terça-feira, 23 de novembro de 2021

O jornal A Marreta e os homossexuais de Manaus (1912)

Edição de 03/11/1912 do jornal A Marreta.

Em 03 de novembro de 1912 o jornal A Marreta, dirigido por Chico Piaba, denunciou o crescimento vertiginoso do número de homossexuais - ou invertidos, como se dizia à época - em Manaus. Ele cobrava providências urgentes das autoridades, apresentando soluções como o encarceramento deles em uma ilha isolada, onde realizariam trabalhos forçados. Nesse período, marcado pelo controle social de práticas e saneamento urbano, a homossexualidade era entendida como um "distúrbio, anomalia, carecendo de cura, correção" (MOREIRA, 2012, p. 263). Esse recorte de jornal constitui-se, dessa forma, em uma importante fonte para os estudos sobre a História da sexualidade na cidade. Jornais desse tipo, explica a historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, se apresentavam como humorísticos, mas "[...] nada mais faziam do que externar críticas moralistas e propor ações segregadoras" (PINHEIRO, 2015, p. 231):

"A MARRETA

Augmenta, dia a dia, de uma forma assustadora entre nós, o numero dos invertidos.

Esses infelizes, inuteis a sociedade, que cospurcam os direitos sagrados da natureza, que envergonham o lar e a patria, gosam aqui de toda a liberdade no exercicio de suas infames profissões.

Nas immediações do botequim "O Malho", nas proximidades do Mercado Publico e em outros pontos desta cidade, á noite se encontram, a cada passo esses miseraveis de olhares languidos, de gestos afeminados, de falla docil, confabulando com os seus pares, se ajustando para a pratica dos actos indecorosos de que fazem vida.

Eles se conhecem, ao mais insignificante signal, segundo affirmam muitos medicos que tem estudado essa questão.

O dr. Jules Proust em sua importante obra, sobre este assumpto, affirma que entre os invertidos, existe como uma especie de maçonaria, de maneira que, os de todas as nacionalidades do mundo, se conhecem e se entendem logo da primeira vista.

Esse vicio terrivel, essa aberração, que une o homem de bem ao ladrão o elegante ao sujo, o miseravel ao abastado; essa infamia que torna o homem mais altivo - um timido, um covarde, um nada, vae progredindo em Manáos de tal forma, que se os homens que nos governam não tomarem providencias urgentes e sevéras, em breve as immediações do nosso Mercado estará como os Altos da Avenida da Liberdade e outros pontos da nossa cidade como o Poço dos Negros, em Lisbôa.

Em Portugal, (embora não haja uma justificativa para esse crime) muitos o praticam para saciarem a fome. E a fome é uma coisa negra!

Em Manáos, porém, não ha em absoluto derimente. Aqui, soffre a fome quem é inutil e o que é inutil deve ser lançado fóra do nosso meio.

Os invertidos de Manáos são de indole perversa, corruptos de natureza, excessivos e bandidos.

Convidamos pois a todos os homens de bem a levantarem campanha contra taes.

Se os nossos governantes quizerem expurgal-os de nosso meio, bem o podem. E' só uma questão de querer.

Pode-se arranjar uma ilha, e nella se colocar os invertidos, obrigando-os a trabalhos forçados.

E a se fazer isso, deve-se começar pelos grandes, que occupam logares importantes em nossa sociedade.

Aqui de "Marreta" em punho, estamos promptos a trabalhar pelo saneamento moral de Manáos".

(A Marreta, 03/11/1912, p. 01).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


MOREIRA, A. S. A homossexualidade no Brasil no século XIX. Bagoas: Revista de Estudos Gays, v. 6, p. 253-279, 2012.

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1880-1920). 3° ed. Manaus: EDUA, 2015.

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