Resumo
Hoje,
quem passa por uma rua, avenida, beco ou travessa, independente da
cidade, talvez não se questione sobre a origem daquela via pública,
quais os motivos para a sua abertura e quais as mudanças ocorridas
com isso. As vias públicas como as conhecemos atualmente são o
resultado de um longo processo de aperfeiçoamento social e técnico:
social no sentido de ligar diferentes pontos de uma cidade, onde são
realizadas transações comerciais, são
oferecidos
serviços, onde
estão os
templos religiosos e, claro, as casas; e técnico pela forma como são
construídas e com quais materiais foram produzidas. O presente texto
tem o objetivo de analisar
como
se deu a evolução dessas vias em Manaus, desde o século XVII até
os dias de hoje.
Sobre
a evolução da via pública
Quando
os homens ainda se agrupavam em comunidades primitivas, com
atividades de subsistência baseadas na pesca, coleta e troca de
produtos, talvez a abertura de caminhos não tivesse um sentido
técnico-econômico complexo, servindo apenas para atalhos, localizar
um curso d' água ou para facilitar a comunicação entre as casas ou
um local de adoração a divindades. Com algumas exceções, já
existe uma preocupação no traçado desses caminhos (ruas e
avenidas), como ficou claro em escavações arqueológicas na
Turquia, em 1996-7, que revelaram a antiga cidade de Titris Hoyuk
(cerca de 5.000 anos), que chegou a abrigar 10.000 habitantes.
Na
Antiguidade Clássica, as ruas da Roma Imperial eram construídas em
ângulos retos, e largas, possibilitando um tráfego fluente de
carruagens, liteiras e transeuntes sem maiores problemas. Os templos
e foros se comunicavam; comerciantes anunciavam os mais variados
produtos em cavaletes e barracas instaladas de uma ponta a outra da
via; semblantes de diferentes nacionalidades se aglomeravam em busca
das melhores ofertas, de um lugar para repousar, como os albergues e
pensões, ou cuidar da higiene em um dos vários banhos públicos. O
anfiteatro, casas de prostituição e tavernas prolongam a vida
noturna, iluminada por tochas ou pela queima do azeite, mas perigosa
nas estradas mais afastadas, que ligavam Roma à diferentes pontos da
Itália.
As
ruas medievais eram estreitas, ou porque seguiam a linha da muralha,
uma necessidade de defesa para a cidade; a direção dos ventos, para
arejar; ou a formação geográfica tortuosa da região. Eram, no
entanto, movimentadas pelo comércio e por atrações dos tipos mais
variados. A nomenclatura das ruas é definida por nomes populares,
geralmente ligadas a uma atividade comercial nela estabelecida: Rua
dos Ourives, Rua dos Cuteleiros, Rua dos Livreiros. Existem também
nomes de santos e de nobres. A pavimentação das vias era feita com
pedras sob uma camada de cimento. Esgotos eram construídos para dar
vazão aos detritos públicos, e o resto era queimado. Construídas
na rua principal, a fim de dominarem a paisagem e servirem de
confluência política, social e religiosa, estavam as catedrais,
abadias e capelas.
Nos
séculos XVI e XVII, as ruas e avenidas das principais metrópoles
europeias foram favorecidas pela exploração ultramarina, que
possibilitou o escoamento de riquezas para essas cidades, riquezas
essas investidas em Lisboa, Paris, Madri e Amsterdã. As vias
públicas mais preteridas pela burguesia eram aquelas com localização
privilegiada, no caso a orla da cidade ou próximo a ela. A Rua Nova
d' EL REI era a principal via da Lisboa Manuelina. Nela estavam os
prédios públicos mais suntuosos e importantes e as principais lojas
do país. Estrangeiros, vendedores de escravos, nobres e aristocratas
frequentavam o local. O Óleo de baleia era utilizado na iluminação.
