Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo
O Conde Koma em uma demonstração de Jiu-Jitsu.
O Amazonas vem despontando nos últimos tempos como um grande centro de campeões de artes marciais, com destaque para o Jiu-Jitsu e o Judô. O talento de nossos jovens atletas surpreendem especialistas internacionais, em razão das premiações que alcançam, nas mais importantes modalidades, dessas competições. Mas esse cabedal de competência não é de agora não, ele vem sendo construído ao longo de uma história que poucos conhecem. Isso mesmo, para quem não sabe, o jiu-jitsu e o judô foram introduzidos, no Amazonas, pelos japoneses, no início do século 20, quando faziam turnês pelo mundo, para divulgar seus estilos na "arte suave" (significado da palavra jiu-jitsu em japonês). Por isso ela é uma história emocionante, marcada de conquistas e muito sacrifício que merece o reconhecimento de toda a sociedade amazonense.
De acordo com o professor Rildo Heros, pesquisador do assunto, os primeiros ases do jiu-jitsu a estarem, em Manaus, foram os mestres Sakamoto, Ynasake e Shimokawa, em 1906, quando apenas fizeram apresentações das técnicas dos seus estilos. Ainda, em 1906, aqui esteve o mestre Akishima Sadachi e o seu assistente Suiostos Ki, realizando em 18 de dezembro de 1906, no circo "Coliseu Metálico Brasileiro", armado na Praça da Saudade, a primeira luta de Jiu-Jitsu que se tem notícia no Brasil. Sadachi venceu todos os lutadores desafiantes.
Em 18 de dezembro de 1915, um grupo de graduados do jiu-jitsu comandados por Mitsuo Mayeda, o conde Koma, chegou a Manaus, para fazer lutas marciais.
Mayeda era mestre da Kodocan, do mestre Jigoro Kano, o criador do judô. Além de Koma, vieram os mestres Shimizu Takaji, Noboshiru Satake, Okura e Sadakazu Uyenishi (Raku). Eles realizaram duas lutas na cidade.
A primeira, no dia 23 de dezembro de 1915, com o conde Koma enfrentando o boxer barbadiano Adolfo Corbiniano, em combate livre. O conde sagrou-se vencedor. A segunda deu-se, a 28 de dezembro, contra o campeão de luta romana Nagib Assef, em que o conde Koma derrotou o gigante turco, numa luta espetacular.
Depois, os japoneses deste grupo passaram a proferir palestras sobre artes marciais e a cultura física japonesa, na sede do Manáos Sporting Club, ganhando a simpatia popular.
Com o sucesso das lutas eles mobilizaram os setores esportivos da cidade, organizando o primeiro campeonato amazonense de Jiu-Jitsu, coordenado pela Liga Amazonense de Esportes Atléticos. O evento aconteceu em 30 de dezembro de 1915, no cineteatro Polyteama, com o lutador Nobushiro Satake vencendo todas as lutas. Minguados os eventos, os japoneses deixaram a cidade, com Okura e Shimizu retornando ao Japão e o conde Koma fixando sua residência, em Belém, com o nome de Otávio Maeda, construindo, a partir de então, outra página na história do jiu-jitsu e dos japoneses no Brasil. Maeda faleceu em Belém, em 1941.
Nobushiro Satake.
Nobushiro Satake fixou residência, em Manaus, e passou a ensinar Jiu-jitsu, no Instituto Universitário Amazonense, por que esse esporte fazia parte do currículo dessa instituição, que foi a primeira, no Brasil, a adotar esse gênero de esporte como disciplina curricular formal. Satake fundou também uma academia de Jiu-jitsu, no Atlético Rio Negro Clube, e foi responsável pela introdução do Basebol e do ensino de Técnicas de Massagem e Medicinal Oriental, no Amazonas. Em 1932, Sanshiro "Barriga Preta" Satake, apelido adquirido em razão da sua ligação com o clube rionegrino, partiu do Amazonas, deixando uma grande obra e uma legião de campeões, retornando ao Japão, não se sabendo qual foi o desfecho de sua vida, após essa data. Sabe-se que ele morreu em sua terra natal.
Sadakazu Oyenishi (Raku) instalou sua academia no prédio do Banco do Brasil, localizado na Praça XV de Novembro, que funcionou até 1920. Nesse mesmo ano ele deixou Manaus, realizando um périplo por várias cidades da Europa, retornando ao Japão em 1939. Morreu em Tóquio em 1956.
Em junho de 1932, chegou a Manaus, vindo de Parintins, Takeo Yano, faixa preta de jiu-jitsu. Era kotakussei e foi convidado para ensinar defesa pessoal à Polícia Militar e ao Exército Brasileiro, na capital amazonense. Nesse mesmo ano ele instalou um tatami, na sede do Nacional Futebol Clube, à rua Saldanha Marinho, ensinando aos jovens amazonenses os esportes marciais e promovendo duelos entre desafiantes. Dentre os seus alunos estava Guilherme Pinto Nery, que havia sido aluno do mestre Satake. Depois de preparado pelo mestre Yano, Guilherme Nery fez a sua primeira luta, a 7 de junho de 1933, contra o campeão peruano Jorge Ribas, no cineteatro Alcazar, depois cinema Guarany, sendo o vencedor.
