terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Entrevista: Ed Lincon Barros Silva

Ed Lincon Barros Silva.

Ed Lincon Barros Silva, 53, nasceu em Manaus, na Maternidade Balbina Mestrinho, em 20 de julho de 1969, dia em que o homem pisou na lua. Pesquisa de forma autodidata a História de Manaus e de suas antigas salas de cinema desde 1984. É proprietário de um dos mais ricos acervos fotográficos e documentais da cidade, em parte reproduzido em fanpages na internet, em livros, revistas e jornais.

– Muito obrigado por conceder essa entrevista. Para começarmos, conte um pouco sobre você e sua família.

Sou filho de Aluízio e Arlete Barros Silva. Minha infância foi boa. Gostava de assistir desenhos e séries hoje considerados clássicos. Tive vários brinquedos. Joguei bola, empinei papagaio e brinquei de bolinha de gude. Só não joguei pião porque nunca soube usar. Fui nos balneários do Parque 10 de Novembro, Tarumãzinho, Ponte da Bolívia e Ponta Negra, quando esta era distante da cidade e cercada pelo mato. Estudei no Colégio Ângelo Ramazzotti, Escola Estadual Márcio Nery e Escola Estadual Ruy Araújo. Trabalhei 11 anos em uma empresa concessionária da Scania e Agrale. Também fui estagiário na Caixa Econômica e na Suhab. Atualmente trabalho em uma loja de informática.

- Quando e como surgiu o interesse pela História, especialmente a de Manaus?

Começou quando o meu pai e outras pessoas mais velhas me falavam sobre as coisas da Manaus de outrora, como os bondes, os cinemas, os prédios antigos, o Carnaval, os carros, os ônibus com carroceria de madeira, o Zeppelin, o Balneário do Parque 10 de Novembro, Tarumãzinho, Ponta Negra dentre outros assuntos. Isso despertou o desejo de saber mais sobre a História de Manaus que não ensinaram na escola, pois não existiam, naquela época, livros sobre o assunto. No começo foi difícil, já que não havia internet, e as únicas fontes de pesquisa eram os jornais e revistas da Biblioteca Pública e também livros de parentes e amigos. Meu pai era minha fonte de informações. Infelizmente ele faleceu em 2013. Ele tirava minhas dúvidas e dizia que eu era um saudosista (risos). Alguns parentes também me ajudavam.

- Ao nos aventurarmos pela pesquisa, é impossível não nos inspirarmos em determinados autores. Quais você considera mais marcantes?

São vários: Selda Vale da Costa, Mário Ypiranga Monteiro, Cláudio Amazonas, Roberto Mendonça, Otoni Mesquita, Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa, Samuel Benchimol, Márcio Souza, Elza Souza, Moacir Andrade e tantos outros. A minha pesquisa sobre os cinemas começou com a leitura dos livros Hoje tem Guarany!, de Selda Vale e Narciso Lobo, Eldorado das Ilusões: cinema e sociedade, Manaus 1897-1935 e No rastro de Silvino Santos, ambos de Selda Vale, A Tônica da Descontinuidade: Cinema e Política em Manaus na década de 1960, de Narciso Lobo. Também tem o livro Síntese da História do Amazonas, de Antônio Loureiro, publicado em 1978.

- Em algum momento dessa trajetória você pensou em se profissionalizar através de um curso superior?

Sim, mas acho que não levo muito jeito para escrever.

- Você é considerado por muitos historiadores como um dos grandes especialistas na História dos cinemas de Manaus. Como surgiu o interesse pela sétima arte?

Como disse, das conversas com os mais velhos, da leitura dos livros da Professora Selda Vale da Costa e das conversas com o Joaquim Marinho. Meu pai, durante a década de 1960, trabalhava como taxista e também era contratado pelo gerente do Cine Polytheama para fazer a propaganda dos filmes. Para isso, o gerente mandava colocar em cima do carro dois alto falantes e cartazes afixados nas portas com o nome ou pôster do filme. Ele ia acompanhado por um funcionário do cinema que fazia a locução. A curiosidade de saber a História das casas cinematográficas de Manaus me empolgaram. Juntei um bom material. Joaquim Marinho e a professora Selda me ajudaram muito nas minhas pesquisas com fotos e informações. A pesquisa nos jornais foi longa e difícil, pois muitos jornais estavam deteriorados.

- Como pesquisador detentor de um acervo ímpar, você já foi várias vezes requisitado por historiadores, instituições, jornais e revistas para prestar consultoria. Foi um bom período? Quais os trabalhos mais desafiadores?

Foi uma época boa, pois eu estava desempregado. Trabalhei com o Coronel Roberto Mendonça, Selda Vale da Costa, Durango Duarte e Cláudio Amazonas. Agradeço a todos eles. A História dos grupos teatrais de Manaus e a História dos bombeiros foram grandes desafios. A falta de informações sobre o segundo era grande. Muita coisa se perdeu como jornais e fotos, e as pessoas que viveram a época já haviam falecido. Os jornais e revistas que existiam estavam em péssimo estado de conservação, com páginas rasgadas. Uma pena. Outra dificuldade encontrada foi que algumas instituições dificultaram o acesso a seus acervos, como o Instituto Geográfico e Histórico do Amazona (IGHA) e a Biblioteca da Fundação Rede Amazônica. NA Biblioteca da Associação Comercial do Amazonas (ACA) e do Museu Amazônico da UFAM fui muito bem atendido.

