Paisagem medieval. Pintura dos irmãos Limbourg (século XV).
Na
medida em que a sociedade muda seu trabalho, ou seja, o modo de
produção, desde a queda do Império Romano do Ocidente no século
V, temos a migração das populações das cidades para o campo. O
mundo antigo está em declínio, politicamente descentralizado e com
uma rede urbana decadente. As massas trabalhadoras e as elites
urbanas se transferem para as suas pequenas e médias propriedades
campestres. A partir do século XIII, ocorre o inverso. A Europa
medieval está em pleno desenvolvimento, seja na política ou na
economia. Surgem novas técnicas e instrumentos agrícolas, os
índices demográficos aumentam e os transportes se desenvolvem,
apenas para ficarmos em alguns exemplos. Ao mesmo tempo em que o
Velho Continente caminhava rumo a novos tempos, acentuavam-se
problemas sociais. Três autores analisam essa contradição de
riqueza e pobreza: Jacques Le Goff (2007), Fernand Braudel (1996) e
Maurice Dobb (1977).
Os livros utilizados foram As raízes medievais da Europa; Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII: O jogo das trocas; e A transição do feudalismo para capitalismo.
Para
Jacques Le Goff, o enriquecimento, ao mesmo tempo em que beneficia as
cidades, regiões e determinados grupos sociais, “empobrecia as
vítimas das trocas” (p. 254). Dentro de uma perspectiva não só
econômica, mas política e cultural, compartilhada de Braudel, o
enriquecimento, alicerçado na economia-mundo, espaço de trocas
econômicas onde várias regiões se comunicam, agrava as
desigualdades sociais e políticas. Cresce, nas sociedades, o desejo
pela diferenciação social, dividindo grupos por classes. As grandes
cidades comerciais como Flandres e Gênova, centros de racionalização
da produção e da divisão do trabalho, sedimentam o antigo modo de
produção. Somam-se a esses problemas as mudanças climáticas, que
levaram ao resfriamento e com isso o prejuízo na agricultura; As
guerras perpetradas pelos Estados Nacionais, que agora formavam
exércitos permanentes; As grandes epidemias como a Peste Negra; E as
perseguições às minorias de judeus e muçulmanos, resultados da
limpieza del sangre (limpeza
de sangue), cujo resultado mais conhecido é a expulsão dos judeus
da Península Ibérica em 1492. A Europa é um lugar rico e violento
entre os séculos XIV e XV.
Sobre
o dinheiro, essa unidade utilizada nas trocas, Fernand Braudel afirma
que, no campo, este é utilizado na compra de terras e, “através
dessas comprar visa à promoção social” (p. 43). No entanto, a
introdução de valores monetários no campo destruiu valores sociais
e equilíbrios antigos. O camponês assalariado, antes da introdução
do dinheiro, recebia seus pagamentos in natura,
em bens materiais como a terra. Com a monetarização do campo, este
passou a contar seus pagamentos em valores monetários, valores esses
nem sempre favoráveis. Essa
é, segundo Braudel, uma mudança da mentalidade, “que ajuda nas
adaptações da sociedade Moderna mas que não se reverte em favor
dos mais pobres” (p. 43). A
economia, nesse caso, influencia na mentalidade e nas relações de
trabalho. Braudel cita como exemplo a comercialização de terras, no
século XVIII, no país Basco. Essas propriedades se concentraram nas
mãos de poucas pessoas, corroborando para a péssima situação dos
camponeses, obrigados agora a procurar oportunidades de trabalho no
campo, com dificuldade, ou na cidade, que nem sempre absorvia toda a
mão de obra.
Por
último, Maurice Dobb afirma que o crescimento das cidades mercantis
e do comércio refletiu no aumento de conflitos internos. O valor de
troca “como um fato econômico de vulto tende a transformar a
atitude dos produtores” (p. 42). Essa é “uma transformação
psicológica que afeta os envolvidos e os que entravam em contato com
a economia de troca” (p. 42). As cidades mercantis, na medida em
eram
polos de atividades comerciais variadas, também representavam para
os camponeses novas oportunidades de vida e trabalho. Por
exemplo, como cita Dobb, o crescimento do comércio "acelerou o
processo de diferenciação social no pequeno modo de produção"
(p.
60). Ao que tudo indica, a acumulação primitiva de capital permitia
aos seus agentes possibilidades de ascenderem socialmente, se
diferenciando do resto da população.
Em
síntese, Le Goff evoca uma Europa política, mas globalizada em
termos econômicos e culturais, em um processo que enriquece mas
também marginaliza parte da população, agora estratificada
socialmente. Fernand Braudel vê na introdução de um valor
monetário a mudança nas mentalidades e nas relações de trabalho.
Maurice Dobb vê o crescimento da economia de troca como
potencializador das diferenciações sociais. Um
elemento que parece unir as análises desses autores é a
mentalidade, que sofre alterações de curto e longo prazo no
decorrer das mudanças econômicas e sociais.
FONTES:
LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2007.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII: O jogo das trocas. Tradução de Telma Costa. 2° ed. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2009.
PAUL, Sweezy. A transição do feudalismo para capitalismo. Tradução de Isabel Didonnet. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
CRÉDITO DA IMAGEM:
http://www.historyandpedagogy.org
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