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sexta-feira, 21 de julho de 2023

Entrevista: Professor Dr. Bruno Miranda Braga

Bruno Miranda Braga nasceu em Manaus, Amazonas. Historiador e geógrafo, tem graduação em História pelo Centro Universitário do Norte (Uninorte) e Geografia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), com especializações em Gestão e Produção Cultural pela UEA e Estudos Amazônicos pela Universidade de Brasília (UnB), mestrado em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi professor substituto na graduação em História da UFAM e pesquisador no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o MASP, no Projeto MASP Pesquisa. Atualmente é membro do Núcleo de Estudos em História Social da Cidade – NEHSC, da PUC-SP, e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), ocupando a cadeira n° 38, cujo patrono é o etnólogo alemão Karl von den Steinen.

Primeiramente, muito obrigado por ter aceitado o convite para conceder essa entrevista, que faz parte de um projeto de conversas com historiadores amazonenses. Para iniciarmos, que tal você falar um pouco sobre sua origem e família?

Eu que agradeço o convite, Fábio. Então, eu sou manauara, filho de uma parintinense (por isso meu amor pelo Caprichoso, risos) e um manauara. Bem, minha mãe Sônia Miranda é professora de educação básica, foi por anos alfabetizadora e mais tarde graduou-se em Letras Língua e Literaturas Portuguesa e Espanhola. Hoje não exerce mais o magistério. Já meu pai, Valmir Braga, é funcionário público aposentado, foi industriário boa parte da vida, depois foi funcionário público do estado até se aposentar. Eu sou o filho caçula dos dois. Desde cedo quis ser professor, demorei a decidir as áreas da Licenciatura que queria, mas durante meus tempos de Ensino Médio, cursado no IEA, a opção pela História e pela Geografia se confirmou. Sempre friso que não era História ou Geografia, porém História e Geografia, e assim o fiz!

A escolha das carreiras de docente e pesquisador foi uma influência familiar, já que sua mãe foi professora?

É inegável que a escolha pelo magistério teve sim profunda ligação com mamãe que é professora. Reitero que desde muito cedo, ainda criança, escolhi o magistério como mister, motivado por minha mãe. Já a questão da pesquisa foi algo que surgiu ao longo da minha graduação em história. Quando adentrei a universidade meu desejo era me formar professor. Como todo calouro, não sabia o que era “ser/ter” lato sensu, strictu sensu, menos ainda como proceder em pesquisa. Ao final da graduação já após ter feito pesquisa para minha monografia, a pesquisa foi paulatinamente tomando vez em minha vida e carreira.

O vestibular é um dos momentos mais tensos na vida dos jovens, que enfrentam pressões da família e da sociedade. Muitos ainda não fazem ideia de qual área escolher. Como você encarou esse processo?

Comigo o mais difícil foi definir a aérea da Licenciatura. Já sabia que queria ser professor só não sabia de que: pensei em Pedagogia, Letras, Artes. Mas sempre na habilitação para o magistério. Sempre costumo dizer para os vestibulandos que o que mais importa é a sua realização e a sua inserção e seu gosto. Não adianta o aluno querer cursar Direito se não gosta de História ou de Ciências Políticas, ou querer cursar Medicina se não gosta de Biologia ou Anatomia. Então sempre destaco que o aluno deve considerar isso, o Ensino Médio em nosso país foi pensado para isso também, de apresentar um leque de ciências que no universo acadêmico são presença constante. Vale sempre a pena considerar suas vontades e gostos, até mesmo para no futuro não se frustrar com tanta matemática ou com tanta história na grade de seu curso. Uma dica que vale muito é verificar as grades curriculares, eu mesmo fiz isso, e dizia a meus colegas “meu curso não pode ter Matemática ou Química ou Física” que eram as temidas, por mim, exatas (risos). Então, vestibulando, veja as grades, se tem perfil para aquele métier, e considera muito sua vontade. Pois serão 4 ou 5 anos lendo, pesquisando e estudando aquela área. E se não for algo prazeroso acarretará sua eminente desistência.

A graduação é outro grande impacto. Nos deparamos com novos conhecimentos, novas abordagens, novas visões de mundo. Em outras palavras, somos praticamente desconstruídos. Conte-nos como foi o início de sua formação.

Interessante abrir um parêntese: como eu fiz duas graduações, cada uma teve um impacto diferente. Primeiramente cursei História. História de cara é um curso que a gente entra e pensa “mas cadê o Renascimento? Cadê a Segunda Guerra Mundial?” Aí vem Marc Bloch, Chartier, Boris Fausto e os autores/teóricos. Ai caímos por terra e vemos que a História por nós pensada é uma coisa, já a graduação é outra, aí começamos a aprender. Costumo dizer que sempre gostei de Teoria da História e Historiografia sem falar em História da Amazônia, tiveram assim disciplinas que foram para mim amadas, outras nem tanto (Medieval que o diga) mas de um todo a História nos impele a ser e ler mais! Creio que a leitura no Curso de História foi primordial para meu encantamento pela ciência. Adorava e ainda prezo muito em ler os textos, fazer comentários, enfim, sentir o texto. E isso fez e faz a História ser fascinante para mim. Durante a graduação foram muitos fichamentos, uns que dava raiva sim de ter de fazê-los, mas foram fundamentais. O exercício do historiador começa na nossa graduação com os fichamentos.

E por falar em textos e fichamentos, quais autores foram marcantes nesse período?

Essa pergunta é difícil viu… Muitos textos nos marcam seja pela complexidade seja pela facilidade. Mas vou te citar os que ainda hoje são referências quase em tudo que produzo: Apologia da História ou Ofício de Historiador, de Marc Bloch. A nossa Bíblia. A veemência do autor nesse texto, o amor pela História é atemporal, o capítulo da crítica histórica é para mim uma lição eterna de como ler documentos; A invenção do cotidiano I: artes de fazer, de Michel de Certeau. Tive uma dificuldade enorme em entender esse autor, mas a teoria dos “usos e práticas” me seduziu de uma maneira única, quando o autor fala em “resistência silenciosa” como sendo “mais perigosa que a barulhenta” me fez pensar que a história é sempre feita de lutas, mas que nem todos veem outros tipos de lutas e propostas de insurreições; Os fios de Ariadne: fortunas e hierarquias na Amazônia do século XIX – Patrícia Melo. O Capítulo intitulado “Bens e homens no mundo das águas” é para mim um dos maiores escritos sobre a história da Amazônia, me marcou muito, lembro que lemos na disciplina de Amazônia II, e dali em diante sabia que queria pesquisar o século XIX; A Ilusão do Fausto – Edinea Mascarenhas. Existem textos que não morrem. A Ilusão do Fausto é um deles. Obra revolucionária, quando li também em Amazônia II me confirmou a vontade de escrever algo sobre Manaus na Belle Époque, mas noutras perspectivas. Edinea nos brinda nesse texto de maneira ousada e comprometida.

Além dos célebres autores, é impossível passar pela academia sem ser marcado pelos professores e professoras, tanto positivamente quanto negativamente em alguns casos. Qual foram aqueles que você viu e pensou: quero ser assim quando crescer?

Sem dúvidas na graduação em História me marcaram os Drs. Arcangelo Ferreira e José Vicente Aguiar, ambos foram meus professores de História da Amazônia em diferentes temporalidades, e me ensinaram muito, sendo e fazendo. A Mestra Cristiane Manique foi quem me introduziu a Ciência histórica de fato. Foi minha professora de Introdução aos Estudos Históricos, Metodologia da História, Teoria da História e Laboratório do Ensino e da Pesquisa em História. Com ela em suas diferentes aulas aprendi o “grosso” da nossa ciência, como pesquisar e produzir a narrativa historiográfica, além do mais foi minha orientadora de Monografia histórica, marcando-me até o presente. Mestra Elisângela Maciel e Dra. Adriana Brito também me marcaram bastante. Mantenho ainda hoje boas relações com ambas se tornando amigas de profissão com muita cordialidade.

Você tem formação em História e Geografia, duas das principais ciências humanas, que mantém um diálogo bastante profundo. Como enxerga essa relação?

Penso que uma completa a outra e ambas completam a cultura e a sociabilidade. História se dedica aos homens no tempo, Geografia, os homens no espaço. Tempo e Espaço são indispensáveis para pensar as diferentes formas de ser/fazer da humanidade. São duas categorias presentes em qualquer pesquisa. Lembro que um dia num congresso sobre a História Indígena, a conferencista falou “assim como há uma história, há também uma geografia indígena”, parafraseando-a penso que para tudo há uma história e uma geografia, e isso concerne boa parte das ciências humanas e sociais que as duas disciplinas englobam. Sou suspeito pra falar de ambas, em minha formação as duas foram primaz para pensar e estruturar meu pensamento e vertente teórico-metodológico.

