sábado, 23 de outubro de 2021

Manaus: a fortaleza, o lugar e a cidade

Orla de Manaus, 1865. Ao fundo, à direita, as ruínas da Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. FONTE: MACHADO, Maria Helena P. T. O Brasil no olhar de William James: cartas, diários e desenhos, 1865-1866. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.

A cidade de Manaus tem sua origem ligada à construção da Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro na segunda metade do século XVII. Os relatos mais antigos sobre a Fortaleza surgem entre o final do século XVII e o século XVIII. O Pe. Samuel Fritz (1654-1728), em seu Diário, registra que chegou ao Rio Negro na noite de 7 de Setembro de 1690, lugar “[…] onde o rei de Portugal, há anos, mandou fazer uma fortaleza” (PINTO, 2006, p. 106). Entre 1774 e 1775, o Ouvidor e Intendente Geral Francisco Xavier Ribeiro Sampaio esteve na Capitania de São José do Rio Negro em viagem de correição de suas povoações. Sampaio relata que “O general do estado Antonio de Albuquerque Coelho mandou edificar a fortaleza da barra deste rio por Francisco da Motta Falcão, e foi o seu primeiro commandante Angelico de Barros” (SAMPAIO, 1825, p. 89).

A fortaleza, erguida na margem esquerda do Rio Negro, tinha como objetivo assegurar o domínio português naquela distante região da Colônia e de resguardá-la das pretensões conquistadoras de espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. Ao redor do forte foram reunidos os grupos indígenas barés, aruaquis, manaus, tacu, passé, baníua, tarumã, muras, merequenas e juris. Esse povoado nascente, formado por indígenas, europeus e um número diminuto de escravos, ia crescendo lentamente. De acordo com o historiador amazonense Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), em meados do século XVIII

"Havia a pequena indústria doméstica de redes, manufatura de manteiga ou banha de ovos de tartaruga que se exportava, colheita de tabaco, roças de maniva, plantação de cacau, de milho, extração de drogas, exportação de madeiras, e para o consumo, a pesca, a viração de tartarugas, o beneficiamento da mandioca, do milho. Era um princípio de comunidade, copiado, não há que ver, da comunidade indígena" (MONTEIRO, 1994, p. 46).

O naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), de passagem pelo povoado em 1786 durante sua Viagem Filosófica, registrou a existência de dois bairros, divididos por igarapés, algumas ruas e prédios públicos e particulares como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a olaria, a casa das canoas e as casas do vigário, do comandante e de outros moradores (FERREIRA, 2005, p. 353-355).

O Lugar da Barra teria seu auge ainda no século XVIII, mais especificamente entre 1791 e 1798 no Governo do Brigadeiro português Manuel da Gama Lobo d’ Almada. Lobo d’ Almada assumiu a Capitania de São José do Rio Negro, criada em 1755, em 1788. Esta era subordinada ao Grão-Pará. Seu governo foi marcado por transformações políticas e econômicas na Capitania. Até 1791 a capital daquela unidade territorial era a Vila de Barcelos. Almada decide transferi-la para o Lugar da Barra, por este oferecer uma melhor localização geográfica, na confluência dos rios Negro e Solimões, facilitando a defesa e comércio locais. De acordo com o historiador paraense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1841-1919), Lobo d’ Almada foi o grande impulsionador do progresso da Barra, sendo responsável pela construção dos seguintes estabelecimentos:

"1 padaria de pão de arroz moido em atafona movida por bestas; 1 fabrica de panno de algodão (em rolos) tendo 18 teares e 10 rodas de fiar com 24 fusos cada uma; 1 cordoaria de cordas e amarras de piassaba e calabres; 1 fabrica de fecula de anil; 1 nora para distribuir agua para a fabrica de anil e para uma horta; 1 horta; 1 olaria com excellentes amassieiras, estendedouros, fornos calcinatorios e de torrefação de telha e ladrilho; 1 fabrica de velas de cera; 1 açougue; 1 ribeira para construcção de canoas; 1 fabrica de redes de fio d’ algodão; 1 fabrica de redes de fibras de tucum, curauhá e murity; e muitos engenhos de moer canna e fabricar cachaça e mel" (ARANHA, 1990, p. 11-12).

