Mostrando postagens com marcador Grécia Antiga. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Grécia Antiga. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Políbio de Megalópolis: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Políbio de Megalópolis (200 a. C. - 118 a. C.). Estátua localizada no Parlamento de Viena, na Áustria.

Políbio de Megalópolis (200 a. C. - 118 a. C.) foi um historiador grego nascido na cidade de Megalópolis, na região da Arcádia. O período em que viveu, de derrocada do mundo helenístico e hegemonia do Império Romano, influenciou grandemente sua produção historiográfica, representada pela obra Histórias, formada por 40 volumes (cobre o período que vai de 220 a. C até 167 a. C.) e cuja análise central recai sobre diferentes aspectos da dominação romana e suas instituições políticas.

Feito prisioneiro pelos romanos, conheceu diretamente suas instituições políticas e como estas funcionavam. O principal elemento do pensamento histórico desse historiador grego diz respeito à história pragmática. A produção de uma narrativa histórica deveria ter uma utilidade, e para Políbio a utilidade da história seria a de que esta possibilitaria a compreensão do tempo presente das sociedades auxiliando nas formas de agir sobre estas. Por formas de agir, entende-se a prática política. Políbio trazia algumas concepções anteriormente vistas em historiadores como Heródoto e Tucídides, da história com um sentido pedagógico para as futuras gerações, mas inovava em certos aspectos:

"[...] Resolvi escrever uma História do gênero pragmático, primeiro porque há sempre uma novidade digna de tratamento novo - não seria possível aos antigos narrar eventos posteriores à sua própria época - e, em segundo lugar por ser considerável a utilidade prática de tal gênero de História, tanto no passado quanto - e principalmente - no presente, numa época em que o progresso das artes e das ciências tem sido tão rápido que as pessoas desejosas de aprender são capazes - digamos assim - de submeter a uma análise metódica quaisquer circunstâncias passíveis de exame. Sendo então o meu objetivo não tanto entreter os leitores quanto beneficiar os espíritos afeitos à reflexão [...], me dediquei a escrever este gênero de História" (POLÍBIO, Histórias, 9, 2).

Nessa passagem, fica claro que a história pragmática, para Políbio, era um gênero à parte de outras formas de trabalho histórico. O historiador grego não pretende entreter seus leitores. Isso está relacionado à prática de antigos historiadores que escreviam genealogias de famílias nobres e realizavam estudos sobre a origem de cidades, gêneros que, para Políbio, estavam voltados mais para o entretenimento do que para a reflexão. Tendo experiência em assuntos militares, interessava-se pela descrição das campanhas, aderindo ao militarismo cívico em oposição ao militarismo tirânico. Políbio realizou um trabalho metódico, pautado no exame crítico das fontes, no conhecimento dos lugares que cita em seu trabalho (o que evidencia a relação entre história e geografia) e na experiência com a política (em sua terra natal, foi eleito hiparco, comandante da cavalaria).

Também relaciona-se à sua história pragmática a ideia de que a história do mundo até então habitado e conhecido, o ecoumene, estava conectada a partir da Segunda Guerra Púnica:

"Até essa época os eventos mundiais tinham sido por assim dizer dispersos, pois não eram interligados por uma unidade de iniciativa, de resultados ou de localização; desde essa época, porém, a História passou a ser um todo orgânico, e os eventos na Itália e na Líbia interligaram-se com os da Hélade e da Ásia, todos convergindo para um único fim. Por isso a nossa História pragmática inicia-se nessa época" (POLÍBIO, Histórias, 1, 3).

As ações humanas, para o historiador, possuem início, causa e pretexto. Os dois últimos elementos de causalidade (causa e pretexto), seriam o fio condutor do primeiro (início). Sobre a Fortuna ou a intervenção divina, Políbio tem uma concepção interessante: Só se devem atribuir as causas aos desígnios divinos quando estas não podem ser explicadas dadas suas complexidades. Caso sejam naturalmente compreensíveis e alcançáveis pela razão, devem ser entendidas como eventos decorrentes da ação humana.

Sobre a concepção de história de Políbio, cujo cerne é a política, diz o professor de História Antiga da Unb, Henrique Modanez de Sant' Anna:

"Há, no tempo do nosso autor, uma versão estoica acerca da sucessão cíclica das formas de governo, a qual Políbio incorpora numa sequência curiosa de mudanças políticas vistas na história: da monarquia, a primeira forma de organização conhecida (para Políbio, ao menos), passando pelas revoluções e etapas intermediárias do processo (tirania, aristocracia, oligarquia e democracia), à democracia anárquica ou eclocracia, que conduz toda a sociedade novamente ao ponto de sua teoria cíclica, vale dizer, ad infinitum"(SANT' ANNA, 2012, p. 147).

João Emiliano Fortaleza de Aquino, professor de filosofia da Uece, em contrapartida, afirma que deve-se distinguir a noção de história cíclica das instituições políticas da concepção da prática historiográfica de Políbio, o que seria contraditório, tendo em vista ser ela uma "história pragmática, contemporânea e útil" (AQUINO, 2006, p. 66).

Para Políbio, o sucesso de Roma na dominação de vastas áreas do mundo conhecido explicava-se pela característica de sua constituição política, mista, constituída por monarquia (cônsules), aristocracia (senadores) e democracia (povo), o que evitaria que o sistema político se degenerasse em apenas uma forma de governo, com a união dos melhores elementos dessas formas de governar.

Políbio escreveu em dialeto ático, em prosa, sem recorrer a elementos estilísticos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AQUINO, João Emiliano Fortaleza. Memória e consciência histórica. Fortaleza: Editora Uece, 2006.

SANT' ANNA, Henrique Modanez. Políbio e os princípios de sua investigação histórica: algumas considerações. UFF: Revista Mundo Antigo, ano I, V. 01, N. 02 - dezembro de 2012.


CRÉDITO DA IMAGEM:

http://mototurismo.alidays.it

domingo, 16 de abril de 2017

Heródoto e Tucídides: Uma breve apreciação crítica

Heródoto e Tucídides, representantes de dois momentos da historiografia helênica.

O presente texto não é de minha autoria, mas uma apreciação crítica sobre as obras de Heródoto e Tucídides feita por Vítor de Azevedo em 1964, para o prefácio da tradução da História de Heródoto.