Até hoje você é lembrado por sua passagem como professor substituto na graduação em História da UFAM, tido como bastante atencioso aos alunos e com uma didática e domínio do conteúdo de dar inveja. Como foram as primeiras experiências como professor?

As minhas primeiras experiências como professor de história foram desafiantes e instigantes. Comecei ministrando aulas em um famoso curso preparatório para vestibular da cidade e ali, o domínio do conteúdo e da didática se tornam essenciais. Depois me tornei professor do Plano Nacional de Formação de Professores para a Educação Básica, o PARFOR da UEA, e surgiram mais desafios: o PARFOR nos ensina muito, a dinâmica, o ritmo da viagem para o Alto Rio Negro, Alto Solimões, Calha Média do Solimões já se torna um desafio, então saber que tinham pessoas me esperando fazia-me querer ser mais, ensinar sendo, como eu gosto de apontar. Na UFAM eu concretizei no meu período de substituto uma tentativa de tornar as “disciplinas pedagógicas e didáticas” interessante aos alunos, uma vez que o curso é uma Licenciatura e muitos, ainda hoje pouco apreciam as disciplinas da formação docente, mais um desafio, fazer os alunos se interessarem pelas disciplinas didáticas. O resultado foi muito bom. Então assim, ao longo da minha breve (até aqui) carreira eu procurei e procuro verificar maneiras de ensinar sendo, a partir daí vem o domínio do conteúdo, a dinâmica, mas o ponto primevo é a didática, é pensar algo que os alunos pensem “poxa quero fazer isso quando eu lecionar”. Meus primeiros anos foram desafiantes, mas com o sentimento de estar feliz fazendo aquilo que sempre quis.

Sua dissertação de mestrado, Manáos uma Aldeia que virou Paris: saberes e fazeres indígenas na Belle Époque Baré 1845-1910, defendida em 2016, hoje é uma referência para os estudos sobre a constituição do espaço urbano de Manaus e as tentativas de apagamento e a resistência dos 'excluídos da história'. Percebo que ela dialoga com premissas postuladas por Edinea Mascarenhas Dias em a A Ilusão do Fausto, mas você buscou ir além. Qual foi o caminho trilhado em sua produção?

Sem sombras de dúvidas o proposto pelo clássico da nossa historiografia A Ilusão do Fausto da professora Edinea foi leitura inspiradora para tal feito. É uma história bem peculiar: tudo iniciou antes mesmo de eu estar na Faculdade de História. Ainda aluno no IEA, um dia olhando a Eduardo Ribeiro, a Cúpula do Teatro Amazonas e todo seu entorno das janelas da minha sala pensei “como seria isso aqui tudo no século de sua criação? Como os indígenas viviam aqui?” E fiquei com aquela questão, lembro que comentei com o professor Laerte, ícone das humanas no IEA sobre e ele me indicou o texto da professora Edinea. Li sem entender muito, era um garoto de 16 anos. Me fascinaram as imagens do texto. Já na faculdade tudo foi definido. O caminho seria o mesmo que Edinea definiu: não negar o Fausto, mas destacar que ele não foi para todos, porém todos estavam naquele espaço/tempo: indígenas, negros, escravizados, prostitutas, mendigos, doentes… o foco foi destacar o elemento indígena, que era o mais visível e o que mais tentavam esconder, porém o que mais permanecia. E na guisa da Edinea mostrar que “pobres” na Belle Époque manauara, era um termo genérico: era pobre o trabalhador urbano, o indígena, o negro, a prostituta, o doente, o migrante nordestino, o seringueiro, tudo que contrariava o belo, era pobre. E desse termo genérico, disse “vou focar nos indígenas e nos seus saberes e fazeres”, em diante tudo fluiu e foi acontecendo, começaram a aparecer nas minhas fontes indígenas de diferentes grupos, realizando diferentes coisas na cidade: sendo batizados, fugindo das obras da Igreja Matriz, tomando banho no Igarapé de São Vicente, atirando flechas no Porto, vendendo doces e “encantamentos” no Mercado, etc. A cidade estava assim para o indígena como este estava para a cidade.

Anos mais tarde você ingressou no doutorado em História na PUC-SP. Sua tese de doutorado Chão de vidas, rios de memórias: histórias indígenas do Amazonas Imperial 1845-1888, defendida em 2022, é monumental. Nela você buscou compreender o cotidiano indígena do Amazonas na época imperial, desnudando aquela ideia tradicional do 'índio genérico', como se cada comunidade não tivesse suas especificidades. Conte-nos como foi sua produção.

Foi desafiadora ao máximo. Eu sempre disse a mim mesmo que quando fosse cursar doutoramento seria com o propósito de responder antes de tudo inquietações minhas. Quando escrevi o projeto de tese me propus a compor não uma história, mas diferentes histórias que se encontravam num elemento comum: esse elemento comum eram as populações indígenas. Era uma inquietação particular em desvendar como eram/estavam os mundos indígenas no Amazonas Provincial. Se até antes nos séculos XVII E XVIII grandes historiadores já haviam mostrados os xamanismos, as lideranças, as práticas de cura e o cotidiano de diferentes etnias, me perguntava “cadê esse povo no XIX? É consenso entre os historiadores do Brasil Imperial que a questão indígena para aquele século ainda é um campo em plena construção, é algo em andamento. Nisso me filiei plenamente na História Indígena que usa de certa “sensibilidade antropológica” como diz o mestre John Manuel Monteiro, e a História Cultural, e procurei na minha tese fazer uma História dos sentimentos e sensibilidades indígenas, dei ao indígena além da voz protagonista, a ação de sujeito histórico. Sempre ouvimos falar que “os índios eram os braços do Amazonas provincial”, que “eles dependiam da província” e inverti a lógica: era a província que dependia dos indígenas para tudo: eles eram os trabalhadores das obras públicas, os guias dos rios e matas seja dos naturalistas, seja das expedições demarcatórias do Império e da Província, eles que dominavam o conhecimento das ervas e fármacos da floresta, dos peixes e frutos bons, do manejo do solo e das estações sazonais dos rios do Amazonas. Nessa lógica procurei entender como os indígenas trabalhavam, estudavam, lideravam, dançavam e festejavam. Para o Brasil oitocentista como um todo se criou uma coisa que chamo de “discurso da aniquilação” que simplesmente sumiu com os povos indígenas no XIX, atrelando a eles o estigma de “ociosos, vagabundos e preguiçosos” simplesmente pelo fato de seus fazeres serem a outros modos. Então busquei nas fontes dizer “quem eram eles”, dar nomes, aí me apareceram macuxi, wapixana, baré, werekena, parintintim, sateré, tikuna, matsé, e uma gama de povos. Procurei mostrar como cada um agia e demonstrava suas organizações. E isso está na fonte. E não precisamos, como muitíssimo bem disse John Manuel Monteiro “forçar a mão” para escrever essa história. Eles, os povos indígenas, estão nas fontes, tudo é uma questão de perspectiva de leitura e construção da narrativa. Logo me “casei” numa portentosa união com a antropologia e fiz História Cultural Indígena mostrando sobretudo sua presença em todo o Amazonas do oitocentos.

Você se define como um Historiador Cultural. A palavra cultura tem um peso fortíssimo, pois é polissêmica, dando margem a diversas interpretações e gerando debates acalorados. No entanto, sabemos que a História Cultural é um campo historiográfico que nos apresenta inúmeras possibilidades. Foi essa variedade de temas que lhe atraiu?

Então o campo da cultura é polissêmico por “abraçar tudo” como dizem alguns colegas de outras vertentes da História. As inúmeras possibilidades da História Cultural tendem a complementar os vazios do Político, do Econômico e do Social. O que mais me atraiu na História Cultural foi sua amplitude teórico-metodológica. Diferente de suas “irmãs mais velhas” como diz o historiador inglês Peter Burke, a História Cultural parte de um exercício semântico da sensibilidade: o exercício da narrativa historiográfica não tende apenas a destacar nomes, valores, monumentos e esfinges, mas verificar cheiros, sabores, rostos. Isso me seduziu na História Cultural: a possibilidade de escrever história pelos ritmos, pelas danças, pelos sentidos dos rituais indígenas, pelos rostos desses… então o que mais me atraiu e continua atraindo é essa possibilidade quase como que uma encantriz de narrar a partir de coisas que não estão grafadas, mas estão nas fontes, especialmente nas fontes imagéticas, que gosto muito de utilizar.

No início de 2022 você foi eleito membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), ocupando a cadeira n° 38 cujo patrono é o etnólogo alemão Karl von den Steinen, tomando posse hoje. Fizeram parte dessa instituição pesquisadores renomados como Arthur Cézar Ferreira Reis, Mário Ypiranga Monteiro e Agnello Bittencourt. Quais são suas expectativas ao adentrar nessa casa centenária e de que forma pretende contribuir para sua aproximação com a comunidade?

