravas, pois havia a crença que esse leite transmitiria padrões de imoralidade para as crianças" (SILVA, 2016, p. 312). As escravas e as negras libertas eram acusadas de degenerar as crianças e o ambiente familiar. Não é de se estranhar que, em 1913, uma família da rua dos Andradas anunciasse que precisava de "[...] uma ama de leite séria e de bons costumes" (Jornal do Commercio, 20/03/1913, p. 01) ou que um agenciador informasse ter uma "[...] ama de leite portugueza com bom comportamento e de bôa familia" (Jornal do Commercio, 07/04/1913, p. 01).

As amas de leite, assim como os negociantes de gêneros alimentícios, seus empregados, vendedores ambulantes (peixeiros, leiteiros, garapeiros, doceiros, padeiros, merceeiros, confeiteiros), donos e empregados de restaurantes, hotéis, pensões, botequins, refinações, torrefações, açougueiros, magarefes, cozinheiros, copeiros, carregadores e condutores, deveriam comparecer na sede da Prefeitura, durante todo o mês, das 9 às 11 e das 13 às 16, para serem inspecionadas e receber a licença de atividade, sob a pena de multa (Inspecção Sanitaria. In: A Capital, 07/12/1917, p. 03).

Na década de 1930 as inspeções sanitárias obrigatórias para as categorias anteriormente citadas, estando aí incluídas as amas de leite, passaram a ocorrer duas vezes por ano. Ficou estabelecido no parágrafo único do artigo 321 do capítulo 8 do Código de Posturas de 1938, sobre a saúde pública, que caso a pessoa não comparecesse e fosse encontrada exercendo seu ofício sem a carteira sanitária seria multada em 20 mil réis e, no artigo 322, "caso o portador da carteira sanitária venha a contrair qualquer moléstia contagiosa, não poderá continuar a exercer sua atividade, enquanto não ficar curado, sob pena de multa de cinquenta mil réis" (SAMPAIO, 2016, p. 328).

É perceptível a importância que as amas de leite tiveram como trabalhadoras urbanas na cidade de Manaus, atuando em instituições de caridade, educacionais e, principalmente, casas particulares. Toleradas no século XIX por necessidades, garantindo ganhos a seus senhores e, no caso das mulheres livres, atuando de forma independente, as amas se tornaram alvo de críticas e da fiscalização sanitária, o que contribuiu para o seu desaparecimento.


FONTES:

O Catechista, 28/01/1865.

Amazonas, 21/11/1880.

Jornal do Amazonas, 10/05/1888.

Diário Oficial, 14/01/1894.

Commercio do Amazonas, 22/06/1898.

Commercio do Amazonas, 01/07/1898.

Commercio do Amazonas, 03/07/1898.

Commercio do Amazonas, 06/07/1898.

Commercio do Amazonas, 28/09/1899.

Jornal do Commercio, 27/12/1905.

Correio do Norte, 23/02/1906.

Jornal do Commercio, 17/12/1907.

Jornal do Commercio, 31/01/1907.

Jornal do Commercio, 24/06/1907.

Correio do Norte, 21/05/1911.

Jornal do Commercio, 19/03/1912.

Jornal do Commercio, 20/03/1913.

Jornal do Commercio, 07/04/1913.

Jornal do Commercio, 07/01/1914.

Jornal do Commercio, 26/08/1917.

A Capital, 07/12/1917.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALENCASTRO, Luiz Felipe. Vida privada e ordem privada no Império. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe (Org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 11-93.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48° ed. São Paulo: Global, 2003.

FRANCO, Renato. Órfãos e expostos no império luso-brasileiro. O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira, 23/05/2018. Disponível em:http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=5201&Itemid=344. Acesso em 02/07/2020.

GUTIERRES, Damiana Valente Guimarães. No colo da ama de leite: a prática cultural da amamentação e dos cuidados das crianças na Província do Grão-Pará no século XIX. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Belém, 2013.