HERÓDOTO E TUCÍDIDES

Heródoto, vendo em todas as coisas humanas o efeito e a influência do "demonium", revela tendência inteiramente diversas das de um historiógrafo moderno, que coloque os acontecimentos sob a dependência de fatores naturais e econômicos. Coexistem em sua personalidade, juntamente com o cronista atento e minucioso, um teólogo e um poeta. É o que decorre do exame de sua obra. Esta não se limita a explanar o que a experiência ensina, mas também realiza incursões mais ou menos frequentes no extraordinário e no maravilhoso. "A este respeito - comenta o já citado Carlos Otfrido Müller - a obra de Heródoto peca por monotonia: os grandes acontecimentos que narra, as empresas gigantescas dos príncipes, as veleidades da fortuna, as vicissitudes milagrosas, quadram perfeitamente à descrição de estupendos edifícios e outros monumentos portentosos do Oriente, de vários e não raro estranhos costumes de povos, de fenômenos surpreendentes, de produtos e animais raros de remotas comarcas".

Contudo, o mesmo autor abunda nas mesmas advertências de Rawlinson. Ninguém poderá negar que nestes relatos, em que Heródoto endossa coisas que não lhe fora dado ver em suas viagens, foi levado a equívocos pelos informes dos sábios, intérpretes e guias. Mas força é convir que sem essas concessões à mentalidade própria do mundo oriental - tão diferente da brilhante exatidão do mundo helênico - Heródoto não nos teria transmitido grande número de dados preciosos. Nestes, apesar de seu revestimento fantástico, a ciência moderna tem descoberto um bom fundo de verdade. Viajantes, naturalistas, geógrafos e etnógrafos já puderam verificar com surpresa a objetividade de muitas notícias e observações contidas em elocubrações aparentemente fabulosas do velho narrador.

Nascido sob o domínio persa, e numa cidade da Ásia Menor, compreende-se que a sua personalidade participe igualmente - numa mescla que a rigor resume toda uma fase importante do desenvolvimento da civilização antiga - de duas mentalidades fisionomicamente tão diversas, quais sejam a grega e a oriental. De todos os escritores helênicos, é o que mais se assemelha ao tipo asiático por suas tendências e por seu estilo. Não raro, os seus raciocínios e expressões recordam o Antigo Testamento... Por outro lado, coloca na boca dos príncipes do Oriente, em determinadas passagens, ideias que só poderiam germinar no solo da Grécia. Está neste caso, por exemplo, a exaltação da democracia que um deles faz, embora os Persas não conhecessem esse sistema de governo. Há muita ingenuidade no encadear de anedotas e fábulas, mediante as quais pretende explicar muitas medidas políticas, maneira que não corresponde, por exemplo, ao tipo mental de Tucídides.

Aqui chegamos à bifurcação de duas idades. Com Tucídides a historiografia grega se desprende das roupagens características dos logógrafos jônicos, de que Heródoto foi sem dúvida a figura culminante. Mas note-se que tínhamos na nova e ilustre individualidade um ateniense legítimo, nascido no demo de Alimonta, nove anos depois da batalha de Salamina. Os trabalhos de Tucídides derivaram diretamente da tribuna pública, das assembleias políticas e dos tribunais de justiça da Grécia. O "demonium", como causa determinante dos fatos históricos, rola de suas alturas. Em seu lugar se encastela a "ação humana", como resultado do caráter e da situação do indivíduo. A sua temática se prende diretamente ao grande litígio em que são partes das Repúblicas beligerantes, que tem como objeto de disputa a questão candente da hegemonia de Atenas.

Com Tucídides, longe ainda estava a historiografia de atingir as bases científicas do materialismo dialético. Mas de certa maneira ele foi uma antecipação primária da obra que, nesse terreno, a crítica realizou com as descobertas científicas do século XIX e com os largos materiais acumulados, ao longo dos séculos, os quais permitiram o critério de cotejo e o espírito de síntese.  A concepção do mundo característica de Tucídides ainda é primitiva, idealista, mas já não fantástica.

Não sem razão, alguns comentadores apontam em Heródoto as qualidades do "romântico", e em Tucídides a configuração do "realista". Mas como aconteceu em outras épocas da humanidade e outros setores da produção intelectual, essa diferença não decorria apenas do temperamento de cada um dos dois historiadores, que a tradição pretende tenham sido amigos em Atenas. Se o primeiro representa uma fase de transição, o segundo já resultou de transformações largamente sedimentadas na evolução do povo helênico. Tucídides é bem o fruto do "século de Péricles", que deu Antífon, na eloquência, Dâmon, na música, Fídias, na escultura, Protágoras, o sutil e ardiloso polemista, Zeno, o inventor da lógica, Cratinos, que sabia temperar o seu sarcasmo com a jovialidade, Eurípedes, o mestre do "pathos", e o mais clássico dos antigos, Sófocles, que elevou a tragédia grega a alturas culminantes.

Mas as restrições que, desta comparação crítica, possam desfavorecer o velho Heródoto, são mais aparentes do que reais. Não se podem exigir de um pioneiro as realizações dos que apareçam depois, montados nos seus ombros, como continuadores de sua obra. Para compreender-se melhor a importância relativa de Heródoto urge que o situemos com mais rigor, comparando-o não tanto com os que o sucederam, mas com os que o antecederam. Só então emergirá da crítica a ideia exata do papel que representou na evolução da historiografia.

VÍTOR DE AZEVEDO, prefácio de História, 1964, p. XXI-XXII

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Predecessores da Historiografia grega: Os logógrafos

Cariátides no templo de Erecteion, Acrópole de Atenas, século V a.C.

Os homens, nos tempos mais remotos, tinham como instrumento de transmissão de conhecimento a oralidade. A grandiosidade do mundo à sua volta, as imposições sofridas pela natureza indomável, o cotidiano rudimentar e outros elementos que poderiam causar fascínio e medo, fizeram surgir mitos e lendas para ilustrar a origem da vida e do mundo. Deuses, deusas e heróis surgiram para reger o universo e proteger aldeias, vilas e cidades. Os gregos, durante vários séculos, viam nesses relatos seu passado histórico. Não é difícil, através de uma reconstrução imaginativa, ver que as personagens de mitos e lendas representam seres humanos que possivelmente existiram um dia. O poeta épico Hesíodo (século VIII a.C.), em suas obras Os Trabalhos e os Dias e Teogonia, reúne, em versos, uma infinidade de histórias transmitidas oralmente, sendo considerado uma das principais fontes sobre os mitos e lendas gregas.