Primeiro quero destacar a alegria e honra que é tomar posse de uma cadeira nesse estimado espaço da cultura e da pesquisa da nossa cidade, a mais antiga instituição do gênero. O IGHA está presente em todos os meus textos, trabalhos e pesquisas. Seu acervo é um dos que mais utilizo desde a monografia da licenciatura. A cadeira que passarei a me assentar era a que sempre quis: Karl von den Steinen, proeminente etnógrafo alemão que em nosso país muito contribuiu para o conhecimento dos povos indígenas. Sem dúvidas é um desafio estar a posteriori dos nomes que você citou pela carga grandiosa que as pesquisas destes nos legaram. Ainda hoje é quase inconcebível findar um curso de História sem ter lido algo de Arthur Reis, de Mário Ypiranga. É difícil estudar Amazônia e não ter lido Agnello. Estar no local que eles estiveram um dia é se apropriar e gerar novidades, uma vez que eles em seus tempos nos brindaram com essas novidades. A expectativa é grande e auspiciosa, pretendo junto ao Instituto potencializar aquilo que temos e ser/fazer mais, considerar a longevidade do IGHA é apontar para as vindouras realizações do Silogeu. Espero que estando ali a comunidade acadêmica e interessada em nossa história avance, seja e faça mais. Temos tanto a pesquisar e apresentar ainda sobre nossa capital e nosso estado. Então a expectativa é de cada vez sermos mais.

Quais são seus planos futuros?

Então a pesquisa é algo que nunca para, atualmente eu estou como Especialista Visitante do CNPq num projeto educacional do Museu da Amazônia MUSA, e está sendo uma experiência muito boa. Meu plano maior é voltar ao magistério, que é minha realização maior, voltar também a “amores que deixei no caminho” por conta da tese, ou seja, finalizar umas pesquisas que ainda não findei. Colaborar com o engrandecimento do IGHA, que passará a ser minha eterna casa de pesquisa histórica. E esperar, uma das coisas que aprendi ao longo dessa minha breve trajetória até aqui, é saber esperar. Não somos nós que escolhemos a ciência, é ela que nos escolhe e acolhe. Então esperar o que a história reserva a mim (risos).

Para finalizarmos, você é um historiador jovem, mas com uma bagagem cultural e experiência imensos. Quais conselhos você dá para aqueles que almejam ser historiadores?

Leia, reserve um tempo pra você, e se atualize! Ser historiador é estar aberto a muitas possibilidades e não fechar portas. Invista em você e no seu crescimento, faça cursos, adquira livros, participe de congressos, ouse. Para mim ser historiador hoje é ousar, é saber a partir da leitura da palavra mundo, como ensinou Paulo Freire, o que dizer, o que narrar e como narrar. Ousando construímos narrativas novas, conhecemos problemas novos e concebemos metodologias novas, então ouse! Vão te criticar, vão, mas também irão te aplaudir e dizer “olha ela fez isso, ele trouxe isso…” Sempre digo que o bom historiador lê muito e nessa leitura ele constrói aliados. A importância da leitura em nosso mister é conhecer, então leia, mesmo àqueles autores/teóricos que por alguma razão tu não concordas, leia. Logo, o conselho é leia, conheça, ouse e faça! Seja a diferença e construa uma boa narrativa histórica. Não invente, não caia em sensacionalismos, o bom historiador foge disso, mas, faça um texto que ao lerem as pessoas aprendam.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Entrevista: Ed Lincon Barros Silva

Ed Lincon Barros Silva.

Ed Lincon Barros Silva, 53, nasceu em Manaus, na Maternidade Balbina Mestrinho, em 20 de julho de 1969, dia em que o homem pisou na lua. Pesquisa de forma autodidata a História de Manaus e de suas antigas salas de cinema desde 1984. É proprietário de um dos mais ricos acervos fotográficos e documentais da cidade, em parte reproduzido em fanpages na internet, em livros, revistas e jornais.

– Muito obrigado por conceder essa entrevista. Para começarmos, conte um pouco sobre você e sua família.

Sou filho de Aluízio e Arlete Barros Silva. Minha infância foi boa. Gostava de assistir desenhos e séries hoje considerados clássicos. Tive vários brinquedos. Joguei bola, empinei papagaio e brinquei de bolinha de gude. Só não joguei pião porque nunca soube usar. Fui nos balneários do Parque 10 de Novembro, Tarumãzinho, Ponte da Bolívia e Ponta Negra, quando esta era distante da cidade e cercada pelo mato. Estudei no Colégio Ângelo Ramazzotti, Escola Estadual Márcio Nery e Escola Estadual Ruy Araújo. Trabalhei 11 anos em uma empresa concessionária da Scania e Agrale. Também fui estagiário na Caixa Econômica e na Suhab. Atualmente trabalho em uma loja de informática.

- Quando e como surgiu o interesse pela História, especialmente a de Manaus?

Começou quando o meu pai e outras pessoas mais velhas me falavam sobre as coisas da Manaus de outrora, como os bondes, os cinemas, os prédios antigos, o Carnaval, os carros, os ônibus com carroceria de madeira, o Zeppelin, o Balneário do Parque 10 de Novembro, Tarumãzinho, Ponta Negra dentre outros assuntos. Isso despertou o desejo de saber mais sobre a História de Manaus que não ensinaram na escola, pois não existiam, naquela época, livros sobre o assunto. No começo foi difícil, já que não havia internet, e as únicas fontes de pesquisa eram os jornais e revistas da Biblioteca Pública e também livros de parentes e amigos. Meu pai era minha fonte de informações. Infelizmente ele faleceu em 2013. Ele tirava minhas dúvidas e dizia que eu era um saudosista (risos). Alguns parentes também me ajudavam.

- Ao nos aventurarmos pela pesquisa, é impossível não nos inspirarmos em determinados autores. Quais você considera mais marcantes?

São vários: Selda Vale da Costa, Mário Ypiranga Monteiro, Cláudio Amazonas, Roberto Mendonça, Otoni Mesquita, Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa, Samuel Benchimol, Márcio Souza, Elza Souza, Moacir Andrade e tantos outros. A minha pesquisa sobre os cinemas começou com a leitura dos livros Hoje tem Guarany!, de Selda Vale e Narciso Lobo, Eldorado das Ilusões: cinema e sociedade, Manaus 1897-1935 e No rastro de Silvino Santos, ambos de Selda Vale, A Tônica da Descontinuidade: Cinema e Política em Manaus na década de 1960, de Narciso Lobo. Também tem o livro Síntese da História do Amazonas, de Antônio Loureiro, publicado em 1978.

- Em algum momento dessa trajetória você pensou em se profissionalizar através de um curso superior?

Sim, mas acho que não levo muito jeito para escrever.

- Você é considerado por muitos historiadores como um dos grandes especialistas na História dos cinemas de Manaus. Como surgiu o interesse pela sétima arte?

Como disse, das conversas com os mais velhos, da leitura dos livros da Professora Selda Vale da Costa e das conversas com o Joaquim Marinho. Meu pai, durante a década de 1960, trabalhava como taxista e também era contratado pelo gerente do Cine Polytheama para fazer a propaganda dos filmes. Para isso, o gerente mandava colocar em cima do carro dois alto falantes e cartazes afixados nas portas com o nome ou pôster do filme. Ele ia acompanhado por um funcionário do cinema que fazia a locução. A curiosidade de saber a História das casas cinematográficas de Manaus me empolgaram. Juntei um bom material. Joaquim Marinho e a professora Selda me ajudaram muito nas minhas pesquisas com fotos e informações. A pesquisa nos jornais foi longa e difícil, pois muitos jornais estavam deteriorados.

- Como pesquisador detentor de um acervo ímpar, você já foi várias vezes requisitado por historiadores, instituições, jornais e revistas para prestar consultoria. Foi um bom período? Quais os trabalhos mais desafiadores?

Foi uma época boa, pois eu estava desempregado. Trabalhei com o Coronel Roberto Mendonça, Selda Vale da Costa, Durango Duarte e Cláudio Amazonas. Agradeço a todos eles. A História dos grupos teatrais de Manaus e a História dos bombeiros foram grandes desafios. A falta de informações sobre o segundo era grande. Muita coisa se perdeu como jornais e fotos, e as pessoas que viveram a época já haviam falecido. Os jornais e revistas que existiam estavam em péssimo estado de conservação, com páginas rasgadas. Uma pena. Outra dificuldade encontrada foi que algumas instituições dificultaram o acesso a seus acervos, como o Instituto Geográfico e Histórico do Amazona (IGHA) e a Biblioteca da Fundação Rede Amazônica. NA Biblioteca da Associação Comercial do Amazonas (ACA) e do Museu Amazônico da UFAM fui muito bem atendido.

