segunda-feira, 5 de junho de 2017

Entre a riqueza e a pobreza na Idade Média: As análises de Jacques Le Goff, Fernand Braudel e Maurice Dobb sobre as desigualdades no mundo medieval

Paisagem medieval. Pintura dos irmãos Limbourg (século XV).

Na medida em que a sociedade muda seu trabalho, ou seja, o modo de produção, desde a queda do Império Romano do Ocidente no século V, temos a migração das populações das cidades para o campo. O mundo antigo está em declínio, politicamente descentralizado e com uma rede urbana decadente. As massas trabalhadoras e as elites urbanas se transferem para as suas pequenas e médias propriedades campestres. A partir do século XIII, ocorre o inverso. A Europa medieval está em pleno desenvolvimento, seja na política ou na economia. Surgem novas técnicas e instrumentos agrícolas, os índices demográficos aumentam e os transportes se desenvolvem, apenas para ficarmos em alguns exemplos. Ao mesmo tempo em que o Velho Continente caminhava rumo a novos tempos, acentuavam-se problemas sociais. Três autores analisam essa contradição de riqueza e pobreza: Jacques Le Goff (2007), Fernand Braudel (1996) e Maurice Dobb (1977).

Os livros utilizados foram As raízes medievais da Europa; Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII: O jogo das trocas; e A transição do feudalismo para capitalismo.

Para Jacques Le Goff, o enriquecimento, ao mesmo tempo em que beneficia as cidades, regiões e determinados grupos sociais, “empobrecia as vítimas das trocas” (p. 254). Dentro de uma perspectiva não só econômica, mas política e cultural, compartilhada de Braudel, o enriquecimento, alicerçado na economia-mundo, espaço de trocas econômicas onde várias regiões se comunicam, agrava as desigualdades sociais e políticas. Cresce, nas sociedades, o desejo pela diferenciação social, dividindo grupos por classes. As grandes cidades comerciais como Flandres e Gênova, centros de racionalização da produção e da divisão do trabalho, sedimentam o antigo modo de produção. Somam-se a esses problemas as mudanças climáticas, que levaram ao resfriamento e com isso o prejuízo na agricultura; As guerras perpetradas pelos Estados Nacionais, que agora formavam exércitos permanentes; As grandes epidemias como a Peste Negra; E as perseguições às minorias de judeus e muçulmanos, resultados da limpieza del sangre (limpeza de sangue), cujo resultado mais conhecido é a expulsão dos judeus da Península Ibérica em 1492. A Europa é um lugar rico e violento entre os séculos XIV e XV.

Sobre o dinheiro, essa unidade utilizada nas trocas, Fernand Braudel afirma que, no campo, este é utilizado na compra de terras e, “através dessas comprar visa à promoção social” (p. 43). No entanto, a introdução de valores monetários no campo destruiu valores sociais e equilíbrios antigos. O camponês assalariado, antes da introdução do dinheiro, recebia seus pagamentos in natura, em bens materiais como a terra. Com a monetarização do campo, este passou a contar seus pagamentos em valores monetários, valores esses nem sempre favoráveis. Essa é, segundo Braudel, uma mudança da mentalidade, “que ajuda nas adaptações da sociedade Moderna mas que não se reverte em favor dos mais pobres” (p. 43). A economia, nesse caso, influencia na mentalidade e nas relações de trabalho. Braudel cita como exemplo a comercialização de terras, no século XVIII, no país Basco. Essas propriedades se concentraram nas mãos de poucas pessoas, corroborando para a péssima situação dos camponeses, obrigados agora a procurar oportunidades de trabalho no campo, com dificuldade, ou na cidade, que nem sempre absorvia toda a mão de obra.

Por último, Maurice Dobb afirma que o crescimento das cidades mercantis e do comércio refletiu no aumento de conflitos internos. O valor de troca “como um fato econômico de vulto tende a transformar a atitude dos produtores” (p. 42). Essa é “uma transformação psicológica que afeta os envolvidos e os que entravam em contato com a economia de troca” (p. 42). As cidades mercantis, na medida em eram polos de atividades comerciais variadas, também representavam para os camponeses novas oportunidades de vida e trabalho. Por exemplo, como cita Dobb, o crescimento do comércio "acelerou o processo de diferenciação social no pequeno modo de produção" (p. 60). Ao que tudo indica, a acumulação primitiva de capital permitia aos seus agentes possibilidades de ascenderem socialmente, se diferenciando do resto da população.

Em síntese, Le Goff evoca uma Europa política, mas globalizada em termos econômicos e culturais, em um processo que enriquece mas também marginaliza parte da população, agora estratificada socialmente. Fernand Braudel vê na introdução de um valor monetário a mudança nas mentalidades e nas relações de trabalho. Maurice Dobb vê o crescimento da economia de troca como potencializador das diferenciações sociais. Um elemento que parece unir as análises desses autores é a mentalidade, que sofre alterações de curto e longo prazo no decorrer das mudanças econômicas e sociais.


FONTES:

LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2007.

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII: O jogo das trocas. Tradução de Telma Costa. 2° ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2009.

PAUL, Sweezy.  A transição do feudalismo para capitalismo. Tradução de Isabel Didonnet. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.


CRÉDITO DA IMAGEM:

http://www.historyandpedagogy.org

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