quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A Economia Gomífera na Amazônia II: Manaus e Belém

Gravura de Belém por volta do século XIX. Vista parcial de Manaus em 1860.

As cidades aglutinam em si os elementos mais significativos advindos das transformações econômicas. Podemos atestar isso vendo o riquíssimo patrimônio arquitetônico deixado nas antigas cidades das Minas Gerais. Mas, muito mais que arquitetura, as cidades ganham novos tipos sociais, ares culturais importados, na maioria das vezes da Europa, novos aparatos técnicos e, em alguns casos, sofrem uma verdadeira refundação. Belém e Manaus, metrópoles da região Norte e com histórias distintas, ambas enriquecidas pela economia gomífera, serão contempladas nessa segunda parte da série A Economia Gomífera na Amazônia.

O passado colonial dessas duas cidades pode dizer muito sobre a evolução pela qual vão passar na segunda metade do século XIX. Belém foi fundada em 1616 como uma fortaleza para conter as pretensões de ingleses, espanhóis, holandeses e franceses na Amazônia. Manaus, também através de uma fortaleza, surge de uma missão de colonização, combate a forças estrangeiras e extração de Drogas do Sertão no Rio Negro. Em 1751, Belém se tornou a capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, dada sua importância política e econômica. Em 1755 foi criada a Capitania de São José do Rio Negro, subordinada ao Grão-Pará, com capital em Mariuá (Barcelos). Lobo D' Almada, em 1791, transfere a capital para o Lugar da Barra (Manaus), para logo depois a sede ser novamente transferida para Mariuá. O Lugar se torna capital definitivamente em 1807.

Quando Belém se torna capital, ela passa por algumas mudanças para se adequar à nova função. O governador Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, promove as primeiras reformas urbanísticas do lugar, com o alinhamento de ruas, construção de prédios públicos e particulares funcionais e dotados de uma arquitetura mais requintada. A cidade mantinha relação direta com Lisboa, em Portugal, sem precisar de alguma intervenção da capital da colônia (até 1763 Salvador e, depois, Rio de Janeiro). Manaus, ainda um simples Lugar, teve uma evolução marcada por altos e baixos. Em 1791, quando se tornou capital da Capitania, ganhou fábricas de algodão, tecidos, anil, uma padaria, um açougue, uma olaria e um engenho. Manobras políticas vindas do Grão-Pará fizeram o Lugar deixar de ser a capital em 1799. A situação só viria a melhorar entre 1848 e 1852, quando a Vila de Manaus é elevada à categoria de cidade e o Amazonas se emancipa do Pará e se torna província, com capital em Manaus.

Já no Império do Brasil, Belém causava boa impressão nos viajantes que passavam pela cidade. Ave-Lallemant, em 1859, gostou das construções da cidade, do estado das ruas e usou o termo europeização para falar dos costumes que a cidade começava a importar. No mais, a cidade ainda guardava o velho urbanismo colonial lusitano. De passagem por Manaus em 1848, Alfred Wallace Russel não gostou das ruas, do comércio, das igrejas e concluiu que os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que qualquer outra comunidade civilizada . O passado colonial foi mais favorável para Belém do que para Manaus, que só conseguiria sanar parte de seus velhos problemas com o advento da República e da economia gomífera.

Boulervad Castilhos França em Belém, início do século XX. Rua da Instalação, Manaus, início do século XX.

