Cornelius
Tacitus. Ilustração
retirada do livro The Book of History: A History of
all nations from the earliest times to the present. Nova
York, 1920.
O
mundo romano deixou um importante legado cultural para a posteridade.
Aliás, essas duas palavras, “legado” e “posteridade”, eram
frequentemente
utilizadas por
intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento na Antiguidade
Clássica.
Eles
viam na política e na ação de grandes líderes exemplos morais e
éticos que deveriam ser registrados e transmitidos para os mais
jovens. Figuras excêntricas e corruptas também serviam de exemplo
para o que não deveria ser imitado. É a partir da Roma dos
imperadores que Cornélio Tácito (55
d.C. - 120 d.C.),
orador e politico, irá se mostrar um dos historiadores mais
talentosos de sua época.
Das
obras de Tácito que chegaram aos nossos dias fragmentadas e com
lacunas quase impreenchíveis, temos como mais conhecidas os Anais,
a
Germânia,
Histórias e
Diálogos dos Oradores.
Sem o trabalho dos monges copitas da
Idade Média e
dos sábios da
Renascença,
o conhecimento parcial dessas obras teria sido impossível. Tácito
tem uma percepção crítica das transformações do mundo a sua
volta, expressando essas observações na obra Diálogos
dos Oradores,
onde registra como a prática da oratória estava em declínio e
a defende como elemento essencial na formação pedagógica,
filosófica e política.
No
campo etnográfico Tácito produziu Sobre
a vida e o caráter de Agrícola ou
Agrícola;
e Germânia.
A primeira, escrita no final do século I, é um elogio biográfico
a seu sogro, Cneo Júlio Agrícola, militar e governador da Britânia
entre 77 d.C. e 84 d.C. Em
Agrícola o
autor faz observações sobre os hábitos e costumes dos povos da
Britânia e descreve o local. Germânia
é mais densa, trazendo
em seu interior a descrição dos diversos povos bárbaros que
habitavam essa região e informações sobre relevo, hidrografia,
clima
etc.
Curioso é o fato de que Tácito jamais pôs os pés na Germânia,
nos levando a acreditar que possivelmente utilizou para a produção
desse livro informações de autores como Plínio, o Velho; Estrabão;
Diodoro Sículo; Posidonio;
e também os relatos de comerciantes e militares que estiveram no
local.
A
partir de agora, com a análise das obras Anais
e
Histórias,
compreenderemos a metodologia empregada por Tácito, sua linguagem e
as
principais
características de sua produção historiográfica.
Os
Anais,
escritos entre os
principados
de Trajano e Tibério, compreendem um período de 54 anos, de 14-68
d.C. e chegaram até os dias de hoje representados pelos livros I a
IV; parte do V ao VI; metade do XI, do XII até metade do livro XVI
(1). Foram perdidos os
livros sobre o
reinado de Calígula e parte dos reinados de Cláudio e Nero.
Parte
do que restou dos Anais,
quando
não aborda as campanhas romanas na Pártia,
Macedônia,
Armênia, Britânia e Germânia, se concentra na relação entre os
imperadores e o Senado; e, com um tom moralizante, próprio de
Tácito, registra as virtudes e os vícios dessas figuras. Como
fontes para seu trabalho Tácito utilizou o depoimento de testemunhas
oculares, as memórias deixadas pelos imperadores Cláudio e Tibério
e, na posição de senador, as atas publicadas no Senado. Nessa
obra a Germânia figura como principal ameaça para as fronteiras do
Império.
Quanto ao estilo e linguagem dessa obra, o idioma utilizado é o
latim, e Tácito utiliza normas gramaticais que lembram o estilo
literário de Cícero. São frequentes elipses, persuasão oratória,
ironias, circunlóquios e dicções léxicas. Até o livro 13, a
prosa de Tácito é concisa; tornando-se, a partir desse livro, mais
rica e trabalhada. A descrição poética da expedição de Germânico
na Alemanha nos remete ao estilo do poeta Virgílio. O tratamento
dado às personagens desse trabalho sempre vem acompanhado de
metáforas e ambiguidades (virtudes e vícios). Tácito cita
discursos curtos e indiretos.
Historias,
escrito no início do século II, começa após a morte de Nero, em
68 d.C. e cobre o conturbado período de 69-70 d.C. Originalmente, a
abordagem englobaria todo o século I, mas o restante se perdeu com o
tempo. O ano 69 foi marcado por guerras civis travadas entre quatro
imperadores: Oto, Galba, Vitélio e Vespasiano, que lutavam pelo
trono romano. Nesta obra, percebemos como Tácito é adepto do regime
republicano, lamentando como a cultura política decaiu com a
ascensão do poder imperial, com valores morais em decadência,
luxúria, corrupção e indisciplina em excesso.
Por
ser uma história contemporânea, da qual Tácito presenciou durante
a adolescência e a vida adulta parte dos fatos, a prosa é rápida e
não possui espaço para uma escrita mais refinada. Na descrição
das personagens, o autor revela a influência de Salústio,
utilizando incongruências, sequências de frases justapostas e
estilo livre. Ainda temos aspectos das relações dos romanos com os
bárbaros, mas o que realmente domina a narrativa são as ações
políticas do Império.
O
autor tem respeito pelas fontes (relatos de testemunhas), não
fazendo sobre elas juízos de valor, deixando claro que “Ao
narrar estes fatos, nada invento ou encareço, exponho apenas o que
li e o que ouvi dos mais velhos” (XI. 27).
O
Senado, local onde trabalhou, é descrito através de sátiras que
revelam como aquele poder estava impregnado de uma aura de calunia,
corrupção, parasitismo e mentiras. Em um período marcado por
assassinatos e outras formas de ataques, Tácito temia a tirania
imperial, sempre vigilante e violenta contra críticos e opositores.
Roma,
a cidade eterna, sofre com a imoralidade de seu povo. A ideia de
declínio moral em Tácito, apesar de bastante presente em suas
obras, não é tão grave como em autores anteriores; e este acredita
que os hábitos podem mudar naturalmente através de ciclos. Em
aspectos religiosos, o autor afirma que os deuses eram indiferentes
com a tranquilidade, mas estavam sempre preparados para punir os
homens (2). Era hostil em relação à história e religião
judaicas, e considerava o Cristianismo uma perigosa superstição.
Cornélio
Tácito foi apreciado durante o humanismo renascentista como um
exemplo de historiador político, pois assim como no Império do ano
69, a Europa passava por momentos conturbados. A tirania do Estado,
representado pela figura do imperador; a corrupção instalada no
Senado; e os vícios que tomaram conta de Roma, são denunciados pelo
autor, que mesmo mostrando uma certa tristeza pela decadência
iniciada com o fim da república, sabe reconhecer os bons exemplos e
exceções da época em que estava vivendo. A História, para Tácito,
era um instrumento que preservava os bons exemplos e denunciava o que
deveria ser evitado.
NOTAS:
(1)
MARQUES, Juliana Bastos. Estruturas narrativas nos Anais de
Tácito. Revista História da
Historiografia, RJ/MG, UNIRIO e UFOP . p.45.
(2)
BURROW, John. Uma História das Histórias. De Heródoto e
Tucídides ao Século XX. Rio de
Janeiro/São Paulo, Record, tradução de Nona Vaz de Castro, 2013.
p. 174.
FONTES:
SHOTWELL,
James T. Historia de la Historia em el mundo antiguo.
Ciudad de Mexico, Fondo de Cultura Económica, traducción de Ramón
Iglesa, 1982.
CRÉDITO DA IMAGEM:
commons.wikimedia.org
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