Não só na Europa, mas também nas terras recém-descobertas, as
ruas eram suntuosas. Hernán Cortés se impressionou com ruas de
Tenochtitlán, largas e retas, tão grandes quanto as de Sevilha ou
Córdoba, com praças e pontos de venda e troca de produtos1.
Os
avanços industriais dos séculos XVIII,
XIX
e XX
permitiram o prolongamento da vida urbana, com o advento da
iluminação pública mais eficiente. Os caminhos do passado agora
eram ruas e avenidas propriamente ditas, construídas sob a
supervisão de engenheiros e através de códigos de conduta rígidos.
O asfalto produzido através do petróleo substituiu as pedras e o
cimento; a iluminação a gás ou energia elétrica permitiu que a
ópera acabasse mais tarde, que as casas de diversão, os cafés e
tavernas atendessem por mais tempo.
Caminhar
na América Portuguesa
Os
caminhos do Brasil Colonial ligavam a Igreja ao forte, o forte a casa
do administrador, e a produção de matérias primas ao porto. O
sentido era puramente econômico, como bem destaca Sérgio Buarque de
Holanda no capítulo O semeador e o ladrilhador (p. 93-137) de
seu Raízes do Brasil, ao diferenciar a colonização
lusitana, exploratória, que jogou nessas terras suas “sementes”
ao acaso, sem fazer maiores investimentos e sem os objetivos de fixar
raízes e de se desenvolver socialmente em maior profundidade; da
espanhola, que investe maciçamente, desde a abertura de ruas à
construção de universidades, projetada e interiorizada para ser uma
extensão do Império Espanhol.
Esses
caminhos eram definidos pelas construções e muitas vezes eram o
reaproveitamento de antigas trilhas indígenas. Na enriquecida Minas
Gerais, por exemplo, os caminhos de terra batida interligavam a
produção da região: Pelo Caminho Velho ou Caminho do Ouro, que
passava pela Vila do Falcão, descendo o vale do rio Paraíba e
atingia Vila Rica, o ouro das minas era transportado até o Rio de
Janeiro, de onde partia para Lisboa. Os caminhos eram tortuosos,
estreitos, perigosos, iluminados apenas em algumas cidades, por meio
de velas feitas com cera de abelha ou pela queima de óleos vegetais
e animais, revelando, por parte do colonizador português, nenhum
rigor, nenhum método, nenhuma previdência2.
As cidades mais importantes recebiam o acompanhamento de engenheiros
militares na hora de definir o traçado das ruas. A rua, junto à
praça pública, era o local do divertimento popular, das procissões
religiosas, do comércio, dos castigos no Pelourinho, trajeto dos
condenados à morte, e local de exposição das partes dos corpos de
rebeldes esquartejados.
Salvador,
na Bahia, primeira capital do Brasil, abriga aquela que é
considerada a via pública mais antiga do país. A Rua Chile, no
Centro Histórico, próxima da Praça Castro Alves, foi aberta por
ordem do governador-geral Tomé de Souza em 1549, recebendo
primeiramente o nome de Rua Direita dos Mercadores, uma alusão à
posição em que ficavam os mercadores nos 400 m de extensão do
logradouro. Nela se instalaram os comércios, os teatros, as
residências senhoriais, de grandes proprietários de terras e de
funcionários da coroa; servindo de ponto de partida para a abertura
de outras ruas.
Os
Caminhos do Lugar da Barra e de Manaus (séculos XVII - XXI)
Os
primeiros tempos do
Arraial
da Barra são marcados por uma evolução urbana tímida. Fundado
entre
1669-70, em
[…]
um terreno desigual repleto de ondulações,
cerca
de 30 pés acima do nível das mais altas cheias […]3,
suas
ruas, na
verdade caminhos, pois ainda faltam os elementos estático (casa) e o
dinâmico (homem), seguem
o sentido natural da área, ficando com altos e baixos e cheias de
buracos. Eles
vão sendo abertos sem planejamento, sem materiais apropriados, de
forma rústica em meio à mata vicejante. Sabe-se
que, por séculos, a Barra conservou um aspecto mais rural que
urbano. Tomavam conta das vias públicas o mato e os animais.
