"Surge no Amazonas o 1° caso de Aids". FONTE: Jornal dos Sports, RJ, 21.07.1986.
Em
1981, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos, localizado em Atlanta, na Geórgia, notificou que entre
outubro de 1980 e maio de 1981, 5 homens jovens, todos homossexuais,
foram diagnosticados com Pneumocistis
Carinii,
um tipo grave de pneumonia que atingia pessoas com o sistema imunológico debilitado (CDC, Pneumocystis pneumonia. Los Angeles. MMWR 1981;30:250-2).
Pouco
tempo depois surgiram casos de Sarcoma
de Kaposi,
um câncer de
pele raro que geralmente acometia apenas idosos do Mediterrâneo e que existia de forma endêmica nas Áfricas Oriental e Central.
Tinha
início uma das epidemias mais mortais do século XX, a epidemia de
Aids, como ficou conhecida a doença no ano seguinte (SIDA –
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). O
causador da síndrome, o vírus HIV, só foi descoberto entre
1983-1984.
Descobriu-se
que a transmissão ocorria através do contato sexual e também pelo
sangue. O
pânico estava instalado. Qualquer
sinal de cansaço, alguma mancha no corpo e dores estomacais eram
motivos para uma ida ao médico, sempre se pensando no pior dos
diagnósticos. Usar utensílios de portadores da doença, jamais, nem
mesmo apertos de mão ou
beijos.
Enfermeiros e até mesmo médicos se recusavam a atendê-los, com
medo de contaminar-se. A desinformação, por muito tempo, foi uma
das faces da epidemia.
Como a maioria das vítimas eram
homossexuais, a doença, nos primeiros anos, era pejorativamente
conhecida como câncer gay ou praga gay. O termo Aids foi proposto
depois que surgiram casos em usuários de drogas intravenosas, em
hemofílicos, profissionais do sexo e heterossexuais. Mesmo assim, o
estigma da doença recaiu sobre os homossexuais, que passaram a
sofrer ainda mais com restrições e perseguições. Era comum serem
publicadas em jornais matérias e charges os ridicularizando, como a
reproduzida abaixo, de 1983:
Charge sobre a "Peste Gay". FONTE: A Luta Democrática, RJ, 17.06.1983.
No
Brasil os primeiros casos surgiram em 1982 no Estado de São Paulo
(boletins
médicos rastrearam um primeiro caso em 1980).
Posteriormente foram identificados casos no Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Pernambuco
etc. As
medidas tomadas pelas autoridades públicas, naquele momento, foram
mínimas. Como eram poucos os casos quando
comparados aos
de
outros países, afirmava-se
que a
Aids não era prioridade, mas sim doenças como a dengue e a
tuberculose e problemas sociais
como a fome.
No
entanto, em pouco tempo os casos aumentaram de
forma assustadora, dobrando
ou triplicando a cada ano.
Se em 1982, ano do
surgimento do primeiro caso no
Brasil,
haviam sido reportados
apenas
10
casos, 3 anos depois, em 1985, eles já eram 573 (GALVÃO, 2002, p.
9-10). “Nesse
ano, através
da Portaria do Ministério da Saúde n° 236, de 02 de maio, são
estabelecidas as diretrizes para o programa de controle da Síndrome
de Imunodeficiência Adquirida, SIDA ou AIDS” (GALVÃO, 2001, p.
10). Tinha início a resposta brasileira à Aids.
As
recomendações médicas se estenderam pelos jornais, revistas,
televisão, rádio
e outros meios de comunicação. Vejamos o que diz sobre a Aids e
seus “grupos de risco” uma enciclopédia escolar brasileira de
1987:
“As
pessoas que compõe os principais grupos de risco da doença são as
seguintes:
– homossexuais
e bissexuais masculinos;
– viciados
em drogas;
– pessoas
que recebem sangue contaminado;
– parceiros
sexuais de qualquer pessoa de um dos grupos de risco;
– bebês,
filhos de mulheres contaminadas.
Sintomas
– Os principais sintomas são: caroços (gânglios) nas axilas,
pescoço e virilha, manchas avermelhadas na pele, dores musculares,
aumento do baço e do fígado.
A
AIDS ainda não tem cura e por isso, recomenda-se a sua prevenção
das seguintes maneiras:
– esterilização
de qualquer material que entre em contato com o sangue (bisturis,
lâminas de barbear etc);
– uso
de seringas e agulhas descartáveis;
– fazer
testes de detecção do vírus nos sangues usados em transfusões;
– evitar
o uso de drogas;
– usar
camisinha de Vênus (preservativo) nas relações sexuais;
– reduzir,
ao mínimo, o número de parceiros sexuais” (Enciclopédia
Pesquisando na Escola, 1987, p. 84).
O
primeiro caso de Aids do
Amazonas surgiu em 1986. A vítima era uma jovem manauara que tinha
feito uma transfusão de sangue no Rio de Janeiro, pois era
hemofílica, uma condição rara em mulheres (Jornal
dos Sports, RJ, 21.07.1986).
A hematologista Joyce A. Bizzacchi, em
entrevista à
Revista Superinteressante, explica
que, para que uma mulher nasça com hemofilia
“[…]
é
necessário que a mãe seja portadora de um cromossomo deficiente e o
pai hemofílico, também com o X alterado […]
Se, na hora da fecundação, o cromossomo X defeituoso da mãe se une
com o cromossomo X do pai, também anômalo, nascerá uma menina
hemofílica” (Revista Superinteressante, 31/01/1994).
Antes
desse primeiro caso, os jornais amazonenses já vinham noticiando a
emergência dessa doença em outros países e Estados brasileiros.
