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domingo, 25 de junho de 2017

Antigas famílias manauaras

Porto de Manaus, 1865. Aquarela de Jacques Burkhardt.

Família, o mais popular grupo humano, formado por membros que compartilham entre si relações ancestrais e afetivas, estruturada de diferentes formas, que vão desde a nuclear à monoparental. Nesse texto, um esboço desprendido de qualquer tentativa de delimitar o início e o fim de algo, busco, de forma simples, abordar as origens de algumas das famílias mais antigas de Manaus, famílias essas que, ao longo dos séculos, contribuíram de alguma forma para o desenvolvimento da cidade, estando presentes em diferentes períodos de sua evolução histórica e social.

Nos primeiros anos do que viria a ser Manaus, a Fortaleza de São José da Barra, núcleo que nada aparentava de urbano, é difícil de imaginar quais foram as primeiras famílias a se formar. Mas, levando em conta a inexistência de mulheres portuguesas nas primeiras expedições, supõe-se uniões entre soldados portugueses com filhas de chefes indígenas. Esse processo de formação de famílias mestiças se intensificaria em 1755, quando foi instituído o Alvará de 04 de abril, que autorizava o casamento entre brancos e indígenas, de forma a suprir a carência demográfica da Capitania de São José do Rio Negro. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que [...] “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro” (MONTEIRO, 1995, p. 47).

Em fins do século XVIII, as famílias formadas por portugueses já eram uma realidade. Talvez já o fossem antes, mas temos um indício no diário de viagens de Alexandre Rodrigues Ferreira, no qual são citados os nomes de alguns moradores brancos, homens e mulheres: Manoel Tomé Gomes, Manoel Pinto Catalão, Inácia Lindoza e Madalena de Vasconcelos (FERREIRA, 2005, p. 355). Inácia Taveira de Meneses Lindoza era neta de Raimunda Taveira de Menezes Lindosa, essa, no romance O Espião do Rei (1950), do folclorista e historiador Mário Ypiranga Monteiro, esposa de “Ferrabaz” Lindosa, soldado português de antigas Tropas de Resgate, assassino de indígenas em inúmeras povoações do Amazonas.

Tem origem no século XVIII a família Tenreiro Aranha, oriunda de Portugal e com laços em Barcelos e Belém, esta última por um de seus membros ser descendente dos povoadores dessa cidade ainda no século XVII. Os membros mais conhecidos são Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, poeta de Arcádia, seu filho João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, primeiro presidente da Província do Amazonas, e o filho deste último, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, jornalista autor de Um olhar pelo passado (1897), falecido aos 79 anos em 1919. Penso que boa parte dessas famílias dos primeiros tempos, dos séculos XVII e XVIII, desapareceram ou foram absorvidas por grupos maiores, perdendo suas identidades, talvez por mudanças nos cenários político e econômico, pela não continuidade de seus descendentes ou pela arma mais eficaz para fazer algo desaparecer: o esquecimento.

Muitas das famílias que fizeram história em Manaus vieram de outros estados e até de outros países. No século XIX, transformações políticas como a vinda da Família Real, os Tratados de Amizade e Comércio, e depois a Independência do Brasil do Reino de Portugal, estimularam a vinda de estrangeiros para o país, muitos deles visando estabelecer-se no Amazonas. A família Antony é talvez um dos exemplos mais clássicos que podem ser destacados. Em Manaus, essa família tem origem no toscano Henrique Antony, que chegou no Lugar da Barra por volta de 1823, fugindo dos efeitos da dominação napoleônica na Europa. Em 1839 casou-se com Leocádia Maria Brandão, filha de Antônio José Brandão, fazendeiro português dono de engenho, estabelecido na região que hoje corresponde ao Manaquiri e de uma mestiça filha de um chefe manau. Da união entre Leocádia e Henrique nasceram João Carlos, Américo, Dinary, Guilherme, Luiz Carlos, Lina, Paulina, Maria e Luiz.

Em 1853, já como grande comerciante da Província do Amazonas, o Império lhe autorizou a concessão da carta de naturalização, sendo Antony o primeiro estrangeiro a naturalizar-se no Amazonas (COLLECÇÃO DAS LEIS E DECISÕES DO IMPÉRIO DO BRASIL, 1853, p. 5). A família, atualmente, encontra-se na sexta geração, com mais de 200 membros só em Manaus (FERREIRA, 2009). Outro italiano, mais antigo nessas terras, foi o corso Francisco Ricardo Zany, que aqui chegou entre 1817 e 1821.

