Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor, escritor e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).
Compartilho novamente meu artigo sobre esse episodio fatídico ocorrido em Manaus em 1918, vitimando um sem número de pessoas, seres humanos que tinham parentes e se amavam ou não, mas que depois da conscientização que só a solidariedade e o amor ao outro podem construir sociedades com dignidade, é que foi possível a debelação da epidemia e a preservação dos vivos. Viva os manauras, viva Manaus, viva os seres humanos, humanos.
A GRIPE ESPANHOLA EM MANAUS
Manchete sobre a Gripe Espanhola em Manaus. FONTE: Jornal do Commercio, 28/10/1918.
A gripe espanhola foi a influenza que se iniciou, provavelmente, nos confins do continente asiático e se propalou pelo mundo a partir da mutação do vírus H1N1, chegando ao Brasil por contágio de marinheiros da Armada brasileira no Senegal, aportando em Manaus, via fluvial, em setembro de 1918. A pandemia levou esse nome em razão de ter sido a imprensa espanhola a primeira a divulgar sua existência, bem como seus perigos e sua letalidade. Durante sua prevalência em todos os lugares que afetou, a gripe matou milhões de pessoas, inclusive no Rio de Janeiro, Recife e Belém.
De acordo com relatos colhidos no livro - História da Medicina e das Doenças no Amazonas, do doutor Antônio José Loureiro, editado em 2004, os primeiros casos da gripe em Manaus foram detectados no início de setembro de 1918, obrigando as autoridades sanitárias a fechar escolas, clubes, suspender diversões e reuniões com muita aglomeração humana. Mesmo a despeito dessas medidas emergenciais, os focos de contaminações se alastraram imediatamente. Em poucos dias a cidade virou um pandemônio, com todas as suas localidades sendo afetadas pela violência da moléstia, cujos sintomas eram: febre alta, dores na fronte e nos músculos, catarro nas vias respiratórias e aéreas, fadiga, sufocamento e morte. Para a infelicidade dos afetados, até aquele momento, não se tinha esperança de cura e nem de profilaxias adequadas para tratar a doença.
Foi criado até um Comitê de Salvação Pública para enfrentar o perigo que ameaçava a população de ter parte de sua gente extinta. Esse órgão encarregou-se de recolher donativos, remédios, roupas e alimentos para distribuir entre os mais necessitados que, em razão das deficiências alimentares, eram as vítimas prediletas do surto malsão. Vários postos de atendimentos desse comitê foram instalados em pontos estratégicos da cidade, sob a supervisão do Exército, por meio do Tiro 10, da Polícia Militar e membros da sociedade civil organizada, que passaram a garantir a segurança dos que podiam ser salvos. A medicação era à base de quinino, da vacina antivariólica, do Allium sativum, da cânfora e do arsênico, todos sem eficácia comprovada, mas era o que se tinha para o tratamento naquele fatídico momento.
Tudo que se fazia não surtia resultados positivos para controlar seus efeitos nocivos e as mortes rapidamente se multiplicaram pelas ruas do centro, dos bairros e nas cercanias. O número de cadáveres era considerável, obrigando as autoridades a requisitar forças militares e voluntários para realizar os sepultamentos dos corpos que entulhavam as estradas e se reconhecia os lugares mais infectados a partir das nuvens de urubus sobrevoando os restos mortais. O bairro da Cachoeirinha, um dos locais mais afetados, se despovoou e os cemitérios ficaram pequenos para tantos expirados, obrigando o poder público a abrir valas comuns em lugares ermos como as margens das Estradas de Flores e do Tarumã, para enterrar os indigentes e mesmo os que eram abandonados pelas famílias, temendo mais contágio.
Calcula-se que mais de 6 mil pessoas ou o equivalente a quase 10% da população de Manaus morreram em consequência do contágio direto dessa gripe, situação que se agravou em função da cidade já viver os primeiros sinais da falência da economia gomífera. Uma situação que é digna de citação, com todos os méritos e louvores nesse episódio, foi à solidariedade do povo, principalmente dos médicos, enfermeiros, membros da Maçonaria e voluntários envolvidos no combate à pestilência perversa, que não se omitiram no chamamento de prestar sua contribuição em mais um momento delicado da cidade, demostrando mais uma vez a altivez, a dignidade e o espírito público dos manauaras.
Não obstante, as atitudes mais recomendadas para a prevenção da doença, incluíam o consumo de limão (que teve seu preço quadruplicando no comércio), uma rigorosa higiene bucal e corporal, além de uma boa alimentação, que funcionavam como as melhores medidas para conter a pandemia maligna. Em janeiro de 1919, a doença já perde força de sua letalidade, sendo paulatinamente extinta do território de Manaus.
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