Por exemplo, em 1983 foi publicado na coluna científica do Jornal do
Comércio o artigo ‘SIDA:
A Nova Peste do Século’
(Jornal do Comércio, 09.10.1983). Acreditava-se, como mais tarde
foi comprovado, que a doença em
breve chegaria
ao Estado do Amazonas.
Como
foi mostrado no
início,
as autoridades públicas amazonenses consideravam
que, por serem poucos os casos, a Aids “[…] era um problema menor
entre outras doenças sanitárias, muito mais preocupantes”,
declarou
em entrevista o Diretor da Fundação de Medicina Tropical do
Amazonas na
época
(Diário do Amazonas, 08.03.1987 In KADRI; SCHWEICKARDT, 2016, p.
309). Com
o avanço da epidemia, não tardou para que fossem tomadas as
primeiras medidas de enfrentamento.
Fundação Alfredo da Matta, 1980. FONTE: Acervo do Irmão Pedro (Toyo Miida)/Fundação Alfredo da Matta.
A
Fundação Alfredo da Matta, localizada no bairro Cachoeirinha, foi a
pioneira, em Manaus, no tratamento ambulatorial de pessoas infectadas
pelo HIV. Os casos suspeitos eram encaminhados para o HEMOAM, onde
eram realizados os testes de sorologia. Caso fosse necessária a
internação, o hospital referência era o Hospital
Universitário
Getúlio Vargas, da Fundação Universidade do Amazonas (Jornal
do Comércio, 04.10.1987). Em
1989 foi criado o Programa Estadual de DST e Aids. Para auxiliar o
trabalho realizado na Fundação Alfredo da Mata, foi construída uma
ala de isolamento para atender soropositivos na Fundação de
Medicina Tropical do Amazonas (KADRI;
SCHWEICKARDT, 2016, p.
310). Esta instituição tornou-se referência – e ainda é nos
dias de hoje – no tratamento de pessoas infectadas pelo vírus HIV.
Na
maioria das vezes essas duas instituições enfrentavam diferentes
tipos de problemas, como os de ordem política, com a falta de verba
para otimizar suas estruturas e expandir o atendimento aos
soropositivos; e os logísticos, pois muitas vezes o Estado, pela
distância, ficava de fora das campanhas nacionais de prevenção,
mais focadas no eixo Sudeste-Sul.
Na
primeira década da epidemia no Estado do Amazonas, isto é,
de
1986
a 1996, foram registrados cerca
de 380 casos de Aids, sendo
a maior parte na capital
(Vigilância
Epidemiológica em HIV/Aids e Hepatites Virais). A doença mudou práticas e formas de sociabilidade. O preservativo, antes utilizado apenas por questões contraceptivas, passou a ser utilizado como proteção contra doenças venéreas. Casas de prostituição, da capital e do interior, viram sua clientela diminuir a cada dia.
A
sociedade civil, com
apoio
por alguns profissionais da área da saúde, passou a organizar-se
para auxiliar no combate à Aids no
Amazonas.
Em 01 de dezembro de 1989 é criado o Movimento de Luta Contra a Aids
(AMAVIDA), a primeira ong amazonense contra a doença. A AMAVIDA, com
apoio da Fundação Alfredo da Matta, tratava e orientava as
profissionais do sexo da capital sobre como se prevenir. Em 20 de
fevereiro de 1992 surge o Grupo Gay do Amazonas, que além de lutar
pelos direitos dos homossexuais, promovia ações de prevenção
entre o grupo. Posteriormente
surge a ASAM, Associação dos Soropositivos do Amazonas. Em 2002,
antigos membros da ASAM criam a Associação Katiró, que até hoje
promove ações de combate, educação e assistência jurídica aos
portadores de HIV do Amazonas. No mesmo período, em 1996, é criada,
no interior da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, a Rede de
Amizade e Solidariedade às Pessoas com HIV/AIDS (SCHWEICKARDT et al.
2017, p. 175-176). Em 1999 é criada a ong Associação de Apoio à
Criança com HIV, Casa Vhida, contando com o apoio de profissionais
do Instituto de Medicina Tropical do Amazonas.
Passados
38 anos do início da epidemia, a Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida permanece incurável. De 1986 a 2016 foram registrados
15.149 casos no Amazonas, sendo 12.179 em Manaus, 265 em Parintins,
248 em Tabatinga, 157 em Itacoatiara e 155 em Tefé (A
Crítica, 24.05.2017).
Felizmente, novos tratamentos permitem que as pessoas infectadas pelo
vírus HIV vivam normalmente. As
campanhas de educação e prevenção devem ser contínuas. Deve-se
julgar menos e se colocar mais no lugar do outro, pois além do
amparo físico, é necessário o amparo psicológico.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
CDC.
Pneumocystis
pneumonia.
Los Angeles. MMWR 1981;30:250-2.
ENCICLOPÉDIA
Pesquisando na Escola. São Paulo: Ícone Editora, 1987.
GALVÃO,
Jane. 1980-2001:
uma cronologia da epidemia de HIV/AIDS no Brasil e no mundo.
Rio de Janeiro: ABIA, 2002.
KADRI,
Michele Rocha; SCHWEICKARDT, Júlio César. A
emergência da Aids no Amazonas.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23,
n.2, abr.-jun. 2016, p.301-319.
Revista
Superinteressante, 31/01/1994.
SCHWEICKARDT,
Júlio César et al. História
e Política Pública de Saúde na Amazônia.
Porto Alegre: Rede UNIDA, 2017.
FONTES:
A
Luta Democrática, RJ, 17.06.1983.
Jornal
do Comércio, AM, 09.10.1983.
Jornal
dos Sports, RJ, 21.07.1986.
Jornal
do Comércio, AM,
04.10.1987.
Vigilância
Epidemiológica em HIV/Aids e Hepatites Virais, 2012.
A
Crítica,
AM, 24.05.2017.
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