As
nomenclaturas eram pitorescas, não
oficializadas, levando
em conta alguma característica especial da região, nomes religiosos
ou de moradores ilustres.
As primeiras foram conhecidas como Deus-Padre,
Deus Filho e Deus Espírito Santo4.
Uma
das raras plantas5
do período colonial da Barra faz menção à existência da atual
Avenida Sete de Setembro, à época conhecida como Rua Direita
(1787)6.
Observando sua extensão atualmente, percebe-se que foi um trabalho
árduo para a época. No
entanto, a
situação do
péssimo arruamento perdurará
por todos os séculos XVII e XVIII, até
a Barra deixar de ser um povoado insignificante e obscurecido pela
capital Barcelos e,
depois, Belém do Pará.
O historiador Antônio Loureiro nos dá o exemplo de uma rua do
Centro antigo, do século XVIII, que mesclava, em sua nomenclatura,
um aspecto social e outro religioso:
[…]
A antiga Rua Demétrio Ribeiro, hoje Visconde de Mauá, que passava
aos fundos da Matriz Velha de Manaus, recebeu o nome de Travessa dos
Inocentes, na Época Colonial, pois ela correspondia ao dito
cemitério dos pequeninos pagãos, que haviam deixado chorosas
famílias, tristes pelas suas prematuras partidas, sem o lenitivo do
batismo7.
Chegando
à Fortaleza da Barra em 1787, o naturalista português Alexandre
Rodrigues Ferreira notou que, nos dois bairros que formavam o
povoado, o arruamento das
casas do
primeiro, o
mais povoado e onde se encontrava a Igreja Matriz, a casa do vigário
e do comandante,
estava
disposto sobre 3 linhas de fundo e 10 de frente, contando as
residências. Do
topo desse bairro, na segunda linha de fundo, saem duas, avançando
sobre o rio, passando pela casa das canoas no porto e na olaria. Na
segunda linha de fundo contou 11; na terceira, 14. Todas possuíam
vazios para ser preenchidos, além de seus alinhamentos não serem
geométricos8.
Lobo
D' Almada, presidente da Capitania desde 1788, transferiu, em 1791, a
capital de Barcelos para o Lugar da Barra, que possuía localização
geográfica privilegiada, na confluência dos rios Negro e Amazonas,
o que acabava facilitando a defesa e o comércio da região.
Implementou
mudanças significativas na estrutura urbana. Manobras políticas de
Francisco
de Sousa Coutinho, do Grão-Pará, com o auxílio de seu irmão
Rodrigo, Ministro de Portugal, corta as verbas para a Capitania do
Rio Negro e persegue Almada, conseguindo fazer a capital retornar
para Barcelos, em 1799.
As
primeiras mudanças, mesmo que pequenas, começam a surgir no início
do século XIX. Em 1804, D. Marco de Noronha e Brito, Conde dos
Arcos, decidiu transferir a capital da Capitania do Rio Negro de
Barcelos para o Lugar da Barra, o que se consumou apenas em 29 de
março de 1808. Tornar-se a capital da Capitania significava ganhar
as condições urbanas necessárias para tal função. Sobre o
período, nos oferecem dados inúmeros relatos de viajantes9
(ingleses, alemães, suíços), que se tornaram mais frequentes no
país após a Abertura dos Portos às Nações Amigas, decretada em
1808 por D. João VI.
Os
alemães Karl von Martius e Johan von Spix,
de passagem pela Barra em 1819, descreveram que as casas do povoado
era “espaçadas uma das outras”, dando origem a ruas irregulares.