No século VI a.C., um grupo de prosadores gregos provenientes da Jônia e de outras regiões passou a racionalizar esses mitos e lendas para buscar uma origem histórica vinculada mais aos homens do que aos deuses. Estes eram os logógrafos, ainda não propriamente historiadores, por misturarem mitos aos fatos, mas já apresentando um certo espírito crítico, estando divididos em escritores de genealogias e relatos de fundação de cidades; obras geoetnográficas e de relatos de viagens; e mitográficas. Através de inúmeros fragmentos, cópias presentes em outras obras ou vagas citações, é possível conhecer a escrita, o estilo e os métodos desses 'quase' historiadores que antecederam Heródoto e Tucídides.

O mais antigo, ainda que envolto de dúvidas sobre sua existência e temporalidade, foi Cadmos de Mileto, que escreveu uma crônica sobre a fundação de sua cidade, utilizando tradições orais de mitos e lendas. Acusilau de Argos (final do século VI e primeira metade do século V a.C.), dório de origem mas escritor em dialeto jônico, escreveu uma Genealogia de sua cidade natal. Nela buscava estabelecer “uma linha sucessória desde a origem do mundo e dos deuses até o nascimento do primeiro homem, Foroneo, que também havia sido […] o primeiro rei humano de Argos e progenitor das estirpes reais do Peloponeso” (LÓPEZ, 2006, p. 39). Miceneo, herói fundador da cidade de Micenas, seria filho de Espartón e neto de Foróneo. Argos, fundador da cidade de mesmo nome, é neto de Foróneo através da união de Níobe, irmã de Espartón, com Zeus. Três heróis, sendo o último, fundador de Argos, o primeiro filho de Zeus com uma mortal. Essa Genealogia de origem divina engrandece sua cidade. Na parte dos mitos

“foi fortemente influenciado por Hesíodo, mas aplica um critério seletivo sobre a tradição quando elabora a genealogia de Foroneo e insere nela os heróis fundadores das grandes cidades do Peloponeso, resolve feitos inverossímeis de alguns mitos, sincroniza feitos e personagens míticos isolados e apresenta esses feitos e personagens sem os epítetos que a eles estavam consagrados pela tradição poética”.1

Quanto à escrita, Acusilau utiliza o dialeto jônio mesclado a formas anteriores de uma língua comum com expressões poéticas. Seu estilo é o paratático, de frases curtas unidas por partículas coordenativas e entrelaçadas pela repetição em cada frase de alguma palavra. Dialeto jônio e estilo paratático são característicos dos logógrafos. Ferécides de Atenas (primeira metade do século V a.C.) também produziu uma genealogia, intitulada Histórias, dividida em 10 livros. Ferécides não começa essa obra com uma cosmogonia nem com uma teogonia, mas com uma genealogia dos heróis da tradição mítica, com suas ascendências até os deuses, e suas descendências até os personagens de sua época e de sua cidade. É o primeiro a se dedicar às lendas da Ática e ao herói Teseu, de sua luta contra as Amazonas e as façanhas em Creta. O estilo é o paratático e o dialeto é o jônico.

Foi através das viagens marítimas, motivadas principalmente pelo comércio, que os gregos tomaram ciência da existência de outras culturas. Os logógrafos geoetnográficos e de relatos de viagens descreveram as terras e os povos que conheceram durante suas expedições pelo Mediterrâneo, Ásia e África.

Hecateu de Mileto (560 – 480 a. C.), proveniente da aristocracia de Mileto e contemporâneo das revoltas das cidades jônias contra o domínio persa, escreveu Genealogias, uma obra em prosa em que ordenava as linhagens das tradições míticas sobre as sagas heroicas. Hecateu não faz uma simples compilação, mostrando, em sua produção, uma busca pela verdade ou, pelo menos, pela verossimilhança. No proêmio diz o seguinte: “Assim fala Hecateu de Mileto: vou escrever o que é verdade, segundo se parece para mim, pois as histórias contadas pelos gregos são, me parece, contraditórias e ridículas”(LÓPEZ, 2006, p. 44). A verossimilhança é fundamentada na autoridade do autor, que indaga sobre suas fontes. O que ele pretende nessa obra é a organização e a racionalização dos mitos, numa tentativa de torná-los mais críveis. Hecateu é mais conhecido por suas obras de viagens, Descrição da terra (Periegeses) e Viagem ao redor da Terra (Periodos Ges). A Descrição da terra, dividida em dois livros, “Europa” e “Ásia”, foi produzida com informações obtidas durante as viagens e com informações de terceiros. A rota de viagens começa na Península Ibérica, passa pela costa da Europa até o Bósforo e contorna o Mar Negro; no segundo livro são abordadas a Ásia Menor, o Egito e a Líbia e termina nas Colunas de Hércules. Foram descritas formações geológicas, hidrográficas, cidades, portos e diversos povos e suas origens históricas ou lendárias. Viagem ao redor da Terra, um mapa do mundo à época, compreende a Ásia, a Europa e a África. Os continentes estão agrupados em partes iguais, em formato circular, agrupados em torno do Mar Egeu e rodeados pelo Oceano.

