A
distinção entre fontes primária e secundária é clássica e de
fundamental importância para a pesquisa histórica. As fontes
primárias são consideradas documentos originais, contemporâneos ao
evento ou período ao qual se referem, como,
por exemplo, as cartas dos Inconfidentes Mineiros, do século XVIII.
As
fontes secundárias seriam, então, documentos indiretos posteriores
a um determinado evento ou período, como uma compilação das cartas
anteriormente citadas, só que já no século XXI. No
entanto, essa diferenciação não é tão simples como se pensa.
Até
onde vai a definição de contemporâneo? Seria
contemporânea ou considerada fonte primária um relato de 1300
produzido sobre uma batalha ocorrida em 1280? E como ficaria um
escrito sobre uma manifestação produzido posteriormente e por
alguém que não esteve presente naquele
momento,
mas que
colheu
boatos para sua produção? Para
o historiador inglês John Tosh (2012,
p.
100),
algumas fontes são mais “primárias” que outras. Os
historiadores, em suas pesquisas, vão preferir fontes que estão
mais
próximas no tempo do evento ou recorte que analisam. Voltando
ao exemplo anterior do escrito produzido posteriormente e através de
relatos, ele também tem sua importância a partir do momento em que
permite a análise de sua confiabilidade e seu viés no momento da
produção.
Se
pararmos para pensar, encontramos em certos
documentos
tanto elementos primários quanto secundários. John Tosh cita como
exemplo as
crônicas medievais (2012,
p.
101).
Elas sempre começam com a História do
mundo desde
a Criação até o nascimento de Cristo, mas
interessam para os historiadores os eventos anualmente registrados
pelos cronistas. Os contextos também influenciam, podendo um
trabalho ser primário em um momento e secundário em outro. Um
livro de História Geral escrito em 1850 é uma fonte secundária em
sua época, mas torna-se uma fonte primária para os que estudam as
práticas historiográficas da segunda metade do século XIX ou
a preferência literária dessa época.
Os
exemplos acima são claros, mas todos possuem uma ideia popularmente
difundida e que implica na concepção de fontes, a de que “os
documentos históricos são os registros formais e dignificados pelo
passado” (TOSH,
2012, p.
101). Os
registros formais, geralmente, são os mais utilizados pelos
historiadores e os que melhor sobrevivem no tempo. Todos
os dias são produzidos o que podem ser documentos históricos
primários:
anotações em diários, notas fiscais, exercícios
escolares etc. Se
eles serão utilizados como tal, dependerá de suas sobrevivências e
usos pelos historiadores, pois os documentos não são históricos em
si, mas ganham tal
status a partir da importância que lhes são dadas, importância
que varia com os contextos em que estão inseridos. “Muda mais o
olhar sobre a fonte do que a fonte em si” (KARNAL e TATSCH, 2013,
p. 16).
Em
1500, a Carta de Pero Vaz de Caminha não tinha outro uso que não o
de informar à Coroa sobre a nova terra conquistada. Era uma carta,
um manuscrito. Não passava disso. Esse documento permaneceu por mais
de trezentos anos esquecido na Torre do Tombo, até que passou a ser
utilizado como fonte histórica, “certidão de nascimento” do
país, pelos historiadores que passaram a buscar uma identidade para
o Brasil, no contexto da segunda metade do século XIX, com a
fundação do IHGB, no Rio de Janeiro. O documento está em
permanente diálogo com o presente em que está inserido. Da mesma
forma que este foi visto como carta testamento do país, entre 1840 e
1850, pode ser lido, mais de um século depois, como o atestado de
óbito das nações indígenas que aqui viviam.
Em
um arquivo, seja de qual natureza for, público ou particular, o
pesquisador fará a seleção dos
documentos que lhe interessam. Imaginem um historiador cujo tema seja
o comércio atlântico no período pré Primeira Guerra (1910-1913).
No meio das fontes que lhe ajudarão em sua pesquisa, encontrará
outras, de 1914, 1915 etc, com informações diversas. Elas, no
entanto, não terão serventia naquele momento, sendo deixadas de
lado. O
historiador é o “juiz” que decide quais fontes devem
“sobreviver”
e quais devem “morrer”. Jacques
Le Goff, no capítulo Documento/Monumento
de seu livro História e Memória, afirma que
De
fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no
passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no
desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se
dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores
(1990, p. 462).
As
fontes secundárias podem ser consideradas apropriações de fontes
primárias. Elas
podem
ser cópias, réplicas de objetos e transcrições. Obras
do período greco-romano muitas vezes foram produzidas através de
documentos originais que já não existem mais e forma integral,
restando apenas fragmentos ou resumos. Existe uma terceira categoria
de fontes, pouco
conhecidas, as
terciárias, que aglutinam as primárias e secundárias, que podem ser
manuais, almanaques e fichas catalográficas.
Os registros, diretos ou indiretos, primários ou secundários, só se tornam fontes históricas a partir do momento em que são considerados como tal, em uma ligação que parte do presente para o passado. Se hoje um documento de 1500 é amplamente utilizado como fonte histórica, daqui a um século, dependendo dos contextos, ele pode voltar a cair no esquecimento. "O presente e o historiador que conferem sua mutabilidade" (KARNAL e TATSCH, 2013, P. 13).
FONTES:
TOSH, John. A Busca da História - Objetivos, métodos e as tendências no estudo da história moderna. Petrópolis (RJ), Editora Vozes, 2012.
KARNAL, Leandro; TATSCH, Flavia Galli. A memória evanescente. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de. O Historiador e suas fontes. São Paulo, Editora Contexto, 2013, p. 9-29.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas (SP), Editora da Unicamp, 1990 (Coleção Repertórios).
CRÉDITO DA IMAGEM:
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Muito bom o texto ..parabens!!!
ResponderExcluirMeio academico sempre tem o dogmatismo de forças tais verdades que sao meias verdades..o que na verdade tudo na vida ponto de vista..depende de como e e de onde se olha!!!