SILVA, Robson Roberto. A presença das amas-de-leite na amamentação das crianças brancas na cidade de São Paulo no século XIX. Antíteses (Londrina), v. 9, n. 17, p. 297-322, jan./jun. 2016.

SAMPAIO, Patrícia Melo (Org.). Posturas municipais, Amazonas (1838-1967). Manaus: EDUA, 2016.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

A visita da Família Imperial Brasileira a Manaus (1927)

D. Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança e sua família. FONTE: Blog do Antonio Morais.

Em 1927, D. Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança (1875-1940), filho de Isabel Cristina Leopoldina de Bragança, a Princesa Isabel (1846-1921), e do Príncipe Imperial Consorte Gastão de Orléans, o Conde D’ Eu (1842-1922), e neto de Dom Pedro II (1825-1891), visitou a cidade de Manaus, último destino de sua excursão pelos Estados da região Norte do país.

D. Pedro, acompanhado de sua esposa Princesa Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz e da filha Princesa Isabel de Orléans e Bragança, chegou a Manaus na tarde de 23 de maio de 1927 a bordo do vapor ‘Distrito Federal’, sendo anunciado com fogos de artifício, recebido por autoridades políticas, militares e por grande número de pessoas que tomaram o Porto. O Jornal do Commercio foi representado pelo jornalista Genesino Braga (1906-1988). D. Pedro lhe disse que estava maravilhado com os aspectos amazônicos que pôde observar durante a viagem. Ao desembarcar, os membros da Família Imperial foram levados pela população para a Praça Oswaldo Cruz (da Matriz), onde forem por ela aclamados. A pedido da Associação Comercial do Amazonas (ACA), o comércio em geral fechou as portas em respeito aos ilustres visitantes, bem como a Associação dos Empregados suspendeu uma das sessões que realizaria naquele dia.

A Praça Oswaldo Cruz (da Matriz) no ano da visita da Família Imperial Brasileira. Foto de 1927 de David Vladimir Gutman. FONTE: GUTMAN, D. V. - 1000 Miles Up The Amazon With the Booth Line.

Em meio à multidão, D. Pedro entrou em um carro presidencial, acompanhado do Capitão Oliveira Goes, Ajudante de Ordens do Governador do Estado, Hugo Ribeiro Carneiro, Governador do Acre, que também estava no vapor ‘Distrito Federal’, e do Major Floriano Machado, posto à sua disposição pelo Governador Ephigênio Ferreira Salles. Elisabeth e sua filha foram em outro carro, na companhia da família do Dr. Simplício Coelho de Mello Rezende (1873-1932). Outros automóveis, com pessoas da sociedade manauara, acompanharam a comitiva de Pedro, que recebeu continências de uma força policial que estava no local.

A comitiva seguiu pela Avenida Eduardo Ribeiro, dobrando a Avenida Sete de Setembro, indo em direção à Avenida Joaquim Nabuco e desta para a Praça dos Remédios, parando em frente ao Palacete da família Mello Rezende, onde ficaram hospedados os príncipes. De noite, às 21 horas, os Mello Rezende realizaram uma grande recepção, que contou com a presença de outras famílias da elite. O evento foi embalado pela orquestra do Professor Mozart Donizetti, indo até a meia-noite.

No dia seguinte, o Centro Acadêmico da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Manaus visitou o príncipe, que afirmou aos seus representantes, Paulino Pedreira e Paes Barreto Filho, ter gostado bastante do Amazonas, região que o encantou não só pelas dimensões, mas por abrigar, entre as selvas, uma cidade como Manaus. Por todas as regiões do mundo por onde passou, esta foi a que mais lhe deixou impressionado. Impressão semelhante teve seu secretário, o Tenente Mario Baldi, oficial do Exército Austríaco, que não esperava encontrar uma cidade tão linda como Manaus. Afirmava, ainda, ser o Amazonas o dínamo do Brasil.

