quarta-feira, 17 de julho de 2019

A Batalha de Itacoatiara (AM,1932)


O texto a seguir é de autoria de Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor, escritor, historiador e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Nele Aguinaldo aborda um episódio pouco conhecido da História do Amazonas: A Batalha de Itacoatiara, ocorrida em 1932. Esse conflito teve como pano de fundo a influência política da Revolução Constitucionalista que ocorrera em São Paulo.


A BATALHA DE ITACOATIARA
Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo


Cais do Porto de Itacoatiara. FONTE: Biblioteca do IBGE.

No dia 24 de agosto de 1932, a cidade de Itacoatiara foi sacudida por uma grande agitação, com a população em polvorosa correndo para se esconder onde podia para escapar das balas que caiam próximas às suas casas. Sem saber o que estava acontecendo, dona Rosa relata que o povo e os poucos soldados da Força Pública, orientados pelo padre Pereira e pelo prefeito, Major Gonzaga Pinheiro, acorriam freneticamente para a beira do rio carregando paneiros de farinha cheios de areia e de farinha mesmo, cujo objetivo era o de erguer uma enorme trincheira para proteger a cidade do iminente bombardeio que seria realizado por navios da Marinha de guerra brasileira, sob o comando de revoltosos vindos do Pará, simpatizantes da Revolução Constitucionalista que havia eclodido em São Paulo nesse ano de 1932, caso não lhes entregassem a rendição da cidade.

Desde o dia 20 de agosto, o comandante do Estado Maior do Exército da guarnição do forte de Óbidos, capitão Otelo Franco aderira aos revoltosos despachando as canhoneiras fluviais Andirá e Jaguaribe com destino a Manaus para tomar a cidade, considerada ponto estratégico para o sucesso do movimento paulista na região Norte. No dia 21, notícias verazes davam conta de que os sediciosos já havia se apoderado de Parintins e estavam se dirigindo rapidamente para a capital amazonense com o mesmo intuito.

A pequena frota, porém, tinha que subir o rio Amazonas e passar pela cidade de Itacoatiara, que dista 360 km de Manaus. A notícia da aproximação do comboio apavorou a Velha Serpa, causando pânico entre os moradores, que saíram em desabalada carreira em busca de refúgio nas matas e locais inóspitos.

Já com seus navios ancorados em frente à cidade, os rebeldes enviam um emissário para terra para negociar a rendição da mesma com seus lideres políticos e recebem destes como resposta uma recusa intransigente. Depois de dois dias de impasses, com o prefeito e o padre protelando a rendição, assim ganhado tempo para que o socorro de Manaus chegasse à área, pois os mesmos enviaram à capital uma mensagem telegráfica comunicando as autoridades as perigosas ocorrências. Os rebeldes dão então um ultimato para que a população abandone a cidade em duas horas, quando então iniciarão o canhoneio.

Ciente dos acontecimentos, o comandante da Flotilha do Amazonas, capitão de fragata Galdeno Pimentel Duarte, enviou as canhoneiras Ingá e Baependi para interceptar os refratários antes que alcancem à capital.

Navegando a todo vapor as belonaves legalistas chegaram por volta de duas horas da tarde do dia 24 de agosto na zona de combate, momentos antes de encerrar o prazo dado pelos revolucionários para bombardear a cidade. Imediatamente os navios tomam posição de ataque, com as cornetas e apitos convocando as tripulações a guarnecer postos de batalha.

Há pouco mais de 200 metros de distância um dos outros os canhões e metralhadoras dos barcos abriram fogo simultaneamente, provocando pavor nos moradores que, segundo dona Rosa, “corriam para se abrigar em qualquer lugar, até mesmo em embaixo das camas para se protegerem dos tiros vindos dos barcos, que passavam próximos as casas”.

Sendo observado com cautela e terror pelos poucos corajosos que ousaram ficar na cidade, o combate já ocorria há pelo menos trinta minutos sem definição de quem estava levando vantagem, com os navios de ambos os lados seriamente avariados. Havia muitos mortos e feridos nos conveses, mas nada detinha a metralha.
No auge da ação, o “Ingá”, aproou como se fosse um aríete, lançando-se sobre o “Jaguaribe”, abrindo um rombo em seu costado e fazendo-o adernar para bombordo e, em poucos minutos, ele foi ao fundo.

O combate prossegue com o Andirá resistindo bravamente, inclusive ameaçando os navios legais com tiros de fuzis e de metralhadoras pesadas, provocando muitas baixas no inimigo. Entretanto, seu destino foi selado quando uma saraivada de tiros de morteiros e de metralhadoras devastou a ponte de comando, deixando-o a deriva na vastidão do rio Amazonas.

Nesse ínterim, o Baependi, o maior e mais bem armado dos vasos, também se arremessa sobre o pequeno Andirá, partindo-o ao meio, levando-o a pique em pouco mais de três minutos, pondo fim a breve “Batalha de Itacoatiara”, que teve quarenta minutos de duração.

Lamentavelmente, num gesto de desatino e insensatez, os tripulantes dos navios vencedores metralharam impiedosamente os sobreviventes, matando-os ainda sob a água, tirando o brilho moral da vitória que acabavam de conquistar.

Foi um momento ímpar na história do Amazonas e da cidade de Itacoatiara, cuja população, depois do susto, regressou as suas casas agradecendo a Deus e a ação imediata das forças navais fiéis ao governo de Getúlio Vargas, por ter evitado mal maior, bem como pelo restabelecimento da ordem, da paz e da normalidade.

Nos anos seguintes à famosa batalha, o que restou dos intrépidos navios jaz em escombros, carcomidos pelas águas e pelo tempo no leito movediço do rio Amazonas, mostrando ainda seus mastros quando das vazantes muito baixas desse rio, como se fosse um monumento pujante a reivindicar seu espaço e sua importância que insiste em ser negado na nossa história. No início do ano de 2014, uma equipe de mergulhadores da marinha, por ordem do almirante Luís Frade Carneiro, comandante do 9º Distrito Naval, atendendo pedidos de autoridades e intelectuais itacoatiarenses, fez uma extensa varredura no provável perito do entrevero e constatou não haver nenhum vestígio das belezas afundadas.

Sobre o episódio, o escritor Anísio Jobim, em seu livro “A Batalha de Itacoatiara”, retrata uma folclórica nota transcrita no jornal “O Jornal”, de Manaus, no dia 26 de setembro de 1932, publicada num periódico da França, em que deixa visível a eterna ignorância que os estrangeiros têm sobre o conhecimento da nossa geografia e história, com as seguintes palavras:

A esquadra brasileira sob o comando do presidente Vargas, bateu, no Oceano Atlântico, a frota revolucionária do almirante Itacoatiara”!

3 comentários:

  1. Sensacional esse resgate a nossa história estadual. Parabéns pela divulgação. Grande abraço!

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    1. Muito obrigado Herbert Macedo. Com os cumprimentos do Prof. Aguinaldo N. Figueiredo.

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  2. Tem muitos outros detalhes até eruditos deste confronto nos escritos de Parintins e de Manaus.

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