domingo, 6 de setembro de 2020

Entrevista: José Geraldo Xavier dos Anjos


José Geraldo Xavier dos Anjos nasceu na cidade de Manaus, Estado do Amazonas. Tem Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Especialização em Sistema de Informações Voltados para o Usuário pela mesma instituição, Especialização em Livros Raros e Documentação Antiga pela Biblioteca Nacional e Especialização em História da Saúde na Amazônia pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Foi Membro do Conselho Estadual de Cultura do Amazonas (1993-1994), do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Alfredo da Matta (2000), do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge, Chefe de Gabinete da Fundação Hospital Adriano Jorge (2007-2010) e Chefe do Departamento de Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge até março de 2019. Atualmente é Diretor em exercício de Ensino e Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge. Coordenou, no Amazonas, o projeto de microfilmagem dos relatórios dos Presidentes da Província e da coleção de jornais do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), além de ter participado do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, que microfilmou a documentação histórica sobre o Brasil nos arquivos de Portugal e da Espanha. É membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia Amazonense de Letras (AAL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Possui artigos publicados em jornais e revistas, bem como livros sobre a História da cidade de Manaus e História da Medicina.


— Primeiramente, obrigado por conceder a entrevista. Para iniciarmos, conte um pouco de sua origem e sua família.

- Sou filho de Geraldo Rocha dos Anjos, descendente de família nordestina, e Joana Vasconcelos Xavier dos Anjos, descendente de família portuguesa. Estudei o Primário no Grupo Escolar Getúlio Vargas, Ginasial e Pedagógico no Instituto de Educação do Amazonas e o Científico no Colégio Dom Pedro II. Cursei Biblioteconomia na UFAM. Meu pai era funcionário público municipal e minha mãe era do lar. Com minha mãe aprendi a ler e essa é uma paixão que perdura até hoje. Aos 12 anos comecei por sua influência a ler os grandes clássicos da literatura assim como a conhecer as obras dos grandes filósofos.


— Foi esse incentivo materno pela leitura que lhe motivou, posteriormente, a enveredar pela pesquisa histórica?

- Sim. Tanto no Primário até o término do Segundo Grau eu só tirava 10 em História e Geografia. Na Faculdade, as matérias que tinham História eram nota 10. Na Graduação em Biblioteconomia o que levou à ampliação do conhecimento em História foi a matéria História do Livro e das Bibliotecas, que me deu uma grande base de conhecimento.


— Devo supor que também foi essa influência materna que motivou a escolha pela Graduação em Biblioteconomia, correto? Ou também existiram outros fatores?

- Não. Meus pais queriam que eu estudasse Direito ou Medicina, pois a maior parte da minha família é da área do Direito. Tem juízes, desembargadores e por aí vai. Já a Medicina era desejo do meu padrinho que era o médico e político Menandro Tapajós, que presidiu a Assembleia e foi Governador do Estado. A opção pela Biblioteconomia veio porque gostava muito de ler e achava que em uma biblioteca teria muitos livros para ler, principalmente de História e Geografia.


— Após a Graduação, como foram os primeiros anos de atuação na área? Era um campo pouco explorado na época ou já estava consolidado?

- Logo no segundo ano do curso fui trabalhar na Biblioteca Pública do Estado como Auxiliar de Bibliotecário. Na época ainda não existia a internet então a Biblioteca era bem frequentada por alunos para fazer seus trabalhos. Recebíamos cerca de 300 a 400 deles. A profissão era consolidada, pois já tínhamos as bibliotecas da UFAM, CODEAMA, EMATER e ICOTI, todas com profissionais bibliotecários. Alguns destes órgãos que citei já foram extintos.


— Em que ano você se tornou membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)? Como seu deu o contato com essa instituição e o seu ingresso?