Helânico de Lesbos (480 - 395 a.C.) não foi um grande viajante como Hecateu, produzindo suas obras não a partir da observação pessoal, mas da obtenção de fontes orais e escritas. No campo mitográfico, Helânico revisa e sistematiza o passado mítico, ordenado de acordo com as sagas heroicas. Cada saga recebe um trabalho individual do autor. “Ele calcula por gerações a partir da tomada de Troia; elimina versões contraditórias, duplica ou amplia de forma arbitrária os membros de algumas linhagens e cria novas ramificações” (LÓPEZ, 2006, p. 48). Assim como seu predecessor, busca a racionalização do mito, suprimindo o que parecia excessivamente fantasioso e valendo-se do julgamento por verossimilhança. Helânico escreveu sobre a geografia, a história e os costumes da Pérsia, Egito, Lídia, Cítia e territórios mais relacionados com os gregos. Na própria Grécia, produziu monografias sobre costumes, construções, lendas de fundação e genealogias sobre a Eólia, Lesbos, Argos, Arcádia, Beocia, Tessália e Atenas. Em Ática, uma de suas principais obras, são abordadas a geografia, a história e os costumes da Ática. Atenas, principal cidade dessa região, recebe uma revisão de seu passado mítico de forma a torná-lo politicamente favorável; as origens míticas das principais famílias; e, pela primeira vez, se dá atenção para Teseu, herói fundador de Atenas e contraponto de Hércules, antepassado dos espartanos. Fundações de povos e cidades, Os vencedores das Carneas e As sacerdotisas de Hera em Argos são obras de caráter cronológico. Helânico buscou nas listas oficiais de instituições, templos, anotações antigas para estabelecer datas a cada nome importante para relacioná-los com feitos do passado e do presente. Em Os vencedores das Carneas, escrita em prosa e verso, utiliza a lista dos poetas que venceram as festas espartanas das Carneas. As sacerdotisas de Hera em Argos é baseada em listas oficiais que remontam ao período da Guerra de Tróia, sendo a linha cronológica de Helânico fundamentada na lista de reis e arcontes de Atenas. O autor consegue estabelecer um período para a queda de Tróia, entre 1192 e 1183 a.C.

Outros logógrafos que podem ser citados são Xantos de Sardes, lídio criado nos moldes da educação grega, autor de obras sobre sua terra natal, sobre a Ásia Menor e os diferentes povos que a formavam; e Dionísio de Mileto, a quem “deve-se-lhe a transformação de toda a mitologia heroica em novela histórica. Nesta, os antigos heróis tinham o seu lugar tomado por monarcas, generais, sábios e filantropos” (AZEVEDO, 1964, p. 24).

Os logógrafos deram início a um importante trabalho de busca histórica de suas origens, de suas cidades e instituições, vendo na racionalização dos mitos e lendas resquícios do que um dia fora um passado crível. No entanto, esses historiadores dos primeiros tempos ainda estavam longe daquela historiografia inaugurada por Heródoto e rigorosamente aplicada por Tucídides, a dos feitos e fatos memoráveis puramente humanos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LÓPEZ, José Antônio Caballero. Inicios y desarrollo de la historiografia griega: mito, política y propaganda. Editorial Sintesis, Madrid, España, 2006.

AZEVEDO, Vítor de. A História antes de Heródoto In: HERÓDOTO, História. W. M. Jackson Inc. São Paulo, Vol. XXIII, 1964.

NOTAS:


1 LÓPEZ, José Antônio Caballero. Inicios y desarrollo de la historiografía griega: mito, política y propaganda. Editorial Sintesis, Madrid, Espana, 2006, p. 39.

CRÉDITO DA IMAGEM:

commons.wikimedia.org

sexta-feira, 8 de julho de 2016

A interpretação política dos pensadores Clássicos à Karl Marx

Por Roosewelt Sena


O que é política, livro do escritor Wolfgang Leo Maar, (Brasiliense, 1994, 109 pág.) é uma obra que, em termos gerais, trata de política de uma forma clara e objetiva. É apresentado um panorama da atividade política desde os tempos antigos até os dias atuais, bem como suas causas e consequências. Na resenha a seguir é apresentado o resumo de um trecho da obra, pág. 29-45.

Iniciando o raciocínio a partir de que a política se firmou como atividade social dos homens no decorrer da História, o autor passa a conceber as inúmeras concepções que este termo, desde a Antiguidade até os dias modernos, apresenta, sempre compilando as ideais centrais da sociedade como democracia e direito. A todo o momento a atividade política se desenvolve, seja a partir dos parâmetros sociais, seja em virtude das necessidades da sociedade.

Falar sobre política é mais do que falar sobre Estado ou partidos, mas é levar em consideração o que motivou a formação dessas instituições. Daí surge a importância dos movimentos sociais que serviriam de eixo para a representação das necessidades populares.

A atividade política entre os gregos é baseada na democracia. Esta não era estendida a toda a população, mas somente aos homens, filhos de atenienses (mulheres e estrangeiros não tinham o direito de participar da vida política). Os gregos são na verdade os precursores da democracia. A expressão “política” nasce a partir da atividade que o homem executava na “pólis”. Ao contrário de outras sociedades do seu tempo, na Grécia a política tornou-se o elo constituinte da sociedade. Tanto Platão quanto Aristóteles eram avessos à democracia mas possuem alguns pontos em suas obras que esclarecem o ideal político grego.

Para Platão o político se diferencia dos demais homens por ter um maior conhecimento da “pólis” e das atividades vinculadas a ela a fim de oferecer uma luz para os demais homens. Para Aristóteles a política associa-se a todas as demais ciências para alcançar um determinado fim que é o “bem supremo dos homens”. A partir daí tem-se um ideal coletivo que, agregado à política torna esta mais sujeita às necessidades do povo, mais “democrática”.

O que transforma o homem em cidadão é a ética, por sua vertente pedagógica. O espaço de tomada das decisões amplia-se do soberano para o restante da sociedade. Não é mais o rei que tem a autoridade máxima (como em uma monarquia) mas quem decide é o povo (democracia).

O modelo de atividade política centralizada de Roma tornou-se um modelo para sociedades contemporâneas. Para os romanos manterem seus monopólios sobre suas riquezas e seus domínios passam a executar uma política voltada para o interesse particular, diferente do que acontecia na Grécia. O Estado Romano então governaria em favor de uma classe, os patrícios, impondo os interesses desses sobre os demais.

Além do domínio do Estado também havia a relação entre tutor e pupilo, que era mediada pelo direito romano, e através deste se garantia a não interferência do Estado na propriedade privada, ou nos interesses dos patrícios.

Roma não era uma pólis por que a atividade política não tem relações com cidade-estado, mas sim de relações entre militares, burocratas e burgueses e suas práticas de manipulação, corrupção e repressão.

