O texto a seguir foi publicado no jornal Amazonas Em Tempo em 06 de agosto de 2002. Nele o pesquisador Ed Lincon nos apresenta de maneira concisa a História do Cine Guarany, cinema histórico localizado no Centro de Manaus, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, que caso ainda existisse, teria completado ontem 81 anos.
COMO SE FOSSE HOJE, O GUARANY
O antigo Cine Guarany, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, no Centro de Manaus. FONTE: Acervo de Ed Lincon.
Quem tem mais de 40 anos sabe que o Cine-Theatro Guarany fez parte da vida de muita gente. Da infância, adolescência, juventude, dos idílios que se concretizavam após o início das sessões, enfim, de uma Manaus mais tranquila, mais culta, mais familiar. Hoje, se estivesse "vivo", o Guarany estaria completando 64 anos de existência. Talvez nem tenha "morrido", já que está na memória de muitos manauenses.
O pesquisador Ed Lincon, profundo conhecedor da história do Cine-Theatro Guarany, conta ao Em Tempo, em um texto limpo e sucinto, como tudo começou. "No dia 6 de agosto de 1938 era inaugurado em Manaus aquele que seria o cinema mais querido e amado por todos, o Cine-Theatro Guarany, antigo Cassino Julieta (1907) e depois Cinema-Theatro Alcazar (1912). O Guarany, conforme o sentimento nacionalista da época, foi pintado de verde e amarelo como a bandeira brasileira, substituindo o vermelho e o verde dos tempos do Alcazar".
Lincon diz que o filme de inauguração foi A Carga da Brigada Ligeira, com Errol Flynn e Olivia de Havilland. O cinema era de propriedade da empresa Cinema Avenida Ltda, de Antônio Lamarão e Adriano Bernardino, que mais tarde se tornaria o verdadeiro proprietário, alterando o nome de empresa para A. Bernardino Ltda. Desde sua inauguração, o Cine Guarany manteve a tradição de comemorar todos os anos no dia 6 de agosto o seu aniversário, tendo como comandante da festa Vasco José de Faria, conhecido pela criançada como "Vovô Vasco".
Conforme Ed Lincon, Vasco Faria era português, da cidade do Porto, e foi morar em Manaus aos 13 anos. Era figura obrigatório na porta do Guarany até sua morte em 15 de agosto de 1969. As festas do Guarany começavam às 9 horas do dia 1° e iam até o dia 6, quando havia sorteio de prêmios, distribuição de bombons, balões, gibis e exibição de filmes ao ar livre numa tela montada em dois postes de ferro, localizados no pavilhão São Jorge, conhecido popularmente como "Café do Pina", quando este se situava em frente ao cinema, no meio da rua.
"Para se fazer a projeção ao ar livre, era realizada uma verdadeira mágica para a época, já que o projetor era fixo; o projecionista do Guarany jogava o foco contra um espelho, que conduzia as imagens em movimento para a tela do lado de fora. Antes das sessões, para a realização dos sorteios dos prêmios, o 'Vovô Vasco' contratava radialistas como Ivens Lima, da Rádio Rio Mar, e Belmiro Vianez, da Rádio Baré", escreve o pesquisador.
A frente do cinema era toda enfeitada com bandeirolas multi-coloridas e havia dois potentes alto-falantes tocando músicas de sucesso da época. Tinha também salva de tiros de foguetes de um "mini-canhão" e fogos de artifícios para abrilhantar a festa. Além de Vasco Faria e Adriano Bernardino, outras pessoas ajudavam a organizar a festa, como o velhinho espanhol Domingos Romero, que era o porteiro e que abria as cortinas da tela; Manoel Farias (bilheteiro), e João Miranda, que confeccionava os cartazes dos filmes na entrada.
"No dia 6 de agosto de 1955, ao comemorar 17 anos de fundação, o Guarany inaugurava a "tela panorâmica", com distribuição de revistas, kibons, petecas, balões e sorteio de uma bola de futebol, três garrafas de Martini e outros artigos. Antes da primeira sessão, a criançada trocava gibis na entrada, comendo doces, esperando ansiosas pelo início da festa. Outras figuras características na porta do Guarany eram o xerife Tom Mix, cujo nome (Orlando Braga) verdadeiro ninguém sabia, e que curtia os filmes de faroeste e se vestia a caráter (chapéu, cartucheiras sem revólveres e estrela no peito), e o cego Jaú, que pedia esmolas. Os dois, mesmo não sendo funcionários, tinham o respeito e a admiração dos frequentadores", comenta.
A programação da festa do Guarany consistia em festival de desenhos pela manhã, filmes de aventura ou bang-bang na sessão da 1 h da tarde, filmes românticos na sessão das 4 h, e à noite, chanchadas ou filmes clássicos de aventura. As festas tinham o patrocínio de empresas como J. G. Araújo, Antônio M. Henriques & Cia,, Braga & Cia Ltda., Casa Canavarro, Drogaria Universal e Central de Ferragens.
O Cine Guarany realizou sua última festa de aniversário em agosto de 1964, após a revolução de março, não sendo mais possível a realização dos sorteios, nem a exibição de filmes ao ar livre, cujos postes ficaram abandonados por longos anos até serem retirados em 1972. Após a morte de Vasco Faria, o Guarany entrou em decadência.
Em 1973, enquanto os outros cinemas de Manaus - Odeon, Popular, Ideal, Palace, Éden, Avenida, Victória e Polytheama - fechavam suas portas, apenas o Guarany e o Ipiranga sobreviveram heroicos ao fantasma da demolição e venda até os anos 80, quando o primeiro foi demolido e o outro foi vendido para uma loja de eletrodomésticos.
"Hoje, no lugar do velho e saudoso Guarany, existe uma 'caixa de concreto' denominada Banco, e apenas na lembrança dos mais velhos ficou retida a imagem de momentos inesquecíveis, como o 'Vovô Vasco' Faria e as festas do Guarany", lamenta Lincon.
Como se fosse hoje, o Guarany. Amazonas Em Tempo, 06/08/2002.
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