Registro raro da Família Imperial Brasileira em Manaus, no Palacete Mello Rezende. Foto de 1927. FONTE: Jornal do Commercio, 29/05/1927.

No dia 27, Dom Pedro, junto ao Major Floriano Machado, visitou a Fábrica de Cerveja Amazonense, de Miranda Corrêa & Cia, localizada no bairro dos Tócos (Aparecida), sendo recebido no salão de honra pelo Dr. Maximino Corrêa. O príncipe ficou bastante admirado em ver um estabelecimento industrial daquele porte. Posteriormente foi à Manáos Harbour, onde foi recebido pelo diretor, pelos gerentes e demais funcionários. Também visitou o monumental Colégio Amazonense Dom Pedro II, instituição educacional criada nos tempos do Império, deixando sua assinatura no livro de visitantes. Às 13:30 do mesmo dia, recebeu a visita de uma comissão de operários, indo depois ao Clube Inglês. Visitou o prédio dos Correios, recepcionado pelo administrador Raul de Azevedo e pelos funcionários, percorrendo todas as dependências dessa repartição. De volta ao Palacete Mello Rezende, foi visitado por uma comissão da Associação de Mestres e Práticos. À noite foi recebido no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e, ao fim desta, compareceu a uma reunião no Clube Alemão.

Na manhã do dia 28, na companhia do Governador Ephigênio Ferreira Salles, do Prefeito Araújo Lima e de outras autoridades, a Família Imperial fez um passeio fluvial no vapor ‘Inca’. À noite a empresa Fontenelle, proprietária do Cine Polytheama, ofereceu aos príncipes uma noite de gala, exibindo o filme Uma Noite Gloriosa (1924), drama norte-americano editado pela Paramount e protagonizado pela atriz Elaine Hammerstein. Como atrações musicais figuraram a Amazônia Jazz, com vasto repertório, e a Banda da Polícia Militar do Estado do Amazonas. No dia 29, às 21:30, a Academia Amazonense de Letras realizou, no Ideal Clube, um festival artístico em homenagem aos príncipes. Dom Pedro teve uma boa impressão dessa instituição, principalmente de seus acadêmicos.

Dom Pedro de Orléans e Bragança e sua comitiva deixaram Manaus no dia 30, partindo às 17:00 horas no vapor ‘Andirá’ em direção à Belém, em de lá para o Sul. Terminava aquela que foi uma das visitas mais memoráveis que Manaus recebeu, apesar de ser pouco conhecida. Interessante notar que, décadas antes, no final do Império, em 1889, seu pai, Conde D’ Eu, em visita a cidade, fora recebido com desconfiança e manifestos dos republicanos locais. Passadas quase quatro décadas, quando a ideia de um 3° Reinado já não tinha mais tanta força quanto antes, D. Pedro pôde visitar Manaus tranquilamente, sendo bem recebido e ovacionado pelos locais em que passou.


FONTES:

Jornal do Commercio, 24/05/1927.

Jornal do Commercio, 27/05/1927.

Jornal do Commercio, 28/05/1927.

Jornal do Commercio, 29/05/1927.

O Acadêmico – Órgão dos Estudantes da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Manaus, 19/06/1927.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Anúncios de escravos em jornais da Província do Amazonas (1857-1880)

Hoje, 10 de julho, comemora-se a abolição da escravidão no Amazonas, decretada em 10 de julho de 1884 pelo então presidente da Província do Amazonas Theodureto Carlos de Faria Souto. O movimento pela libertação dos escravos da Província e o fim dessa prática já vinha sendo desenvolvido por sociedades abolicionistas de senhoras, pela Maçonaria, por estudantes e intelectuais da região. Em 1884 surgiu o jornal O Abolicionista do Amazonas, gerido por senhoras que propagavam os ideais de libertação uma ou mais vezes na semana através desse periódico. No presente texto apresento alguns anúncios de venda e de recompensas para a captura de escravos publicados em jornais da Província do Amazonas entre 1857 e 1880.