- Além da consultoria, você também é conhecido por colaborar com fanpages e blogs que divulgam a História de Manaus e do Amazonas. Parte de seu acervo se encontra em páginas e perfis no Instagram e Facebook. Como funciona essa parceria?

Eu sempre procuro ajudar com informações sobre datas e observações, como curiosidades sobre os registros fotográficos. Quando alguém tem dúvida, procuro sempre passar a informação correta. Quando não sei, prefiro não opinar. Sou muito consultado pelo jornalista Evaldo Ferreira, do Jornal do Commercio. No passado, o saudoso Joaquim Marinho sempre me ligava quando precisava saber a data de inauguração de seus cinemas. Atualmente colaboro com o Eliton Reis Lira, da Manaus na História, com o Paulo Menezes, da Manaus em Cores, com o Marçal, da Manaus Sorriso, com você, do blog História Inteligente, e com a Elza Souza e o Cláudio Amazonas. Todos são grandes amigos que fiz durante as pesquisas.

Nos arquivos encontramos fontes únicas, verdadeiros tesouros históricos muitas vezes intocados. Quais foram suas principais descobertas?

A foto do Cine Popular quando de seu fechamento em 1972. Não existia nada na internet. Procurei ano a ano em todos os jornais até que finalmente encontrei. Depois o Coronel Roberto Mendonça colocou na internet e agora é fácil de encontrar. Mas quem encontrou fui eu. Outra foto difícil de encontrar foi a do Silvério José Nery, patriarca da família Nery falecido em 1878. Achei no Diário Oficial. Outros achados foram a fotos da inauguração do Prédio do Departamento de Saúde Pública, na Praça Antônio Bittencourt (do Congresso) e da inauguração do Quartel dos Bombeiros na rua Joaquim Sarmento. Encontramos uma página manuscrita no Arquivo Público com dona Janete, funcionária.

Tanto pesquisadores formados quanto autodidatas, para realizarem suas investigações, enfrentam uma série de problemas, como a péssima conservação de arquivos e a resistência de certas instituições em abrir seus espaços ao público. Você já se viu diante desses entraves?

As dificuldades são muitas. A falta de incentivo para as pesquisas e os locais que não permitem a reprodução de seus acervos são alguns exemplos. Alguns responsáveis pelos arquivos questionam o porque da pesquisa, se é trabalho de faculdade ou para escrever um livro. Sempre que possível limitam o acesso a jornais e revistas.

Em sua opinião, qual o papel dos historiadores na sociedade?

Os historiadores devem ser pessoas interessadas em resgatar a História de uma cidade que, como a nossa, não se preocupa em preservá-la; ajudar quem tem interesse em conhecer as origens de sua cidade, de seus habitantes e seu cotidiano ao longo do tempo; deixar um legado para as novas gerações que desconhecem a História de Manaus, seja por falta de interesse ou de não haver a matéria de história local nas escolas. Falta incentivo do Governo e da Prefeitura.

A Manaus de sua geração foi a das décadas de 1970, 80 e 90. Do que você guarda boas lembranças?

Da minha infância. Dos igarapés de águas limpas e sem poluição. Dos vários circos que passaram por Manaus, de algumas lojas que fecharam, supermercados como Agromar, Royale, loja S. Monteiro e Credilar. Do Parquinho 2000 no Adrianópolis, do Aviaquário na Praça da Matriz, do Avião da Praça da Saudade e do Cine Guarany. Até hoje não me conformo com a demolição dele. Sinto um vazio muito grande quando passo em frente onde ele existiu. Guardo ainda boas recordações do Boulevard Amazonas, onde eu e meus primos costumávamos jogar bola no canteiro central. De andar de bicicleta na época de finados, saudades da casa dos meus avós. Como era de dois andares, gostava de ver a cidade lá do alto. Da Lobrás com seus chocolates e revistas para colorir na minha infância. Da Pastelaria Suprema na Rua Silva Ramos com Ferreira Pena, da Sorveteria Zizas na Praca 14. De visitar o Aeroporto de Ponta Pelada, do Porto com a locomotiva na entrada e as águas escuras que me davam medo. Da drogaria Avenida que vi inaugurar em 1977. Dos desfiles na avenida Eduardo Ribeiro e do Peladão.

Para finalizarmos, que conselhos você pode dar para os pesquisadores que estão iniciando suas carreiras?

Primeiro, gostar de pesquisar em jornais, revistas, cemitérios e arquivos públicos. Segundo, sempre usar equipamentos de proteção quando for manusear material antigo. Se dedicar, gostar de História e entender o passado, para poder ter pleno domínio sobre o assunto pesquisado. Registrar em fotos o que está pesquisando, respeitando os acervos dos arquivo para que outros pesquisadores possam utilizar os mesmos.

Manaus, 26/02/2023 – 27/02/2023.



terça-feira, 29 de junho de 2021

Marcos Paulo Mendes Araújo fala sobre o seu mais novo livro, 'O útil e o necessário: breve história dos sargentos pilotos do Exército (1914-1941)'


Na entrevista de hoje o professor e historiador Marcos Paulo Mendes Araújo fala sobre o seu mais novo trabalho, 'O útil e o necessário: breve história dos sargentos pilotos do Exército (1914-1941)', publicado pela editora Dialética.

- Quando e como surgiu a ideia de analisar as trajetórias desses sargentos pilotos do Exército?

R: A ideia surgiu em 1999 durante uma pesquisa que fiz sobre a Aviação do Exército para a montagem de uma exposição. Essa pesquisa estava parada há muitos anos. Em 2019 resolvi voltar a trabalhar nos estudos novamente e o resultado é esse interessante livro.

- Quais as fontes utilizadas e onde elas foram encontradas?

R: Foram utilizadas várias fontes distintas, mas devo dizer que os periódicos disponibilizados pela Hemeroteca da Biblioteca Nacional foram as mais utilizadas.

- Pesquisar é uma tarefa que sempre possui desafios. Nesse caso, quais foram os encontrados durante sua investigação?

R: Ser pesquisador em Manaus é sempre um desafio. As distâncias acabam atrapalhando bastante, principalmente quando necessitamos de fontes que estão em instituições localizadas no Sudeste do país.

- Durante a confecção do trabalho, quais foram as maiores descobertas feitas, além da recuperação da trajetória desses aviadores?

R: Acredito que a maior descoberta a partir desse trabalho é o fato desses sargentos pilotos terem sido também, em sua maioria, precursores da Aviação Civil no Brasil.

- Quando o senhor se deu conta de que estava diante de um tema inédito e ainda não explorado por outros pesquisadores?

R: Durante os levantamentos iniciais isso ficou claro, pois havia uma dificuldade em encontrar referências bibliográficas sobre o tema. Acredito que essa obra irá preencher uma significativa lacuna para esse tema.

- No caso do Amazonas, o senhor encontrou informações ou as fontes tratam apenas das regiões Sul e Sudeste?

R: Bem interessante é o fato de ter encontrado entre esses pilotos alguns amazonenses.

- Interessante. Conte-nos mais um pouco sobre essas descobertas.

R: Foram construídas pequenas biografias profissionais para determinar a origem de cada piloto, sua entrada no Exército e sua trajetória antes, durante e depois de sua formação como piloto militar. Assim, foi possível identificar que dois desses pilotos são amazonenses. Mas para conhecer esses pilotos que são naturais do Amazonas convido os interessados a lerem o livro (risos).

- Onde adquirir o livro?

R: O livro pode ser adquirido no site da Editora Dialética e aos poucos vêm sendo oferecido em outras plataformas de venda.


domingo, 6 de setembro de 2020

Entrevista: José Geraldo Xavier dos Anjos


José Geraldo Xavier dos Anjos nasceu na cidade de Manaus, Estado do Amazonas. Tem Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Especialização em Sistema de Informações Voltados para o Usuário pela mesma instituição, Especialização em Livros Raros e Documentação Antiga pela Biblioteca Nacional e Especialização em História da Saúde na Amazônia pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Foi Membro do Conselho Estadual de Cultura do Amazonas (1993-1994), do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Alfredo da Matta (2000), do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge, Chefe de Gabinete da Fundação Hospital Adriano Jorge (2007-2010) e Chefe do Departamento de Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge até março de 2019. Atualmente é Diretor em exercício de Ensino e Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge. Coordenou, no Amazonas, o projeto de microfilmagem dos relatórios dos Presidentes da Província e da coleção de jornais do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), além de ter participado do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, que microfilmou a documentação histórica sobre o Brasil nos arquivos de Portugal e da Espanha. É membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia Amazonense de Letras (AAL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Possui artigos publicados em jornais e revistas, bem como livros sobre a História da cidade de Manaus e História da Medicina.


— Primeiramente, obrigado por conceder a entrevista. Para iniciarmos, conte um pouco de sua origem e sua família.