O padre José Maria Coelho, em 1823, cita a existência de “onze
pequenas ruas”. O tenente inglês Henrique Lister Maw, de passagem
pelo lugar em 1828, viu que “as ruas não eram calçadas e quase
todas pareciam inacabadas”.
É
a partir da instalação de
uma nova ordem política, com a elevação do Amazonas à categoria
de
Província do
Amazonas (1850-52), que
as
transformações urbanísticas se tornam mais profundas, quando o
antigo caminho colonial começa a tomar a forma do que seria uma rua
propriamente dita, com o elemento estético e estático, a casa e o
comércio, influenciando nas relações no elemento dinâmico, o
homem. Na
planta 'croquis' de 1852, feita pelo presidente João Batista de
Figueiredo Tenreiro Aranha, além
dos limites urbanos, pode-se
observar que
a pequena cidade era dominada pelos igarapés de São Vicente, da
Ribeira, do Espírito Santo e do Aterro, que cortavam seus poucos
bairros (Remédios, República, Espírito Santo, Campina e São
Vicente). As ruas continuavam estreitas e curtas, sendo definidas de
forma natural pelo terreno.
Planta
da Cidade de Manáos, 1852. FONTE: Biblioteca Nacional
Os
esforços dos presidentes da Província em dotar a capital de vias
públicas eficientes, mais largas, limpas e seguras, é notável.
Entre 1865 e 1868, foi aberta uma das principais artérias do Centro,
a Avenida Epaminondas, à época, primeiramente, estendendo-se da
travessa do Cumã (atual rua Itamaracá) ao Cemitério São José,
depois alargada da rua Itamaracá à Cachoeira Grande. No relatório
de 04 de abril de 186910,
apresentado na Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas, o
presidente João Wilkens de Mattos afirma que, entre os principais
defeitos da cidade, estão as […] Quadras mui acanhadas. Ruas
demasiadamente estreita. Como solução, sugere que […] Em
clima abrasador como o nosso, as quadras ou quarteirões devem ter de
100 metros, pelo menos de face, e as ruas 20 de largura. Ele
ainda fala do perigo que tem havido de abrir-se ruas e travessas
sem uma causa racional. Percebe-se a preocupação com as
condições climáticas, com a abertura de vias que possibilitassem a
circulação do ar. No Código de Posturas de 1872, da cidade de
Manaus, o presidente General Doutor José de Miranda da Silva Reis,
estabelece nos seguintes artigos que tratam sobre as ruas:
Art.
8 – Proíbe a abertura de buracos nas ruas para fincar paus a fim
de levantar andaime sem previa autorização da câmara. Caso fosse
autorizado, o dono da obra deveria colocar durante a noite, dois
lampiões acesos para a sinalização.
Art.
12 – Proíbe obstruir as ruas com entulhos, ou escavações.
Art.
39 – Proíbe o despejo de lixo nas ruas, praças da cidade11.
Esse
Código de Posturas reflete as transformações urbanas pelas quais
Manaus estava passando. O comércio da borracha começava a garantir
uma maior arrecadação dos cofres públicos, e a cidade começava a
receber novos contingentes sociais e agentes econômicos. Garantir
uma aparência salubre, higiênica e organizada era apresentar uma
cidade em plenas condições de expansão. O arruador dos tempos
coloniais, o qual será abordado em próximo tópico, passou a ser
substituído pelo agrimensor, uma pessoa graduada em engenharia e
contratada pela Câmara municipal para cuidar do alinhamento de ruas,
travessas e praças. No entanto, o agrimensor ainda enfrentaria
problemas herdados do início do século XIX e que só seriam sanados
na virada deste para o XX:
O
beco da Cova Onça12
existiu entre os quarteirões da Avenida Eduardo Ribeiro e das ruas
Henrique Martins, Barroso e Saldanha Marinho (antiga rua da Palma).