José Piranga, escravo negro e oficial de calafate, humilde e com 32 anos, fugiu do domínio de José Joaquim de França, no dia 09 de abril de 1857, levando consigo seu filho de nome Cipriano, com 13 anos de idade. Percebam como funcionava a circulação de escravos: José Piranga foi escravo do Capitão Thomaz, de Villa Bella, sendo posteriormente comprado por José Coelho do Itaituba, que o vendeu para José Joaquim de França, o anunciante. O proprietário oferecia uma gratificação a quem os capturasse, assim como se manifestaria contra os que lhes dessem abrigo. Serpa (Itacoatiara), 10/04/1857.

Mesquita & Irmãos, grandes comerciantes da época, estabelecidos na antiga rua do Imperador (Marechal Deodoro), anunciam para aluguel um escravo que entendia de cozinha. O aluguel de escravos garantia uma boa renda aos proprietários. Manaus, 1866.

Com um grande título escrito 'Gratifica-se', Amorim & Irmãos, propriedade do Comendador Alexandre de Paula de Brito Amorim (1831-1881), oferecia uma gratificação a quem capturasse o escravo Bernardino, 'molato folo', que pertenceu ao capitão Antonio Lebo de Macedo, que o vendeu a João José Ferreira, que depois o vendeu a Custódio Pires Garcia, de quem foi comprado pelos anunciantes. Assim como Mesquita & Irmãos, manifestaria-se contra quem desse abrigo ao fugitivo. Manaus, 18/12/1867.

Alguns anúncios eram extensos, nos oferecendo mais detalhes sobre os proprietários e o escravo fugido. Antonio José Lopes Braga, procurador de seu irmão Luiz Antonio Lopes Braga, este herdeiro de Hermenegildo Lopes Braga, procurava um antigo escravo de Hermenegildo, em fuga desde 1868, cujo nome era Tristão, de mais ou menos 25 anos de idade, de cor "mulata atapuiado", de cabelos meio crespos, altura normal. Detalhes, muitos detalhes. Com essas descrições facilitava-se o reconhecimento e a captura. Sabia-se que estava em Silves, no interior. Caso fosse capturado, poderia ser entregue em três endereços: Em Manaus; no Pará, na firma Francisco Joaquim Pereira & Cia; e na Ilha das Araras, no rio Madeira, ao Capitão Antonio Lopes Braga. As despesas feitas durante a captura e a viagem seriam pagas pelo anunciante. O mesmo afirmava que não seria aplicado no escravo qualquer forma de castigo. Sobre a recompensa, esta ficaria em cem mil réis. Da mesma forma que outros anunciantes, manifestaria-se contra os que lhe dessem abrigo. Manaus, 31/08/1870.

Tratados como mercadorias, os escravos, importados ou já nascidos nessa condição, iam e viam, utilizados em casas comerciais, em afazeres domésticos e serviços públicos. Nesse anúncio a firma Debusine & Levy, estabelecida na rua Brasileira (Avenida Sete de Setembro), informava necessitar de um escravo. Quem tivesse algum disponível para a venda deveria levá-lo até a sede da mesma. Manaus, 29/05/1880. 


FONTES (PERIÓDICOS):

Estrella do Amazonas, 10/04/1857.
Amazonas, 1866.
Jornal do Rio Negro, 18/12/1867.
Amazonas, 31/08/1870.
Amazonas, 29/05/1880.








segunda-feira, 30 de abril de 2018

Anúncios diversos da Província do Amazonas (1857-1884)

No presente texto selecionei alguns anúncios de jornais que circularam no Amazonas no período provincial, entre 1857 e 1884. São recortes de casas comerciais, de grande e médio porte, de recompensas para captura de escravos, de serviços oferecidos por particulares, de produtos importados etc. A partir desses anúncios pode-se compreender parte da dinâmica comercial na Província do Amazonas, conhecer os produtos que circulavam na região e ter uma noção de como funcionava a publicidade no século XIX.