Essa é considerada a primeira luta de jiu-jitsu onde houve um participante amazonense. Guilherme Nery, que fundou, em 1937, a sua academia de jiu-jitsu, em um prédio da Rua Luiz Antony, ensinando ao longo de sua existência o nobre esporte japonês, tendo como alunos personalidades da elite amazonense como Antônio Leão, Mário Verçosa, os irmãos Jorge e Jaime Tribuzzi, Osvaldo Mendes, Sílvio Tapajós, Ary Navarro, Jary Botelho, Oton Mendes, Osvaldo Zagury e Arthur Virgílio Neto.
O karatê foi introduzido, em Vila Amazônia (Parintins), em 1933, por mestre Saburo Ono, que era kotakussei. Ono veio para Manaus, em 1946, passando a ensinar karatê, no Olímpico Clube, até o fim do ano de 1946.
A primeira mulher de origem japonesa a praticar judô, no Amazonas, foi Edite Shirano, falecida em 2006. Edite era filha do professor Jiroso Shirano, kotakussei, que fundou a Academia Shirano, no bairro da Cachoeirinha, na antiga residência do professor Satake.
Em 1958, vieram apara o Amazonas os mestres Shoiti Sato e Toshio Yamagushi. Mestre Sato, que era faixa vermelha, com grau de sexto Dan em judô, era conhecido como Kimura ou "Mão de Banana", foi o instrutor da guarda pessoal do governador Plínio Coelho. Depois do golpe militar Sato se tornou taxista, em Manaus. Mestre Toshio Yamagushi, quarto Dan de judô, fundou, em 1960, uma academia, nas dependências da Associação dos Sargentos do Amazonas, e teve como discípulos Murilo Rayol, José Mário Frota, Ivan Tribuzzi, Tales e Taner Freire de Verçosa e Roberto Caminha. Infelizmente, o mestre Yamagushi teve morte trágica ao ser assassinado violentamente no bairro de São Raimundo, em meados dos anos 70, ao reagir a um assalto.
No ano de 1967, os estudantes universitários Gilberto Marques Meneses, Paulo Bernardes e Nilson Pascoal da Silva, fundaram, na "Casa do Estudante", à rua Barroso, a Academia Samurai. No ano de 1969, o advogado, jornalista e "faixa preta" de jiu-jitsu, Armando Jimenez, fundou, à rua Belém, a Academia Jimenez, congregando profissionais liberais, políticos de renome, intelectuais e jovens estudantes de famílias abastadas da cidade como os Valois, os Benchimol, os Lucena, os Areosa, os Xavier de Albuquerque e os Takeda, entre tantos.
Os primeiros campeões de judô do Amazonas foram Nilson Paschoal da Silva, Ângelus Figueiras, Paulo Nasser, Remédio Leocádio e Raimundo Nonato Gouveia.
A Federação de Judô do Amazonas foi fundada em 12 de julho de 1973, tendo como membros fundadores o atleta Nilson Pascoal da Silva, os srs. Luís Carlos Mestrinho Melo, o "Tical", Almério Botelho Maia, Flávio Cordeiro Antony, Valter Caldas, Iran de Carvalho e o poeta Enson Farias.
O primeiro Campeonato Amazonense de Judô ocorreu em março de 1974, no Colégio Militar de Manaus.
A primeira academia a ser instalada oficialmente no Amazonas foi fundada por Nilson Pascoal da Silva, em outubro de 1974, com a denominação de Judô Clube Manauara. No mesmo ano de 1975, a direção da Academia Samurai passa para o comando de Dorgival Francisco das Chagas, que foi aluno de jiu-jitsu e judô do professor José Maria (ex-aluno de Takeo Yano). Com um trabalho brilhante em prol dos esportes marciais no Amazonas, esse profissional morreu em 1998, e como reconhecimento o ginásio do Colégio Dom Bosco leva seu nome.
De seus alunos, foi destaque a atleta Rosemarina da Silva, medalha de ouro no Campeonato Brasileiro Norte-Nordeste, em São Luís do Maranhão, em 1982, e Jovandeci de Souza, medalha de ouro nesse mesmo campeonato, sendo o primeiro amazonense a integrar uma seleção brasileira e único atleta do Norte a participar da Copa Jigoro Kano, realizada em comemoração ao centenário de criação do judô, em São Paulo, em 1982.