Existem menções a ele desde 1860. Nesse beco existiam quatro casas
com cobertura de palha, com as frentes para o Sul, fazendo limites
com os quintais das casas de Francisco Galvão, na rua Henrique
Martins. A entrada e saída da Cova da Onça se fazia pelo Igarapé
do Espírito Santo, atual Av. Eduardo Ribeiro, mas, para encurtar o
caminho, foi feito um atalho com saída para a rua Henrique Martins.
A Cova da Onça desapareceu durante as reformas urbanísticas
promovidas por Eduardo Ribeiro (1892-1896).
Na primeira imagem temos um mapa da região em 1865. Na segunda, um
mapa mostrando a atual localização (área destacada em vermelho).
À esquerda, desenho da Cova da Onça em 1865. FONTE: Jornal A Capital,
20/08/1917. À direita, a atual localização. FONTE:
mapas.blogspot.com.
O
Arruador
Existem
menções ao arruador pelo menos desde o século XVI em Portugal. A
construção de casas, prédios públicos, alinhamento e nivelação
de ruas e praças eram suas tarefas. Possivelmente tiveram papel de
destaque nas reformulações urbanas na capital portuguesa. Na
América Portuguesa, não se sabe exatamente quando começaram a
atuar, mas já no século XVIII, existem nomes como o de Antônio
Fernandes da Silva, arruador responsável pelo traçado da cidade de
Paraty, no Rio de Janeiro.
O
arruador existe desde o estabelecimento da Vila da Barra como capital
da Capitania de São José do Rio Negro. É um dos tipos sociais
peculiares da Vila, ao lado do aguadeiro, do tocador de matraca e da
lavadeira. Na ausência de engenheiros especializados, ele
fiscalizava a construção de edifícios para que estes não
“gerassem” ruas tortas ou espaços improdutivos como os becos;
cuidava da limpeza das artérias públicas; e estabelecia os limites
dos bairros. Nem sempre ele conseguia dar conta da fiscalização,
por isso as constantes reclamações de presidentes da Província
sobre a existência dos becos e travessas estreitos e escuros.
Entre
1835 e 1879 ocorreram cinco nomeações e uma solicitação para o
cargo (YPIRANGA, 1994, p. 113-118). Além das funções já citadas,
o arruador também estava encarregado da fixação de marcos (postes)
que indicassem o nome das ruas, das travessas e das praças. Caso as
ruas ficassem tortas, as casas e comércios irregulares, o arruador
estava sujeito a multa. A Câmara Municipal de Manaus deixa de
contratar pessoas não especializadas e, aos poucos, o arruador vai
sendo absorvido ou, em alguns casos, desaparece diante da figura do
Agrimensor, profissional graduado em engenharia.
A
República
A
proclamação da República traria consigo o boom econômico da
borracha, o qual favoreceu enormemente a capital. Os
impostos arrecadados da exportação dessa matéria prima garantiram
a estruturação e embelezamento da cidade. Guiada
pelos ideais positivistas, era chegada a hora de enterrar os passados
colonial e provincial e se projetar para o futuro.
A
Manaus dos viajantes do século XIX era aquela das ruas esburacadas,
irregulares, cortada por igarapés e com prédios em ruínas. A
Manaus republicana seria aquela do alinhamento, da ordem e do
progresso.
O
principal nome político dessa época, considerado aquele que soube
aproveitar a situação econômica em benefício do estado, foi o do
engenheiro militar Eduardo Gonçalves Ribeiro, governador entre
1892-1896. No quatro anos de administração Eduardo Ribeiro abriu
novas ruas e estradas, as pavimentou e restaurou. Aproveitou a
Avenida Sete de Setembro para expandir os limites da cidade para o
Norte, através da construção das Pontes Romanas. A atual Av.
Eduardo Ribeiro, em direção ao Porto, foi construída e nomeada
Avenida do Palácio. Nos subúrbios da época, também construiu vias
públicas. As ruas e avenidas do bairro da Cachoeirinha são obras de
seu governo.