As causas da queda do Império Romano estariam nele mesmo. Por ser o único estado, baseando sua atividade política em uma concepção institucional, não pôde sustentar-se para sempre, com adventos de crises e guerras, tomadas de fronteiras, tudo isso cooperou para o seu caos. Esses são pontos indicados por Gramsci. 

Durante a idade média a atividade política apresenta uma duplicidade, de um lado a nobreza exercia o “poder político” fazendo o uso da dominação pela força, do outro o clero executava o “poder civil” agindo com persuasão e convencimento para com a sociedade.

Sendo o governo o agente da atividade política de um Estado, este impõe suas condições. Através do seu agente, a atividade política do Estado realiza-se concretamente, pelo exercício do poder do governo. Com isso temos a dimensão do domínio que o governo pode atingir para alcançar seus objetivos, na esfera política. O livro de Maquiavel é um conjunto de lições para que se conquiste ou se mantenha um principado.

O que caracteriza o príncipe é a virtude, nesse sentido, para Maquiavel, a política torna-se acessível a todos. Torna-se a “arte do possível”. A teoria política de Maquiavel corresponde aos anseios de adquirir influencia por parte da burguesia mercantil, que perdeu seu significado na estrutura monárquica. Para Locke, principal teórico da revolução burguesa na Inglaterra, o governo civil fornece instrumentos de poder que permitem que “nossos” interesses se transformem numa orientação política para a sociedade.

O Príncipe de Maquiavel é virtuoso quando apresenta de maneira eficaz o poder do Estado. A virtude do príncipe estaria na força e na astúcia com que governa e não na justiça em relação aos governados. Enquanto a burguesia dependia de sua própria astúcia e força, o proletariado precisaria repousar na sua própria capacidade de mobilização para se tornar um agente político.

Com Maquiavel, a questão do governo é deslocada para o estado. A questão básica para Maquiavel seria as condições de ser governado, o que o levaria a estudar o Estado. Para Marx, o Estado precisa se submeter ao comportamento e aos interesses manifestados nessa classe. Neste sentido a atividade política se desloca do Estado para a luta de classes. A inovação de Marx foi atribuir a estas classes “sociais” um significado político sem transformá-las em classes “políticas”, de suporte à atividade política nos moldes do Estado.

A uma determinada sociedade civil corresponde um determinado tipo de Estado político, que não é mais expressão daquela; o Estado passaria a ser moldado pelas objetivações da sociedade que governa. A necessidade de estudar as relações entre governantes e governados daria lugar, como cerne da própria atividade política, à análise entre classes dominantes e as clássicas dominadas, entre exploradores e explorados; na sociedade capitalista essas relações seriam determinadas propriedades ou não dos meios de produção material.

A partir do exposto, é notável o quanto a centralidade da atividade política varia conforme o período, a necessidade, e forma social. Em cada período histórico o núcleo do processo político se dispersa ora pelo Estado, por meio das instituições políticas, embora estas, em certas situações, não regulamentam a atividade política sobre os parâmetros sociais atendendo apenas uma parte da sociedade. Isso nos faz compreender o quanto o sistema político varia em sua forma estrutural. Contemplando as formas de governo analisadas por Platão e Aristóteles, entendemos que logo uma sociedade exerce seu papel político sob as rédias de governantes que por um lado governam em direção a um objetivo público, e outras vezes em prol do particular, dos próprios políticos ou de uma classe dita dominante.


Roosewelt Sena, 22, é acadêmico de História na UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e poeta.


CRÉDITO DA IMAGEM:

clip13.files.wordpress.com

terça-feira, 28 de junho de 2016

Heródoto e Tucídides: Uma breve comparação

Estátuas de Heródoto e Tucídides em frente ao Parlamento Austríaco.

Esse texto é uma pequena comparação entre dois historiadores clássicos da Grécia, Heródoto e Tucídides, e servirá de material de apoio para os estudantes da graduação em História da UFAM e de outras instituições:

Heródoto de Halicarnasso é autor das Histórias, uma série de relatos reunidos em 9 livros, sendo 6 voltados para o desenvolvimento do Império Persa e a descrição dos povos que o formavam; e 3 voltados para os conflitos entre gregos e estrangeiros. Tucídides escreveu sobre a Guerra do Peloponeso, conflito entre atenienses e espartanos, do qual foi protagonista. Enquanto Heródoto volta sua atenção para a descrição de vários aspectos dos lugares que visitou, utilizando conhecimentos de hidrografia, geografia, botânica etc, Tucídides se atém a descrever e procurar as causas de um único evento, nesse caso, a Guerra do Peloponeso.

A obra de Heródoto, ainda que produzida de forma “racional”, ainda possuía um vínculo religioso, diferente da de Tucídides, que não sofre “interferência” divina. Como metodologia, Heródoto utilizou fontes materiais e, principalmente, a observação direta e os relatos de terceiros. Para o exame destas fontes, recorria à análise crítica e, quando não tinha certeza da veracidade destas, ao ceticismo. Tucídides também utilizava informantes (períodos da Guerra do Peloponeso que não vivenciou diretamente), mas sua metodologia é mais complexa, com o objetivo claro de garantir a veracidade de sua narrativa, com a crítica aos documentos, aos discursos e a verificação da verossimilhança entre eles.

A concepção de história de Heródoto é pessimista. As ações do homem são controladas por forças divinas e, em sua narrativa, são feitas menções a oráculos, sonhos e previsões. Heródoto acredita em uma História Cíclica, na qual a sociedade se desenvolve através de ciclos que se repetem de tempos em tempos, e as divindades garantem a manutenção, por meio da punição, da ordem. Tucídides, que narra um evento militar, tem uma concepção de história que valoriza o homem, separando este da visão divina. Decisões políticas, econômicas e militares, decisões humanas, são o motor da história.

Heródoto escreve seus relatos em prosa, simples e direta, mais organizada que a dos logógrafos, com vocabulário simples e sem artifícios retóricos e estilísticos. O dialeto grego utilizado é o jônio. Tucídides tem a escrita mais refinada, no estilo paratático e em prosa. Utiliza o dialeto ático com influência do jônio, uma herança da prosa de Heródoto.

