Carmem Rebeca Miguel Lobo Carvalho. FONTE: Jornal do Comércio, 03/05/1981.
“Requintes
de barbarismo
Foi
que a desgraça pintou
Crimes
dos mais horrendos
Manaus
aqui registrou
Carlos
Lobo o desalmado
Sua
filha trucidou”.
(SOARES,
Claudio. Rebeca, a estudante mártir vítima do próprio pai. Manaus,
05/05/1981)
No
dia 30/04/1981, uma
quinta-feira, o
tradicional
bairro
Praça 14 de Janeiro ficou tumultuado por conta de um crime que por
várias décadas ecoaria na memória de seus moradores: A jovem
Carmem Rebeca Miguel Lobo Carvalho, mais conhecida como Rebeca, de
13 anos, foi encontrada morta em sua residência, na rua Emílio
Moreira, n°
1248,
com várias perfurações de faca pelo corpo. Fazia pouco mais de 5
anos que a cidade tentava se recuperar das lembranças sombrias do
‘Monstro da Colina’, de São Raimundo. Mais uma vez um jovem era
trucidado, constatando como esse tipo de crime, desde a década de
1960, estava se tornando mais frequente.
Carmem
Rebeca Miguel Lobo Carvalho tinha 13 anos e era aluna do Colégio
Nossa Senhora Auxiliadora, na
rua Silva Ramos.
Nessa instituição gostava de praticar vários esportes, com
destaque para o basquete. Apesar de ser jovem, se sobressaía sobre
os demais estudantes por sua altura, 1,78 metros. Seus
pais eram Carlos Lobo Carvalho,
ex-secretário
de Comunicação no Acre e comerciante
proprietário de um escritório de representações comerciais,
e Carmem Miguel Lobo, funcionária
pública da SEMIC (Serviço de Medicina, Indústria e Comércio). A
família Lobo Carvalho era conhecida no bairro Praça 14 de Janeiro,
onde ficava o escritório de Carlos, por sua dedicação ao trabalho
e cuidados dispensados aos filhos. Ninguém imaginava que
um
membro da própria família trucidaria Rebeca…
Carlos Lobo Carvalho. FONTE: Jornal do Comércio, 05/05/1981.
Carlos
Lobo Carvalho, o comerciante que era visto como um pai e trabalhador
exemplar, matara a filha com cerca de 40 facadas (15 em algumas versões). De acordo com os
depoimentos prestados
por seu motorista e seu cunhado,
todas as ações foram premeditadas. Pela manhã, horas antes de
cometer o crime, Carlos encheu uma mala, duas bolsas e uma pasta com
roupas e documentos, avisando a esposa que poderia “viajar a
qualquer momento”. Feitas as malas, foi ao banco, onde sacou a
quantia de 250 mil cruzeiros, deixando apenas 100 cruzeiros para
trás. De tarde, por volta das 15:00 horas, quando seu cunhado e o
motorista saíram de casa em direção ao Centro da cidade,
trancou-se em seu quarto com Rebeca, onde a
jovem foi encontrada morta. O depoimento de Carlos Lobo, prestado
em uma segunda-feira, 04/05/1981, de
pouco mais de uma página,
é mais rico em informações, permitindo uma reconstituição
precisa das horas que antecederam o assassinato de Rebeca; e
confuso em algumas partes.
A mãe de Rebeca segurando a arma do crime, uma faca de caça. FONTE: Jornal do Comércio, 03/05/1981.
