quarta-feira, 19 de julho de 2017

Espíritos do Rio Negro, III parte: Ataques, mudanças e uma 'communicação espírita' no bairro dos Educandos

Estabelecimento dos Educandos Artífices, na antiga Olaria Provincial.

Passara-se um dia da sessão realizada no Alto de Nazareth, na qual revelou-se que o espírito que atormentava a família Alencar, no bairro da Cachoeirinha estava inquieto e obcecado, procurando vingar-se das injustiças que lhe foram cometidas em vida. Os fenômenos naquele bairro continuavam a se manifestar, chamando a atenção de espíritas, leigos ou de associações. Dessa vez, durante uma sessão realizada no bairro dos Educandos, um espírito vindo de muito longe deixaria sua marca no caso...

Manáos, 06 de agosto de 1917

Seguidores e estudiosos da doutrina espírita mostraram-se bastante interessados com o caso, como pode ser visto com a reveladora sessão realizada um dia antes no Alto de Nazareth, na qual descobriram-se as motivações do espírito da Cachoeirinha. Um desses estudiosos era Manoel dos Santos Castro, porteiro da Alfândega, morador da rua Barroso, no Centro, e há muito dedicado às leituras sobre o espiritismo.

Castro, naquele momento, amigo da caridade, assumiu para si a tarefa de tentar evangelizar o espírito que estava atormentando a família Alencar e, de certa forma, os moradores do arrebalde da Cachoeirinha. Ele, no entanto, não informava os resultados de suas pesquisas para a imprensa, apenas afirmava que “trata-se de espíritos, e muitos outros factos psychicos vão se reproduzir nessa cidade”.

As manifestações na Cachoeirinha continuavam e, agora, não atingiam apenas membros da família Alencar. Um jovem que zombava do caso, criticando-o e afirmando ser ele uma mentira, declarou, na redação do jornal A Capital, ter recebido um forte golpe no rosto, o qual não sabia a procedência, pois estava sozinho no momento.

O Sr. Alencar se encontrava bastante abatido pelo que vinha ocorrendo em sua casa desde o início do mês de agosto. Sua saúde, assim como a vigilância e a perseguição ao ‘phantasma’, ia diminuindo. Alice Alencar, a jovem que via o espírito, foi enviada para a residência de um amigo da família, o advogado Antônio Batista de Aquino, localizada na rua Visconde de Porto Alegre, para ver se cessavam as perseguições. Mal entrou na casa, foi atingida com um golpe vindo do “nada”.

Além do trabalho de Manoel dos Santos Castro, outros espíritas realizavam sessões em diferentes pontos da cidade, sendo que em todas elas o espírito que se comunicava afirmava ter ocorrido um crime, de que foi vítima o cidadão desconhecido que, agora no plano espiritual, buscava vingança. Em um encontro realizado no bairro dos Educandos, separado do local dos eventos por um igarapé, recebeu-se a comunicação de um espírito que se dizia ter sido um jesuíta português em vida, tendo vindo para o Brasil junto de um grupo de religiosos que acompanhavam Duarte da Costa, em 1553. O espírito fez revelações sobre o futuro da humanidade, do Brasil, durante e após a Guerra:

Meus amados irmãos, convidado por vós para dizer alguma coisa sobre os recentes acontecimentos da Cachoeirinha, devo vos declarar que não posso ir além do que já se pronunciou um respeitável mestre do espaço, na sessão ultimamente levada a efeito no Alto de Nazareth.

É justa a vossa curiosidade no sentido de se conhecer a vítima da Cachoeirinha, mormente quando agora já se base, que um crime bárbaro presidiu a tudo isso, crime esse que foi revestido da mais revoltante hediondez.
Mas, essa revelação não pode ser feita pelos espíritos que ascenderam a grande escala da evolução espiritual. Somente os espíritos que ainda pairam num plano bastante inferior, podem assim proceder, porque a verdade é como diz o venerando apóstolo São Paulo, na Epístola aos Efésios, cap. 6° verso 12°: Nós temos de lutar contra os espíritos de malícia espalhados por esses ares.

