Família,
o mais popular grupo humano, formado por membros que compartilham
entre si relações ancestrais e afetivas, estruturada de diferentes
formas, que vão desde a nuclear à monoparental. Nesse texto, um
esboço desprendido de qualquer tentativa de delimitar o início
e o fim de algo, busco, de forma simples, abordar as origens de
algumas das famílias mais antigas de Manaus, famílias essas que, ao
longo dos séculos, contribuíram de alguma forma para o
desenvolvimento da cidade, estando presentes em diferentes períodos
de sua evolução histórica e social.
Nos
primeiros anos do que viria a ser Manaus, a Fortaleza de São José
da Barra, núcleo que nada aparentava de urbano, é difícil de
imaginar quais foram as primeiras famílias a se formar. Mas, levando
em conta a inexistência de mulheres portuguesas nas primeiras
expedições, supõe-se uniões entre soldados portugueses com filhas
de chefes indígenas. Esse processo de formação de famílias
mestiças se intensificaria em 1755, quando foi instituído o Alvará
de 04 de abril, que autorizava o casamento entre brancos e indígenas,
de forma a suprir a carência demográfica da Capitania de São José
do Rio Negro. Essa
política de união entre brancos e indígenas começou a surtir
efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o
rei, onde ele transmite que conseguiu que [...] “naquele pouco
espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro”
(MONTEIRO, 1995, p. 47).
Em
fins do século XVIII, as famílias formadas por portugueses já eram uma realidade. Talvez já o fossem antes, mas temos um indício no
diário de viagens de Alexandre Rodrigues Ferreira, no qual são
citados os nomes de alguns moradores brancos, homens e mulheres:
Manoel Tomé Gomes, Manoel Pinto Catalão, Inácia Lindoza e Madalena
de Vasconcelos (FERREIRA,
2005, p. 355).
Inácia Taveira
de Meneses
Lindoza era
neta de Raimunda Taveira de Menezes Lindosa, essa, no romance O Espião do Rei (1950), do folclorista e historiador Mário Ypiranga Monteiro, esposa de
“Ferrabaz” Lindosa, soldado português de
antigas Tropas de Resgate, assassino de indígenas em inúmeras
povoações do Amazonas.
Tem
origem no século XVIII a família Tenreiro Aranha,
oriunda
de Portugal e com laços em Barcelos e Belém, esta última por um de
seus membros ser descendente dos povoadores dessa cidade ainda no
século XVII. Os membros mais conhecidos são Bento de Figueiredo
Tenreiro Aranha, poeta de Arcádia, seu filho João Batista de
Figueiredo Tenreiro Aranha, primeiro presidente da Província do
Amazonas, e
o filho deste último, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha,
jornalista autor de Um
olhar pelo passado (1897),
falecido aos 79 anos em 1919.
Penso
que boa parte dessas famílias dos primeiros tempos, dos
séculos XVII e XVIII, desapareceram
ou foram absorvidas por grupos maiores, perdendo
suas identidades, talvez
por mudanças nos cenários político e econômico, pela não
continuidade de seus descendentes ou pela arma mais eficaz para fazer
algo desaparecer: o esquecimento.
Muitas
das famílias que fizeram história em Manaus vieram de outros
estados e até de outros países. No século XIX, transformações
políticas como a vinda da Família Real, os Tratados de Amizade e
Comércio, e depois a Independência do Brasil do Reino de Portugal,
estimularam a vinda de estrangeiros para o país, muitos deles
visando
estabelecer-se
no
Amazonas. A
família Antony é talvez um dos exemplos mais clássicos que podem
ser destacados. Em Manaus, essa família tem origem no toscano
Henrique Antony, que chegou no Lugar da Barra por volta de 1823,
fugindo dos efeitos da dominação napoleônica na Europa. Em
1839 casou-se com Leocádia Maria Brandão, filha de Antônio José
Brandão, fazendeiro
português dono de engenho, estabelecido na região que hoje
corresponde ao Manaquiri e de uma mestiça filha de um chefe manau.
Da união entre Leocádia e Henrique nasceram João Carlos, Américo,
Dinary, Guilherme, Luiz Carlos, Lina, Paulina, Maria e Luiz.
Em
1853, já como grande comerciante da Província do Amazonas, o
Império lhe autorizou a concessão da carta de naturalização,
sendo Antony o primeiro estrangeiro a naturalizar-se no Amazonas
(COLLECÇÃO DAS LEIS E DECISÕES DO IMPÉRIO DO BRASIL, 1853, p. 5).
A
família, atualmente, encontra-se na sexta geração, com mais de 200
membros só em Manaus (FERREIRA, 2009). Outro
italiano, mais antigo nessas terras, foi o corso Francisco Ricardo
Zany, que aqui chegou entre 1817 e 1821.
