Teatro Amazonas. FONTE: Revista Sombra, RJ, abril de 1940.
O Teatro Amazonas, localizado no Centro Histórico de Manaus, já teve seus altos e baixos. Entre fins do século XIX e início do século XX, quando foi concluído e entrou em atividade, viveu sua fase de ouro, atraindo artistas nacionais e estrangeiros. Com a crise econômica se anunciado desde fins da década de 10 do século XX, o teatro passou a receber companhias e artistas pouco famosos, sofrendo com o desgaste da estrutura e a péssima manutenção, apesar dos esforços de administrações como a do Governador Ephigênio Salles (1926-1929). Na década de 1930 ele entrou em decadência total. Uma luz de esperança acendeu com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, apesar de sua utilização com fins não artísticos. Com o bloqueio do Japão das colônias asiáticas que produziam borracha, matéria prima necessária na indústria armamentista, os Aliados voltaram seus olhos para a Amazônia. O Teatro Amazonas voltou a ter uso, dessa vez como sede da 'Rubber Reserve Company', depósito de borracha endereçada aos Aliados. Recupero a seguir um texto da época sobre essa fase do teatro, publicado em 1943 no Jornal do Comércio:
Teatro Amazonas, marco histórico de uma trajetória luminosa
Dos aplausos com que se imortalisaram genios á função mais nobre e mais utilitaria ao esforço de guerra
Intimamente ligada ao ciclo da borracha, em seus diversos estagios, a vida da suntuosa casa de arte
Poucos, pouquissimos edificios, no Brasil, teem tido uma historia tão movimentada, um destino tão glorioso como o que fora reservado ao Teatro Amazonas.
Construido na época do excesso das rendas estaduais, por determinação de uma lei votada na Assembleia Provincial, teve de vencer as difficuldades surgidas em diferentes oportunidades, até sua conclusão integral, efetuada na administração Pensador, em 1892*. Podemos nos gabar de possuir um teatro sui generis, o primeiro construido no Brasil para a sua finalidade. O Teatro Amazonas não somente constitue, um padrão de orgulho para a nossa terra. E' o marco de uma trajetoria luminosa que estacou ali, esgotados os nossos recursos pela inexoravel queda do padrão economico estadual. Podemos referir, portanto, toda a sua existencia, em 3 fases: surgimento, declinio e utilidade. São 3 fases distintas, que merecem estudadas de per si. O surgimento vai da promulgação da lei n°. 546, de junho de 1881, autorizando a construção do predio, até a desvalorisação progressiva do "ouro negro". Porque é curioso observar-se que a vida do teatro está intimamente ligada ao ciclo da borracha.
A segunda fase, menos interessante, vai aos nossos dias, finalizando com os acontecimentos que arrastaram o Brasil á declaração de guerra. Dai nasce a 3° fase.
No primeiro periodo de sua deslumbrante existencia, o Teatro Amazonas recebeu a visita dos melhores artistas do mundo, a exemplo do grande tragico Giovanni Emmanuel, que ali representou o "Hamlet", o "Othelo", etc. Companhias de ópera eram contratadas na Italia e vinham diretamente representar para a platéa seleta do Amazonas. Para custear as despezas com a montagem das peças, recebia o Teatro, por temporada, a quantia de Cr. $ 100.000,00, o que naquele tempo representava uma fortuna.
O Teatro possuia, até pouco tempo, a sua propria uzina de luz, localizada ao lado, na rua 10 de Julho.
Passaram sob aqueles arcos em triunfo, gênios da ribalta e da musica, como Dangeville, Gallignani, Giovanni Emmanuel, Guiomar Novais, Bidu' Sayão, Zerda, Amelia Lupiculla, Leopoldo Fróes, Renato Vianna e outros que a historia esqueceu...
Decrescendo o prestigio economico da borracha, foi o velho monumento ficando a margem, isolado no seu secundarismo, proibido de funcionar pela absoluta falta de elementos artisticos capazes de se arriscarem a um fracasso de bilheteria. Passou o monumento historico. Transformaram-no depois. Arrancaram-lhe os derradeiros vestigios daquela nobreza. Os veludos, [...] os brocados, as franjas, as poltronas arcaicas, tudo que documentava o seu passado de riqueza e esplendor, e que constituia recordação carissima, desapareceu, eliminado pela necessidade de uma reforma intransigente. A patina do tempo aureolou de velhice os laureis do consagrado monumento. Foi preciso lavar os sintomas que ocultavam a decadencia do templo e a decadencia do espirito e da arte. A maquilage, longe de ocultar o disfarce, poz a nu a verdade: o glorioso Teatro, cujas paredes estremeceram aos aplausos freneticos com que se imortalizaram tantos genios, estava sendo utilizado apenas por companhias de 3° ordem e por conjuntos regionais deficientes, escondendo nesses momentos de vida a sua decadencia, imortalizando qualquer meio-gênio fracassado que aparecesse na ribalta.
A reação, no entanto, não demorou, com um decreto que tinha a inexorabilidade do fatalismo: proibir que representassem no Teatro Amazonas companhias não devidamente licenciadas pelo Serviço Nacional de Teatro.
Acabou-se a 2° fase. O Teatro Amazonas fechou definitivamente as suas portas para os talentos mediocres e as companhias de revista. Foi mais ou menos nessa situação que o veio encontrar a conflagração, rasourando a face da terra, semeando a morte e a miseria. O Brasil, aceitando em difinitivo a situação creada pelo inimigo, integrava-se no conflito. E' então que o Teatro Amazonas, que durante meio seculo ouviu estrugir em suas arcadas as vozes dos gênios, passou, com o ressurgir da economia do vale, a aceitar uma outra função, a função mais nobre e mais utilitaria ao esforço de guerra das nações unidas: passou a funcionar, num dos seus amplos departamentos, a "Rubber Reserve Company". Por um capricho curioso, o mesmo fator economico que lhe deu vida e glorias inesqueciveis, o mesmo fator economico, novamente agitado nesta hora de tremendos cataclismos sociais, tenta reabilitar a Amazonia, e é ali naquelas salas silenciosas que os soldados da democracia, que nos veem ajudar a vencer a crise economica da borracha, estudam e traçam os caminhos retos que deveremos palmilhar para conseguir a vitoria do Brasil e do espirito sobre o imperialismo doentio.
FONTE:
Jornal do Comércio, 14/02/1943.
* O teatro foi inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com as obras se arrastando por mais alguns anos. Trata-se de um erro da publicação original.
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