O puxadinho na residência da família Alencar. FOTO: Jornal do Comércio, 08/05/1917
Continuavam
os eventos na casa da família Alencar, no arrebalde da Cachoeirinha.
A grande imprensa já não especulava mais o seu fim, nomeando o caso
como o do ‘Phanstama da Cachoeirinha’. A calma não deitaria tão
cedo naquela parte da cidade, que por um bom tempo seria o palco de
aparições e outros acontecimentos ditos sobrenaturais. Os dizeres
de um médium, guiado por um espírito em uma sessão, começariam a
revelar parte, mesmo que ainda encoberta pela sombra das incertezas,
do mistério que rondava aquele lugar.
Manáos,
05 de agosto de 1917
A
polícia continuava, sob o
comando do guarda Silveira, sem
sucesso, empregando seus esforços para solucionar o caso. A polícia,
uma instituição humana, tentava conter, expulsar, por fim, em algo
intangível, que não fazia parte desse plano. Era
o choque de duas realidades muito, mas muito distintas.
A
dimensão que o caso ganhou chamou atenção da comunidade espírita
local, que passou a realizar sessões na tentativa de desvendar as
causas das aparições na residência da família Alencar. A primeira
e também mais reveladora comunicação ocorreu no Alto de Nazareth,
organizada por cinco espíritas e uma senhora como médium. A sessão
teve início com a leitura
de algumas passagens da obra de Allan Kardec e de preces a Deus, para
que o encontro ocorresse sem nenhum incidente. Oferecidos alguns Pai
nossos aos espíritos sofredores e obcecados, a
médium começa a receber as primeiras informações do espírito:
“Que
a Paz do Senhor esteja nessa bendita casa. Meus caríssimos irmãos,
o fenômeno manifestado ultimamente no bairro da Cachoeirinha, desta
cidade, não constitui um mistério, como
pensa a ignorância popular, ignorância essa devida a falta de
leitura das sagradas letras, porque na natureza não há mistérios,
nem fatos que não possam ser explicados diante da luz da verdadeira
ciência.
Tudo
obedece a certas e determinadas leis da natureza, na sua grande
sabedoria, e, portanto, não há fenômeno algum, por mais
extravagante que pareça ser aos olhos dos ingênuos, que não tenha
a sua cabal explicação, a sua razão de ser. As manifestações
psíquicas são uma verdade e a minha presença, neste momento, o
atesta.
O
que se está passando na Cachoeirinha, prende-se a fatos anteriores
desenrolados nesta capital, há poucos anos, fatos esses coevos de
meus irmãos.
O
Amazonas, nesses últimos tempos teve o seu grande declínio, devido
à perversidade de uns, a ambição descabida de outros, com o
desrespeito de todos os direitos, com
a violação das próprias leis de humanidade, com a manifestação
das mais iníquas decisões, sob a pressão de um só homem,
aparentemente bom e venerando, mas, no íntimo, de maus instintos, de
modo que a população inteira, desta cidade, revoltada e indignada
com os seus malfeitores, descarregava, como descarrega grande, ódio
ao mesmo tempo convergindo sobre os seus algozes toda a sorte de
malquerença. Outras vítimas, uma vez desencarnadas, no espaço,
desenvolvem maior soma de ódio e paixão, e daí, sente-se uma
atmosfera bastante pesada.
Dado
isso, o que se vê, então, senão reação do plano astral sobre o
plano físico.
Eis
o grande fenômeno explicado.
Operado
o encontro dos elementos astrais com as vibrações do plano físico,
verifica-se o fenômeno psíquico.
E
o caso atual da Cachoeirinha. Um nosso irmão, há anos (não faz
muito tempo), foi vítima de grande suplício, martirizado
selvagemente, morrendo, pode-se dizer, de inanição acompanhada de
repetidos açoites.
Morava
na Cachoeirinha, e de lá foi tirado para a prisão, de onde só saiu
morto.
Os
seus gritos cruciantes, os seus lamentos, os seus gemidos, foram
inúteis: Era preciso morrer como um cão; e assim aconteceu.
Os
seus algozes, diante do quadro doloroso de sua vítima indefesa,
riam, muitas vezes, de satisfação. Por mais que proclamasse a sua
inocência, só encontrava terríveis carrascos.
A
sua desgraçada mulher, carregando um filhinho de colo, bateu em
todas as portas dos magnatas da terra, e nada conseguiu em favor do
seu marido, não obstante exibir as mais robustas provas da inocência
do mesmo.
Foram
27 dias de martírio atrozes e contínuos.
Tudo
passou, menos a ideia preconcebida de vingança desse nosso infeliz
irmão (o espírito da Cachoeirinha).
Aproveitou
agora o momento em que o Amazonas ressurge com o seu garbo de
outrora, com a bastança de outros tempos, para operar, no sítio de
sua prisão, a vingança projetada.
Para
lá, quer atrair os seus algozes, a fim de que por intermédio de um
médium, cujo aparelho se coadune com seus sentimentos, possa
reconstituir todas as cenas de que foi vítima, diante do povo, e
confundir assim os autores de sua morte, de seu martírio.
Agora,
meus caríssimos amigos, devemos encaminhar esse nosso desgraçado
irmão, que se acha preso à vis paixões, por uma vereda, que lhe
ofereça outro conforto espiritual.
A
lei da evolução do espírito não permite essas reações tangidas
pelo ódio e por sentimentos de vingança, porque essas manifestações
retardam o progresso espiritual; e assim, esse nosso irmão estão
contraindo novas dívidas, futuras provações.
Na
terra, como no espaço, o espírito só progride pelo amor, pelos
sentimentos de piedade, e nunca pelo mal, pela vingança que possa
exercer contra os seus inimigos.
Faça-se
fervorosas preces, não só por esse nosso irmão, como pelos seus
algozes, afim de que todos possam atingir a um plano superior na vida
espiritual”.
Quando
a médium terminou seus dizeres, o presidente da sessão pediu para
que o espírito que lhe auxiliara dissesse seu
nome e o do espírito da Cachoeirinha. Ele recebeu a seguinte
resposta:
“Em
tornar conhecido o meu nome, em nada aproveita em relação a verdade
ora sabida; o que aproveita é seguir-se as sábias lições, que me
inspiraram os Mestres para transmitir aos meus irmãos. Praticar
sempre e bem, perdoar as faltas de nossos semelhantes, cometer atos
de amor e bondade, são os fatores principais que levam o homem a
presença de Deus.
Nomear
o nome do espírito que se manifesta na Cachoeirinha, cometeria uma
grande indiscrição apontando ao público os seus algozes, quando o
papel dos espíritos evoluídos não é denunciar, mas amparar todas
as quedas, sem expor ninguém a odiosidade e escárnio público.
Agora,
um conselho de amigo; quem tiver, acrescentamos nós, crimes
encubados nos costados, fuja e fuja de verdade da Cachoeirinha,
enquanto por lá andar o fantasma”.
Um espírito inquieto, injustiçado, buscava vingança pelo que lhe foi feito em vida. Suas manifestações deixaram em alerta a sociedade manauara, pois esses eventos se espalharam por outros bairros da capital. Mas isso já é assunto para outro texto...
CONTINUA
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