Prospecto da Fortaleza de São José da Barra. Desenho de 1756 do Capitão Engenheiro alemão Johann Andreas Schwebel. FONTE: Biblioteca Nacional (RJ).
A Fortaleza de São José da
Barra do Rio Negro foi uma das construções mais emblemáticas de Manaus, sendo
considerada o núcleo que deu origem à cidade na segunda metade do
século XVII. Assim como diversos fortes construídos na região
naquele período, surgiu como mecanismo de defesa contra ameaças
estrangeiras nessa parte distante da América Portuguesa.
Os relatos mais antigos sobre a
Fortaleza surgem entre o final do século XVII e o século XVIII. O
Pe. Samuel Fritz (1654-1728), em seu Diário,
registra que chegou ao Rio Negro na noite de 7 de Setembro de 1690,
lugar “[…] onde o rei de Portugal, há anos, mandou fazer uma
fortaleza” (PINTO, 2006, p. 106). Entre
1774 e 1775, o Ouvidor e Intendente Geral Francisco Xavier Ribeiro
Sampaio percorreu a Capitania de São José do Rio Negro em viagem de
correição de suas povoações. Sampaio relata que “O general do
estado Antonio de Albuquerque Coelho mandou edificar a fortaleza da
barra deste rio por Francisco da Motta Falcão, e foi o seu primeiro
commandante Angelico de Barros” (SAMPAIO, 1825, p. 89).
Alexandre Rodrigues, de passagem
pelo Lugar da Barra no final do século XVIII, durante sua Viagem
Filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e
Cuiabá (1783-1792), fez uma
breve relação dos comandantes da Fortaleza entre 1754 e 1787:
“Desde
o dito ano de 1754 até o de 1787, em que estamos, sucederam-se, pela
ordem que para aqui transcrevo, o alferes Alexandre Tomás, o cabo de
esquadra José Ferreira Tordolho, o tenente Teodoro da Frota, o
capitão de granadeiros José da Silva Delgado, o alferes Crispim
Lobo de Souza, dito Luís da Cunha de Diarios pp209-350.pmd 355
22/10/05, 12:28 356 Eça, dito Francisco Alves Caeiro, o tenente
Bernardo Toscano de Vasconcelos, segunda vez o alferes Crispim Lobo
de Souza, o tenente Francisco Vitorino José da Silveira, terceira
vez Crispim Lobo de Souza, já então promovido a tenente, dito
Manoel Lobo de Almeida, o alferes Manoel Alves Romeiro Belo, o
ajudante auxiliar Custódio de Matos Pimpim, segunda vez o tenente
Francisco Vitorino José da Silveira, o soldado Francisco Serrão de
Oliveira e o cadete, promovido a alferes, Antônio José da Costa
Souto Maior” (FERREIRA, 2005, p. 355-356).
Registrou
que
“No
estado, porém, em que se acha, de já estarem rachadas as cortinas,
demolida uma representação de baluarte e arruinado o seu pequeno
parapeito, aonde estavam montadas peças, enquanto não arrebentou
uma delas, é um fantasma que já hoje ilude tão pouco que nem uma
só peça conserva” (FERREIRA, 2005, P. 356).
Em 1852, no Relatório do
Presidente da Província do Amazonas, João Batista de Figueiredo
Tenreiro Aranha, a Fortaleza é descrita como uma construção
arruinada, sem maiores usos:
“O
Forte desta Capital tem apenas as arruinadas muralhas. O local he o
mais improprio; e, ainda que se despendessem consideraveis sommas
para a sua reedificação, de utilidade alguma poderia servir, a não
ser para signaes de regosijo em Dias de Festa Nacional”. (AMAZONAS,
RELATÓRIO DA
PROVÍNCIA DO. 30/04/1852,
p. 76).
No Dicionário topográfico,
histórico, descritivo da comarca do Alto-Amazonas,
Lourenço da Silva Araújo Amazonas, no verbete ‘Manáos’, afirma
que “principiou esta Cidade pelo estabelecimento de algumas
famílias de Barés, Banibas, e Passés á sombra da Fortaleza de S.
José do Rio Negro” (AMAZONAS, 1852, p. 188). Araújo
Amazonas continua, afirmando que
“As
informações da importância do Rio Negro, ministradas por Favella
ao dito Governador do Estado, determinárão-no a commetter em 1669 a
Francisco da Motta Falcão a fundação da Fortaleza de S. José do
Rio Negro, que se effectuou em sua margem septentrional, tres legoas
acima de sua confluencia; da qual foi primeiro Commandante Angelico
de Barros, e a cujo abrigo promptamente se reunirão algumas famílias
de Baníbas, Barés e Passés, as quaes, missionadas pelos
Carmelitas, explicão o principio da actual Cidade de Manáos”.
(AMAZONAS, 1852, p. 233).