Temeroso pelo rápido crescimento do Lugar da Barra e o prestígio de Lobo D' Almada, que acreditava poder tomar seu posto de Governador, o Capitão-general Francisco de Sousa Coutinho, do Grão-Pará, com o auxílio de seu irmão Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro e Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos em Portugal, corta as verbas para a Capitania de São José do Rio Negro e persegue Almada, conseguindo fazer com que a capital retornasse para Barcelos em 1799. Um período de marasmo econômico atingiria o Lugar da Barra, destituído da condição de capital da Capitania.

Em 1804, o novo Governador da Capitania do Grão-Pará, D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos, refletindo sobre a boa administração de Lobo d’ Almada e a situação em que ficou a Barra, sugeriu ao novo Governador da Capitania de São José do Rio Negro, José Simões de Carvalho, que fizesse retornar a capital para o Lugar da Barra. A mudança só ocorreu quatro anos mais tarde, conforme explica o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis (1906-1993): “Só, porem, em 1808, já sob o governador capitão de mar e guerra José Joaquim Victorio da Costa, a suggestão era acceita, deixando-se em definitivo Barcellos e reinstalando-se a capital na Barra, aos 29 de março” (REIS, 1934, p. 56).

A elevação à condição de vila era algo esperado pelos habitantes do Lugar da Barra. Ela não ocorreu em 1791 e nem em 1808. O Lugar se tornaria vila mais de duas décadas depois, em 1833, através do Código de Processo Criminal, promulgado pela Regência em 1832, tendo como objetivo uma nova organização dos termos e comarcas das Províncias. O Presidente da Província do Grão-Pará, executando o Código em decreto de 25 de junho de 1833, dividiu a mesma em três comarcas: Grão-Pará, Baixo Amazonas e Alto Amazonas. No artigo 27 ficou estabelecido que

"O Logar da Barra do Rio Negro fica erecto em villa com a denominação de Manáos, servindo de cabeça de termo, em o qual se comprehende a mesma villa e a de Silves, que perde o predicamento de villa e a denominação de Silves, sendo substituída pela de Saracá; e bem assim as Freguezias de Aturiá e Amatary (supprimindo o título que cada uma tinha de Missão) e de Jaú, que era denominada Ayrão, com os seus limites actuaes" (REIS, 1934, p. 69-70).

Após ascender à condição de vila, o novo desejo era a cidade. A Assembleia Provincial do Grão-Pará decidiu que a capital da Comarca do Alto Amazonas, a vila de Manáos, já tinha condições para ser elevada à categoria de cidade. A elevação foi garantida pela Lei N° 145 de 24 de Outubro de 1848, conforme registrado em documento de 1849 transcrito por Mário Ypiranga Monteiro:

"Foi presente a ley do orçamento Provincial que trata á Acta da antecedente; e ponderando o Sr. Presidente, avista della, que por Ley de 24 d’ Outubro do anno passado, sob n° 145, foi ellevada esta Villa a cathegoria de Cidade, julgava portanto necessario sua publicidade, e sendo concordado pela afirmativa ordenaraõ se fezesse esta noticia publica por Editaes convidando-se aos habitantes para que illuminem afrente de suas rezidencias por trez noites sucessivas, e que os demais festejos ficariaõ paraquando o Exo. Senr. Presidente comunicasse officialmente. Resolveraõ a mais que na forma do art. 117 da Ley de 19 de Agosto de 1846, fossem chamados os 1° e 2° Suplentes para vierem tomar assento como proprietarios em consequencia da elevação desta Villa a Cidade; porem como o 2° Supplente João Ignacio Roiz do Carmo se acha pronunciado em crime de responsabilidade, como consta da parte official, ordenaraõ fosse convidado o 4° Suplente João Fleury da Silva, para vir prestar juramento e servir nesta reunião no empedimento dos proprietarios" (MONTEIRO, 1994, p. 84).