Através
da planta da cidade de 1895, encomendada pelo governo a João Miguel
Ribas, pode-se contrastar a evolução das vias públicas com a
planta de 1852, de Tenreiro Aranha. A planta de 1852 mostra uma
cidade pequena, com ruas estreitas e onduladas, seguindo um modelo
português arcaico sem planejamento prévio. Na planta de 1895,
que
segue o famoso padrão “Tabuleiro de Xadrez”, modelo criado por
Eugene Haussmann na urbanização de Paris no início do século XIX
e popularizado na Europa, a
malha urbana cresceu consideravelmente, avançando ao Norte pelo
igarapé da Cachoeirinha. No lugar dos igarapés, agora
aterrados, projetam-se ruas
e avenidas largas e alinhadas.
Planta
da Cidade de Manáos, 1895. FONTE: Acervo Marçal G. Trindade.
No
início do século XX a construção de novas vias não para. Em 30
de novembro de 1905, a Lei Municipal 426 estabelece a nomenclatura de
Constantino Nery para a via que seria construída para ser a
continuidade da Avenida Epaminondas. Em 1910 o nome é trocado para
Avenida João Coelho; em 1919 para Olavo Bilac; em 1927 volta a se
chamar Constantino Nery; em 1930 volta para Olavo Bilac; e em 1953
volta definitivamente para Constantino Nery. João Batista de Faria e
Souza afirmo que, comparada esta via pública com as congêneres
de outros Estados, verifica-se ser a mais extensa, mais reta e de uma
largura uniforme, o que é muito difícil conseguir-se em obras desta
natureza.13
Ruas
e estradas de outros bairros
Ruas
também foram abertas em outros locais da cidade, como os conhecidos
subúrbios da época, e também em áreas mais afastadas. De acordo
com o Relatório da Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios
do Município, de 1927, as primeiras ruas do bairro de Educandos foram abertas
em 1901, num total de 6, sob as ordens do superintendente Dr. Arthur
Cezar Moreira de Araujo. Por meio do decreto n° 67, de 22 de julho
de 1907, do superintendente interino Coronel José da Costa Monteiro
Tapajós, a localidade de Educandos é batizada com o nome de
Constantinópolis (Cidade de Constantino), uma homenagem ao
governador da época, Constantino Nery.
Ainda
com base nesse documento e nas informações do historiador Cláudio
Amazonas, em 1908 a Intendência Municipal, sob os comandos do
superintendente Domingos José de Andrade, através das Leis N° 487
(29 de fevereiro), 491 (4 de março), 507 (29 de maio) e 538 (9 de
dezembro), dá a denominação das primeiras seis ruas que foram
abertas no bairro:
A
rua Norte/Sul n°1 passa a chamar-se Boulevard Sá Peixoto, "em
homenagem ao sr. Senador Antonio Gonçalves de Sá Peixoto que tão
relevantes serviços ha prestado ao Estado do Amazonas e
especialmente à cidade de Manáos; As ruas Norte Sul n° 2 e 3
passam a chamar-se monsenhor Amâncio de Miranda e Innocêncio de
Araújo; As ruas Leste/Oeste n° 1 e 2 passam a chamar-se Delcídio
Amaral e Manuel Urbano; A que poderia ser a Norte/Sul n° 3, seria
chamada pelo povo de Boulevard Rio Negro, pois se constitui a faixa
marginal o bairro frente ao rio Negro. Quanto à praça, seria
batizada de Dr. Tavares Bastos, advogado e político alagoano, morto
no dia 3 de dezembro de 1875 em Nice, na França, que, dentre outros
feitos importantes de sua vida, inclui-se a luta pela abertura dos
portos do Amazonas ao comércio mundial e pela libertação dos
escravos14.
No
mesmo bairro, com
suas obras iniciadas em 1928 e concluídas em 1929, a "Estrada
de Constantinópolis", como era conhecida na época, foi aberta
pelos membros da Sociedade Sportiva e Beneficente de
Constantinópolis, para facilitar o acesso dos moradores ao bairro da
Cachoeirinha, através da ponte Ephigênio Salles.
