sábado, 4 de setembro de 2021

A antiga Casa da Câmara Municipal e a Instalação da Província do Amazonas

Casa da Câmara Municipal, local onde foi Instalada a Província do Amazonas. Desenho do pesquisador Ed Lincon Barros Silva.

A Elevação do Amazonas à Categoria de Província é a data maior da História do Estado do Amazonas. Apesar desse destaque, a capital, Manaus, possui poucos elementos que remetem a esse fato. Um deles poderia ter chegado até os dias de hoje se tivesse sido preservado no passado: a Casa da Câmara Municipal, prédio onde a Província foi Instalada em 01 de Janeiro de 1852.

A Comarca do Alto Amazonas, como se sabe, foi elevada à categoria de Província em 05 de Setembro de 1850 por força da Lei N° 582 de 05 de Setembro daquele ano, desmembrando-se da Província do Grão-Pará. A Instalação ocorreu somente em 01 de Janeiro de 1852. Ela teve lugar em um sobrado localizado entre a ruas Oriental (posteriormente Rua da Instalação), Frei José dos Inocentes e Henrique Antony - na então cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro (Manaus) - que funcionava como a Casa da Câmara Municipal. Estiveram presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como grande número de populares. A população da cidade era estimada em pouco mais de 4.000 habitantes.

O prédio pertencia ao Vereador e comerciante Alexandrino Magno Taveira Pau-Brazil (1797-1862), proprietário de alguns dos melhores estabelecimentos da cidade. As poucas fotos antigas que existem nos permitem visualizar uma construção de estilo simples, com dois andares, poucas janelas e portas. O historiador Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), descendente de Alexandrino Magno Taveira Pau-Brazil, afirma que ele era de "[..] de taipa socada em pilão arcado" (MONTEIRO, 1998, p. 351). 

Com o passar dos anos, a antiga Casa da Câmara, cujas paredes estavam revestidas de glórias de um passado de lutas por emancipação, ganhou outros usos. Instalou-se no local, em 1902, o Café Suisso, de Chaves & Cia, café e botequim de primeira classe onde eram servidas bebidas e refeições. O Café Suisso foi um empreendimento longevo, chegando até meados da década de 1940-50. À essa altura o prédio já estava em ruínas, necessitando de reparos urgentes. Posteriormente funcionaram uma tabacaria e uma barbearia. O último estabelecimento a funcionar no recinto foi o escritório de representações J. A. Castro, entre 1947 e 1960 (PERET, 1982). 

Em 1950, durante o primeiro centenário da Elevação do Amazonas à Categoria de Província, a antiga Casa da Câmara foi parcialmente recuperada e recebeu uma placa comemorativa de mármore com os seguintes dizeres: "1850-1950. Nesta casa, a 1° de Janeiro de 1852 foi instalada a Província do Amazonas (Lei 582 de 5-9-1850), sendo seu primeiro Presidente João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. Governador atual - Júlio F. de Carvalho Filho. Em 5 - IX - 950" (DINIZ, 1960).

A recuperação parcial feita em 1950 não foi o bastante. As marcas do tempo estavam bastante visíveis. Parte da estrutura, feita com pau a pique, estava à mostra. O restante estava ruindo. A sociedade e a imprensa, vendo o estado em que o prédio se encontrava, correndo risco de desabar a qualquer momento, protestou e apelou ao poder público para que este intervisse, recuperando e dando ao prédio uma finalidade digna da sua importância histórica. De acordo com o jornalista Almir Diniz de Carvalho (1929-2021), autor da premiada reportagem Relíquias sem teto, publicada em 02 de maio de 1960 no Diário da Tarde, 

"De nada adiantaram nossos gritos de alerta. Pedimos, imploramos que o Govêrno adquirisse o imóvel e o remodelasse, guardando com zêlo e carinho suas linhas gerais, para servir de sede ao nosso Museu Histórico, sendo êle próprio a peça mais preciosa, rara e querida do projetado templo de relíquias. Tudo em vão. Ninguém quis atender nossos apêlos, e todos fecharam os ouvidos ao nosso pedido forrado de altruística justificação" (DINIZ, 1960).

Os apelos, os protestos, como registrou Diniz, não surtiram efeito. O novo Governo que se anunciava dinâmico, renovador, o de Gilberto Mestrinho, não deu atenção a esse templo da memória amazonense. Com a justificativa de que o prédio oferecia perigo aos transeuntes, dado o seu estado, a Prefeitura realizou a sua demolição ainda em maio de 1960. No terreno vazio passou a funcionar uma movimentada feira de frutas. Encerrada a feira, em 1982, na administração municipal de João Mendonça Furtado, foi construída uma réplica da fachada da antiga Casa da Câmara Municipal. A réplica, infelizmente, tornou-se um estacionamento mal organizado, também sofrendo com o desgaste causado pelo uso do local como banheiro público e o crescimento da vegetação.

Assim ficou, mais uma vez, o Amazonas, destituído de seus monumentos. Nesse caso, destituído do seu principal, símbolo de sua independência política, dos anseios políticos e populares por novos tempos. Continuamos esperando por novos tempos, tempos em que o que é nosso, nosso patrimônio, seja cada vez mais valorizado e protegido.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DINIZ, Almir. Relíquias sem teto. Diário da Tarde, 02/05/1960.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. 2 vol. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998.

PERET, J. Américo. Crime contra a História do Amazonas. A Crítica, 04/07/1982.


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