Os santos populares do Cemitério de São João Batista: Teresa Cristina, Etelvina D' Alencar, Shalon Emanuel Muyal e Delmo Campelo Pereira.
Uma
das características mais fortes da religiosidade brasileira é o seu
caráter popular, que se desenvolve à margem de um poder oficial. Os
santos populares talvez sejam o melhor exemplo dessa "crença
não oficializada". É histórica a relação que os vivos criam
com os mortos, acreditando que estes, já em outro plano, podem
interceder no mundo terreno em benefício e, em alguns casos,
assombrar seus algozes. No Cemitério São João Batista temos quatro
sepultados considerados santos por um número considerável de
seguidores: Etelvina de Alencar, Teresa Cristina, Shalon Emanuel
Muyal e Delmo Pereira.
Etelvina
Alencar (1884-1901) - Etelvina D' Alencar, natural de Boa Vista do
Icó (CE), era filha de Cosmo José D' Alencar e Rosalinda D'
Alencar. Essa família de cearenses se estabeleceu na Colônia Campos
Salles para trabalhar na área agrícola. No local, Etelvina conheceu
um jovem de nome José, tornando-se noiva deste. No entanto, Etelvina
desistiu do casamento. José ouviu boatos de que Etelvina possuía
três namorados na Colônia: Antônio, Estevam e Henrique. José
adquiriu um rifle, matando os três e o administrador da colônia,
que tentou impedi-lo de cometer os crimes. Por último, invadiu a
casa de Etelvina, levando-a para a mata. Na cena do crime, vários
dias após o ocorrido, como escreveu Júlio Uchôa no Jornal do
Comércio de 15/01/1956, estavam "dois esqueletos, com o rifle
no meio". José assassinou Etelvina Alencar e logo depois se
suicidou. O crime gerou grande comoção dentro e fora da cidade,
sendo noticiado em jornais de outros estados. A Prefeitura de Manaus,
em 30/08/1901, lhe dedicou uma sepultura perpétua, com um jazigo
construído pela população. O mausoléu atual foi construído em
1964 também pela Prefeitura de Manaus. Com o passar dos anos, várias
pessoas passaram a ver e atribuir milagres a jovem Etelvina D'
Alencar, Santa Etelvina, Santa dos Estudantes. Objetos, flores,
imagens do Sagrado Coração de Jesus e do Sagrado Coração de Maria
são postos em seu mausoléu como homenagem, um dos mais visitados
durante a celebração do Dia dos Finados e também em dias comuns.
Teresa
Cristina (1964-1971) - Teresa Cristina é a pessoa mais nova dentre
os outros santos populares. A criança, filha de mãe católica e pai
muçulmano, desde cedo mostrava interesse por questões voltadas para
o sagrado. No ano de 1971, faleceu em um acidente aéreo nas
proximidades de Manaus, para onde voltava com sua mãe. A mãe de
Teresa, sobrevivente, tentou ajudá-la, mas esta morreu carbonizada
entre os destroços da aeronave. Passados seis meses após o
acidente, a mãe da criança, dona de uma pensão no Centro, recebeu
visita de um migrante, sem dinheiro, que pediu para ali ficar
hospedado. A senhora lhe acolheu. No outro dia, esse hóspede foi até
a casa da família de Cristina, para acertar os detalhes da
hospedagem. Chegando no local, viu um quadro da criança e perguntou
quem ela era. A senhora disse que era sua filha. O migrante disse que
foi aquela criança que o guiou até a pensão. A mãe de Teresa
disse que isso era impossível, pois seis meses a criança morrera em
uma acidente aéreo. Curiosa, ela perguntou onde encontrou a criança.
Este disse que encontrou a criança brincando na rua, perto de uma
casa antiga. O local descrito era a antiga residência da família,
abandonada após o acidente. O boato da aparição da criança se
espalho rapidamente pela cidade. Um outro hóspede, com uma doença
degenerativa que estava lhe tirando a visão, fez orações a Teresa
Cristina, sendo curado. Nos dias de hoje, o túmulo da criança e
bastante visitado por pais acompanhados de seus filhos e por
descendentes de sua família.
