'A greve de Youngstown', pintura de 1937 de William Gropper.
"Amo a história. Se não a amasse não seria historiador. Fazer a vida em duas: consagrar uma à profissão, cumprida sem amor; reservar a outra à satisfação das necessidades profundas - algo de abominável quando a profissão que se escolheu é uma profissão de inteligência. Amo a história - e é por isso que estou feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo". (FEBVRE, 1989, p. 28).
Por mais que o que chame nossa atenção seja esse tom romântico, Combates pela História deve ser entendido como uma crítica direcionada à escola Metódica Francesa e seus membros. Na época da produção do texto, 1953, Lucien Febvre há muito era um historiador consagrado nos meios acadêmicos franceses, mas remorava seus combates teóricos e metodológicos travados ora como aluno, ora como professor, pela renovação do campo histórico.
Essa renovação estava há tempos sendo delineada no horizonte, eclodindo com a Escola dos Annales, fundada por Febvre e seu amigo Marc Bloch (1886-1944). François Simiand (1873-1935), sociólogo francês, já tecia críticas à prática historiográfica empreendida pela Escola Metódica, cujos principais pilares, em síntese, eram a crença na neutralidade do trabalho do historiador; na leitura dos documentos como transmissores do passado tal como este teria ocorrido (que juntando-se ao primeiro pilar levaria à "objetividade histórica"); a atenção às grandes personagens e aos aspectos políticos das nações. Para Simiand, os historiador deveriam estudar aspectos sociais, buscar diálogos entre o presente e o passado, refletir sobre as fontes e buscar aportes teóricos.
As ciências, no geral, vinham passando por uma crise desde o século XIX, crise essa de métodos e teorias. Novas descobertas abalavam antigas estruturas, antigas premissas tomadas como verdadeiras e universais. Ocorreram renovações na Sociologia, na Geografia, na Psicologia e em outras áreas. Diante desse quadro de crise e renovação, Febvre perguntava, sobre os postulados da Escola Metódica, se seriam "[...] nós, historiadores, os únicos a continuar a tê-los como válidos?" (FEBVRE, 1989, p. 39).
A noção de história de Lucien Febvre relaciona-se a essa crise das ciências humanas. O autor faz uma crítica à utilização dos epítetos econômica e social no título da revista que criou com Marc Bloch, afirmando que a utilização desses termos não é uma exclusividade, mas surgiu como uma necessidade, pois desejava-se que a história se irradiasse por outras áreas do conhecimento. Para ele não existe uma história econômica e social. A história é, em suma, completamente social, constituindo-se em um estudo
"[...] das diversas actividades e das diversas criações dos homens de outrora, tomados na sua data, no quadro de sociedades extremamente variadas e contudo comparáveis umas com as outras [...], com as quais encheram a superfície da terra e a sucessão das épocas" (FEBVRE, 1989, p. 30).
Os objetos de estudo da história são os homens, os homens que estão em constante mudança, alterando o meio e as sociedades das quais fazem parte em determinadas épocas. Podemos nos interessar por áreas distintas como a história econômica, a história política, diferentes áreas da vida humana, mas com a condição de "[...] nunca esquecer que elas o põem (o homem) em causa inteiro, sempre - e no âmbito das sociedades que criou" (FEBVRE, 1989, p. 31). Dessa forma, não devemos estudar os aspectos da vida humana de forma isolada, mas antes compreendê-los como parte de um todo da criação dos grupos humanos em diferentes temporalidades.
Três elementos são importantes para compreender a renovação historiográfica empreendida por Febvre: A interdisciplinaridade, a história-problema e a história como conhecimento cientificamente conduzido.
Uma história interdisciplinar mantém contato com outras áreas do conhecimento que tem o homem como objeto de estudo. Febvre afirma que devemos ser geógrafos, juristas, sociólogos e psicólogos, de forma a ampliar os horizontes do historiador. Pede, também, que não fechemos "[...] os olhos ao grande movimento que, à vossa frente, transforma, a uma velocidade vertiginosa, as ciências do universo físico" (FEBVRE, 1989, p. 40). "O problema, diz Febvre, é o começo e o fim de toda a história". Se o historiador não propõe problemas e não formula hipóteses para resolvê-los em suas investigações, ele será um mero produtor de compilações. Por cientificamente conduzido, compreendo que Lucien Febvre apresenta a história problema como até hoje conhecemos, na qual o historiador problematiza os elementos históricos, tece hipóteses, faz críticas aos documentos, reflete as subjetividades das ações humanas, o que difere do anseio de cientificidade dos historiadores metódicos, no sentido puro da palavra, de uma ciência na qual existe um único direcionamento.