José Piranga, escravo negro e oficial de calafate, humilde e com 32 anos, fugiu do domínio de José Joaquim de França, no dia 9 de abril de 1857, levando consigo seu filho de nome Cipriano, de 13 anos de idade. Percebam como funcionava a circulação de escravos: José Piranga foi escravo do Capitão Thomaz, de Villa Bella, sendo posteriormente comprado por José Coelho do Itaituba, que o vendeu a José Joaquim de França, o anunciante. O proprietário oferecia uma gratificação a quem os trouxesse de volta, assim como a repressão àqueles que lhes dessem abrigo. Serpa (Itacoatiara), 10 de abril de 1857.

Mesquita e Irmãos, grandes comerciantes da época, estabelecidos na antiga rua do Imperador (Marechal Deodoro), anunciam para aluguel um escravo que entende de cozinha. O aluguel de escravos garantia uma boa renda aos proprietários. Manaus, 1866. 


O Major Tapajós, das 9 da manhã às 3 da tarde oferecia em sua casa serviços fotográficos, utilizando os mais diferentes sistemas. Também fazia retratos em casas particulares e tirava fotos de pessoas falecidas, revelando a existência da prática de fotografias mortuárias no Amazonas. Além de trabalhar com fotografias, concertava caixas de música. Manaus, 1866.

A Saboaria Vista da Alegre, de Amorim & Irmãos, foi premiada na II Exposição Nacional de 1866, no Rio de Janeiro. Além de comercializar na cidade, também exportavam seus produtos, sabões pretos e amarelos, para o interior da Província. O depósito ficava na rua Brazileira (Sete de Setembro), cuja referência era a loja de nove portas. Manaus, 1868.

José Joaquim Ribeiro Couto, proprietário da loja Ville de Pariz, localizada entre a Travessa da Matriz (Lobo D' Almada) e a rua dos Inocentes (Visconde de Mauá), investiu pesado na divulgação de seus produtos importados através de um rico e interessante trabalho artístico com motivos florais. As fazendas, perfumes, chapéus, cintos e outros objetos que anuncia formam uma ampulheta. Manaus, 1869.

Por 2 mil réis o quilo e meio (o pagamento deveria ser feito à vista) era possível encomendar gelo de Antonio Rodrigues Soares, estabelecido na Praça da Imperatriz (Praça da Matriz de Nossa Senhora da Conceição). Manaus, 1878.

Profissionais liberais também anunciavam seus serviços. O advogado Luiz Mesquita de Loureiro Marães atendia no escritório da redação do jornal Comércio do Amazonas, na rua Henrique Martins, N° 18. Manaus, 1880.

Todos os dias, das 5 às 7 da manhã, um certo 'Braga', morador da rua Henrique Martins, vendia leite de vaca, possivelmente ordenhado na hora. Esse tipo de comércio passaria a enfrentar grandes dificuldades a partir das décadas finais do século XIX, quando foram instituídos Códigos de Posturas mais rígidos em relação à comercialização de produtos naturais e a higiene envolvida nos processos. Manaus, 1880.

O doutor D. F. Deserbelles, cirurgião dentista, oferecia seus serviços em um gabinete dentário instalado em uma das casas do Barão de São Leonardo, no Largo de São Sebastião, após retornar de uma viagem pelo rio Purus. Manaus, 1884.


FONTES (PERIÓDICOS):

Estrella do Amazonas
Jornal  Amazonas
Jornal do Rio Negro
Comércio do Amazonas
Almanaque Administrativo, Histórico, Estatístico e Mercantil da Província do Amazonas (1884)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Morte de um bravo: Os necrológios de Joaquim Benjamin da Silva (AM) e Frederico Albano Cardoso Pinto (PA), combatentes na Guerra do Paraguai

Cadáveres de paraguaios após a Batalha de Boquerón, em julho de 1866.