- Sou filho de Geraldo Rocha dos Anjos, descendente de família nordestina, e Joana Vasconcelos Xavier dos Anjos, descendente de família portuguesa. Estudei o Primário no Grupo Escolar Getúlio Vargas, Ginasial e Pedagógico no Instituto de Educação do Amazonas e o Científico no Colégio Dom Pedro II. Cursei Biblioteconomia na UFAM. Meu pai era funcionário público municipal e minha mãe era do lar. Com minha mãe aprendi a ler e essa é uma paixão que perdura até hoje. Aos 12 anos comecei por sua influência a ler os grandes clássicos da literatura assim como a conhecer as obras dos grandes filósofos.


— Foi esse incentivo materno pela leitura que lhe motivou, posteriormente, a enveredar pela pesquisa histórica?

- Sim. Tanto no Primário até o término do Segundo Grau eu só tirava 10 em História e Geografia. Na Faculdade, as matérias que tinham História eram nota 10. Na Graduação em Biblioteconomia o que levou à ampliação do conhecimento em História foi a matéria História do Livro e das Bibliotecas, que me deu uma grande base de conhecimento.


— Devo supor que também foi essa influência materna que motivou a escolha pela Graduação em Biblioteconomia, correto? Ou também existiram outros fatores?

- Não. Meus pais queriam que eu estudasse Direito ou Medicina, pois a maior parte da minha família é da área do Direito. Tem juízes, desembargadores e por aí vai. Já a Medicina era desejo do meu padrinho que era o médico e político Menandro Tapajós, que presidiu a Assembleia e foi Governador do Estado. A opção pela Biblioteconomia veio porque gostava muito de ler e achava que em uma biblioteca teria muitos livros para ler, principalmente de História e Geografia.


— Após a Graduação, como foram os primeiros anos de atuação na área? Era um campo pouco explorado na época ou já estava consolidado?

- Logo no segundo ano do curso fui trabalhar na Biblioteca Pública do Estado como Auxiliar de Bibliotecário. Na época ainda não existia a internet então a Biblioteca era bem frequentada por alunos para fazer seus trabalhos. Recebíamos cerca de 300 a 400 deles. A profissão era consolidada, pois já tínhamos as bibliotecas da UFAM, CODEAMA, EMATER e ICOTI, todas com profissionais bibliotecários. Alguns destes órgãos que citei já foram extintos.


— Em que ano você se tornou membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)? Como seu deu o contato com essa instituição e o seu ingresso?

- Com a criação do Ministério da Cultura no Governo Sarney e sendo indicado como Ministro o grande Celso Furtado, as instituições de cultura tomaram um grande fôlego para organizar, planejar e restaurar o patrimônio cultural do país que estava abandonado há anos. Em 1983 a Biblioteca Nacional cria o primeiro curso de Especialização em Obras Raras e Documentos Antigos. Me inscrevi e com a autorização da minha chefia fui para o Rio de Janeiro cursar a Especialização na Biblioteca Nacional, onde tive a oportunidade de conhecer todos os tipos de acervos que compõe a memória nacional. Na volta comecei a organizar a seção de obras raras da Biblioteca Pública. Sabendo deste meu conhecimento, o Presidente do IGHA, na época Robério Braga, me convidou para fazer um diagnóstico do acervo documental e quando me deparei com o rico acervo meu diagnóstico em relatório foi que todo o acervo era raro e único. Fui convidado a fazer parte da equipe de bibliotecários, museólogos, arqueólogos e jornalistas que naquele momento também faziam a transformação e organização do IGHA para servir a sociedade. Duas semanas depois de estar no IGHA fui convidado para assumir o cargo de Diretor Administrativo, o que com muito medo aceitei. Continuamos o trabalho administrativo, organizando os acervos de manuscritos e criando um catálogo. Neste mesmo tempo é criado o Plano Nacional de Microfilmagem de Jornais. Fui convidado pela Coordenadora Nacional, Dra. Esther Bertoletti, para coordenar o projeto no Amazonas. Como resultado de anos neste projeto, o Amazonas microfilmou 80 mil páginas de jornais que hoje alunos e pesquisadores do mundo inteiro usam em suas pesquisas. Também no IGHA participamos do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, que microfilmou toda a documentação da época da Colônia que se encontra em Portugal e na Espanha. Com todo este trabalho no IGHA em 1992 fui consultado pelo Presidente da época, Comendador Junot Carlos Frederico, se não queria fazer parte da sociedade do IGHA, mas que teria que passar pelo processo de seleção. Fui aprovado pela comissão de sindicância e tomei posse no dia 25 de março de 1993 e estou até hoje numa busca incansável pela preservação desta casa de memória do Estado. Tive o prazer de ser o Secretário Geral em muitas diretorias e cheguei ao ápice de presidir o IGHA.


— Nesse período em que você se tornou membro do IGHA, ainda estavam em plena atividade pesquisadores e membros como Mário Ypiranga Monteiro, Padre Raimundo Nonato Pinheiro e outros. De que forma você percebia o panorama intelectual daquele momento?

- Nesta época de convivência no IGHA me tornei amigo de Mário Ypiranga Monteiro, que corrigiu meus primeiros escritos sobre a cidade de Manaus e me levou para a Associação Brasileira de Folclore, seção Amazonas, para fazermos pesquisas o que provocou uma ciumeira danada por ele ter me convidado. Tive e tenho até hoje uma grande amizade com o grande Antonio Loureiro, que também tem lido o que escrevo e me dá suas opiniões. Outro que entrou depois de mim e que fizemos boas parcerias de pesquisa foi o Coronel Roberto Mendonça, com Edinea Mascarenhas Dias.


— Mais recentemente você se tornou membro do IHGB, instituição mór dos institutos históricos e geográficos do Brasil, fundada por Dom Pedro II em 1838. Como se deu o ingresso nessa prestigiada casa de cultura?

- Em novembro de 2018 recebi um telefonema do Presidente do IHGB, Prof. Dr. Arno Wehling, perguntando se gostaria de fazer parte da instituição como membro correspondente e de pronto aceitei a honraria, pois nunca passou na minha cabeça ser membro de uma instituição fundada por Dom Pedro II e de muitas tradições e que já tinha abrigado as inteligências de Arthur Reis e Mário Ypiranga Monteiro. Fui o quarto amazonense a fazer parte desta plêiade de intelectuais que pensam o Brasil. Tive o prazer de tomar posse no ano passado na Presidência de meu amigo particular, Vicente Chermont de Miranda, de tradicional família paraense.


— Além do IGHA você também é Imortal da Academia Amazonense de Letras. São duas das mais antigas instituições culturais do Estado, fundadas em 1917 e 1918 respectivamente. De que forma você enxerga a relação delas com a comunidade?

- Antigamente estas duas casas de cultura eram tidas como lugares vetustos onde só penetravam seus associados e convidados. Quando assumi a administração do IGHA em 1984, comecei a conversar com a Diretoria a abertura do acervo para pesquisadores. No primeiro momento a ideia não foi bem aceita mas fui insistindo e começamos a receber pesquisadores da UFAM que precisavam de material para fazer suas monografias e teses. Me lembro que o primeiro trabalho de defesa de Mestrado foi o da historiadora Eloína Monteiro e isso foi muito bom pois os sócios viram resultados e citações do nome do IGHA no trabalho. Depois veio Selda Vale, Narciso Lobo, Neide Gondim e Edinea Mascarenhas, todos jovens professores da Universidade Federal do Amazonas. Daí em diante não paramos mais de receber pesquisadores. Já a Academia começa a ter uma relação maior com a comunidade na Presidência de José Braga, que criou o projeto Academia de Portas Abertas, no qual recebemos alunos pesquisadores para uma visita e para conversar com os membros da Academia.


— Além da formação voltada para a pesquisa documental, você também possui uma Especialização em História da Saúde na Amazônia. Quando surgiu o interesse por essa área específica da História?

- Surgiu quando trabalhava na assessoria da SUSAM. Em conversa com o Dr. Marcos Barros ele me perguntou porquê eu não me preocupava em estudar a História da saúde no Amazonas, já que tinha muita gente pesquisando a História da cidade. Fiquei pensando na ideia, aí fui organizar a biblioteca da Fundação Alfredo da Matta. Chegando lá comecei a perguntar se os funcionários conheciam o patrono da instituição e ninguém conhecia. Comecei a pesquisar quem tinha sido esta grande figura da saúde. Neste tempo foi criada a FAPEAM e apresentei um projeto e ganhei uma bolsa para pesquisar a obra de Alfredo da Matta. Daí em diante não parei mais de pesquisar sobre História da saúde. Quando em 2010 a FIOCRUZ-Manaus ofereceu o primeiro curso de Especialização em História da Saúde na Amazônia, me inscrevi, fiz a prova e logrei êxito e hoje sou um Especialista nesta área. Participo de grupos de pesquisas, seminários e congressos com esta temática, sempre apresentando pesquisas novas nesses eventos.