Lucien Febvre pede uma coisa que nós, historiadores, às vezes nos esquecemos de fazer: ele pede que vivamos, vivamos academicamente, familiarmente, amorosamente. Somos humanos. Lutemos por nossos ideais, seja escrevendo ou indo para a rua. Lutemos por melhores condições de trabalho, de educação. Por condições dignas de humanidade! Não devemos "separar a ação do pensamento, a vida do historiador da vida do homem" (FEBVRE, 1989, p. 40). Isso vale para qualquer profissão. Lutemos para continuar renovando a historiografia, mantendo um diálogo entre o presente e o passado. É preciso que deixemos de ver a história, enuncia Febvre, "como uma necrópole adormecida, onde só passam sombras despojadas de substância" (FEBVRE, 1989, p. 40). Como os cavaleiros medievais, ainda seguindo as alegorias do historiador francês, devemos penetrar o castelo e despertar com a nossa vida a princesa adormecida (a história).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FEBVRE, Lucien. Viver a História. In: Combates pela História. Lisboa: Editorial Presença, Lda. 1989.
CRÉDITO DA IMAGEM:
http://teachgreatjewishbooks.org
As ciências, no geral, vinham passando por uma crise desde o século XIX, crise essa de métodos e teorias. Novas descobertas abalavam antigas estruturas, antigas premissas tomadas como verdadeiras e universais. Ocorreram renovações na Sociologia, na Geografia, na Psicologia e em outras áreas. Diante desse quadro de crise e renovação, Febvre perguntava, sobre os postulados da Escola Metódica, se seriam "[...] nós, historiadores, os únicos a continuar a tê-los como válidos?" (FEBVRE, 1989, p. 39).
A noção de história de Lucien Febvre relaciona-se a essa crise das ciências humanas. O autor faz uma crítica à utilização dos epítetos econômica e social no título da revista que criou com Marc Bloch, afirmando que a utilização desses termos não é uma exclusividade, mas surgiu como uma necessidade, pois desejava-se que a história se irradiasse por outras áreas do conhecimento. Para ele não existe uma história econômica e social. A história é, em suma, completamente social, constituindo-se em um estudo
"[...] das diversas actividades e das diversas criações dos homens de outrora, tomados na sua data, no quadro de sociedades extremamente variadas e contudo comparáveis umas com as outras [...], com as quais encheram a superfície da terra e a sucessão das épocas" (FEBVRE, 1989, p. 30).
Os objetos de estudo da história são os homens, os homens que estão em constante mudança, alterando o meio e as sociedades das quais fazem parte em determinadas épocas. Podemos nos interessar por áreas distintas como a história econômica, a história política, diferentes áreas da vida humana, mas com a condição de "[...] nunca esquecer que elas o põem (o homem) em causa inteiro, sempre - e no âmbito das sociedades que criou" (FEBVRE, 1989, p. 31). Dessa forma, não devemos estudar os aspectos da vida humana de forma isolada, mas antes compreendê-los como parte de um todo da criação dos grupos humanos em diferentes temporalidades.
Três elementos são importantes para compreender a renovação historiográfica empreendida por Febvre: A interdisciplinaridade, a história-problema e a história como conhecimento cientificamente conduzido.
Uma história interdisciplinar mantém contato com outras áreas do conhecimento que tem o homem como objeto de estudo. Febvre afirma que devemos ser geógrafos, juristas, sociólogos e psicólogos, de forma a ampliar os horizontes do historiador. Pede, também, que não fechemos "[...] os olhos ao grande movimento que, à vossa frente, transforma, a uma velocidade vertiginosa, as ciências do universo físico" (FEBVRE, 1989, p. 40). "O problema, diz Febvre, é o começo e o fim de toda a história". Se o historiador não propõe problemas e não formula hipóteses para resolvê-los em suas investigações, ele será um mero produtor de compilações. Por cientificamente conduzido, compreendo que Lucien Febvre apresenta a história problema como até hoje conhecemos, na qual o historiador problematiza os elementos históricos, tece hipóteses, faz críticas aos documentos, reflete as subjetividades das ações humanas, o que difere do anseio de cientificidade dos historiadores metódicos, no sentido puro da palavra, de uma ciência na qual existe um único direcionamento.
Lucien Febvre pede uma coisa que nós, historiadores, às vezes nos esquecemos de fazer: ele pede que vivamos, vivamos academicamente, familiarmente, amorosamente. Somos humanos. Lutemos por nossos ideais, seja escrevendo ou indo para a rua. Lutemos por melhores condições de trabalho, de educação. Por condições dignas de humanidade! Não devemos "separar a ação do pensamento, a vida do historiador da vida do homem" (FEBVRE, 1989, p. 40). Isso vale para qualquer profissão. Lutemos para continuar renovando a historiografia, mantendo um diálogo entre o presente e o passado. É preciso que deixemos de ver a história, enuncia Febvre, "como uma necrópole adormecida, onde só passam sombras despojadas de substância" (FEBVRE, 1989, p. 40). Como os cavaleiros medievais, ainda seguindo as alegorias do historiador francês, devemos penetrar o castelo e despertar com a nossa vida a princesa adormecida (a história).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FEBVRE, Lucien. Viver a História. In: Combates pela História. Lisboa: Editorial Presença, Lda. 1989.
CRÉDITO DA IMAGEM:
http://teachgreatjewishbooks.org
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