A Vila de Manáos foi elevada à categoria de cidade com o nome de Cidade da Barra do Rio Negro. De passagem pelo local em 1849, o naturalista britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913) registrou alguns aspectos da cidade:

"As suas ruas são regularmente traçadas; não têm, no entanto, nenhum calçamento, sendo muito onduladas e cheias de buracos, o que torna a caminhada sobre os seus leitos muito desagradável, principalmente à noite. As casas geralmente só têm um pavimento; são cobertas de telha vermelha e assoalhadas com tijolos, têm as paredes pintadas de branco ou de amarelo; e as portas e janelas, pintadas de verde […] A população da cidade é de 5.000 a 6.000 habitantes, dos quais a maior parte é constituída de índios e mestiços" (WALLACE, 2004, p. 214-215).

Planta de Manaus em 1852. FONTE: Instituto Durango Duarte.

Após décadas de lutas pela emancipação do Grão-Pará e transformação em Província, a Comarca do Alto Amazonas, através da Lei N° 582, de 05 de setembro de 1850, é elevada à categoria de Província do Império. A instalação se deu em 01 de janeiro de 1852. É desse ano a planta da cidade feita pelo Presidente João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (figura 01). Nela vemos uma pequena cidade dominada pelos igarapés de São Vicente, Espírito Santo, Ribeira, Aterro, Cachoeira Grande, Castelhana, Bica, de Manáos, Cachoeirinha, de Monte Cristo e tendo cinco bairros, São Vicente, Espírito Santo, Remédios, República e Campina. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar Pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [Original de 1897].

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de São José do Rio Negro com a Informação do Estado Presente. CIFEFIL, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos, 2005.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1994.

PINTO, Renan Freitas (Org.). O Diário do Padre Samuel Fritz. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas/Faculdade Salesiana Dom Bosco, 2006.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. Jose do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typografia da Academia, 1825. (Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin).

REIS, Arthur Cezar Ferreira. Manáos e outras Villas. Manáos: Typografia Phênix, 1934. (Biblioteca Arthur Reis - CCPA).

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900): Administração e Consagração

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900). FONTE: Blog Catador de Papéis.

Na galeria de homens ilustres do Amazonas, que contribuíram de diferentes formas para o seu engrandecimento, tornando-o reconhecido no Brasil e no mundo, figura em destaque Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), personagem marcante na História do Estado no final do século XIX e que até hoje é lembrado pelo empenho que teve em transformar o Estado em um dos mais prósperos do país.

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900) nasceu na cidade de São Luís, na Província do Maranhão, em 18 de setembro de 1862. De origem humilde, fez seus primeiros estudos no Liceu Maranhense, onde fez o curso de Humanidades. Em seu tempo de estudante dirigiu um jornal conhecido como O Pensador, apelido pelo qual ficaria conhecido. Após concluir o ensino secundário, sentou praça no Rio de Janeiro em 1881, na Escola Militar da Praia Vermelha. "Em 1884, Ribeiro foi promovido a alferes-aluno e, em 1886, a 2° tenente de artilharia, bacharelando-se em Matemática e Ciências Físicas e Naturais em janeiro de 1887" (MESQUITA, 2019, p. 24).

Posteriormente foi transferido para o Amazonas, onde exerceu, primeiramente, o cargo de secretário do Comando das Armas. Quando da nomeação da Junta Governativa do Amazonas, em 21 de novembro de 1889, foi nomeado Oficial de Gabinete. No Governo de Augusto Ximeno de Vilerroy, primeiro Governador do Amazonas, foi, além de Oficial de Gabinete, Diretor de Obras Públicas. Com a saída de Vilerroy em 1890, é nomeado Governador do Estado pelo Governo Central, assumindo em 02 de novembro. Essa primeira administração vai até 05 de maio de 1891. Era, até aquele momento, a pessoa mais jovem a governar o Amazonas, tendo apenas 28 anos. Era também o primeiro negro a assumir um cargo tão importante. Em pouco tempo, entre outras coisas, aumentou as rendas públicas, decretou uma constituição provisória e diminuiu pela metade a dívida pública.