Vindos
de mais longe, da Grécia, os Tadros, cristãos
de origem copta, se
estabeleceram em Manaus por volta de 1870, consolidando-se como
comerciantes. David Tadros, o pioneiro dessa família na região,
fundou em 1874 a Tadros & Cia, casa de aviamento, de navegação,
de importação e exportação, atualmente a mais antiga empresa em
funcionamento no Amazonas (de ramos diversos, com foco em
propriedades imobiliárias), com incríveis 143 anos. José Roberto
Tadros, bisneto
de David, comanda
a empresa nos dias de hoje.
A
família Moreira, de origem portuguesa e estabelecida na Bahia,
também se fez presente em Manaus. Os membros mais notáveis foram
três irmãos: Guilherme José Moreira, primeiro e único Barão do
Juruá, comerciante e político; Antônio José Moreira, o Dr.
Moreira, médico do Corpo de Saúde e Deputado pela Província; e
Emílio José Moreira, Coronel, político e comerciante. Seus pais,
Sebastião José Moreira e Maria José Moreira, permaneceram em
Salvador.
Uma
das famílias mais antigas de que se tem notícia, existente até os
dias de hoje, é a Miranda Leão. A origem desta é interessante: Seu
mais antigo membro conhecido, José Coelho de Miranda Leão, foi
oficial de alta patente da esquadra portuguesa que fugira de Portugal
durante a invasão de Napoleão Bonaparte, acompanhando Dom João VI
ao Brasil, entre 1807-8. Seu nome era apenas José Coelho, sendo
Miranda um acréscimo em homenagem à sua cidade natal, Miranda do
Douro, no Distrito de Bragança. Já no Brasil, a serviço de Dom
João, travou combate com um navio da esquadra francesa, derrotando-o
com grande maestria. O monarca português lhe agraciou com o título
de Leão do Mar, título esse acrescentado a seu nome, que passara a
ser José Coelho de Miranda Leão. Em Mazargão, na Província do
Pará, casou-se com a filha de um fidalgo português. Dessa
união nasceu José Coelho de Miranda Leão, falecido em 1894. Este
casou-se com Martiniana Ferreira dos Anjos, descendente, em linha
direta, da tribo dos manaus (BITTENCOURT, 1969, p. 109). Dessa união
nasceu Manoel de Miranda Leão, professor, jornalista e político
(1851-1927). O descendente mais conhecido atualmente é Homero de Miranda Leão Neto.
A
família Malcher, poderoso clã político e militar em Belém do Pará
e arredores, tem suas origens que remontam ao século XVIII, de
grandes proprietários de terra portugueses, fazendo união com a
influente família Gama Lobo, originada de colônias na África e na
América, cujo membro mais famoso é Manuel da Gama Lobo D’ Almada,
Brigadeiro e engenheiro militar português que administrou a
Capitania de São José do Rio Negro entre 1788 e
1799. Em Manaus, o membro mais importante dessa família foi Leonardo
Antônio Malcher (1829-1913), Major da Guarda Nacional, abolicionista
e pioneiro na divulgação da doutrina espírita no Amazonas.
Casou-se com Maria Raymundo
Nonato,
tendo dois filhos, Escolástico Clemente Malcher e Leonarda Antônio
Malcher, que casou com José Cardoso Ramalho Júnior, governador do
Estado do Amazonas entre 1898 e 1900.
Dada
nossa posição geográfica e laços culturais, já é perceptível
que boa parte das antigas famílias
amazonenses têm
alguma ligação ou origem em Belém, no Pará, e
outras cidades desse estado.
A
família Miranda Corrêa é originária da região do Lago Grande,
nos arredores de Santarém, descendente de um ramo português
miscigenado com índios da região. Jucundina de Miranda Corrêa,
originária do Baixo Amazonas, e Inocêncio de Miranda Corrêa, Juiz,
são o casal de que se tem notícia, e aquele que deu origem à
maioria dos membros dessa família. Dessa união nasceram: Luiz
Maximino e Antonino Carlos, o médico Deoclécio, os bacharéis
Carolino e Adelino, o almirante Altino, o comandante Acrisio Fulvio e
duas irmãs: Joana e Sinhá Sussuarana (JORNAL A NOTÍCIA, 1970).
Luiz Maximino e Antonino se tornaram famosos pela construção da
''Fábrica de Gelo Cristal'' e a "Casa de Chopps'', em 1903; da
''Cervejaria Amazonense'' em 1905; e do moderníssimo Castelo da
Cervejaria Miranda Corrêa, entre 1910 e 1912, onde foi instalado o
primeiro elevador da cidade, existente até os dias de hoje no bairro
da Aparecida; os Miranda Corrêa adquiriram de um rico comerciante
português o prédio que mais tarde ficaria conhecido como Palacete
Miranda Corrêa. Atualmente,
existem descendentes dos Miranda Corrêa no Pará, no Amazonas, no
Maranhão e no Rio de Janeiro.