Os necrológios, elogios fúnebres publicados em periódicos locais ou nacionais, são interessantes fontes para a pesquisa histórica, ainda que não tenham sido plenamente explorados em trabalhos acadêmicos na região. Neles é possível encontrar informações de grupos ou de indivíduos, dados biográficos, de escolaridade, religião, carreira, causa mortis e local de sepultamento. A quantidade das informações, o número de páginas e as homenagens dependem da importância que a pessoa teve em vida. Esse tipo de material é utilizado em estudos prosopográficos, podendo ser citados os trabalhos de Andrius Estevam Noronha (1), que utiliza os necrológios para analisar as trajetórias dos membros da elite de Santa Cruz do Sul (RS); e de Juarez José Tuchinski dos Anjos (2), que investigou os modelos de educação familiar contidos nos elogios fúnebres da Província do Paraná (1853-1889).

Como todas as fontes históricas, os necrológios possuem suas possibilidades e limites, devendo ser analisados criticamente. A utilização destes pela história social, cultural e das mentalidades permite aos pesquisadores a identificação de elementos socioculturais de determinadas épocas, os modos de viver e os comportamentos da sociedade ou parte dela diante da morte. No entanto, como salienta Andrius Estevam Noronha, não se deve esgotar os necrológios, “pois esses textos além de omitir várias informações individuais são carregados de um discurso narrativo de estilo romantizado” (NORONHA, 2012, p. 73). Os necrológios publicados em jornais trazem informações resumidas sobre o falecido, em um tom bastante romântico, o que torna necessária a utilização de outras documentações para confrontar esses textos. O historiador deve estar ciente, como citou Noronha, de que esses elogios estão carregados de discursos, pois possuem o objetivo de preservar e distinguir a memória do falecido e de sua família.

Escolhi dois necrológios da segunda metade do século XIX para fazer a análise de seus conteúdos: O do alferes Joaquim Benjamin da Silva, amazonense, e do tenente Frederico Albano Cardoso Pinto, paraense, ambos combatentes na Guerra do Paraguai (1864-1870) e mortos em batalha.


Morte de um bravo (I)

Mais um bravo da nobre família amazonense sacrificado no altar da patria!

Mais uma victima dos horrores da guerra desaparecida para sempre do numero dos vivos!

O alferes Joaquim Benjamin da Silva, que, por seu valor e denodo, havia merecido do governo as honras de uma condecoração, e um posto de accesso, não chegou siquer a receber a noticia desse premio tao bem merecido; porque na sanguinolenta batalha de 16 de julho, avançando contra o inimigo, recebeo no peito uma granada, que o fez voar á mansao dos justos.

O Amazonas deve orgulhar-se de ter tal filho, que, morrendo, legou a sua patria e família um nome gloriozo.

Joaquim Benjamin da Silva foi um heróe, que nos campos do Paraguay, soube honrar o nome brasileiro; e, embora morresse, elle vive e viverá eternamente, porque os heròes residem na historia, e a historia não risca, nem jamais pode riscar seu nome.

O bravo amazonense, quatro dias antes de o matarem, escrevendo a um seu amigo, predisse o triste fim que o aguardava: no dia 12 lançava elle no papel as seguintes expressões:

<<Prefiro uma morte glorioza nestes campos, à voltar para o meu paiz sem ver arrazado o covil da féra>>.

E morreu com effeito antes de ser arrazado o covil da féra!

Oh! Que valor, e que santo patriotismo lhe ardia n’aquelle craneo de mancebo!

Amazonenses! Já não existe Joaquim Benjamin da Silva; resta-nos portanto pranteal-o e orar por sua alma: choremos e oremos, pois, pela alma desse bravo martyr da patria. - A terra lhe seja leve.