Entre o nascimento de Heródoto e Tucídides existe uma diferença de 35 anos, sendo o segundo autor mais jovem que o primeiro. Ambos, de famílias abastadas, foram exilados por motivos políticos. Heródoto recorreu aos relatos de terceiros e à análise de fontes materiais para construir sua obra. De um mundo ainda impregnado de aspectos míticos, é influenciado por uma visão fatalista da história, controlada por forças que ultrapassam a compreensão humana. Tucídides, protagonista de boa parte do evento que narrou, analisa as fontes e os relatos disponíveis de forma crítica, valorizando os feitos humanos como pano de fundo da história. 

Heródoto, por suas digressões sobre hábitos, costumes e outros aspectos dos lugares e povos que conheceu, é considerado um historiador cultural; enquanto Tucídides, buscando as causas de uma guerra, é um historiador político e militar.


FONTES: 

LÓPEZ, José Antonio Caballero. Inicios y desarrollo de la historiografía griega: mito, política y propaganda. Madrid: Editorial Sintesis, 2006.

CRÉDITO DA IMAGEM:

commons.wikimedia.org


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Aristóteles e as diferenças entre Poesia e História

Aristóteles representado na pintura A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio.

Aristóteles, um dos pais da Filosofia Ocidental, abrangia em seu pensamento conhecimentos em Física, Retórica, Poesia, Ética, Artes, Biologia etc. Nesse texto, especificamente, iremos conhecer um Aristóteles que formulou leis para a arte poética, largamente utilizada por filósofos, dramaturgos e outros intelectuais de sua época. Mas, antes de formular tais leis, era preciso distinguir esse gênero literário de outro também bastante em voga: o gênero histórico. A diferença entre esses dois gêneros é traçada na obra Poética, pioneira na distinção entre o real e o fictício. Para melhor compreendermos, irei utilizar recortes desse livro.

"É claro, depois do que foi dito, que a característica do poeta não é de relatar o passado real, mas antes o passado possível, levando em conta as possibilidades dos acontecimentos segundo as verossimilhanças e a necessidade dos encadeamentos. O historiador e o poeta, com efeito, não diferem pelo fato de um narrar em verso e o outro em prosa - poder-se-ia ter transcrito em versos a obra de Heródoto e ela não seria menos história em verso do que em prosa. A verdadeira distinção é a seguinte: um narra o que aconteceu, o outro aquilo que poderia ter acontecido".

O poeta e o historiador não se distinguem pela forma como escrevem, um em verso e o outro em prosa, respectivamente. O historiador narra eventos que aconteceram, fixo em um tempo, enquanto o poeta escreve sobre aquilo que poderia ter acontecido, tendo liberdade para criar seus eventos, pois este tira a inspiração da natureza e do mundo a sua volta.

"Além disso, a poesia é mais filosófica e de um gênero mais nobre que a história, pois a poesia se eleva até o geral, enquanto que a história não é senão a ciência do particular. O geral, aquilo que este ou aquele tipo de homem faria ou diria segundo toda verossimilhança ou necessidade: é a isto que visa a poesia, embora dando nomes individuais aos personagens. O particular, é o que fez Alcibíades, ou aquilo que lhe aconteceu".

A poesia é produzida seguindo a lógica e um fim específico determinado por seu autor, que como já foi dito, tem a "liberdade criativa". A poesia, que valoriza os sentimentos humanos e as ações destes, pende para o dramático. A narrativa histórica não é determinada pelo historiador, mas sim pelo tempo e uma sequência de eventos nele inseridos. Juntamos a isso o fato de que o historiador narra as ações de Alcibíades no tempo, não importando seus sentimentos.

"Inteiramente diversos são os relatos históricos habituais, nos quais, necessariamente, não se trata de mostrar uma unidade de ação, mas somente uma unidade de tempo, juntando todos os acontecimentos, os quais, num determinado tempo, interessaram um ou mais homens e que não mantêm entre si senão uma relação casual".

O elemento primordial na narrativa histórica é o tempo, no qual estão diferentes eventos, estes sem ligação causal ou fim determinado. A poesia é composta de forma harmônica, para que todos os "fatos" inspirados do poeta tenha uma conexão entre si e componham um todo. Como exemplo temos o poema épico Odisséia, no qual a abordagem é o regresso de Ulisses para Ítaca, que levou cerca de 17 anos, terminando com sua chegada e o restabelecimento da ordem na mesma cidade.

Portanto, percebemos que as diferenças estabelecidas por Aristóteles em sua obra Poética, não se referem à forma da escrita, mas ao pano de fundo e da forma como narram ou relatam cada um dos profissionais dos dois gêneros. O poeta tem a liberdade de criar e imitar o mundo à sua volta. O historiador é rigoroso ao narrar os eventos que já aconteceram e estão fixos no tempo, se possibilidade de alterá-los. A poesia é escrita com o objetivo de proporcionar prazer aos leitores, enquanto o relato histórico é produzido para fins de registro de fatos ou eventos memoráveis, como escreveram autores clássicos como Heródoto e Tucídides.


FONTES:

ARISTÓTELES, Poética, 1451 a 36; 1451b, II; 1459 a 21-24. In: PINSKY, Jaime. 100 textos de História Antiga. 4° ed. São Paulo: Contexto, 1988, p.144.

MACHADO, Ronaldo Silva. História e Poesia na Poética de Aristóteles. Mneme, Revista de Humanidades. Vol I, n.1. - ago/set. de 2000. Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


CRÉDITO DA IMAGEM:


lounge.obviousmag.org


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Estudos sobre o Mundo Grego - da Antiguidade ao século XVIII

Via Appia. Frontispício do segundo tomo de Antiguidades Romanas (1756) de Piranesi.

A Grécia Antiga, região geográfica compreendida pelo sul dos Bálcãs (Grécia Continental), a Península do Peloponeso (Grécia Peninsular), as ilhas do Mar Egeu (Grécia Insular) e as colônias estabelecidas na Ásia Menor e Península Itálica (Magna Grécia), sempre despertou a curiosidade de especialistas e amadores, seja por suas fantásticas ruínas históricas, ainda visíveis em algumas cidades da Europa, a língua, a Filosofia e a literatura, que influenciaram fortemente desde sábios da Idade Média até autores contemporâneos. Os romanos, conquistadores dos territórios gregos, demonstraram um forte interesse por essa sociedade.

