O texto a seguir é de autoria de Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor, escritor, historiador e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Nele Aguinaldo aborda um episódio pouco conhecido da História do Amazonas: A Batalha de Itacoatiara, ocorrida em 1932. Esse conflito teve como pano de fundo a influência política da Revolução Constitucionalista que ocorrera em São Paulo.
A BATALHA DE ITACOATIARA
Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo
Cais do Porto de Itacoatiara. FONTE: Biblioteca do IBGE.
No
dia 24 de agosto de 1932, a cidade de Itacoatiara foi sacudida por
uma grande agitação, com a população em polvorosa correndo para
se esconder onde podia para escapar das balas que caiam próximas às
suas casas. Sem saber o que estava acontecendo, dona Rosa relata que
o povo e os poucos soldados da Força Pública, orientados pelo padre
Pereira e pelo prefeito, Major Gonzaga Pinheiro, acorriam
freneticamente para a beira do rio carregando paneiros de farinha
cheios de areia e de farinha mesmo, cujo objetivo era o de erguer uma
enorme trincheira para proteger a cidade do iminente bombardeio que
seria realizado por navios da Marinha de guerra brasileira, sob o
comando de revoltosos vindos do Pará, simpatizantes da Revolução
Constitucionalista que havia eclodido em São Paulo nesse ano de
1932, caso não lhes entregassem a rendição da cidade.
Desde
o dia 20 de agosto, o comandante do Estado Maior do Exército da
guarnição do forte de Óbidos, capitão Otelo Franco aderira aos
revoltosos despachando as canhoneiras fluviais Andirá e Jaguaribe
com destino a Manaus para tomar a cidade, considerada ponto
estratégico para o sucesso do movimento paulista na região Norte.
No dia 21, notícias verazes davam conta de que os sediciosos já
havia se apoderado de Parintins e estavam se dirigindo rapidamente
para a capital amazonense com o mesmo intuito.
A
pequena frota, porém, tinha que subir o rio Amazonas e passar pela
cidade de Itacoatiara, que dista 360 km de Manaus. A notícia da
aproximação do comboio apavorou a Velha Serpa, causando pânico
entre os moradores, que saíram em desabalada carreira em busca de
refúgio nas matas e locais inóspitos.
Já
com seus navios ancorados em frente à cidade, os rebeldes enviam um
emissário para terra para negociar a rendição da mesma com seus
lideres políticos e recebem destes como resposta uma recusa
intransigente. Depois de dois dias de impasses, com o prefeito e o
padre protelando a rendição, assim ganhado tempo para que o socorro
de Manaus chegasse à área, pois os mesmos enviaram à capital uma
mensagem telegráfica comunicando as autoridades as perigosas
ocorrências. Os rebeldes dão então um ultimato para que a
população abandone a cidade em duas horas, quando então iniciarão
o canhoneio.
Ciente
dos acontecimentos, o comandante da Flotilha do Amazonas, capitão de
fragata Galdeno Pimentel Duarte, enviou as canhoneiras Ingá e
Baependi para interceptar os refratários antes que alcancem à
capital.
Navegando
a todo vapor as belonaves legalistas chegaram por volta de duas horas
da tarde do dia 24 de agosto na zona de combate, momentos antes de
encerrar o prazo dado pelos revolucionários para bombardear a
cidade. Imediatamente os navios tomam posição de ataque, com as
cornetas e apitos convocando as tripulações a guarnecer postos de
batalha.
Há
pouco mais de 200 metros de distância um dos outros os canhões e
metralhadoras dos barcos abriram fogo simultaneamente, provocando
pavor nos moradores que, segundo dona Rosa, “corriam para se
abrigar em qualquer lugar, até mesmo em embaixo das camas para se
protegerem dos tiros vindos dos barcos, que passavam próximos as
casas”.
Sendo
observado com cautela e terror pelos poucos corajosos que ousaram
ficar na cidade, o combate já ocorria há pelo menos trinta minutos
sem definição de quem estava levando vantagem, com os navios de
ambos os lados seriamente avariados. Havia muitos mortos e feridos
nos conveses, mas nada detinha a metralha.
No
auge da ação, o “Ingá”, aproou como se fosse um aríete,
lançando-se sobre o “Jaguaribe”, abrindo um rombo em seu costado
e fazendo-o adernar para bombordo e, em poucos minutos, ele foi ao
fundo.
O
combate prossegue com o Andirá resistindo bravamente, inclusive
ameaçando os navios legais com tiros de fuzis e de metralhadoras
pesadas, provocando muitas baixas no inimigo. Entretanto, seu destino
foi selado quando uma saraivada de tiros de morteiros e de
metralhadoras devastou a ponte de comando, deixando-o a deriva na
vastidão do rio Amazonas.
Nesse
ínterim, o Baependi, o maior e mais bem armado dos vasos, também se
arremessa sobre o pequeno Andirá, partindo-o ao meio, levando-o a
pique em pouco mais de três minutos, pondo fim a breve “Batalha de
Itacoatiara”, que teve quarenta minutos de duração.
Lamentavelmente,
num gesto de desatino e insensatez, os tripulantes dos navios
vencedores metralharam impiedosamente os sobreviventes, matando-os
ainda sob a água, tirando o brilho moral da vitória que acabavam de
conquistar.
Foi
um momento ímpar na história do Amazonas e da cidade de
Itacoatiara, cuja população, depois do susto, regressou as suas
casas agradecendo a Deus e a ação imediata das forças navais fiéis
ao governo de Getúlio Vargas, por ter evitado mal maior, bem como
pelo restabelecimento da ordem, da paz e da normalidade.
Nos
anos seguintes à famosa batalha, o que restou dos intrépidos navios
jaz em escombros, carcomidos pelas águas e pelo tempo no leito
movediço do rio Amazonas, mostrando ainda seus mastros quando das
vazantes muito baixas desse rio, como se fosse um monumento pujante a
reivindicar seu espaço e sua importância que insiste em ser negado
na nossa história. No início do ano de 2014, uma equipe de
mergulhadores da marinha, por ordem do almirante Luís Frade
Carneiro, comandante do 9º Distrito Naval, atendendo pedidos de
autoridades e intelectuais itacoatiarenses, fez uma extensa varredura
no provável perito do entrevero e constatou não haver nenhum
vestígio das belezas afundadas.
Sobre
o episódio, o escritor Anísio Jobim, em seu livro “A Batalha de
Itacoatiara”, retrata uma folclórica nota transcrita no jornal “O
Jornal”, de Manaus, no dia 26 de setembro de 1932, publicada num
periódico da França, em que deixa visível a eterna ignorância que
os estrangeiros têm sobre o conhecimento da nossa geografia e
história, com as seguintes palavras:
“A
esquadra brasileira sob o comando do presidente Vargas, bateu, no
Oceano Atlântico, a frota revolucionária do almirante Itacoatiara”!
Sensacional esse resgate a nossa história estadual. Parabéns pela divulgação. Grande abraço!
ResponderExcluirMuito obrigado Herbert Macedo. Com os cumprimentos do Prof. Aguinaldo N. Figueiredo.
ExcluirTem muitos outros detalhes até eruditos deste confronto nos escritos de Parintins e de Manaus.
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