Amazonas, 26/09/1866


O necrológio de Joaquim Benjamin da Silva é bastante resumido, não sendo indicado o local de nascimento, a vida em família e a educação que recebeu. Arthur Cézar Ferreira Reis (1989, p. 231), baseado em uma monografia escrita em 1920 por João Batista de Faria e Souza, cita o alferes Benjamin da Silva como natural de Parintins, tendo servido no batalhão de engenheiros. Seria condecorado por suas ações no campo de batalha, o que não ocorreu devido seu falecimento. O autor se confunde apenas quanto a data , citando a batalha do Capão Pires em 16 de julho de 1868 (ocorrida em 16 de julho de 1866), enquanto seu necrológio foi publicado no jornal Amazonas em 26 de setembro de 1866, dois meses após sua morte.

Ainda de acordo com Arthur Cézar Ferreira Reis, até o final do conflito contra o Paraguai o Amazonas contribuiu com mais de mil e quinhentos soldados, os Voluntários da Pátria, tendo regressado, em 25 de julho de 1870, apenas 55 soldados desse total (REIS, 1989, p. 232).

Foi “sacrificado no altar da patria”, legando a sua “patria e família um nome gloriozo”. Preferiu uma morte gloriosa nos campos de batalha do que voltar a ser país sem ver a queda do inimigo. Ardia naquele “crâneo mancebo” um santo patriotismo. No necrológio não fica indicado seu número de posses, sendo seu legado ao Estado e à família sua bravura durante a guerra, que ganha um tom dramático quanto este, quatro dias antes, chegou a prever que pereceria em ação.

Elle vive e viverá eternamente, porque os heròes residem na historia, e a historia não risca, nem jamais pode riscar seu nome”. Essa passagem exemplifica uma noção clássica de história, de que esta era feita pelos grandes homens e centradas em suas ações, que serviriam de exemplo para a posteridade. Joaquim Benjamin da Silva entrou para a história onde residiam os heróis, tornando-se um deles, um “martyr da patria”. Mais que uma homenagem, o necrológio é um instrumento de construção da memória biográfica.

Morte de um bravo (II)

Lê-se no Supplemento do Jornal do Commercio de 27 de novembro:

O inimigo jogou sua artilheria por meia hora, e por meia hora respondemos com fogos crusados de nossos morteiros admiravelmente. A nossa fortificação do Potrero Piris fez tambem excellentes tiros, as da esquerda e frente do mesmo modo.

Parece incrivel que tantas granadas e balas somente nos roubassem uma vida não ferindo a mais ninguém: mas é verdade. Verdade seja que a vida que nos roubou foi por demais apreciavel, por que nada menos foi que a morte de um jovem tenente tão brioso, quanto corajoso: fallamos do tenente de commissão Frederico Albano Cardoso Pinto, natural do Pará, cadete do 9° batalhão de infantaria, ajudante do brioso 6° corpo de voluntarios da patria, em cujas fileiras mereceu a commissão de alferes, e depois de tenente, por assignalados serviços prestados com a dedicação e zelo do bom soldado.

Dotado de maneiras polidas e bastante intelligente o tenente Cardoso Pinto era geralmente estimado. Sua morte foi produzida pelo choque de uma bomba, que, dando-lhe sobre as costellas do lado direito, determinou-lhe a morte instantaneamente. Conduzido na tarde desse dia para o hospital da 2° divisão, seu cadaver foi depozitado na capella do mesmo hospital, e guardadas as ceremonias que se fazem em casos taes; foi na manhã de 31 sepultado no cemiterio deste hospital, sendo seu corpo conduzido pelos drs Macedo Soares, Firmino Doria e pharmaceutico Doria, e De Bertue.

Mais tarde, depois de mudado da guarnição dos morteiros o 6° corpo de volumtarios, compareceram com a banda de muzica do mesmo corpo alguns srs. Officiaes, capitão Machado, tenente Barrilho, alferes Almeida Castro, e alferes Rego Barros que foi encarregado pelo commandante de dirigir a muzica para o seu funeral, sendo que o finado era inspector da mesma muzica.

Receba a família do finado os nossos sentimentos, e com tanta maior dôr quando eramos amigo do tenente Frederico Albano Cardoso Pinto.