— Ainda sobre a História da Saúde na Amazônia, que pesquisas você vem desenvolvendo sobre essa temática?

- Temos trabalhos publicados sobre as doenças na Amazônia Colonial, Alfredo da Matta e a saúde no Amazonas, as epidemias no Amazonas (1855-1930 e 1930-2000), Djalma Batista e a tuberculose no Amazonas, Saúde no Amazonas (1890-1920 e 1930-2000), História da Hanseníase no Amazonas, Os leprosários em Manaus e agora estou desenvolvendo um projeto sobre o sanitarismo no Amazonas. Todos estes trabalhos estão publicados em anais de congressos, jornais e revistas da área.


— Durante sua trajetória acadêmica, quais autores foram marcantes?

- Jean-Jacques Rousseau, Walter Benjamin, Jacques Le Goff, Eduardo Galvão, Gore Vidal e tantos outros que no momento não me recordo.


— Em algum momento você cogitou seguir a docência?

- Quando terminei a Especialização em Livros Raros e Documentação Antiga fui convidado pelos professores do curso de Biblioteconomia para fazer parte do quadro de professores, mas recusei pois já estava desenvolvendo o projeto de organização da Seção de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, e também já estava administrando o IGHA e não me via dentro de uma sala dando aula.


— Sobre qual tema versou seu trabalho de conclusão de curso na Especialização em História da Saúde na Amazônia?

- Alfredo da Matta e a Saúde no Amazonas.


— Poderia dar mais detalhes sobre?

- O trabalho consiste na pesquisa sobre a atuação do médico Alfredo da Matta no Estado do Amazonas como gestor público, sua produção científica, participações em congressos nacionais e internacionais e a criação da Revista Amazonas Médico.


— Para concluir, que mensagem você deixa para os futuros acadêmicos em História?

- Que os futuros pesquisadores tenham consciência de seu papel perante a comunidade científica e com a sociedade, trazendo novas luzes para a conhecimento da História de nosso Estado e tenham você, jovem apaixonado pelos meandros da História, como inspiração.

domingo, 31 de maio de 2020

Entrevista: Prof. Me. Marcos Paulo Mendes Araújo

Prof. Me. Marcos Paulo Mendes Araújo.

Marcos Paulo Mendes Araújo nasceu na cidade de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, em 1972. Tem Graduação em História pela Faculdade de Filosofia de Campo Grande (RJ), Graduação em Direito pela UNIG - Universidade Iguaçu (RJ), Especialização em Docência de Ensino Superior pela UFRJ -  Universidade Federal do Rio de Janeiro, Especialização em História e Cultura Antiga pela UFF - Universidade Federal Fluminense e Mestrado em História Social pela UFAM - Universidade Federal do Amazonas. É professor da Seduc, Semed, do curso de História da Universidade Nilton Lins e do curso de Administração da Faculdade Fucapi. É autor dos livros 'Francisco de Paula Castro e Karl von den Stein no Xingu em 1884' (2018) e 'A epopeia do Xingu' (2020), além de ter publicado capítulos de livros em outros 9 trabalhos.

'A epopeia do Xingu', último trabalho do professor Marcos Paulo Mendes Araújo. Disponível em: https://www.editoradialetica.com/product-page/a-epop%C3%A9ia-do-xingu.

– Primeiramente, muito obrigado por conceder a entrevista. Para iniciarmos, como se deu sua mudança do Rio de Janeiro para Manaus? Quais os impactos que ela teve em sua vida?

- Cheguei em Manaus em janeiro de 2012. Minha esposa, que é militar da Força Aérea Brasileira (FAB), foi transferida para cá. No início eram muitas novidades, mas aos poucos toda família foi se adaptando. Profissionalmente foi muito interessante, pois a mudança possibilitou conhecer um outro Brasil com traços culturais bem diferentes daqueles que estava habituado.

– Quando o senhor decidiu se dedicar à História? Era um interesse antigo, dos tempos de infância e adolescência, ou surgiu apenas na reta final do Ensino Médio?

- Desde muito novo possuía interesse em estudar História. Fui criado em uma casa e em uma família de professores. Acho que isso acabou influenciando bastante. Um dos primeiros livros que ganhei de minha mãe foi uma coleção de História e Arqueologia.

– Além da História, o senhor também tem Graduação em Direito. Como vê a relação entre essas duas áreas, suas semelhanças e diferenças?

- Quando fui cursar o Direito em 1996 já era formado em História há 3 anos. Isso me favoreceu muito de várias formas. Conhecer aspectos da infraestrutura social ajudam a entender certas dinâmicas da justiça. A formulação das leis deve obedecer certos aspectos que estão intimamente ligados à teia social onde o homem está inserido. Conhecer a História da humanidade ajuda muito a entender essas dinâmicas que mencionei.

– Creio que essa relação tenha influenciado na escolha pela Especialização em História e Cultura Antiga, dada a influência das antigas civilizações nas noções de História e Direito, correto?

- Sim! A História Antiga entrou na minha vida muito cedo. Desde pequeno ficava muito intrigado com as grandes construções antigas. Isso me conduziu ao curso de pós-graduação nessa área na UFF. O Direito acabou gerando ainda mais interesse pela Antiguidade, principalmente no mundo Clássico. Nesse curso pude dialogar com muita coisa interessante e cruzei com pessoas que me ajudaram a amadurecer como historiador, como por exemplo meu Professor Ciro Flamarion Santana Cardoso.

– Já que o senhor citou o saudoso Professor Ciro Flamarion Cardoso, durante sua passagem pelas graduações e pós-graduações, quais outros docentes marcaram sua vida acadêmica?

- Muitos docentes foram importantes na minha trajetória. Corro o risco de esquecer alguns, mas poderia mencionar Francisco Carlos Palomares Martinho, Simplício Rosa, Edgar Leite, Vera Vergara Esteves, José d' Assunção Barros, Patrícia Maria Melo Sampaio, Márcia Mello, Waldemar Pedro Antônio e tantos outros que passaram pela minha vida.

– Além dos mestres, quais autores lhe influenciaram nesse período?

- Creio que alguns autores foram essenciais para mim. São tantos... Platão, Fustel de Coulanges, Tzvetan Todorov, Ciro Flamarion, Betty Meggers, Perry Anderson, Duby, Delumeau, José Honório Rodrigues, Bakhtin, Peter Burke, Jacques Le Goff, Ronaldo Vainfas, são muitos. Impossível listar todos de cabeça (risos). Por aí vai.

– Dentre esses que foram citados, quais são os que fariam parte dos livros de cabeceira, sem os quais não poderia ficar?

- Acho que o Georges Duby e seu livro Ano 1000, ano 2000. É um livro muito bom para ter na cabeceira da cama. Essa pergunta não é fácil de responder, pois acredito que nós historiadores vivemos em um presente contínuo. Nossos interesses mudam. O bom é ter uma boa biblioteca básica para colocar na cabeceira os bons livros que nos cercam. Façamos cabeceiras grandes.

– Desde quando atua como professor da rede pública de ensino?

- Como professor venho atuando desde 1991, ou seja, antes mesmo de me formar já lecionava. Minha atuação na rede pública teve início neste mencionado ano, quando fui lecionar na Escola Estadual Francisco Caldeira de Alvarenga, na comunidade do Urucânia, em Paciência (RJ). Nesses quase 30 anos lecionei em diferentes redes de ensino, públicas e privadas. No Amazonas, atuo na Seduc desde 2012, inicialmente como PSS e depois como concursado. Na Semed estou desde 2017.

– Como professor de História na Universidade Nilton Lins, percebe diferenças entre a História que é ensinada na rede privada e a que é ensinada na rede pública?

- Não. Nenhuma diferença. Os alunos são muito parecidos e os conteúdos iguais. Algumas diferenças residem nas formas como a pesquisa é tratada.

– Quais seriam essas formas?

- É um curso noturno voltado à formação de docentes. As disciplinas são pensadas no exercício do magistério. As práticas de pesquisa infelizmente ficam adormecidas e deixadas apenas para o final do curso e a escrituração do TCC. Penso que a pesquisa deveria caminhar junto. Os alunos devem ser estimulados a escrever e dialogar com fontes primárias desde o início do curso. Geralmente nas universidades públicas isso ocorre com mais frequência.

Ao longo de quase 30 anos de ensino na rede pública, o que pode dizer sobre as transformações de como a História é ensinada dos primeiros anos ao Ensino Médio?

- Dos anos 90 para cá muitas mudanças ocorreram. Algumas delas para melhor. Poderia destacar a nova LDB de 1996 que ajudou a mudar o perfil dos egressos que gostaríamos e necessitávamos no Brasil. Também é importante mencionar os novos parâmetros curriculares brasileiros que possibilitaram ampliar os objetivos do ensino de História. Ao longo desses anos, pude participar dessas mudanças no chão da escola, ou seja, trabalhando efetivamente nas mudanças. Agora vêm a nova BNCC. Ainda é cedo, mas acredito que poderá trazer alguns novos benefícios, apesar das críticas à forma como nasceu. Temos que fazer na linha de frente os ajustes necessários. Acho que hoje o historiador pode, nas salas de aula, sobretudo no Ensino Médio, propor aos alunos o estabelecimento de problemáticas que servem para nortear os diálogos.