Antes de incorporar os territórios gregos ao seu império, Roma já possuía uma forte influência da cultura helênica, transmitida através de trocas comerciais e de batalhas travadas entre o Império e diferentes cidades-estado gregas. A conquista apenas veio para consolidar um processo que já estava há muito tempo em andamento. Como Roma preservava a língua, a religião e algumas instituições políticas dos territórios que conquistava, o helenismo sobreviveu e passou a fazer parte da sociedade romana. Artistas, médicos, professores de Filosofia e Retórica, alguns como escravos, ensinavam romanos abastados. Atenas permaneceu com a sua posição de centro intelectual; e os romanos cultos dominavam e liam a língua grega. Os deuses romanos eram semelhantes às divindades helenas, diferenciando-se apenas nos nomes.

Foi ainda na Antiguidade que surgiram os primeiros estudos sobre a Grécia, estes produzidos por romanos e gregos de cidadania romana. Plutarco (46 d.C. - 120 d.C.), um grego de cidadania romana, viajou por muitas cidades gregas sob jugo romano, produzindo uma obra variada, destacando-se Vidas Paralelas, um compêndio de biografias de grandes personagens greco-romanos. Ao abordar a vida dos personagens espartanos Licurgo, Lisandro, Agesilau, Ágis e Cleômenes, Plutarco nos apresenta a evolução histórica da cidade de Esparta dos tempos arcaicos até o helênico¹.

O geógrafo e viajante grego Pausânias (c, de 115 d.C. - c. de 180 d.C.) elaborou um Guia da Grécia, no qual descreve monumentos, templos, obras de arte, história, geografia, costumes e mitos da Grécia Continental e do Peloponeso. Além de visitar pessoalmente cada uma dessas cidades, Pausânias teve como fontes relatos de viagem e autores gregos anteriores. Sua obra é dividida em dez livros: 1-Ática e Megárida, 2-Corinto, 3-Lacônia, 4-Messênia, 5 e 6-Élida, 7-Acaia, 8-Arcádia, 9-Beócia, 10-Fócida e Lócrida Ozoliana.

Durante o período que ficou conhecido como Humanismo, uma transição da baixa Idade Média para a Idade Moderna (séculos 14 e 16), intelectuais das cidades-estado italianas, enriquecidas pelo comércio e politicamente instáveis, viram na cultura-greco romana modelos artísticos e políticos a serem seguidos. Patrocinado por nobres italianos e pelo Papa Eugênio IV, o humanista, arqueólogo e viajante Ciríaco de Ancona (1391-1455), ao estudar inscrições gregas em monumentos, inaugura uma nova ciência auxiliar da História, a Epigrafia. Além de estudar inscrições, Ciríaco foi um grande colecionador de relíquias, códices e documentos clássicos, compilados em obras como Comentários, dividida em 6 volumes, arruinados em 1514; Itinerário (1742); e Epigramas encontrados em Ilírico por Ciríaco de Ancona (1664).

Um desenho de Ciríaco representando uma antiga tumba romana.

Na época de Ciríaco, os monumentos e templos gregos tinham ganho outras funções: Mansões, Castelos particulares, fortalezas, estábulos e igrejas. Muitos escritos, cópias e obras de autores gregos se encontravam preservadas em mosteiros e abadias, onde eram recopiados e estudados por sábios. No século 18, as ruínas eram um prato cheio para saqueadores vindos da França, da Inglaterra e de cidades do Oriente, patrocinados ou interessados nos ganhos vindos com a venda das peças. O contrabando era destinado para coleções particulares, muitas das quais podem ser vistas hoje em museus da Europa e em alguns da América do Norte. Eruditos iluministas, patrocinados ou independentes, passaram a fazer pesquisas e escavações em antigas cidades gregas. O arqueólogo alemão Johann Joachin Winckelmann (1717-1768) era especialista em História da Arte, defendendo, em suas obras, os princípios e a superioridade das técnicas, do ideal de beleza das artes gregas. Sua obra magna é História da Arte Antiga (1764).

O desenho que ilustra o início desse texto é de autoria de veneziano Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), gravurista, arquiteto, engenheiro e arqueólogo italiano. Ainda jovem, teve contato, no Sul da Itália, com inúmeras ruínas gregas, das quais fazia reconstituições, desenhos e tirava modelos para obras arquitetônicas e paisagísticas. Seus desenhos e estudos de arte clássica, além de preservarem o conhecimento da Grécia Antiga, influenciaram diversos artistas Neoclássicos pela Europa, que buscavam um movimento em oposição ao rococó. Antiguidades Romanas (1756) reúne mais de uma centena de águas-fortes (técnica gravurista) dos monumentos de Veneza, Roma e cidades do Sul da Itália.


¹ SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador: análise das biografias espartanas. São Paulo: Edusp, 2006. p. 186.


FONTES:

Atlas of the Greek World. Grandes Impérios e Civilizações - Grécia, berço de Ocidente Vol I. Tradução de Ana Berhan da Costa. Rio de Janeiro: Edições del Prado, 1996.

Grécia Antiga - Disponível em: http://greciantiga.org/


CRÉDITO DAS IMAGENS:

www.vam.ac.uk
www.morenoneri.it

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Historiadores Gregos I: Heródoto de Halicarnasso (obra, metodologia e linguagem)


1. Introdução

Heródoto de Halicarnasso (Herodotus Halicarnassus, circa 484 - 425 a.C.) foi um historiador grego, eternizado pelas palavras de Marco Túlio Cícero como o "Pai da História". Esse grande historiador da Antiguidade, nascido na colônia grega de Halicarnasso, na Ásia Menor, teve sua vida marcada por duas grandes guerras: As Guerras Médicas, entre gregos e persas; e a Guerra do Peloponeso, entre diferentes cidades-estado gregas, com destaque para Esparta e Atenas.