Vindos de mais longe, da Grécia, os Tadros, cristãos de origem copta, se estabeleceram em Manaus por volta de 1870, consolidando-se como comerciantes. David Tadros, o pioneiro dessa família na região, fundou em 1874 a Tadros & Cia, casa de aviamento, de navegação, de importação e exportação, atualmente a mais antiga empresa em funcionamento no Amazonas (de ramos diversos, com foco em propriedades imobiliárias), com incríveis 143 anos. José Roberto Tadros, bisneto de David, comanda a empresa nos dias de hoje.

A família Moreira, de origem portuguesa e estabelecida na Bahia, também se fez presente em Manaus. Os membros mais notáveis foram três irmãos: Guilherme José Moreira, primeiro e único Barão do Juruá, comerciante e político; Antônio José Moreira, o Dr. Moreira, médico do Corpo de Saúde e Deputado pela Província; e Emílio José Moreira, Coronel, político e comerciante. Seus pais, Sebastião José Moreira e Maria José Moreira, permaneceram em Salvador.

Uma das famílias mais antigas de que se tem notícia, existente até os dias de hoje, é a Miranda Leão. A origem desta é interessante: Seu mais antigo membro conhecido, José Coelho de Miranda Leão, foi oficial de alta patente da esquadra portuguesa que fugira de Portugal durante a invasão de Napoleão Bonaparte, acompanhando Dom João VI ao Brasil, entre 1807-8. Seu nome era apenas José Coelho, sendo Miranda um acréscimo em homenagem à sua cidade natal, Miranda do Douro, no Distrito de Bragança. Já no Brasil, a serviço de Dom João, travou combate com um navio da esquadra francesa, derrotando-o com grande maestria. O monarca português lhe agraciou com o título de Leão do Mar, título esse acrescentado a seu nome, que passara a ser José Coelho de Miranda Leão. Em Mazargão, na Província do Pará, casou-se com a filha de um fidalgo português. Dessa união nasceu José Coelho de Miranda Leão, falecido em 1894. Este casou-se com Martiniana Ferreira dos Anjos, descendente, em linha direta, da tribo dos manaus (BITTENCOURT, 1969, p. 109). Dessa união nasceu Manoel de Miranda Leão, professor, jornalista e político (1851-1927). O descendente mais conhecido atualmente é Homero de Miranda Leão Neto.

A família Malcher, poderoso clã político e militar em Belém do Pará e arredores, tem suas origens que remontam ao século XVIII, de grandes proprietários de terra portugueses, fazendo união com a influente família Gama Lobo, originada de colônias na África e na América, cujo membro mais famoso é Manuel da Gama Lobo D’ Almada, Brigadeiro e engenheiro militar português que administrou a Capitania de São José do Rio Negro entre 1788 e 1799. Em Manaus, o membro mais importante dessa família foi Leonardo Antônio Malcher (1829-1913), Major da Guarda Nacional, abolicionista e pioneiro na divulgação da doutrina espírita no Amazonas. Casou-se com Maria Raymundo Nonato, tendo dois filhos, Escolástico Clemente Malcher e Leonarda Antônio Malcher, que casou com José Cardoso Ramalho Júnior, governador do Estado do Amazonas entre 1898 e 1900.

Dada nossa posição geográfica e laços culturais, já é perceptível que boa parte das antigas famílias amazonenses têm alguma ligação ou origem em Belém, no Pará, e outras cidades desse estado. A família Miranda Corrêa é originária da região do Lago Grande, nos arredores de Santarém, descendente de um ramo português miscigenado com índios da região. Jucundina de Miranda Corrêa, originária do Baixo Amazonas, e Inocêncio de Miranda Corrêa, Juiz, são o casal de que se tem notícia, e aquele que deu origem à maioria dos membros dessa família. Dessa união nasceram: Luiz Maximino e Antonino Carlos, o médico Deoclécio, os bacharéis Carolino e Adelino, o almirante Altino, o comandante Acrisio Fulvio e duas irmãs: Joana e Sinhá Sussuarana (JORNAL A NOTÍCIA, 1970). Luiz Maximino e Antonino se tornaram famosos pela construção da ''Fábrica de Gelo Cristal'' e a "Casa de Chopps'', em 1903; da ''Cervejaria Amazonense'' em 1905; e do moderníssimo Castelo da Cervejaria Miranda Corrêa, entre 1910 e 1912, onde foi instalado o primeiro elevador da cidade, existente até os dias de hoje no bairro da Aparecida; os Miranda Corrêa adquiriram de um rico comerciante português o prédio que mais tarde ficaria conhecido como Palacete Miranda Corrêa. Atualmente, existem descendentes dos Miranda Corrêa no Pará, no Amazonas, no Maranhão e no Rio de Janeiro.