O governo central destituiu Eduardo Ribeiro de seu cargo, nomeando para o governo o Coronel Gregório Thaumaturgo de Azevedo, antigo governador do Piauí entre 26/12/1889 e 04/06/1890, que naquele momento encontrava-se em Recife. A notícia da destituição de Eduardo Ribeiro não agradou a população: "O povo, convocado em boletim, reuniu-se à tarde, em frente ao palácio, não consentindo que Eduardo Ribeiro deixasse a governança. Aclamou-o entusiasticamente. Os oradores sucederam-se em vários pontos da cidade, protestando contra o ato dos altos poderes da República, lavrando-se uma ata (1884-1891), que foi assinada por centenas de pessoas de todas as classes sociais" (REIS, 1989, p. 249).

Após a destituição de Gregório Thaumaturgo de Azevedo, em 1892, seu segundo mandato como Governador foi de 1892 a 1896. Nesse período, considerado o melhor da História do Amazonas, aproveitando o aumento das rendas públicas, dotou o Estado e, principalmente, a capital, de moderna infraestrutura. Dentre outras coisas, foi responsável por:

"Nivelamento e embelezamento de dois terrenos na cidade de Manaus; Abertura e nivelamento dos bairros novos da Cachoeira Grande e Cachoeirinha; Pavimentação com paralelepípedo de granito das praças da República e da Constituição; Pavimentação a paralelepípedo das ruas da Instalação, Municipal e plataforma da Catedral; Pavimentação a pedra tosca de várias ruas adjacentes; Construção da avenida Eduardo Ribeiro; Construção do jardim da praça da República; Construção do jardim e gradeamento da Catedral; Levantamento da planta cadastral da cidade; Edifício do Diário Oficial e respectivo jornal; Edifício do Instituto Benjamin Constant para órfãs; Seis escolas públicas primárias em Manacapuru, Humaitá e Lábrea; Reorganização radical do ensino no Ginásio e Escola Normal; ereção não terminada do Instituto dos Educandos; Reorganização da Biblioteca Pública; Criação de um hospício para alienados - Hospício Eduardo Ribeiro - sob direção das irmãs de Santa Ana; Ereção não concluída do Palácio do Governo; Novo edifício do Quartel do Regimento Militar do Estado; Teatro Amazonas; Reservatório de água do Mocó; Contrato de navegação para o Mediterrâneo, com escalas; Distribuição das terras baldias do Estado para cultivo; Abertura da Estrada Manas - Campos Gerais do Rio Branco; Pontes de ferro da Cachoeirinha e Cachoeira Grande; Pontes romanas da rua Municipal; Ponte de madeira no bairro da Cachoeirinha; Fonte monumental da praça 15 de Novembro; Iluminação elétrica a arco voltaico, a primeira implantada no Brasil; Telégrafo subfluvial; Projeto do Código de Processo Criminal" (MONTEIRO, 1990, p. 96-97).

De acordo com o historiador Luiz de Miranda Corrêa (1935-2019), Eduardo Ribeiro foi o Governador certo no momento mais próspero do Estado - enriquecido pela exportação da borracha - pois "[...] tinha o élan necessário para realizar a transformação que sonhava. Dos problemas de educação aos de urbanismo e paisagismo, sua presença se fazia sentir-se. Ele e seus auxiliares não se prenderam a soluções rotineiras. Eram do tipo de homens que não se intimidam e ousam inovar" (CORRÊA, 2012, p. 28).

Padecendo há tempos das faculdades mentais, o que fazia com que se consultasse frequentemente com médicos na Europa, faleceu em sua chácara, conhecida como Chácara Pensador, localizada na Estrada de Flores, cometendo suicídio na madrugada do dia 13 de outubro de 1900, sendo declarado morto na manhã de 14 de outubro. Tinha apenas 38 anos. 