Mantendo os mesmos princípios externados pelo mestre que me precedeu em outra sessão (porque dou graças a Deus de já ter atingido um grau mais ou menos considerável na eterna vida do cosmo), me abstenho de proclamar o nome desse irmão, que ora se manifesta na Cachoeirinha, vítima da terrível tragédia referida pelo outro mestre.

Demais a mais, o fenômeno psíquico ora observado, não é o primeiro, nem será o último, mesmo porque, se aproximando os tempos anunciados, a reprodução desses fenômenos se manifestará por todos os pontos da terra, com maior intensidade.

O aparecimento da nova raça no planeta, ocasionará os mais extravagantes fenômenos, até que venha o reinado da fraternidade humana.

É por isso que vos posso afirmar que muito breve a maçonaria, que teve um importante papel na civilização atual, estará de mãos dadas com a igreja, porque nada mais separará o homem, mas tudo os unirá.

Virá o amor, na santa lei de Buda, combatendo o ódio, para por termo às contendas das nações”.

Nesse momento, o presidente da sessão interrompe a fala, dizendo que, em outro encontro, o Dr. Jorge de Moraes, ex-prefeito da capital, disse que era impossível a paz universal, pela dificuldade da reação do Tribunal Internacional, como pela impossibilidade do desarmamento das nações. O espírito, prosseguindo, respondeu:

“O Dr. Jorge de Moraes é um talento de eleição; mas a frase que ele não encontra, para se dar isso, está na lei do amor. A ele respondo como Cristo: O que é impossível aos homens não é difícil a Deus.

Finda a guerra atual, que apavora as nações, os povos, ainda debaixo da mais terrível impressão, terão horror só em ouvirem falar em guerras sangrentas.

Esta guerra, portanto, é o primeiro ensaio para a paz permanente dos povos.

O povo alemão, instrumento inconsciente da Divindade, se aparelhando tanto quanto lhe permitiu o engenho da arte, presta grande benefício às gerações de amanhã, aniquilando o seu poderio, como destruindo as demais potências armadas”.

E o Brasil, perguntou o presidente, qual seu destino nessa Grande Guerra?

“Talhado para grande destino na humanidade, o Brasil, a terra adorada, cuja grandeza contemplamos e admiramos do espaço, terá importante papel no concerto universal, nos tratados de paz das nações.

Emigrando a civilização da Europa para a América, o Brasil se tornará o centro das mais adiantadas concepções humanas; e assim, podeis ir desde já observando a nova geração que se vai formando neste grande país do futuro.
O povo brasileiro de amanhã será essencialmente culto, dedicado às letras, artes e indústrias; numa palavra: dominará o mundo pela moral, pelo direito; a lei será a sua grande força.

Já no rompimento das relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, o Brasil deu uma grande lição perante o mundo inteiro: garantiu a vida, liberdade e propriedade dos súditos alemães residentes em seu território.

Apesar de na minha última vida material ter sido português, venho amando este pedaço de solo americano, desde que nele pisei, como jesuíta, em companhia do padre José de Anchieta, que por sua vez com mais 15 jesuítas, fizera parte da comitiva de Duarte da Costa, segundo governador geral do Brasil, em 1553.

Foi, portanto, da fundação do Colégio de São Paulo, em 25 de janeiro de 1554, que partiram meus primeiros ensaios na grande obra da proteção aos índios, ao lado do padre Anchieta, fato esse que tanto irritou os mamelucos.

Como português que fui, concorri, com o meu pequeno esforço, para a formação do grande povo brasileiro, que será a continuação da pátria portuguesa, pela raça, pela língua, pelos costumes, pela religião, enfim, e não posso, portanto, deixar de amar e muito este belo país, o El Dorado das gerações futuras".

O espírito do jesuíta português, um tanto saudosista, vindo do longínquo século XVI para o XX, terminava sua comunicação, sem fazer maiores revelações sobre os eventos da Cachoeirinha. É evidente que a maioria de suas previsões não se concretizaram. No dia seguinte, ocorreriam acalorados debates no Templo da Verdade, na rua José Clemente. Alice Alencar seria chamada para depor na delegacia e, ao fim de seu depoimento, sua vida seria alterada de forma profunda…



CONTINUA



CRÉDITO DA IMAGEM:

Blog do Coronel Roberto - Catador de Papéis

Nenhum comentário:

Postar um comentário