- Além da consultoria, você também é conhecido por colaborar com fanpages e blogs que divulgam a História de Manaus e do Amazonas. Parte de seu acervo se encontra em páginas e perfis no Instagram e Facebook. Como funciona essa parceria?

Eu sempre procuro ajudar com informações sobre datas e observações, como curiosidades sobre os registros fotográficos. Quando alguém tem dúvida, procuro sempre passar a informação correta. Quando não sei, prefiro não opinar. Sou muito consultado pelo jornalista Evaldo Ferreira, do Jornal do Commercio. No passado, o saudoso Joaquim Marinho sempre me ligava quando precisava saber a data de inauguração de seus cinemas. Atualmente colaboro com o Eliton Reis Lira, da Manaus na História, com o Paulo Menezes, da Manaus em Cores, com o Marçal, da Manaus Sorriso, com você, do blog História Inteligente, e com a Elza Souza e o Cláudio Amazonas. Todos são grandes amigos que fiz durante as pesquisas.

Nos arquivos encontramos fontes únicas, verdadeiros tesouros históricos muitas vezes intocados. Quais foram suas principais descobertas?

A foto do Cine Popular quando de seu fechamento em 1972. Não existia nada na internet. Procurei ano a ano em todos os jornais até que finalmente encontrei. Depois o Coronel Roberto Mendonça colocou na internet e agora é fácil de encontrar. Mas quem encontrou fui eu. Outra foto difícil de encontrar foi a do Silvério José Nery, patriarca da família Nery falecido em 1878. Achei no Diário Oficial. Outros achados foram a fotos da inauguração do Prédio do Departamento de Saúde Pública, na Praça Antônio Bittencourt (do Congresso) e da inauguração do Quartel dos Bombeiros na rua Joaquim Sarmento. Encontramos uma página manuscrita no Arquivo Público com dona Janete, funcionária.

Tanto pesquisadores formados quanto autodidatas, para realizarem suas investigações, enfrentam uma série de problemas, como a péssima conservação de arquivos e a resistência de certas instituições em abrir seus espaços ao público. Você já se viu diante desses entraves?

As dificuldades são muitas. A falta de incentivo para as pesquisas e os locais que não permitem a reprodução de seus acervos são alguns exemplos. Alguns responsáveis pelos arquivos questionam o porque da pesquisa, se é trabalho de faculdade ou para escrever um livro. Sempre que possível limitam o acesso a jornais e revistas.

Em sua opinião, qual o papel dos historiadores na sociedade?

Os historiadores devem ser pessoas interessadas em resgatar a História de uma cidade que, como a nossa, não se preocupa em preservá-la; ajudar quem tem interesse em conhecer as origens de sua cidade, de seus habitantes e seu cotidiano ao longo do tempo; deixar um legado para as novas gerações que desconhecem a História de Manaus, seja por falta de interesse ou de não haver a matéria de história local nas escolas. Falta incentivo do Governo e da Prefeitura.

A Manaus de sua geração foi a das décadas de 1970, 80 e 90. Do que você guarda boas lembranças?

Da minha infância. Dos igarapés de águas limpas e sem poluição. Dos vários circos que passaram por Manaus, de algumas lojas que fecharam, supermercados como Agromar, Royale, loja S. Monteiro e Credilar. Do Parquinho 2000 no Adrianópolis, do Aviaquário na Praça da Matriz, do Avião da Praça da Saudade e do Cine Guarany. Até hoje não me conformo com a demolição dele. Sinto um vazio muito grande quando passo em frente onde ele existiu. Guardo ainda boas recordações do Boulevard Amazonas, onde eu e meus primos costumávamos jogar bola no canteiro central. De andar de bicicleta na época de finados, saudades da casa dos meus avós. Como era de dois andares, gostava de ver a cidade lá do alto. Da Lobrás com seus chocolates e revistas para colorir na minha infância. Da Pastelaria Suprema na Rua Silva Ramos com Ferreira Pena, da Sorveteria Zizas na Praca 14. De visitar o Aeroporto de Ponta Pelada, do Porto com a locomotiva na entrada e as águas escuras que me davam medo. Da drogaria Avenida que vi inaugurar em 1977. Dos desfiles na avenida Eduardo Ribeiro e do Peladão.

Para finalizarmos, que conselhos você pode dar para os pesquisadores que estão iniciando suas carreiras?

Primeiro, gostar de pesquisar em jornais, revistas, cemitérios e arquivos públicos. Segundo, sempre usar equipamentos de proteção quando for manusear material antigo. Se dedicar, gostar de História e entender o passado, para poder ter pleno domínio sobre o assunto pesquisado. Registrar em fotos o que está pesquisando, respeitando os acervos dos arquivo para que outros pesquisadores possam utilizar os mesmos.

Manaus, 26/02/2023 – 27/02/2023.