O Último Julgamento ou O Juízo Final. Fra Angelico, 1425-1430. Ao redor de Jesus Cristo estão Maria, João, o Evangelista, anjos e vários santos.
Os
primeiros intelectuais da Igreja, além de se debruçarem sobre
problemas existenciais como o sentido da vida, a morte, o pecado, a
natureza divina e a humana, dedicavam seus estudos a um gênero
conhecido como Hagiografia. A
Hagiografia (do grego hagios, santo,
e graphía,
escrita) é a escrita sobre a
vida de um santo, figura que, nos tempos mais remotos do Cristianismo
e durante o Império Romano, foi um defensor de sua religião,
morrendo em seu nome e tornando-se reverenciada pelos seguidores
desse culto. Esse gênero se
tornou popular na Idade Média entre os historiadores cristãos, mas,
lembrando que a Hagiografia
não se preocupa com os fatos históricos, mas sim com a descrição
dos martírios, dos milagres atribuídos aos santos, relíquias como
objetos pessoais e restos mortais, a
canonização e as formas de
veneração a essas figuras consideradas sagradas. O termo hagiografia foi cunhado no século XVII, quando esse estudo passou a ser sistematizado.
De
característica hagiográfica também existem os martirológios e
necrológios, que abordam a
forma como essas personagens foram mortas e a
data em que isso ocorreu. A
fixação da data era importante para que essa pessoa fosse lembrada. As
sangrentas perseguições do Império Romano ao Cristianismo
produziram uma série de mártires. A atribuição de santidade a uma
pessoa variou de acordo com a evolução desse religião: Nos tempos
mais primitivos, quando ela estava em início, a comunidade atribuía
a santidade ao mártir e celebrava sua morte na data em que ocorreu;
Já na Idade Média, com essa religião oficializada, com um líder
eclesiástico conhecido por Papa, a atribuição de figura sagrada
passava pelo crivo de um tribunal, de éditos ou pela aceitação
direta do líder da Igreja Católica.
Como
foi dito, os primeiros intelectuais da Igreja escreviam sobre a vida
dos santos. O primeiro a discorrer sobre esse tema foi Atanásio de
Alexandria (328 d.C.
-373 d.C.)
que escreveu a obra Vita Antonii
(Vida de Antônio, 360 d.C.), uma biografia sobre Santo Antão, o
Anacoreta, considerado santo ainda em vida, por suas ações de
caridade e proteção aos perseguidos por Roma. Eusébio de Cesareia
(265 d.C. -339
d.C.),
primeiro historiador da Igreja, escrevia martirológios sobre as
perseguições ocorridas em sua cidade natal, Cesareia, na Palestina.
Com uma riqueza de detalhes
sobre o triunfo dessas pessoas ao morrer em nome da fé, Eusébio
recorria a figuras heroicas do mundo greco-romano. Seu
professor, Doroteu de Tiro,
foi martirizado em 362. É da obra de Eusébio, História
Eclesiástica, que tiramos
informações sobre a vida desse santo.
Sulpício
Severo (363 d.C. - 425 d.C.), além de escrever a História
Sacra, escreveu Vida
de São Martinho. Essa obra tem
poucos aspectos biográficos, pois salta cronologicamente para uma
série de milagres atribuídos a São Martinho de
Tours, bispo dessa cidade francesa. A obra de Severo é considerada
mais um catálogo de milagres do que uma biografia propriamente dita.
Vida de São Martinho
povoou o imaginário dos séculos seguintes, influenciando, por
exemplo, o historiador Gregório de Tours (século VI d.C.), que fala
da influência da veneração desse santo em sua cidade natal.
Gregório, assim como Atanásio de Alexandria, se tornou santo.
O
primeiro autor a tentar reunir todas as biografias de santos até sua
época foi Jacopo de Varazze (1226-1298), que escreveu Legenda
Áurea – Vida de Santos. Essa
obra apresenta características históricas, como o relato dos
enfrentamentos entre romanos e cristãos, crentes e pagãos. O
objetivo maior de Jacopo era de fornecer, através dessas biografias,
um farto material para estudos teológicos, sermões e, bem ao estilo
dos primeiros intelectuais da igreja, exemplos morais para se seguir.
Foi sem dúvida um dos livros
mais importantes da Baixa Idade Média, servindo de molde para
futuras compilações.
John
Foxe é uma exceção nesse texto por dois motivos: Primeiro, que
diferente dos autores anteriormente citados, ele não era católico,
mas protestante; segundo, escreveu sobre as perseguições e
martírios contemporâneos que ocorriam em seu país, a Inglaterra.
Sua obra O Livro dos Mártires,
publicada em 1559, aborda os martírios de Jesus Cristo, Apóstolos,
líderes das primeiras heresias documentadas pela Igreja de Roma,
líderes da Reforma Protestante e, de forma contemporânea, as
perseguições empreendidas contra os protestantes pela rainha
católica Maria I da Inglaterra, que ficou conhecida como “Maria
Sangrenta”.
A
escrita de hagiografias, as biografias dos santos, em
alta durante a Idade Média, teve
um papel importante na manutenção das tradições da Igreja
Católica. Nem sempre
preocupada com os relatos históricos, ela traz um arcabouço de
exemplos morais, exemplos de superação frente as provações da
vida; e materiais teológicos, e, ao lado dos martirológios,
constitui não só um dos gêneros eclesiásticos mais importantes da
erudição cristã, como também é uma das bases dos ensinamentos
sagrados e parte fundamental do calendário litúrgico da Igreja
Católica, com a comemoração do dia em que essas pessoas foram
martirizadas por defenderem sua fé.
FONTES:
SANTOS,
Juberto. Você
sabe o que é Hagiografia?. Disponível
em: Catequisar -
http://www.catequisar.com.br/texto/colunas/juberto/06.htm
SILVA,
Andréia Cristina Lopes Frazão (Coord.). História
e Hagiografia V.
II – Banco
de Dados dos Santos Ibéricos
(séculos XI ao XIII). Rio de Janeiro: Pem, 2012.
BURROW,
John. Uma
História das Histórias
– De
Heródoto e Tucídides ao século XX.
Rio de Janeiro/São Paulo, Record, tradução de Nona
Vaz de Castro, 2013.
CRÉDITO DA IMAGEM:
commons.wikimedia.org
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