Rabino
Shalon Emanuel Muyal (+1910) - O Rabino Shalon Emanuel Muyal veio de
Salé, no Marrocos, para Manaus, em 1908, a fim de ajudar no
desenvolvimento da comunidade da capital. Sua experiência na cidade
foi breve, pois fora acometido por uma doença tropical, vindo a
falecer em 1910. A primeira pessoa auxiliada por um milagre atribuído
ao rabino foi uma senhora da comunidade judaica que o auxiliou em
seus últimos dias de vida. A senhora afirmava ter conseguido curar
outra pessoa graças ao contato que manteve com o Rabino Shalon. A
notícia correu pela comunidade judaica. A mãe de um jovem que
possuía um problema no pescoço que o fazia andar com a cabeça
inclinada, desacreditada pelos médicos da capital, foi até o
cemitério fazer pedidos no túmulo do Rabino para o restabelecimento
da saúde do filho. Inúmeras placas de graças alcançadas estão
fixadas no local, junto de flores e velas, símbolos cristãos, e
pedras, jogadas aos mortos na tradição judaica. Em 1980, o sobrinho
de Emanuel Muyal, Eliahu Muyal, membro do parlamento de Israel e
Ministro dos Transportes, visitou Manaus e pediu a comunidade judaica
para levar os restos mortais de seu tio para Israel. O pedido foi
negado sob a justificativa de que tal ato revoltaria a população
católica que reverenciava o Santo Judaico.
Delmo
Campelo Pereira (1933-1952) - O assassinato de Delmo Campelo Pereira
talvez seja um dos mais controversos da história de Manaus. O crime,
que envolveu nada mais nada menos que 27 pessoas, ocorreu na Colônia
Campos Salles em 1952. Ele foi consequência de uma série de ações
criminosas cometidas por Delmo. O jovem, rebelde e amante da vida
desregrada, tentou assaltar a empresa de seu pai, atacando um vigia
do local a golpes de chave de fenda. Um taxista que levara Delmo até
a empresa, a única testemunha, foi assassinado a tiros pelo jovem. A
categoria de motoristas de Manaus, enfurecida, empreendeu uma
verdadeira caçada atrás do assassino do colega de profissão. Para
a surpresa de Delmo, o vigia sobreviveu ao seu ataque. Temendo o
pior, o assassino do taxista confessou seus crimes para a polícia.
Suas versões eram contraditórias, ora admitia ter feito tudo
sozinho, ora adicionava cúmplices. Como alternativa, este foi posto
em uma ambulância para receber uma aplicação do Soro da Verdade.
Em parte do trajeto, a ambulância foi atacada por um grupo de
taxistas, que raptou Delmo. O jovem foi levado pelos taxistas para o
Baixio dos Franceses, à margem da Estrada de São Raimundo. Ali
encontraria seu fim: Foi torturado pelos taxistas enfurecidos,
chicoteado com fios elétricos, tendo seu ventre aberto do umbigo ao
pescoço no processo. Sua morte gerou a revolta da população,
principalmente dos estudantes. Em seu túmulo encontram-se as
inscrições "Estudante Mártir". Pedidos para sucesso na
vida acadêmica e cadernos são deixados em sua homenagem.
FONTES:
SANTOS,
Fabiane Vinente dos; MAIA, Jean Ricardo Ramos. Hagiografia de
cemitério: História Social e Imaginário religioso nas canonizações
populares em Manaus. Revista Eletrônica os Urbanitas, São
Paulo, v. 5, 2008.
CUPPER,
Maria Terezinha da Rosa. Educação e Cultura: Leitura do
Cemitério de São João Batista - Manaus/AM. Manaus,
Universidade Federal do Amazonas, 2009. (Dissertação de Mestrado em
Educação).
Catador
de Papéis (www.catadordepapeis.blogspot.com). Blog do Coronel
Roberto Mendonça
CRÉDITO
DAS IMAGENS:
Maria
Terezinha da Rosa Cupper
G1
Amazonas
Manaus
de Antigamente
Bom até onde li o corpo de Etelvina foi encontrado intacto, por isso atribuiram o nome de santa a ela.
ResponderExcluirExcelente artigo! Alguns casos chegam a assustar.
ResponderExcluirParabéns Fabio pela iniciativa.
ResponderExcluirQ