Conforme pesquisa do jornalista Júlio Benevides Uchôa, o corpo foi recomendado pelo Monsenhor Benedito da Fonseca Coutinho, acompanhado de quatro padres agostinianos. Carregaram o caixão até o carro fúnebre o Coronel Afonso de Carvalho, Presidente da Assembleia; Porfírio Nogueira; Coronel Emídio Pinheiro, Comandante da Polícia; e o Desembargador Joaquim Lisboa. O carro estava ricamente decorado, com veludo preto com franjas prateadas e bordas brancas. Falaram à beira do caixão Porfírio Nogueira, Secretário do Governo, representando o Estado; Major Domingos Andrade, representante da Maçonaria; Alberto Leal, representante da colônia portuguesa; Barbosa Lima, representante do jornal Amazonas, que fazia forte oposição ao falecido; Coronel Afonso de Carvalho, representando o Congresso de Representantes e também opositor de Eduardo Ribeiro; Leonel Mota, representante da Loja Maçônica Esperança e Porvir; e José dos Anjos Traíra, representante da classe operária (UCHÔA, 1949).

O carro fúnebre saiu da chácara às 17:15, chegando ao cemitério às 18 horas. Seu enterro foi de uma grandeza jamais antes vista. Até aquele momento nada de igual tinha ocorrido na História do Estado do Amazonas. Quem recuperou esse momento foi o historiador Mário Ypiranga Monteiro no livro Negritude e Modernidade:

"Foi uma apoteose, ritual menos político do que espontâneo, que alvoroçou a população e levou-a em tumulto à distante Chácara Pensador. O governo pôs à disposição do público dez bondes sem ônus, que ficaram lotados e vieram deixar as centenas de passageiros na curva da via da Vila Municipal, ao lado do Cemitério de São João Batista. Além disso, a multidão que se comprimia nas cercanias da necrópole e de dentro só poderia explicar o grau de simpatia humana que aquele homem desfrutava" (MONTEIRO, 1990, p. 51).

O historiador João Felipe Gonçalves, pesquisador sobre a construção fúnebre de personagens da Primeira República, identificou algumas características que davam o tom cívico a esse tipo de funeral, contribuindo para a consagração de suas trajetórias:

"Longos cortejos com uma rígida ordem hierárquica, a assistência de numerosos populares e a participação de autoridades e pessoas de destaque [...] são os traços mais evidentes. Com maior ou menor concorrência, mas sempre com grande pompa, repetiam-se em todos os casos os luxuosos carros fúnebres, os carros com figuras importantes, as bandas militares tocando marchas fúnebres, os tiros de canhão dos navios e fortalezas, os batalhões militares em trajes de honra, os postes cobertos de crepe negro e as ruas repletas de populares" (GONÇALVES, 2000, p. 149).

O registro mais marcante sobre a consagração de Eduardo Ribeiro como personagem histórico, grande vulto amazonense, foi produzido em 1923 durante uma romaria de membros da colônia maranhense que vivia em Manaus ao Cemitério de São João Batista para visitar seu túmulo. Eduardo Gonçalves Ribeiro conseguiu um feito que poucos alcançaram: o de ser consagrado, ainda em vida, um vulto insigne da História, potencializado após a morte, tornando-se um símbolo da administração pública ideal, da superação e resistência.

Membros da colônia maranhense de Manaus ao redor do túmulo de Eduardo Gonçalves Ribeiro durante romaria ao Cemitério de São João Batista. FONTE: Revista Fon-Fon, RJ, 01/09/1923.

Busto de Eduardo Gonçalves Ribeiro localizado em seu túmulo no Cemitério de São João Batista. FOTO: Roberto Mendonça, 2012.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


CORRÊA, Luiz de Miranda. O Nascimento de uma Cidade: Manaus 1890 a 1900. 2° Ed. Manaus: Academia Amazonense de Letras/Governo do Estado do Amazonas - Secretaria de Estado de Cultura, 2012.

GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa: um estudo de caso da construção fúnebre de heróis nacionais na Primeira República. Estudos Históricos. Vol. 14, n° 25, p. 135-161, 2000.

MESQUITA, Otoni Moreira de. Eduardo Ribeiro (1862-1900) – O artífice da cidade. In: UGARTE, Auxiliomar Silva (org.). Trajetórias políticas na Amazônia Republicana. Manaus: Editora Valer, 2019.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Negritude e Modernidade: A trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1990.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2° Ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989.

UCHÔA, Júlio Benevides. Eduardo Ribeiro, o Construtor de Manaus. O Jornal, 14/10/1949.