O
poeta e historiador Aprígio Martins de Menezes (1844-1891), em sua
História da Província do Amazonas,
de 1884, diz
o seguinte sobre a Fortaleza:
“em
1669 fundou Francisco da Motta Falcão a Fortaleza de S. José do Rio
Negro, da qual foi primeiro commandante Angelico de Barros. Esta
fundação e os domicílios que em redor d’ella foram estabelecendo
algumas famílias Banibas, Barés e Passés dão origem a cidade de
Manáos”. (MENEZES, 1884, p. 89).
Bertino
de Miranda, jornalista paraense autor de A cidade de Manaus: sua
história e seus motins políticos,
de 1908, dá importância à construção como sendo o núcleo que
deu origem à Manaus: “A história de Manáos data de dous seculos.
A Fortaleza precede ao povoado. Já em 1700 vêmol-a em attitude
belicosa. Foi construída por Manuel da Motta Falcão, cuja família
parece ter sido especialista em obras desta natureza” (MIRANDA,
1908, p. 02). Na tentativa de estabelecer as bases de uma História
oficial do
Amazonas, Miranda afirma que o Capitão Guilherme Valente “[…]
funda a Cidade ahi pelo principio do seculo XVIII”. (MIRANDA, 1908,
p. 02).
Por
volta de 1942, o historiador Arthur Cézar Ferreira Reis (1906-1993),
no trabalho Roteiro das fortificações no Amazonas,
publicado na Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), ao abordar a Fortaleza de São José da
Barra do Rio Negro, afirmou que
“Não
é página definitiva ainda a origem do forte de São José do Rio
Negro. Os cronistas, como Alexandre Rodrigues Ferreira, Baena, Araujo
Amazonas, Ribeiro de Sampaio, André Fernandes de Sousa, Bertino
Miranda, que riscaram o primeiro noticiário acêrca da história
antiga do Amazonas, não esclareceram o assunto. Quem escreve estas
linhas, procurando fixar a data exata da fundação e o nome do
fundador, apesar das pesquisas que realizou para a monografia “Manaus
e outras vilas”, editada em
1934, também não conseguiu elementos suficientes para o informe
definitivo”. (REIS, 1942, p. 125).
Arthur
Reis, recuperando o relatório de José Miguel Aires, Capitão-Mor
das Ordenanças, feito em 1749, nos informa que o material da mesma
consistia naquele período (segunda metade do século XVIII) em:
“Dez
peças de artilharia ambas no chão sem carretas huma de cinco e
outra de coatro. 4 cuxarras de cobre. 1 sacatrapo. 1 soquete. 17
ballas de artilharia. 12 pallanquetas. 6 dardos com xapas e recontros
de ferro. 2 baionetaz. 2 sachos muito velhos. 4 ferros de cova muito
velhos. 1 enxó de carpinteiro. 1 grissa. 2 escouperos. 1 martelo
grande. 1 culher de pedreiro. 2 verrumas muito velhas. 1 serra de
mão. 1 grilhão. 1 alabarda. 200 ballas de mosquete. 1 gonilha. 1
tronco”. (REIS, 1942, p. 132-133).
Quanto
à guarnição, “[…] havia apenas um tenente, um sargento e
quatro praças. A serviço dessa guarnição, mas localizados no
povoado nascente à sombra do forte, viviam o principal Mandú Assú
e 13 indigenas” (REIS, 1942, p. 133).
Em
1969, ano do Tricentenário de fundação da cidade, o geógrafo e
historiador Agnello Bittencourt (1876-1975) escreveu em sua obra
comemorativa Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências,
que
“[…]
pela necessidade de garantir os portuguêses na bôca do Rio Negro
contra os jesuítas espanhóis e os indígenas hostis, aliados aos
holandeses da Guiana, foi construída em 1669, pelo Capitão
Francisco da Motta Falcão, a Fortaleza de São José do Rio Negro,
origem da cidade de Manaus” (BITTENCOURT, 1969, p. 29).
Mário
Ypiranga Monteiro (1909-2004), autor do clássico Fundação de
Manaus, nos
informa que a Fortaleza, erguida
em 1669, tinha um formato
quadrangular, sendo construída com pedra e barro, não possuindo
fosso. Sua artilharia ficou a cargo de Francisco da Mota Falcão e
Manuel da Mota Siqueira. Ela era composta por “duas peças de
bronze e duas de ferro, respectivamente de calibres um e três”,
que “guarneciam as cortinas, numa ameaça surda e perfeitamente
inútil ao invasor suspeitado” (MONTEIRO, 1994,
p. 25). Para o autor a Fortaleza seria incapaz de impedir incursões
de inimigos, pois estes poderiam penetrar a região pelo furo de
Guariúba, que ligava o Rio Negro ao Solimões.
