quarta-feira, 30 de março de 2016

Edward Gibbon - Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Edward Gibbon (1737-1794).

Edward Gibbon (1737-1794), historiador inglês autor de História do Declínio e Queda do Império Romano, foi um dos maiores representantes do período das “luzes” inglesas. No que foi abordado sobre sua obra, referente ao papel do Cristianismo no processo de declínio e queda do Império Romano, pode-se fazer a seguinte análise sobre seu pensamento e produção historiográfica:

Mais do que se debruçar sobre o Império Romano e sua queda, e o papel do Cristianismo nesse processo, Gibbon, dentro do espírito filosófico característico das letras no século XVIII, traz em sua obra a reflexão sobre a religião na época dos romanos e como esta se encontrava no tempo em que vivia, fazendo uma ponte entre o mundo antigo e o moderno.

Superstições, milagres e outros eventos explicados de forma sobrenatural, são por ele motivos de crítica. Não só a superstição cristã, mas o paganismo também é visto por Gibbon com maus olhos, por suas práticas como adivinhações, sacrifícios e prostituição. Fé cega, espírito crítico, natureza humana e religião são conceitos para ele opostos. Contra o “mundo” sobrenatural o autor busca explicações naturais, físicas e racionais.

Constantino, uma das principais personagens para a Igreja, é analisado por Gibbon, assim como a Apostasia de Juliano e o culto dos santos, das relíquias e o movimento monástico. No que se refere a Constantino, Gibbon inicia sua análise desmistificando as visões divinas sobre sua conversão; mostra as contradições entre as fontes dos primeiros séculos da Igreja (A História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia); elucida a influência dos contextos políticos, e não religiosos, nesse fato; e conclui explicando o porque da sobrevida do paganismo logo após o triunfo do Cristianismo (o autor afirma, primeiramente, que a hipocrisia, pelo fato dos cristãos passarem a perseguir seus antigos perseguidores; e logo depois, as disputas entre cristãos partidários, são as principais causas).

Ao abordar Juliano, o Apóstata, único imperador romano que abandonou o Cristianismo e voltou ao Paganismo, e apresentar as causas para essa reconversão, Gibbon parece exprimir na figura desse imperador suas próprias experiências pessoais: insubmissão, gosto pela liberdade, denuncia da hipocrisia religiosa, interesse por disputas religiosas e uma má administração da autoridade religiosa. Gibbon deixa evidente seu gosto pela Mitologia Grega, afirmando que a religião dos antigos permitia que seus seguidores “dosassem” sua fé. A tolerância de Juliano e sua aversão à violência são elogiados, enquanto o excesso dos cultos pagãos, com seus sacrifícios e adivinhações, são criticados. A superstição, cristã ou pagã, é uma ameaça ao pensamento crítico do Iluminismo.

Depois da Apostasia de Juliano o autor aborda o culto dos santos e das relíquias, que, para ele, do reino de Constantino à Reforma de Lutero (século 4 d.C. ao século 16 d.C.), vem sendo um problema, pois a Igreja, vendo a possibilidade de lucrar, começa a produzir relíquias em grande quantidade e, na maioria das vezes, falsas. A destruição de antigos templos pagãos, a conversão forçada de judeus e os milagres são motivos de lamentação e crítica.

Por último, a barbárie representada pela religião cristã mostra sua pior forma, para Gibbon, no movimento monástico. Os monges, em nome de uma religião, se privam de liberdade, de modos e de qualquer sinal de pensamento racional e reflexivo. Gibbon nutre grande aversão por essas personagens, que considera escravas de regras inflexíveis. O elogio aos mosteiros surge quando ele relata que estes locais, ao recuperar e copiar obras antigas como as de Cícero e Tito Lívio, nas línguas grega e latina, contribuíram para o letramento dos povos bárbaros.

Depois dessa breve elucidação sobre parte da obra História do Declínio e Queda do Império Romano, é preciso levar em conta, para compreender o pensamento histórico e produção historiográfica de Gibbon, sua posição social e o contexto no qual viveu:

Edward Gibbon, burguês liberal da Inglaterra setecentista, preza a liberdade de pensamento, a tolerância, o espírito crítico e o convívio social. A análise histórica e humana da religião é uma continuidade da história natural da religião, inaugurada pelo filósofo e historiador britânico David Hume. O espírito filosófico de Gibbon é evidente quando este, ao abordar as querelas religiosas dos antigos, faz a reflexão para sua época e experiência pessoal (controvérsias de Oxford). Gibbon é um polemista, e suas críticas são dirigidas ao extremismo, fé cega, hipocrisia (os cristãos que antes eram perseguidos se tornaram os novos perseguidores) e à autoridade religiosa (Igreja Católica) que minava os direitos civis. Ele era um cético, e aproveitava as oportunidades de tecer críticas ao Cristianismo e, em certa medida, ao paganismo. A verdade, para esse autor, é relativa, e a natureza humana é fixa e imutável. A novidade na produção historiográfica de Gibbon fica no seu exame crítico das fontes primárias, na leitura do Cristianismo como fator influenciador para a queda do Império, na contextualização e visão abrangente dos eventos e sua importância para a história.


''A História, esse quadro terrível dos crimes, das perversidades e das desgraças do gênero humano''  - Edward Gibbon.



FONTES:

LOPES, Marcos Antônio. Ideias de História: tradição e inovação de Maquiavel a Herder. Londrina, EDUEL, 2007.


CRÉDITO DA IMAGEM:

nndb.com



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