A República traria consigo o boom econômico da Amazônia, algo jamais visto nessa região até então. Nos anos finais do século XIX Belém e Manaus conseguiram se modernizar. Os impostos arrecadados das exportações de borracha garantiram a estruturação e embelezamento das duas cidades. Em 1890, estima-se que Belém tinha uma população de mais de 50.000 mil habitantes, formada por nativos, mestiços e também muitos imigrantes europeus, que se fixaram na cidade para trabalhar nas atividades geradas pela exportação de matérias-primas. Nas Docas do Pará, navios faziam viagens para Lisboa, Havre, Liverpool, Antuérpia, Nova York, São Luís do Maranhão, Fortaleza, Recife e Manaus. Ruas, praças e avenidas eram erguidas de forma monumental e em padrões europeus por engenheiros ingleses, americanos e brasileiros que foram estudar no exterior. O Estado assegurava, por meio dos Códigos de Posturas, um ordenamento social, que consistia, por exemplo, em multas para os que jogassem águas utilizadas e quaisquer tipo de dejetos nas ruas, que comercializassem produtos sem alvará ou se vestissem de forma inadequada em determinados ambientes. A figura política de maior destaque no cenário de Belém, entre 1897 e 1911, foi intendente Antônio Lemos, que projetou uma cidade moderna, arborizada, com luz elétrica, prédios que marcam a paisagem da capital paraense até hoje, como o Mercado Ver-o-Peso, A Praça Batista Campos; e um sistema de bondes eficiente.

Teatro da Paz, em Belém. Teatro Amazonas, em Manaus.

Manaus foi considerada, mais do que Belém, a capital da borracha. Podemos entender isso pelo fato de que foi com essa economia que a cidade conseguiu enterrar seu passado colonial e imperial nada favoráveis em relação à cidade vizinha. A Manaus dos viajantes do século XIX era aquela das ruas esburacadas, irregulares, cortada por igarapés e com prédios em ruínas. Sim, inúmeros registros nos informam disso, mas não podemos desmerecer os esforços das administrações provinciais em tentar melhorá-la. Nomes como Tenreiro Aranha, Alarico José Furtado e Teodureto Souto não devem ser esquecidos. Uma nova feição urbana e social vai surgir durante a administração do maranhense Eduardo Gonçalves Ribeiro, entre 1892-1896. Esse engenheiro militar soube como ninguém aproveitar a arrecadação dos cofres públicos. Grandes avenidas como a Eduardo Ribeiro e a Sete de Setembro foram alinhadas; os igarapés que atravessavam a cidade e que incomodaram os viajantes no passado, foram aterrados; foi instalada a iluminação elétrica, o sistema de bondes, pavimentação de ruas e o cabo subfluvial que ligava Manaus aos principais centros europeus e da América do Norte; prédios públicos como o Palácio da Justiça foram construídos; e o Teatro Amazonas, símbolo do fastígio econômico, concluído. Operários maranhenses foram foram trazidos para trabalhar em obras públicas; ingleses, alemães e americanos vieram tomar conta do Porto, das Casas Aviadoras e dos bancos; espanhóis, italianos, portugueses, judeus e libaneses se dedicaram ao comércio. Assim como em Belém, foi aplicado na cidade um Código de Posturas rígido, que previa multas para ações consideradas incorretas (comércio e construção irregular, vestimentas inadequadas etc).

O ciclo da borracha teve similitudes e diferenças para as duas cidades: Manaus e Belém, e, em nível macro, a região Amazônica, entraram no contexto da economia capitalista, disputando preços na Europa e na América do Norte; usaram a arrecadação de impostos para dotar as capitais do aparato necessário para a função de cidades exportadoras. Em Belém a antiga elite colonial ligada à terra garantiu a manutenção de sua posição, agora transformando-se em negociadora, produtora e exportadora de borracha; Em Manaus, onde inexistia uma elite tradicional, surge um poderoso grupo de empresários, políticos, militares, engenheiros, seringalistas e burocratas que passaram a cuidar dos negócios da cidade.


FONTES:

Resumo feito a partir dos livros 'Breve História da Amazônia', de Márcio Souza (1994); e 'A Belle Époque Amazônica', de Ana Maria Daou (2000).


CRÉDITO DAS IMAGENS:

commons.wikimedia.org

2 comentários:

  1. Tá aí, Eduardo Ribeiro foi um divisor de águas pra Manaus. Com certeza um homem muito especial, como dito no texto, soube usar com inteligência o dinheiro dos cofres que estavam abarrotados. Transformou um local esquecido na Europa tropical.Mas foi o primeiro e último. Nem sei se haverá um que chegue aos seus pés na política manauara.

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    1. Realmente, está no Hall de homens que trabalharam para a evolução da cidade.

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