Existem,
é claro, mais famílias cujas origens estão localizadas em
longínquos 100, 150, 200 anos. Buscou-se,
aqui, apresentar um panorama das
origens de algumas das principais famílias de Manaus, assim
entendidas por suas influências no cenário político e econômico.
Dar
conta de abordar todas em um texto seria uma tarefa laboriosa, dada a
complexidade dos estudos na área de genealogia e
a quantidade de informações.
As
fontes aqui utilizadas nos dão apenas algumas ideias, devendo ser
descobertas novas, trabalhadas as antigas, aplicadas em estudos de
trajetórias, de biografias e de redes de poder.
BIBLIOGRAFIA:
MONTEIRO,
Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, São Paulo, Metro
Cúbico, 1995.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. O Espião do Rei. 2° ed, Manaus, Editora Valer, 2002.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. O Espião do Rei. 2° ed, Manaus, Editora Valer, 2002.
FERREIRA,
Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica pelas capitanias do
Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1793). Disponível
em CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e
Linguísticos.
BITTENCOURT,
Agnello. Dicionário amazonense de biografias. Manaus, Editora
Artenova, 1969.
FERREIRA,
Evaldo. Rua
Henrique Antony. Jornal Em Tempo, 2009.
Collecção
das Leis e Decisões do Império do Brasil. Rio de Janeiro,
Typographia Nacional, 1853.
Jornal
A Notícia, 17/09/1970.
CRÉDITO DA IMAGEM:
Manaus Sorriso
Olá, Fábio!
ResponderExcluirPrimeiro quero te parabenizar pela iniciativa de falar de História - algo cada vez mais raro nos dias de hoje, infelizmente.
Quero ainda, agradecer pela referência à família Miranda Leão, cuja história nos honra e orgulha.
A pacificação dos Cabanos por José Coelho de Miranda Leão, sem derramar uma só gota de sangue, além da fundação da Associação Comercial do Amazonas, após ele deixar a farda, são registros que guardamos com muito respeito a esse vulto histórico de nosso Amazonas.
Apenas uma observação quanto a minha função no pública no momento é de que não estou na SUSAM, caro amigo. Houve o anuncio mas por motivos diversos não se concretizou.
Forte abraço!
Homero de Miranda Leão Neto
Muito obrigado, sr. Homero de Miranda Leão. A trajetória de sua família no Amazonas é algo incrível, tendo ela deixado bons filhos na terra, cada um contribuindo de uma forma para o engrandecimento de nossa capital. Abraços.
ExcluirOi Fábio,
ResponderExcluirEm primeiro lugar, parabéns pelas excelentes histórias de nosso passado cada vez mais raro de fontes.
Procuro por mais dados a respeito da biografia de Leonardo Malcher, poderia me indicar locais ou link's?
Caso for possivel, pode enviar para cidiamqb@hotmail.com
Muito grata
Cidia
Boa tarde, C Barros. Vou lhe enviar um material básico e muito bom em PDF pelo e-mail.
ExcluirTenho um pequeno artigo sobre Leonardo , se tiver interesse me envie um email ronneypeixoto@gmail.com
ExcluirOi Fabio! Há possibilidade de você me passar o seu contato? estou fazendo uma pesquisa e só tenho encontrado dados esparsos sobre a imigração grega em Manaus. Agradeço desde ja!
ResponderExcluirLilia Rocha, desculpe a demora em entrar em contato. Meu e-mail é historiadorcarvalho@gmail.com. Você também pode entrar em contato pelo facebook.
ExcluirOi Lília, gostaria de saber sobre a história da família Rocha em Manaus, meus avós viveram em Manaus por volta de 1935,sendo eles Miguel Bezerra da Rocha e Liberalina da Silva Rocha.
ExcluirGostaria de saber mais sobre meus antepassados aí.
Olá, sou descendente da família Zany, estou feliz, por encontrar vestígios dos meu Tataravô.
ResponderExcluirola sou da familha malcher gostaria de saber mais sobre eles meu no James Malcher moro em portugal assejam2017@gmail.com
ResponderExcluirOlá, em 2016 fiz um artigo sobre Leonardo Malcher , se tiver interesse me envie um email ronneypeixoto@gmail.com
ExcluirParabéns Fábio! Belíssimo trabalho, até então não sabia sobre a história das ruas de Manaus!
ResponderExcluirOlá. Excelente trabalho de pesquisa. Gostaria de saber mais sobre a familia Moreira. E dos que foram para Bahia.
ResponderExcluirGrata
Maria Augusta