A terra lhe seja leve.

A Voz do Amazonas, 12/01/1867


Esse necrológio é mais detalhado, tendo além da causa mortis o local para onde o corpo foi enviado, o local de sepultamento, as pessoas que o conduziram e os militares que dirigiram a música do funeral, já que se tratava de um militar de patente mais alta, um tenente. Ele foi publicado no suplemento do Jornal do Commercio em 27 de novembro de 1866 e republicado no jornal A Voz do Amazonas em 12 de janeiro de 1867. Em um tom bastante dramático, o autor do texto nos transporta para o campo de batalha, descrevendo as investidas do inimigo e a defesa da fortificação brasileira em Potrero Piris.

No dia desse ataque, entre tantos tiros e granadas, apenas um militar faleceu: tenente Frederico Albano Cardoso Pinto, natural do Pará, cadete do 9° batalhão de infantaria, ajudante do 6° corpo de voluntários da pátria, onde ascendeu às patentes de alferes e, depois, tenente. Também foi inspetor da banda de música. Morreu instantaneamente ao ser atingido nas costelas pelo choque de uma bomba. Não é informada a data exata de sua morte. O morto tinha qualidades: era brioso, tinha maneiras polidas e era bastante inteligente.

Seu corpo foi levado para o hospital da 2° divisão, sendo depositado na capela dessa instituição, onde foram realizadas “ceremonias que se fazem em casos taes”, possivelmente uma missa de corpo presente. Na manhã do dia 31 foi sepultado no cemitério do hospital, tendo seu corpo sido conduzido pelos drs. Macedo Soares, Firmino Doria, farmacêutico Doria e De Bertue.

Mais tarde, após o enterro, quando o 6° corpo de voluntários foi mudado da guarnição de morteiros, compareceram com a banda de música alguns oficiais, capitão Machado, tenente Barrilho, alferes Almeida Castro e alferes Rego Barros, encarregado pelo comandante de dirigir a música do funeral. Isso evidencia a importância do tenente Frederico Albano Cardoso, seu capital social para com os colegas militares.

Quanto a família, assim como no necrológio de Joaquim Benjamin da Silva, não são citados nomes. No Decreto N° 1.408, de 10 de agosto de 1867 (3), em que são aprovadas as pensões concedidas ao Major Henrique José Lazary e outros dependentes de militares falecidos, foi possível encontrar o nome da mãe do tenente Frederico Albano Cardoso Pinto, D. Maria Izabel Prestes Cardoso Pinto, que passaria a receber uma pensão de 42$000 réis.

NOTAS:

(1) NORONHA, Andrius Estevam. 'Dados biographicos do extincto': análise das fontes para o estudo prosopográfico de elites locais (os necrológios). In: XI Encontro Estadual de História, 2012, Rio Grande. História de famílias nos confins meridionais: pesquisas, fontes e métodos (1600-1900). Porto Alegre: Pluscom editora, 2012. v. 1. p. 151-151.
(2) ANJOS, J. J. T. . Os necrológios e a educação da criança pela família na província do Paraná (1853-1889). Pro-Posições (Unicamp), v. 28, p. 81-102, 2017.
(3) Decreto Nº 1.408, de 10 de Agosto de 1867. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1408-10-agosto-1867-553582-publicacaooriginal-71707-pl.html Acesso em 14/02/2018.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


NORONHA, Andrius Estevam. 'Dados biographicos do extincto': análise das fontes para o estudo prosopográfico de elites locais (os necrológios). In: XI Encontro Estadual de História, 2012, Rio Grande. História de famílias nos confins meridionais: pesquisas, fontes e métodos (1600-1900). Porto Alegre: Pluscom editora, 2012. v. 1. p. 151-151.

REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia/Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 2° ed, 1989.


FONTES:

Amazonas, 26/09/1866.
A Voz do Amazonas, 12/01/1867.


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