Existem, é claro, mais famílias cujas origens estão localizadas em longínquos 100, 150, 200 anos. Buscou-se, aqui, apresentar um panorama das origens de algumas das principais famílias de Manaus, assim entendidas por suas influências no cenário político e econômico. Dar conta de abordar todas em um texto seria uma tarefa laboriosa, dada a complexidade dos estudos na área de genealogia e a quantidade de informações. As fontes aqui utilizadas nos dão apenas algumas ideias, devendo ser descobertas novas, trabalhadas as antigas, aplicadas em estudos de trajetórias, de biografias e de redes de poder.


BIBLIOGRAFIA:

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, São Paulo, Metro Cúbico, 1995.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. O Espião do Rei. 2° ed, Manaus, Editora Valer, 2002.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1793). Disponível em CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.

BITTENCOURT, Agnello. Dicionário amazonense de biografias. Manaus, Editora Artenova, 1969.

FERREIRA, Evaldo. Rua Henrique Antony. Jornal Em Tempo, 2009.

Collecção das Leis e Decisões do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1853.

Jornal A Notícia, 17/09/1970.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Manaus Sorriso

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A Economia Gomífera na Amazônia II: Manaus e Belém

Gravura de Belém por volta do século XIX. Vista parcial de Manaus em 1860.

As cidades aglutinam em si os elementos mais significativos advindos das transformações econômicas. Podemos atestar isso vendo o riquíssimo patrimônio arquitetônico deixado nas antigas cidades das Minas Gerais. Mas, muito mais que arquitetura, as cidades ganham novos tipos sociais, ares culturais importados, na maioria das vezes da Europa, novos aparatos técnicos e, em alguns casos, sofrem uma verdadeira refundação. Belém e Manaus, metrópoles da região Norte e com histórias distintas, ambas enriquecidas pela economia gomífera, serão contempladas nessa segunda parte da série A Economia Gomífera na Amazônia.

O passado colonial dessas duas cidades pode dizer muito sobre a evolução pela qual vão passar na segunda metade do século XIX. Belém foi fundada em 1616 como uma fortaleza para conter as pretensões de ingleses, espanhóis, holandeses e franceses na Amazônia. Manaus, também através de uma fortaleza, surge de uma missão de colonização, combate a forças estrangeiras e extração de Drogas do Sertão no Rio Negro. Em 1751, Belém se tornou a capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, dada sua importância política e econômica. Em 1755 foi criada a Capitania de São José do Rio Negro, subordinada ao Grão-Pará, com capital em Mariuá (Barcelos). Lobo D' Almada, em 1791, transfere a capital para o Lugar da Barra (Manaus), para logo depois a sede ser novamente transferida para Mariuá. O Lugar se torna capital definitivamente em 1807.

Quando Belém se torna capital, ela passa por algumas mudanças para se adequar à nova função. O governador Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, promove as primeiras reformas urbanísticas do lugar, com o alinhamento de ruas, construção de prédios públicos e particulares funcionais e dotados de uma arquitetura mais requintada. A cidade mantinha relação direta com Lisboa, em Portugal, sem precisar de alguma intervenção da capital da colônia (até 1763 Salvador e, depois, Rio de Janeiro). Manaus, ainda um simples Lugar, teve uma evolução marcada por altos e baixos. Em 1791, quando se tornou capital da Capitania, ganhou fábricas de algodão, tecidos, anil, uma padaria, um açougue, uma olaria e um engenho. Manobras políticas vindas do Grão-Pará fizeram o Lugar deixar de ser a capital em 1799. A situação só viria a melhorar entre 1848 e 1852, quando a Vila de Manaus é elevada à categoria de cidade e o Amazonas se emancipa do Pará e se torna província, com capital em Manaus.

Já no Império do Brasil, Belém causava boa impressão nos viajantes que passavam pela cidade. Ave-Lallemant, em 1859, gostou das construções da cidade, do estado das ruas e usou o termo europeização para falar dos costumes que a cidade começava a importar. No mais, a cidade ainda guardava o velho urbanismo colonial lusitano. De passagem por Manaus em 1848, Alfred Wallace Russel não gostou das ruas, do comércio, das igrejas e concluiu que os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que qualquer outra comunidade civilizada . O passado colonial foi mais favorável para Belém do que para Manaus, que só conseguiria sanar parte de seus velhos problemas com o advento da República e da economia gomífera.