Carlos
passou toda a manhã do dia 30/04/1981 trabalhando em seu escritório,
que ficava ao lado de sua casa. 12:00 horas se reuniu com a família
para almoçar. Terminada a refeição, levou a filha Raquel Miguel
Lobo Carvalho para o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e a esposa
para a SEMIC e, posteriormente, retornou ao escritório. Às 15 horas
foi para casa fazer um lanche. Encontrou sua filha, Rebeca,
assistindo televisão na sala. Disse algumas palavras e foi para a
cozinha. Encontrando
a empregada no local, deu dinheiro para que ela comprasse pão, café
e leite. Depois de comer, foi até o quarto onde pegou uma pasta com
documentos que utilizaria para comprar uma passagem para Macapá, seu
destino no sábado. Enquanto arrumava os documentos, Rebeca entrou no
quarto e sentou-se na cama. Perguntou se o pai viajaria mesmo e, com
ele afirmando positivamente, pediu que trouxesse de Macapá um macacão. A partir
deste ponto seu depoimento fica um tanto confuso: “Depois fui possuído
pelo demônio”, disse ao delegado. “Sabia que empunhava uma faca
e atingia alguém. Só parei quando me vi refletido no espelho como
uma figura monstruosa. Então me recolhi no chão, com a cabeça
entre as pernas e fiquei ali, não sei por quanto tempo, até que
ouvi a empregada batendo na porta da frente”. Carlos
não lembrava se tentou esconder o corpo, mas antes de abrir a porta
para a empregada, trocou a roupa, que estava toda ensanguentada. Ao
abrir a porta, pediu que a empregada não abrisse a porta do quarto
pois “Rebeca estava dormindo e não poderia ser incomodada”.
Quando o motorista Carlos Henrique e seu cunhado Andenor Saraiva de
Oliveira voltaram do Centro, Carlos
Lobo pediu que o primeiro colocasse a bagagem arrumada pela manhã no
carro e o levasse até a casa de seu irmão, Cleber, no bairro
Japiim. Enquanto rodavam pelo bairro em busca da casa de Cleber, o
motorista notou que Carlos estava estranho, inquieto e falando
sozinho que “estava desgraçado”. E continuou: “Não tenho para
onde ir. O único lugar seguro seria a casa do meu irmão e não sei
mais onde é. Para o sítio eu não vou”. Encontrando a casa do
irmão, saiu do carro chorando e foi ao encontro deste, com quem
ficou conversando e pediu ajuda. Cleber pediu o carro do motorista,
que ficou ao lado de Carlos sem entender aquela situação. O irmão
de Carlos voltou acompanhado de uma filha e pediu que o motorista
fosse embora. Ele, no entanto, disse que ficaria ao lado de seu
patrão que, no entanto, disse que não seria preciso e o liberou dos
afazeres naquele dia. Dispensado o motorista, Cleber e Carlos foram
para um varadouro na AM-010, onde passaram a noite de quinta-feira e
a manhã de sexta-feira. Voltando
para Manaus, pararam em um bar à beira da estrada e viram um grupo
de jovens jogando bola em um terreno. Perguntando de quem era a
propriedade, descobriram que era do advogado Armando Freitas. Carlos
decidiu procurá-lo e disse que sabia apenas que tinha matado a filha
Rebeca. De
alguma forma a polícia foi avisada de que ele procurou um advogado,
e esta, prontamente, fechou todas as saídas da cidade.
Carmem Miguel Lobo. FONTE: Jornal do Comércio, 05/05/1981.
No
dia em que prestava o depoimento, cerca de 1000 pessoas se dirigiram
para o distrito de polícia em que ele estava, aos gritos de “lincha
o monstro que matou a filha”. Pedras foram arremessadas na janela
do distrito, sendo necessária a transferência de Carlos para outro
local. Um policial, para dispersar as pessoas, fez disparos para o
alto, sendo necessário reforços da Companhia de Choque da Polícia
Militar para controlar a situação.
Mas
o que levou Carlos Lobo a assassinar a própria filha, utilizando
como arma uma faca de caça?
O que teria ocorrido para que um homem de sua posição social,
benquisto pela vizinhança e sem antecedentes criminais, cometesse um
dos crimes mais conhecidos da cidade? Deve-se interrogar as fontes,
os depoimentos, para tentar penetrar no psicológico de Carlos Lobo.