– Ainda sobre a docência, como enxerga os livros didáticos de História, suas possibilidades e limites em sala de aula?

- Sou um defensor da ideia de que os livros didáticos deveriam ser pensados de outra forma. Apesar de alguns apresentarem boas propostas, não é fácil encontrar ainda o livro didático ideal. É fato que melhoraram significativamente, mas ainda necessitamos avançar mais. Nos anos 90 tive o prazer de conhecer uma coleção de livros de História da Professora Circe Bittencourt, da Unicamp. Uma História temática. Passei a ser um admirador dessa proposta, pois daria a nós professores mais liberdade para aprofundar estudos em temas mais significativos para a vida.

– Seu Mestrado em História Social foi realizado entre 2013 e 2015, e versou sobre dois expedicionários do século XIX: Francisco de Paula Castro e Karl von den Stein. O que poderia dizer ao público sobre os dois? O que o levou a estudá-los?

- A pesquisa do Mestrado começou muito tempo antes. Entre 1995 e 2002 estive no serviço ativo do Exército. Trabalhei como historiador no Arquivo Histórico do Exército. Foi lá que conheci o relatório de observação científica do capitão Francisco de Paula Castro escriturado após ele ter acompanhado o médico e antropólogo alemão Karl von den Stein em 1884 em sua viagem pelo rio Xingu. Lendo o relatório do militar e o livro do alemão, encontrei muitos pontos carregados de controvérsias. Foi justamente isso que chamou minha atenção. Era necessário conhecer o cenário político da época, coisas como o papel do Positivismo na formação da jovem oficialidade. A crise que se abateu sobre a Monarquia, o cenário da ciência no país, ou seja, foram muitas coisas interessantes envolvidas na pesquisa.

– Pensa em fazer um Doutorado ou está com algum em andamento? Se sim, em qual área e qual o tema da pesquisa?

- Comecei a fazer o Doutorado em uma universidade pública na Argentina, mas infelizmente não conclui. No momento venho trabalhando em um projeto de pesquisa para desenvolver em algum programa de Doutorado no Brasil. Venho encaminhando isso.

– O foco ainda será a viagem dos expedicionários Francisco de Paula Castro e Karl von den Stein ou será outro?

- A temática será outra. Já venho trabalhando em um novo tema. Mas não irei fugir da minha área de interesse, que é a História Militar. O trabalho terá um recorte entre 1920 e 1940, e está relacionado à aviação.

– Como professor e historiador, de que forma enxerga os atuais cenários políticos brasileiro e mundial?

- Vejo que vivemos dias muito conturbados. Já estávamos vivendo dias sombrios, mas com a pandemia as coisas parecem ter potencializado para o pior lado. Vejo que os radicalismos estão aflorados e a História nos mostrou em outras ocasiões que quando isso ocorreu o resultado foi péssimo para a humanidade.

– Por último, e aproveitando para agradecer sua participação, qual mensagem deixa para os futuros acadêmicos de História?

- Minha mensagem é de esperança por dias melhores. É necessário acreditar nas pessoas sem prejulgar ninguém e nem tecer juízos de valores antes de estabelecer o diálogo. O mais importante é a manutenção do diálogo. Nosso país é fantástico e necessita de novos e bons historiadores. Que todos possam ser felizes na carreira que é uma das mais importantes no estabelecimento de nossa identidade.


quarta-feira, 6 de março de 2019

Entrevista: Prof. Aguinaldo Nascimento Figueiredo


Aguinaldo Nascimento Figueiredo nasceu em Manaus, Amazonas, em 1958. Filho do bairro de Santa Luzia, na zona Sul da capital, ingressou na Marinha em 1976. Deixando a vida militar no início dos anos 1980, graduou-se em História na Universidade Federal do Amazonas em 2000. Há 26 anos é professor da rede pública de ensino. Publicava as colunas História do Amazonas e Museu do Conhecimento no jornal O Estado do Amazonas, o que lhe rendeu, em 2004, Votos de Aplauso no Senado Federal. Escreveu também para a Folha Comercial do Amazonas e a Revista Big Amazônia, totalizando 500 artigos publicados. Além da carreira docente, notabilizou-se pelas pesquisas históricas que deram origem aos seguintes trabalhos: História do Amazonas (2000, 7 edições); Santa Luzia: História e Memória do Povo do Emboca (2008); Os Samurais das Selvas: A Presença Japonesa do Amazonas (2012); e o mais recente e já esgotado, História e Memória do Bairro do Manôa (2019). Foi eleito, em 2016, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).



- De militar da Marinha a historiador consagrado no Estado do Amazonas. Como foi essa transição de carreira?

- o ingresso na vida militar foi ditado por vários fatores. Naquele tempo, ainda adolescente, não via muito vislumbre em seguir algum projeto consistente na vida não. Estudava e era um bom aluno, principalmente em História. Mas, a vida em minha família era dura, todo mundo tinha que trabalhar para ajudar no sustento e eu nunca fui muito adepto de trabalho extenuante e sem o devido retorno pecuniário. Eu era um menino problemático, por conta das doenças típicas de infância, além de notória rebeldia com o autoritarismo como éramos tratados entre outros problemas. Havia em mim um supremo desejo de viver minha vida sozinho, conhecer outros lugares, sair de Manaus mesmo, dar minhas cabeçadas sem culpar ninguém. Foi quando li um folheto do Ministério da Marinha “um canto de sereia”, bem chamativo exaltando a vida militar na força naval como sendo a realização pessoal de qualquer jovem, junto com o apelo ao “patriotismo” em voga naquele momento do regime militar. Ademais não gostava da agressividade com que se dizia da vida militar no Exército, que para mim era coisa de “peão”. Entrei e fiquei por quase 6 anos, quando, depois de uma passagem para lá de polêmica, percebi que meu temperamento e meu futuro não era ser “Cabo Velho” de marinha e resolvi sair e voltar para Manaus. Mas, a paixão pela história está em mim desde que aprendi a ler, mesmo ainda não decidindo estudar História, fazer história e ter a História como fonte de vida e profissão.

- Na graduação ou mesmo antes dela sempre encontramos autores que nos inspiram na caminhada pela História. Quais foram seus referencias na graduação e quais são os seus atuais?

- Aprendi a ler antes de entrar na escola com ajuda da minha mãe que, apesar das precariedades da vida que levou, conhecia a cartilha do abc e sabia usá-la muito bem na alfabetização dos filhos e isso foi o suficiente para me ensinar (sempre debaixo de muita peia, risos). Eu lia muitos livros, li todas as enciclopédias: Barsa, Mirador e Britânica na casa do professor Zé. Meu primeiro livro ainda tenho em meu poder e chama-se “Rio Turbulento”, de Balthazar de Godoy, que conta a história da fundação da cidade Cuiabá, editado em 1968. Tenho outros exemplares dos clássicos de Isaque Asimov, Karl Segan e uma vasta coleção de tantos escritores que não dá para nominar.  

- Sua monografia foi sobre as origens do PTB em Manaus, um trabalho voltado para a História Política. Dentre as inúmeras vertentes da História, quais são as que mais chamam sua atenção?

- Leio todas vertentes e vejo quais se adequam ao meu pensamento dentro da História. Adotei a vertente do memorialismo por ser esta uma linha que dá condições de a história valorizar o homem antropológico mesmo. As pessoas, indistintamente, têm suas histórias e, algumas delas, têm certa relevância no contexto social e politico de determinadas comunidades, que são importantes e que representam a essência do convívio fraterno, da solidariedade e do fazer social ao seu jeito, arcabouço cultural que merece ser sim resgatado para a posteridade e essa é minha proposta. Da Macro História já tem muita gente se incumbindo de fazer e muito bem.

- Do final dos anos 90, período em que se formou em História, aos dias de hoje, o que o senhor acredita que mudou na relação do grande público com os historiadores e a História? 

- aqui no Amazonas, especificamente, apesar do crescimento demográfico ostensivo, principalmente na cidade de Manaus, o interesse pelo estudo e conhecimento da história, até mesmo a história local, foi muito tímido, apenas alguma camada social mais aquinhoada se interessa em conhecer mesmo nossas origens, nossas raízes e nossa cultura, mas apenas de forma dilatante, não se importando mesmo com as mudanças que o conhecimento histórico pode representar como mudanças de hábitos e valores locais, como sentimento de apetecimento para com a cidade e seu patrimônio histórico ou mesmo saber que temos uma história de milênios de sabedoria e experiências fantásticas de como respeitar a natureza, o mundo e outros valores caros à humanidade.  Não há interesse em se aprofundar nos melhores temas porque as modernas mídias se apressaram em fazer conclusões equivocadas e tudo pode ser imediatamente explicado pelos aparelhos, mesmo com imediatismos e inexatidão das informações.