Em
1912 foi inaugurada a Vila Municipal, atual bairro de Adrianópolis,
projeto do prefeito Arthur
César Moreira de Araújo, aprovado em 1901. O bairro, distante,
abrigaria parte da elite burocrata e comercial. O arruamento e o
traçado foram realizados pelos engenheiros Lo Gonçalves Bastos Neto
e Antônio Paiva e Melo. Através da Lei n°. 243, de 12 de dezembro
de 1901, foram nomeadas as ruas e avenidas, a
maioria homenageando
capitais nordestinas: rua
Fortaleza, rua São Luiz, rua Natal, rua
Salvador, rua Teresina, rua Maceió e Avenida
Paraíba. Em 1930 a Estrada
do Paredão, na Colônia Oliveira Machado, é expandida para
facilitar o acesso à região da Ponta Pelada, principal atracadouro
das aeronaves da empresa Panair do Brasil.
Na
década de 1950, o governador Plínio Ramos Coelho abriu a estrada do
Morro da Liberdade, hoje conhecida como rua Branco Silva, fronteira
com o bairro de Educandos. No bairro da Cachoeirinha, criado por
Eduardo Ribeiro, o prefeito Paulo Pinto Nery abriu, em 1960, as
avenidas Castelo Branco e Silves.
Ruas,
Avenidas e Becos do tempo presente
As
vias públicas da Manaus do século XXI são o ápice da evolução
social e técnica pela qual a cidade vem
passando desde o final do século XIX. Em 2010, foi inaugurada a
Avenida das Torres, uma
via que
tem cerca
de
6,3 mil metros e liga o bairro Cidade Nova, zona norte, ao bairro
Aleixo, zona centro-sul, e ao bairro Coroado, zona Leste. Ela
é uma alternativa mais rápida para ligar o bairro Distrito
Industrial, na zona Sul, ao Aeroporto Eduardo Gomes, na zona Oeste,
bem como desafogar o trânsito das avenidas Constantino Nery, Djalma
Batista, Ephigênio Salles e Grande Circular. Parece que a função
de atalho, aquela mesma utilizada desde os tempos da colônia, se
conservou, estando diferentes apenas os limites e as estruturas.
Da
mal estruturação das ruas, do espaço formado por alguma instalação
industrial, do atalho para encurtar uma viagem, da construção
irregular de casas que vão definindo o traçado dos caminhos
transitáveis, surge um beco. Chamam a atenção pela ausência de
movimentação mais intensa, pelo tamanho, pelo ar familiar, onde
todos se conhecem a tempos. O
Beco Carolina das Neves, na Aparecida, e o já desaparecido Beco do
Macedo, no bairro de N. S. das Graças, são referências antigas. O
beco (sem querer generalizar) também é o local onde o “poder
paralelo” é mais facilmente exercido. O difícil trânsito impede
a perturbação da ordem daqueles que comercializam todo tipo de
drogas, como também facilita o acerto de contas: Aquele que persegue
e segura a arma sabe que vai eliminar seu rival ou devedor, enquanto
resta à vítima contar com uma sorte tão curta quanto o espaço
entre as casas. Quanto
aos moradores, vivem em uma relação mútua de não incomodar e não
ser incomodado.
Sobre esses logradouros, ainda faltam fontes mais densas em níveis
históricos e sociológicos que possibilitem análises mais
profundas.
Observando
as vias de hoje, comparando com o traçado das antigas do final do
século XIX e início do XX, com as leis sobre suas aberturas, parece
que, em alguns aspectos, elas regrediram. As calçadas, por exemplo,
eram retas, seguindo um mesmo padrão. Hoje, na maioria dos bairros
da capital, são construídas em altos e baixos, grandes demais ou
estreitas. Inúmeros registros fotográficos nos mostram as vias
densamente arborizadas, diferente de hoje, onde domina o asfalto e o
concreto, situação que coloca Manaus como uma das cidades menos
arborizadas do país.