Boulervad Castilhos França em Belém, início do século XX. Rua da Instalação, Manaus, início do século XX.

A República traria consigo o boom econômico da Amazônia, algo jamais visto nessa região até então. Nos anos finais do século XIX Belém e Manaus conseguiram se modernizar. Os impostos arrecadados das exportações de borracha garantiram a estruturação e embelezamento das duas cidades. Em 1890, estima-se que Belém tinha uma população de mais de 50.000 mil habitantes, formada por nativos, mestiços e também muitos imigrantes europeus, que se fixaram na cidade para trabalhar nas atividades geradas pela exportação de matérias-primas. Nas Docas do Pará, navios faziam viagens para Lisboa, Havre, Liverpool, Antuérpia, Nova York, São Luís do Maranhão, Fortaleza, Recife e Manaus. Ruas, praças e avenidas eram erguidas de forma monumental e em padrões europeus por engenheiros ingleses, americanos e brasileiros que foram estudar no exterior. O Estado assegurava, por meio dos Códigos de Posturas, um ordenamento social, que consistia, por exemplo, em multas para os que jogassem águas utilizadas e quaisquer tipo de dejetos nas ruas, que comercializassem produtos sem alvará ou se vestissem de forma inadequada em determinados ambientes. A figura política de maior destaque no cenário de Belém, entre 1897 e 1911, foi intendente Antônio Lemos, que projetou uma cidade moderna, arborizada, com luz elétrica, prédios que marcam a paisagem da capital paraense até hoje, como o Mercado Ver-o-Peso, A Praça Batista Campos; e um sistema de bondes eficiente.

Teatro da Paz, em Belém. Teatro Amazonas, em Manaus.

Manaus foi considerada, mais do que Belém, a capital da borracha. Podemos entender isso pelo fato de que foi com essa economia que a cidade conseguiu enterrar seu passado colonial e imperial nada favoráveis em relação à cidade vizinha. A Manaus dos viajantes do século XIX era aquela das ruas esburacadas, irregulares, cortada por igarapés e com prédios em ruínas. Sim, inúmeros registros nos informam disso, mas não podemos desmerecer os esforços das administrações provinciais em tentar melhorá-la. Nomes como Tenreiro Aranha, Alarico José Furtado e Teodureto Souto não devem ser esquecidos. Uma nova feição urbana e social vai surgir durante a administração do maranhense Eduardo Gonçalves Ribeiro, entre 1892-1896. Esse engenheiro militar soube como ninguém aproveitar a arrecadação dos cofres públicos. Grandes avenidas como a Eduardo Ribeiro e a Sete de Setembro foram alinhadas; os igarapés que atravessavam a cidade e que incomodaram os viajantes no passado, foram aterrados; foi instalada a iluminação elétrica, o sistema de bondes, pavimentação de ruas e o cabo subfluvial que ligava Manaus aos principais centros europeus e da América do Norte; prédios públicos como o Palácio da Justiça foram construídos; e o Teatro Amazonas, símbolo do fastígio econômico, concluído. Operários maranhenses foram foram trazidos para trabalhar em obras públicas; ingleses, alemães e americanos vieram tomar conta do Porto, das Casas Aviadoras e dos bancos; espanhóis, italianos, portugueses, judeus e libaneses se dedicaram ao comércio. Assim como em Belém, foi aplicado na cidade um Código de Posturas rígido, que previa multas para ações consideradas incorretas (comércio e construção irregular, vestimentas inadequadas etc).

O ciclo da borracha teve similitudes e diferenças para as duas cidades: Manaus e Belém, e, em nível macro, a região Amazônica, entraram no contexto da economia capitalista, disputando preços na Europa e na América do Norte; usaram a arrecadação de impostos para dotar as capitais do aparato necessário para a função de cidades exportadoras. Em Belém a antiga elite colonial ligada à terra garantiu a manutenção de sua posição, agora transformando-se em negociadora, produtora e exportadora de borracha; Em Manaus, onde inexistia uma elite tradicional, surge um poderoso grupo de empresários, políticos, militares, engenheiros, seringalistas e burocratas que passaram a cuidar dos negócios da cidade.


FONTES:

Resumo feito a partir dos livros 'Breve História da Amazônia', de Márcio Souza (1994); e 'A Belle Époque Amazônica', de Ana Maria Daou (2000).


CRÉDITO DAS IMAGENS:

commons.wikimedia.org