- O senhor nutre um sentimento de amor pelos lugares por onde passa. Primeiro o bairro de Santa Luzia, onde passou a infância e a adolescência, vivência essa que resultou no livro 'Santa Luzia: História e Memória do povo do Emboca (2008), agora, na fase adulta, o bairro Manoa, bairro sobre o qual versa seu mais novo trabalho, 'História do bairro Manoa (2019). Esse é um sentimento que se explica ou que apenas se sente?

- Eu tenho verdadeira paixão pela História, portanto não precisa dizer que isso não tem explicação (risos). Ou sente amor por ela e faz o que deve ser feito (e bom) ou apenas cumpre a tabela acadêmica. Triste de quem se incumbe em fazer história por fazer, para ganhar títulos e não percebe que no trabalho e no viver histórico tem que ter uma paixão, um apego pelos fatos passados como instrumento de visão, de horizonte que se descortina adiante e você se vislumbra como um profeta. A história é um mergulho profundo no passado como se você estivesse rodando um videoteipe da vida e você, ao seu modo, tentando mudá-la ou estar mesmo dentro dela.

- As zonas Norte e Leste ainda são carentes de uma 'historiografia' sobre suas origens.  Você enxerga seu livro como um trabalho pioneiro?

- Bom, embora interessado no assunto quanto a essas áreas de Manaus, já fiz até alguns levantamentos sobre esses aspectos e escrevi algo no “Atlas Geográfico e Histórico de Manaus” que também está pronto e a espera de patrocínio (não sei quando vai sair). Aliás, já haviam me solicitado fazer esses trabalhos, mas por conta de limites de tempo, recursos e saúde, achei melhor deixar para outros pesquisadores fazerem-nos e darem início a esse processo. Quanto ao livro do Manoa, sinceramente, não sei se existe algum trabalho nesse sentido (não em forma de livro), então foi dado o início, outros poderão completar ou fazer melhor, está tudo em aberto e tudo só deve vir para melhorar.


- Quais os desafios encontrados ao escrever a História de um bairro tão novo como o Manoa?

- Mesmo adepto da história presencial, admito que seja necessário um momento de maturação, deixar as coisas acontecerem e começar então a delimitação do trabalho, a coleta das fontes e, em se tratando de uma história memorialística, portanto fragmentada, dá-se ênfase a história das oralidades, dos relatos das pessoas envolvidas, que depois serão corroborados, se necessário, com as outras fontes. Entretanto, no meu caso, tanto o trabalho de Santa Luzia quanto esse atual (Manoa) o que mais atrapalha é a resistência das pessoas em dar seus depoimentos, em determinados casos nem mesmo querem lhe atender. Há uma desconfiança perene na seriedade desse tipo de trabalho por não terem exemplos confiáveis. Eles acham que serão comprometidos e expostos a algum constrangimento, o que não é verídico. Foi preciso recorrer mesmo a minha experiência e lembranças como morador e participe da própria história da comunidade. Como disse, essa indisposição com a história é cultural, nem mesmo participar dela algumas pessoas querem.

- Infelizmente, a História do Amazonas não faz mais parte da grade curricular do ensino básico do Amazonas. Como o senhor avalia essa situação? Quais os prejuízos para a atual e futuras gerações?

- Na verdade ela existe sim, mas bem precária, em forma de historinhas ou tênues referências quando se trata de identificar monumentos ou locais históricos. É claro que isso é muito ruim para a construção de uma identidade genuinamente amazônica. O resultado é essa aversão de participar até mesmo da história como protagonista. Sempre defendi a história regional como disciplina inicial nas escolas antes mesmo de saber das outras histórias, que são importantes, mas no contexto das crianças estão distantes de uma compressão global e conectá-los com o aqui. No ensino médio ela é ministrada inserida no contexto da História Globalizada, mas ainda muito confusa por falta de material disponível. Tenho livros que são usados na rede particular e até na rede pública, mas nunca me chamaram para fazer nenhuma palestra ou explanação sobre a dinâmica e a felicidade de se produzir um bom livro versando sobre a história da minha terra.

- Recentemente (2016) o senhor foi eleito membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), nossa instituição cultural mais antiga. Existe a possibilidade de se pleitear uma vaga na Academia Amazonense de Letras?

- Aliás, pertenci sim e com muito orgulho, as duas instituições culturais mais antigas do Amazonas: a Universidade do Amazonas (UFAM), herdeira da Universidade Livre de Manáos e agora no IGHA, o guardião da História e da Cultura do nosso Estado, pois são 102 anos preservando e difundindo essa herança cultural de nossa sociedade. Em relação à Academia de Letras, com certeza, qual intelectual que se preza não almejar esse sonho de chegar até o mais alto pedestal desse grande silogeu de cultura do nosso Estado. Ingressar na Academia Amazonense de Letras é o coroamento da vida de quem se dedicou a cultura do Amazonas, é ombrear-se com os mais dignitários homens de letras e das artes e essa é uma consagrada honraria que ainda me falta. Mas, não é proibido sonhar, quem sabe meus trabalhos sensibilizem nossos queridos imortais e estes vejam neles as qualidades suficientes para ser o meu passaporte para aquela casa de Adriano Jorge.

- O senhor sempre foi partidário de uma narrativa concisa produzida com uma linguagem acessível a todos os públicos, pois esse é um dos passos para a democratização do conhecimento. Em todos os seus livros, na introdução, faz questão de destacar esses pontos. Em sua opinião, o que ainda falta ser feito para a consolidação desse processo?

- Recentemente li um artigo de um professor de UFMG que critica o excesso de academicismo nos trabalhos universitários, onde o autor, às vezes, perde 60% do espaço que deveria expor seu projeto com citações e referências, muita das vezes sem nenhum contexto com o que está sendo exposto, puro “enchimento de linguiça” (assim mesmo ele se referiu). Esse apego formalista (necessário), mas abusivamente usando na produção historiográfica atual, prolixo e tautológico, até mesmo aqui no Amazonas, afasta o provável leitor, que quer saber de fato o que o autor quer dizer e, não sei se é para provar sapiência, erudição ou mesmo valorizar a obra do ponto de vista do volume e isso ruim se o trabalho for voltado para o conhecimento público. Mas, se for apenas para dar resposta a uma exigência formal da academia tudo bem.

- Como o senhor enxerga esse grande número de "historiadores" sem formação ou qualquer apreço mais técnico por teorias e metodologias no trato da escrita da História? Até que ponto isso oferece um risco à credibilidade dos profissionais da História?

- Infelizmente ainda temos essas situações, mas nem todas são deletérias ao processo de construção histórica, aliás, alguns desses pesquisadores “heurísticos”, mesmo sem formação acadêmica, já contribuíram para a continuação da pesquisa histórica e o fazer História, mais até do que muita gente titulada. Até porque tem muita gente se formando em história apenas para ter uma graduação e ir para as salas de aula e não se interessando na produção do conhecimento em si e acontece aquela situação: se o profissional não ocupa seu espaço, com certeza os “leigos” assim o farão. Pior ainda são os que não fazem e acham-se no direito de criticar por criticar que fez ou está fazendo, ás vezes até debochado de quem faz, por pura inveja ou incapacidade de reconhecer no colega a grandeza do esforço em contribuir, em valorizar e dignificar a história como objeto de produção de algum conhecimento. Do mesmo modo, existe muita exaltação de ícones históricos que não tem nada a ver com a história regional e muita valorização da titulação, que é bom, mas não como mecanismo de desprezo ou que desabone o trabalho de quem só quer ajudar.

- Por último, quais são seus projetos futuros?

- Tenho a audácia de dizer que tenho 20 livros de história escritos ou por concluir, alguns frutos de prêmios recebidos em concursos promovidos por respeitáveis entidades como FIEAM e que foram muito bem recepcionados pelos avaliadores e pelo público que a eles tiveram acesso. Esses trabalhos já deveria ter sido divulgados para o povo, aliás, quero deixar bem claro que não escrevo história para quem já sabe e sim para os que querem saber e participar também, meu projeto é a “História para o povo”. Mas falta incentivo oficial e a iniciativa privada só está interessada só no lucro e só publica se for autor for “medalhão” da área, se já tiver nome na “praça” porque é retorno garantido, mesmo não atentando para a qualidade do obra em determinadas situações. Vou ver se esse ano dou andamento nesses projetos, vai depender do tempo e da saúde, mas garanto que pelo menos a “História Sincera da Cidade de Manaus” vai sair até o fim do ano e vai brilhar como brilha nossa metrópole.