A
literatura mais antiga têm como ponto de partida da fundação da
Fortaleza e da cidade de Manaus o ano de 1669. No entanto, não
apresenta documentos que comprovem tal data como sendo a da fundação
do forte e da cidade, apenas
referências que também não fazem o mesmo. Sobre
isso, Mário Ypiranga Monteiro, no
artigo A César o que é de César,
publicado em 02/09/1969 no Jornal do Comércio, afirma que a História
da cidade deve partir da construção da Fortaleza, seguindo a regra
geral de sua construção tendo sido em 1669. Todavia,
não deixa de observar que
“Seria
de maior interesse para a História se o construtor do forte da Barra
viesse incumbido de fundar a cidade, mas isto jamais aconteceu. Por
singular que pareça, Manaus não teve fundação oficial. Nem
decretais, nem fórmulas simples, nem chantação do pelourinho, nem
bandos, houve por onde se possa admitir um curso rigorosamente
cronológico dessa fundação. Manaus evoluiu por si mesma até que
recebesse sucessivamente as predicações de lugar, de vila e de
cidade, quando outro lugares mais longe no tempo e no espaço já
haviam passado por essas faces político-administrativas,
documentadamente, inclusos autos de implantação do pelourinho, que
eram o símbolo maior da justiça do rei. E a verdade é que outras
localidades fortificadas nunca passaram de simples redutos, sem
desenvolvimento social e cujos fortes acabaram em ruínas”.
(MONTEIRO, 1969).
Para
o professor e historiador Francisco Jorge dos Santos, o aniversário
da cidade tendo como ponto de partida a suposta construção da
Fortaleza em 1669 faz parte da invenção de uma tradição
histórica. Ele explica que não existe, até agora, documentação
comprobatória sobre a data de 1669, e que atos como esse “[…]
são solenemente registrados por autoridades do poder público”
(SANTOS, 2005). O Forte do Presépio, em Belém, possui documentação
sobre sua fundação em 12 de janeiro de 1616. Mesmo com dúvidas
pairando, em 1969 a Prefeitura de Manaus comemorou os 300 anos da
fundação do Forte de São José da Barra e da cidade de Manaus. Em
1998, por sua vez, a mesma comemorou os 150
anos da Elevação da Vila da
Barra à categoria de cidade, com o nome de Nossa Senhora da
Conceição da Barra do Rio Negro. Qual
a solução para tal problema? De acordo com Francisco Jorge,
“Para
pôr fim a essa situação desconfortável, alguns poucos preocupados
com as festas solenes do evento patrocinadas pelas verbas públicas
resolveram "franksteinear" a data do aniversário natalício
da cidade, passando a ser contado, a partir de 24 de outubro de 1669.
O dia e mês de um evento e o ano de outro. Eis o imbróglio”.
(SANTOS, 2005).
Não
restam
dúvidas de que a Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro existiu, existindo
registros escritos e visuais. Para transformá-la em núcleo de
origem da cidade, utiliza-se
o
ano em
que se está mais ou menos em consenso como sendo o
de sua construção,
1669; e o dia e mês de um ato comprovado por documentação, no
caso o da elevação da Vila da Barra à categoria de Cidade,
24 de outubro, criando-se o dia 24 de outubro de
1669
como sendo o da fundação da cidade de Manaus.
FONTES:
AMAZONAS,
Relatório
da Província do.
30/04/1852.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
AMAZONAS,
Lourenço da Silva Araújo. Dicionário Topográfico, Histórico,
Descritivo da Comarca do Alto Amazonas. Recife: Typographia
Commercial de Meira Henriques, 1852. (Biblioteca Arthur Reis).
BITTENCOURT,
Agnello. Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. Manaus:
Editora Sérgio Cardoso, 1969.
FERREIRA,
Alexandre Rodrigues. Diário
da Viagem Filosófica pela Capitania de São José do Rio Negro com a
Informação do Estado Presente. CiFEFil, Círculo Fluminense de
Estudos Filológicos e Linguísticos. Diários, p. 209-350,
22/10/2005.
MENEZES,
Aprígio Martins de. História
da Província do Amazonas. In: Almanach Administrativo, Histórico,
Estatístico e Mercantil da Província do Amazonas para o anno de
1884. Manáos: Imp. na Typ. Do Amazonas de José Carneiro dos Santos,
1884, p. 87-115.
MIRANDA,
Bertino de. A
Cidade de Manaus: Sua História e seus Motins Políticos. Manaus:
Typ. De J. Renaud & Cia, 1908.
MONTEIRO,
Mário Ypiranga. Fundação
de Manaus. 4° Ed. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1994.
________________________.
A César o que é de César. Jornal do Comércio (Manaus),
02/09/1969.
PINTO,
Renan Freitas (Org.). O Diário do Padre Samuel Fritz. Manaus:
Editora da Universidade Federal do Amazonas/Faculdade Salesiana Dom
Bosco, 2006.
REIS,
Arthur Cézar Ferreira. Roteiro
das fortificações no Amazonas. In:
Revista
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SAMPAIO,
Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e
correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez
o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775.
Lisboa: Typographia da Academia, 1825. (Biblioteca Brasiliana Guita e
José Mindlin).
SANTOS,
Francisco Jorge dos. Imbróglio do aniversário de Manaus. Artigo
publicado em CD-ROM no Jornal do Commercio nos dias 22, 23 e 24. 10.
2005, em Manaus.
CRÉDITO DA IMAGEM:
Biblioteca Nacional, RJ.
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