Conclusão
Portanto,
as vias públicas em Manaus passaram por um lento processo de
evolução, indo desde o simples caminho aberto na mata; passando
pela travessa cortada por um igarapé; chegando até
a grande avenida em modelo europeu. Com a influência econômica do
final do século XIX e início do século XX, a
via
pública
ganhou a função social que possui até hoje: é o local de lazer,
das práticas mundanas e religiosas, das trocas comerciais, do
trabalho, é elemento concreto das relações sociais, de
manifestações públicas, o caminho que leva a diferentes locais e
partes vitais da cidade.
1CORTEZ,
Hernán. A Conquista do México. Porto Alegre: L&PM, 1996, p.
62-66.
2HOLANDA,
Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 26° ed, São Paulo:
Companhia das Letras, 1995, p. 110.
3WALLACE,
Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2004, p. 214.
4MONTEIRO,
Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, Manaus: Editora Metro
Cúbico, 1994, p. 48.
5DUARTE,
Durango Martins. Manaus: entre o passado e o presente. Manaus: Ed.
Mídia Ponto Comm, 2009.
6MONTEIRO,
Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus: Editora da
Universidade do Amazonas, 1998, 2v.
7LOUREIRO,
Antônio José Souto. A Travessa dos Inocentes. Disponível em:
https://www.facebook.com/pardieiros/photos/a.692036210931902.1073741828.681961621939361/872332442902277/?type=3&theater
Acesso em 21/11/16.
8FERREIRA,
Alexandre Rodrigues. Viagem
filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso
e Cuiabá (1783-1793). p.
353-354. Disponível em CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos
Filológicos e Linguísticos -
http://www.filologia.org.br/pereira/textos/diario_do_rio_negro_2.pdf
Acesso em 22/11/16.
9MESQUITA,
Otoni Moreira. Manaus, História e Arquitetura (1852-1910), 3° ed,
Manaus: Editora Valer, Prefeitura de Manaus e Uninorte, 2006, p.
26-27.
10Código
de Posturas de 1872. In: SÁ, Jorge Franco de. Manaus – Higiene,
meio ambiente e segurança do trabalho na época áurea da borracha.
Manaus: EDUA, p. 55-56.
11Ibidem,
p. 58-59.
12RAMOS,
A. Opiniões e Controversias. Jornal A Capital, 20/08/1917.
13SOUZA,
João Batista de Faria e. Avenida Constantino Nery - Avenida João
Coelho, Olavo Bilac e Constantino Nery. Diário Oficial do Estado,
1927. In Um historiador, alguns fatos inéditos e muitas histórias:
uma homenagem a João Batista de Faria e Souza. DDC (Org.), 1° ed,
Manaus: Mídia Ponto Comm Publicidade Ltda – EPP, 2014, p. 72.
14
Relatório
da Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município.
1927. Administração do prefeito Basílio Torreão Franco de Sá.
Disponível em:
http://catadordepapeis.blogspot.com.br/2015/08/livro-tombo-da-prefeitura-de-manaus-1.html.
Acesso em 24/11/2016.
Referências Bibliográficas
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MESQUITA, Otoni Moreira. Manaus, História e Arquitetura (1852-1910), 3° ed, Manaus: Editora Valer, Prefeitura de Manaus e Uninorte, 2006.
SÁ, Jorge Franco de. Manaus – Higiene, meio ambiente e segurança do trabalho na época áurea da borracha. Manaus: EDUA, 2012.
Jornal A Capital, 20/08/1917.
Um historiador, alguns fatos inéditos e muitas histórias: uma homenagem a João Batista de Faria e Souza. DDC (Org.), 1° ed, Manaus: Mídia Ponto Comm Publicidade Ltda – EPP, 2014.
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