Quando
Carmem Miguel Lobo, a mãe de Rebeca, encontrou o corpo da jovem
enrolado
em um lençol
na noite de 30/04/1981, ela, de acordo com as informações colhidas
nos depoimentos e nas matérias de jornal, afirmava não ter dúvidas
de que o assassino era seu marido. Mas por que Carmen tinha tanta
certeza, mesmo antes das primeiras investigações que confirmariam
tal assertiva? Carmen, por várias vezes, afirmou que Carlos sempre
foi um marido e pai exemplar, não
fumava e não bebia, sendo desconhecidos quaisquer vícios.
Era
bastante
protetor em relação aos filhos, mas
com Rebeca era diferente. Com a jovem ele era protetor ao extremo,
beirando
a possessão. Os outros filhos sentiam ciúmes dessa atenção
especial dispensada a Rebeca, pois todas as vezes que saia, Carlos a
levava junto. Um ano antes do crime, em 1980, Rebeca começou a
namorar um jovem chamado Valber José Santana Feitosa, morador da rua
Nhamundá, no mesmo bairro. Carlos descobriu o namoro e ficou
extremamente irritado, chegando mesmo a procurar o padrasto de Valber
para proibir o namoro. Em depoimento, o padrasto de Valber, Francisco
Augusto da Cruz, sub-tenente
reformado da Polícia Militar, confirmou que foi procurado por
Carlos, que
pediu que ele tomasse providências pois Rebeca era muito jovem para se relacionar amorosamente. Meses depois, Carlos foi novamente a
residência de Francisco Augusto, ameaçando “aplicar um corretivo
em Valber” caso os dois não rompessem relações, quando lhe foi
mostrada uma carta de Rebeca insistindo no namoro.
Acreditava-se
que, além das facadas, Carlos tinha deflorado
a filha. Correram boatos pela cidade e pela imprensa. Carmem Lobo
também acreditava que isso tinha ocorrido. No entanto, o legista do
Instituto Médico Legal não encontrou nenhum indício de violência
sexual contra Rebeca no exame de necrópsia. Em seu próprio
depoimento Carlos afirmava que em nenhum momento passou por sua
cabeça o desejo de violá-la e,
mais de uma vez, que estava possuído por um Demônio ou entidade
semelhante. Questionado mais de uma vez por repórteres se Rebeca era sua filha legítima, sempre afirmou que sim. Sem
antecedentes criminais, sem ato sexual durante o crime… O que
aconteceu com Carlos Lobo naquele dia? Será que premeditara o crime
algumas horas antes do dia 30/04/1981 ou já o tinha em mente desde
1980, quando Rebeca conheceu Valber? De alguma forma, utilizando
aqui um pouco
de
Psicologia, o filicida Carlos Lobo ao matar a filha, tentava
atingir a esposa Carmem? Se sim, por quais motivos?
São muitas perguntas cujas respostas ficam no campo das suposições.
Após
o tumulto no distrito policial, Carlos foi levado a um cartório para
concluir seu depoimento. Sua esposa, a
pedido do delegado, disse que queria vê-lo. Ficando frente a frente
com o assassino de Rebeca, com quem constituiu família,
enfureceu-se. Aos gritos, perguntava: “Carlos, o que é que você
fez seu desgraçado? Porque mataste tua filha, rasgando-lhe o ventre?
Não pensastes nos planos que fizemos juntos pensando no futuro dela?
Minha vontade é matar-te pouco a pouco e engolir todo o teu sangue”.
Carmem foi levada do cartório e Carlos Lobo enviado à Penitenciária
Central do Estado, sendo
condenado em 04/05/1981 a 25 anos de prisão.
A
residência da família Miguel Lobo de Carvalho foi transformada na
casa de drinks Anacondas, inaugurada seis meses depois do crime. De
acordo com frequentadores, o ambiente desse bar era bastante pesado.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
SOARES,
Claudio. Rebeca,
a estudante mártir vítima do próprio pai.
Manaus, 05/05/1981 (Cordel).
ZYLBERKAN,
Mariana. Mortes
em família: quando o assassino está dentro de casa.
Revista VEJA, 21/09/2013.
FONTES:
JORNAL
DO COMÉRCIO, 03/05/81, 05/05/81, 06/05/1981, 07/05/1981, 17/10/81.