Destas duas guerras, Heródoto passou a buscar as causas das Guerras Médicas, conflitos ainda "frescos" nas memórias de gregos e persas. Talvez, essa escolha tenha partido pela importância do conflito, que contribuiu para o fortalecimento econômico, político e militar da Grécia; e pelo contato que o historiador teve com diferentes povos na Ásia Menor. Heródoto foi o primeiro historiador a utilizar a palavra História (historíe, em dialeto jônico) com o sentido de indagar, investigar as causas dos feitos contemporâneos. Ele deixa isso explícito na introdução de sua obra, História:

"Esta é a exposição da investigação feita por Heródoto de Halicarnasso para que nem os feitos dos homens, com o tempo, se reduzam ao esquecimento, nem as obras grandes e admiráveis - tanto as realizadas pelos gregos quanto as realizadas pelos bárbaros - fiquem sem glória e as demais coisas por causa das quais foi o motivo de guerrearem uns com os outros".

Heródoto, assim como outros historiadores da Grécia Antiga, foi exilado. Esse exílio (cumprido em Samos) seu deu após uma tentativa frustrada de derrubar do trono grego o tirano Lígdamis I. Foi durante esse "castigo" que Heródoto viajou e colheu relatos nas principais cidades e regiões da época: Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Magna Grécia, Sicília, Scitia, Ásia Menor e Atenas. Não se sabe em que ordem e nem se realmente todas as cidades mencionadas em sua obra foram visitadas. Após essa breve explanação sobre Heródoto, vamos compreender como se divide a obra, a metodologia empregada para a sua realização e a linguagem utilizada.

2. O Conteúdo da obra

A principal obra de Heródoto, História, foi dividida pelos gramáticos alexandrinos em 9 livros, cada um recebendo o nome de uma das musas gregas: Livro I - Clio (musa da História); Livro II - Euterpe (musa da Música); Livro III - Tália (musa da Comédia); Livro IV - Melpômene (musa da Tragédia); Livro V - Terpsícore (musa da Dança); Livro VI - Erato (musa da Poesia Lírica); Livro VII - Polímnia (musa da Música Sacra); Livro VIII - Urânia (musa da Astronomia e da Astrologia); Livro IX - Calíope (musa da Eloquência). Os assuntos abordados em cada livro são:

Livro I: As origens do Império Persa e a descrição dos povos e regiões que o formavam.
Livro II: A ascensão de Cambises, filho de Ciro, fundador do Império Persa e a descrição geográfica, histórica, cultural e religiosa do Egito.
Livro III: Continuação da descrição do Egito, a invasão dessa região pelas tropas de Cambises, as tentativas do monarca em invadir outros territórios, a morte de Cambises e a organização política e econômica do Império Persa.
Livro IV: As campanhas militares de Darío e a descrição das regiões e povos conquistados no processo: escitas, getas, saurómatas etc.
Livro V ao IX: Após abordar a formação do Império Persa e descrever os diferentes aspectos das regiões e povos incorporados a ele, o historiador começa de fato a falar das Guerras Médicas, elencando os fatores que levaram Darío a invadir a Grécia.

Antes de dar início à descrição das causas que motivaram as Guerras Médicas, Heródoto se empenha em descrever as regiões e os povos que englobavam e que foram conquistados pelo Império Persa. Para tal, utilizou conhecimentos em Hidrografia, Botânica, Economia, Política etc, tornado-se, de acordo com José Luís Romero, o precursor de uma História Cultural. O autor também revoluciona ao não deixar a mitologia interferir, apenas em casos necessários, na totalidade de sua narrativa.

3. Metodologia

Para produzir sua obra, Heródoto utilizou três métodos: ópsis, historíe e gnóme. A Ópsis é a observação pessoal, o que foi visto pelo autor durante suas viagens (Geografia, costumes e monumentos); A Historíe é a indagação, a pesquisa acerca do que se quer saber, feita mediante o recolhimento de fontes documentais e principalmente as orais. O autor, quando se refere aos relatos de terceiros, utiliza expressões como "de acordo com", "segundo tal pessoa". Foram consultados registros governamentais, listas administrativas e obras de outros autores. Diferente dos antigos escritores, que apenas compilavam em suas obras diversas informações, sem irem em busca de suas veracidades, Heródoto adota uma postura crítica em relação aos dados obtidos, comparando suas informações e, em alguns trechos de seu livro, demonstra não crer totalmente sobre determinada informação:

"Eu, por minha parte, devo dizer o que me disseram, porém não sou obrigado a acreditar totalmente nisso; tenha isso em conta para o conjunto de minha obra".

A narrativa da obra não segue uma linha cronológica definida. Como unidade de tempo são utilizados os cálculos por gerações (cada uma com duração de 30 a 35 anos; três gerações, 100 anos); como principal referencial para os tempos remotos, a Guerra de Tróia; e o Arconte Epónimo, uma espécie de cargo político com duração de 10 anos, indicado pelo nome de um nobre. Heródoto tinha uma visão cíclica da História, isto é, com início, meio e fim previsível.


4. Linguagem

A escrita de Heródoto é produzida a partir do dialeto jonio, herança dos logógrafos, e do dialeto ático. Seu estilo é marcado pela acumulação de orações, do tipo coordenativo e subordinada, combinadas entre si por seus conteúdos e por verbos de ligação, pronomes, adjetivos e advérbios anafóricos. Também é muito recorrente a repetição de palavras em diferentes orações ou parágrafos; e o uso do discurso direto (com as palavras do próprio autor) e do discurso indireto (através do narrador ou de alguma outra pessoa).


Aos interessados, a obra está disponível no site eBooksBrasil, na célebre versão do historiador francês Pierre-Henri Larcher (1726-1812). No Brasil, o advogado acriano Mário da Gama Kury, considerado o maior tradutor brasileiro de clássicos, foi o responsável por traduzir essa obra para o português (o livro foi editado pela Universidade de Brasília).


sexta-feira, 8 de maio de 2015

Conexões Historiográficas na Antiguidade Grega (Prof. Dr. Auxiliomar Silva Ugarte)

Amigos e amigas leitores, venho por meio deste avisar que estou, por causa das aulas na universidade, sem tempo para escrever artigos bem elaborados. Deixo aqui para vocês um quadro de conexões historiográficas na Antiguidade Grega, que mostra as ligações entre autores daquela região e suas obras. O quadro foi aqui reproduzido com a permissão do Prof. Dr. Auxiliomar Silva Ugarte, do Departamento de História da UFAM.