terça-feira, 18 de julho de 2017

Espíritos do Rio Negro, II parte: Uma 'communicação espírita'

O puxadinho na residência da família Alencar. FOTO: Jornal do Comércio, 08/05/1917

Continuavam os eventos na casa da família Alencar, no arrebalde da Cachoeirinha. A grande imprensa já não especulava mais o seu fim, nomeando o caso como o do ‘Phanstama da Cachoeirinha’. A calma não deitaria tão cedo naquela parte da cidade, que por um bom tempo seria o palco de aparições e outros acontecimentos ditos sobrenaturais. Os dizeres de um médium, guiado por um espírito em uma sessão, começariam a revelar parte, mesmo que ainda encoberta pela sombra das incertezas, do mistério que rondava aquele lugar.

Manáos, 05 de agosto de 1917

A polícia continuava, sob o comando do guarda Silveira, sem sucesso, empregando seus esforços para solucionar o caso. A polícia, uma instituição humana, tentava conter, expulsar, por fim, em algo intangível, que não fazia parte desse plano. Era o choque de duas realidades muito, mas muito distintas.

A dimensão que o caso ganhou chamou atenção da comunidade espírita local, que passou a realizar sessões na tentativa de desvendar as causas das aparições na residência da família Alencar. A primeira e também mais reveladora comunicação ocorreu no Alto de Nazareth, organizada por cinco espíritas e uma senhora como médium. A sessão teve início com a leitura de algumas passagens da obra de Allan Kardec e de preces a Deus, para que o encontro ocorresse sem nenhum incidente. Oferecidos alguns Pai nossos aos espíritos sofredores e obcecados, a médium começa a receber as primeiras informações do espírito:

“Que a Paz do Senhor esteja nessa bendita casa. Meus caríssimos irmãos, o fenômeno manifestado ultimamente no bairro da Cachoeirinha, desta cidade, não constitui um mistério, como pensa a ignorância popular, ignorância essa devida a falta de leitura das sagradas letras, porque na natureza não há mistérios, nem fatos que não possam ser explicados diante da luz da verdadeira ciência.

Tudo obedece a certas e determinadas leis da natureza, na sua grande sabedoria, e, portanto, não há fenômeno algum, por mais extravagante que pareça ser aos olhos dos ingênuos, que não tenha a sua cabal explicação, a sua razão de ser. As manifestações psíquicas são uma verdade e a minha presença, neste momento, o atesta.

O que se está passando na Cachoeirinha, prende-se a fatos anteriores desenrolados nesta capital, há poucos anos, fatos esses coevos de meus irmãos.

O Amazonas, nesses últimos tempos teve o seu grande declínio, devido à perversidade de uns, a ambição descabida de outros, com o desrespeito de todos os direitos, com a violação das próprias leis de humanidade, com a manifestação das mais iníquas decisões, sob a pressão de um só homem, aparentemente bom e venerando, mas, no íntimo, de maus instintos, de modo que a população inteira, desta cidade, revoltada e indignada com os seus malfeitores, descarregava, como descarrega grande, ódio ao mesmo tempo convergindo sobre os seus algozes toda a sorte de malquerença. Outras vítimas, uma vez desencarnadas, no espaço, desenvolvem maior soma de ódio e paixão, e daí, sente-se uma atmosfera bastante pesada.

Dado isso, o que se vê, então, senão reação do plano astral sobre o plano físico.

Eis o grande fenômeno explicado.

Operado o encontro dos elementos astrais com as vibrações do plano físico, verifica-se o fenômeno psíquico.

E o caso atual da Cachoeirinha. Um nosso irmão, há anos (não faz muito tempo), foi vítima de grande suplício, martirizado selvagemente, morrendo, pode-se dizer, de inanição acompanhada de repetidos açoites.

Morava na Cachoeirinha, e de lá foi tirado para a prisão, de onde só saiu morto.

Os seus gritos cruciantes, os seus lamentos, os seus gemidos, foram inúteis: Era preciso morrer como um cão; e assim aconteceu.

Os seus algozes, diante do quadro doloroso de sua vítima indefesa, riam, muitas vezes, de satisfação. Por mais que proclamasse a sua inocência, só encontrava terríveis carrascos.

A sua desgraçada mulher, carregando um filhinho de colo, bateu em todas as portas dos magnatas da terra, e nada conseguiu em favor do seu marido, não obstante exibir as mais robustas provas da inocência do mesmo.

Foram 27 dias de martírio atrozes e contínuos.

Tudo passou, menos a ideia preconcebida de vingança desse nosso infeliz irmão (o espírito da Cachoeirinha).

Aproveitou agora o momento em que o Amazonas ressurge com o seu garbo de outrora, com a bastança de outros tempos, para operar, no sítio de sua prisão, a vingança projetada.

Para lá, quer atrair os seus algozes, a fim de que por intermédio de um médium, cujo aparelho se coadune com seus sentimentos, possa reconstituir todas as cenas de que foi vítima, diante do povo, e confundir assim os autores de sua morte, de seu martírio.

Agora, meus caríssimos amigos, devemos encaminhar esse nosso desgraçado irmão, que se acha preso à vis paixões, por uma vereda, que lhe ofereça outro conforto espiritual.

A lei da evolução do espírito não permite essas reações tangidas pelo ódio e por sentimentos de vingança, porque essas manifestações retardam o progresso espiritual; e assim, esse nosso irmão estão contraindo novas dívidas, futuras provações.

Na terra, como no espaço, o espírito só progride pelo amor, pelos sentimentos de piedade, e nunca pelo mal, pela vingança que possa exercer contra os seus inimigos.

Faça-se fervorosas preces, não só por esse nosso irmão, como pelos seus algozes, afim de que todos possam atingir a um plano superior na vida espiritual”.

Quando a médium terminou seus dizeres, o presidente da sessão pediu para que o espírito que lhe auxiliara dissesse seu nome e o do espírito da Cachoeirinha. Ele recebeu a seguinte resposta:

“Em tornar conhecido o meu nome, em nada aproveita em relação a verdade ora sabida; o que aproveita é seguir-se as sábias lições, que me inspiraram os Mestres para transmitir aos meus irmãos. Praticar sempre e bem, perdoar as faltas de nossos semelhantes, cometer atos de amor e bondade, são os fatores principais que levam o homem a presença de Deus.

Nomear o nome do espírito que se manifesta na Cachoeirinha, cometeria uma grande indiscrição apontando ao público os seus algozes, quando o papel dos espíritos evoluídos não é denunciar, mas amparar todas as quedas, sem expor ninguém a odiosidade e escárnio público.

Agora, um conselho de amigo; quem tiver, acrescentamos nós, crimes encubados nos costados, fuja e fuja de verdade da Cachoeirinha, enquanto por lá andar o fantasma”.

Um espírito inquieto, injustiçado, buscava vingança pelo que lhe foi feito em vida. Suas manifestações deixaram em alerta a sociedade manauara, pois esses eventos se espalharam por outros bairros da capital. Mas isso já é assunto para outro texto...


CONTINUA

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