Em 1974, o campeão brasileiro de judô e peso médio Tetsuo Fujisaka, instalou sua academia no Boulevard Amazonas, onde instruiu milhares de jovens amazonenses, tendo como alunos homens ilustres como os irmãos Monteiro de Paula e Jéferson Praia. Outra academia que foi destaque no Amazonas, foi a Associação Bushidokan de Judô, fundada nos anos 80 e localizada à rua Itamaracá, pelo médico ortopedista Tikara Hajiwara, faixa preta, formado pelo mestre japonês Kokitani.
Nesse mesmo contexto do pioneirismo foi muito importante a atuação da Associação Shogun, fundada em 22 de setembro de 1986, pelos professores Aldemir Duarte e Edval Lago, que foram alunos do professor Dorgival Francisco das Chagas. Por ela passaram milhares de praticantes de judô, principalmente trabalhadores do Distrito Industrial e jovens carentes que não podiam, muitas das vezes, arcar com as despesas e com o rígido treinamento. Outros jovens abnegados deram continuidade ao trabalho desenvolvido pela Shogun, fundando suas respectivas academias, destacando-se entre eles o professor David Azevedo (Associação Glória), o professor Luciano Dias (Associação Kodokan), o professor Lúcio Gláucio Mendonça e o professor Rildo Heros. A célebre Academia Shogun teve também como professor o nissei João Eonezawa, faixa preta segundo Dan, aluno do grande mestre japonês Massao Shinohara, que muito colaborou para o desenvolvimento técnico dos alunos dessa academia.
Em relação ao karatê, outro grande desportista a se destacar nessa arte foi o mestre Kasuteru Noguchi, que chegou ao Amazonas, em 1969, fundando a Academia Oyama de Karatê e Luta de Contato Kyokushin, que funcionou na União Esportiva Portuguesa, à Avenida Joaquim Nabuco, que depois passou para a rua Tarumã. Noguchi é dos fundadores da Federação Amazonense de Karatê e treinou tropas do Exército, da Aeronáutica e da Polícia Militar do Amazonas, do mesmo modo, realizando várias competições na cidade para promover e valorizar esse esporte. Paralelamente a esses eventos, o professor Noguchi também lotava os ginásios esportivos do Olímpico, o Renné Monteiro e o da Escola Técnica, realizando campeonatos que garantiam grandes lutas entre os seus praticantes. Muitos atletas foram destaque nesse período de ouro do karatê, entre eles destacaram-se Takuya Kawada e Zander Sassaki.
Uma modalidade esportiva ligada às artes marciais nipônicas que teve passagem efêmera em Manaus, no início dos anos oitenta, foi o Aikidô, ensinado pelo mestre Fugi. As aulas desse esporte eram realizadas na academia da Portobrás, localizada no centro da cidade. Entretanto, talvez, em razão da sua inexpressiva divulgação, poucas pessoas tiveram acesso à sua prática ou mesmo tendo a oportunidade de conhecer mais profundamente seus enigmas. Dos seus raros alunos, restou apenas a figura solitária do terapeuta, massagista e bancário Alfredo Peroba Jatobá, que montou seu dojô à rua Ramos Ferreira, no centro de Manaus.
Sem dúvida esses abnegados cidadãos deixaram sua indelével contribuição em forma de conhecimentos, inovações e a consolidação da prática de esportes de alto impacto, dois deles, inclusive, são os mais praticados pela juventude amazonense, pois, de acordo com os números de suas respectivas federações, até o ano de 2014, sabia-se da existência de mais de 2.000 academias e de mais de 50.000 praticantes de jiu-jitsu e de judô, no Estado do Amazonas.
Desde 2015, quando a semente foi lançada, quando se está próximo a se comemorar o centenário da primeira luta de jiu-jitsu no Amazonas, os frutos não pararam de se reproduzir. Uma safra de campeões de alto nível nesses esportes surgiu e brilhou nos tatames do mundo todo, engrandecendo o Estado nesse segmento que se tornou uma vasta atividade econômica, movimentando cifras bilionárias pelo mundo todo que é o "bug" desportivo do momento. Personagens como Ajuricaba de Menezes, Osvaldo Alves, Xande Ribeiro, Omar Salum, Ronaldo Jacaré, Bibiano, Paulo Coelho, Fredson Paixão e José Aldo conquistaram o mundo e passaram a chamar a atenção para essa história até então incógnita. E, complementando, segundo palavras do professor Rildo Heros, pesquisador do tema - "Da história, ainda pouco conhecida de Satake e sua escolinha no Rio Negro, às conquistas de amazonenses nos octógonos, Manaus, graças aos viajantes da terra do sol nascente, hoje se confunde com o jiu-jitsu. E o jiu-jitsu com Manaus".
Aguinaldo Nascimento Figueiredo é professor, historiador, escritor e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), autor dos livros História do Amazonas (2000); Santa Luzia: História e Memória do povo do Emboca (2008); e os Samurais das Selvas: A presença Japonesa no Amazonas (2012).
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