- Com a criação do Ministério da Cultura no Governo Sarney e sendo indicado como Ministro o grande Celso Furtado, as instituições de cultura tomaram um grande fôlego para organizar, planejar e restaurar o patrimônio cultural do país que estava abandonado há anos. Em 1983 a Biblioteca Nacional cria o primeiro curso de Especialização em Obras Raras e Documentos Antigos. Me inscrevi e com a autorização da minha chefia fui para o Rio de Janeiro cursar a Especialização na Biblioteca Nacional, onde tive a oportunidade de conhecer todos os tipos de acervos que compõe a memória nacional. Na volta comecei a organizar a seção de obras raras da Biblioteca Pública. Sabendo deste meu conhecimento, o Presidente do IGHA, na época Robério Braga, me convidou para fazer um diagnóstico do acervo documental e quando me deparei com o rico acervo meu diagnóstico em relatório foi que todo o acervo era raro e único. Fui convidado a fazer parte da equipe de bibliotecários, museólogos, arqueólogos e jornalistas que naquele momento também faziam a transformação e organização do IGHA para servir a sociedade. Duas semanas depois de estar no IGHA fui convidado para assumir o cargo de Diretor Administrativo, o que com muito medo aceitei. Continuamos o trabalho administrativo, organizando os acervos de manuscritos e criando um catálogo. Neste mesmo tempo é criado o Plano Nacional de Microfilmagem de Jornais. Fui convidado pela Coordenadora Nacional, Dra. Esther Bertoletti, para coordenar o projeto no Amazonas. Como resultado de anos neste projeto, o Amazonas microfilmou 80 mil páginas de jornais que hoje alunos e pesquisadores do mundo inteiro usam em suas pesquisas. Também no IGHA participamos do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, que microfilmou toda a documentação da época da Colônia que se encontra em Portugal e na Espanha. Com todo este trabalho no IGHA em 1992 fui consultado pelo Presidente da época, Comendador Junot Carlos Frederico, se não queria fazer parte da sociedade do IGHA, mas que teria que passar pelo processo de seleção. Fui aprovado pela comissão de sindicância e tomei posse no dia 25 de março de 1993 e estou até hoje numa busca incansável pela preservação desta casa de memória do Estado. Tive o prazer de ser o Secretário Geral em muitas diretorias e cheguei ao ápice de presidir o IGHA.


— Nesse período em que você se tornou membro do IGHA, ainda estavam em plena atividade pesquisadores e membros como Mário Ypiranga Monteiro, Padre Raimundo Nonato Pinheiro e outros. De que forma você percebia o panorama intelectual daquele momento?

- Nesta época de convivência no IGHA me tornei amigo de Mário Ypiranga Monteiro, que corrigiu meus primeiros escritos sobre a cidade de Manaus e me levou para a Associação Brasileira de Folclore, seção Amazonas, para fazermos pesquisas o que provocou uma ciumeira danada por ele ter me convidado. Tive e tenho até hoje uma grande amizade com o grande Antonio Loureiro, que também tem lido o que escrevo e me dá suas opiniões. Outro que entrou depois de mim e que fizemos boas parcerias de pesquisa foi o Coronel Roberto Mendonça, com Edinea Mascarenhas Dias.


— Mais recentemente você se tornou membro do IHGB, instituição mór dos institutos históricos e geográficos do Brasil, fundada por Dom Pedro II em 1838. Como se deu o ingresso nessa prestigiada casa de cultura?

- Em novembro de 2018 recebi um telefonema do Presidente do IHGB, Prof. Dr. Arno Wehling, perguntando se gostaria de fazer parte da instituição como membro correspondente e de pronto aceitei a honraria, pois nunca passou na minha cabeça ser membro de uma instituição fundada por Dom Pedro II e de muitas tradições e que já tinha abrigado as inteligências de Arthur Reis e Mário Ypiranga Monteiro. Fui o quarto amazonense a fazer parte desta plêiade de intelectuais que pensam o Brasil. Tive o prazer de tomar posse no ano passado na Presidência de meu amigo particular, Vicente Chermont de Miranda, de tradicional família paraense.


— Além do IGHA você também é Imortal da Academia Amazonense de Letras. São duas das mais antigas instituições culturais do Estado, fundadas em 1917 e 1918 respectivamente. De que forma você enxerga a relação delas com a comunidade?

- Antigamente estas duas casas de cultura eram tidas como lugares vetustos onde só penetravam seus associados e convidados. Quando assumi a administração do IGHA em 1984, comecei a conversar com a Diretoria a abertura do acervo para pesquisadores. No primeiro momento a ideia não foi bem aceita mas fui insistindo e começamos a receber pesquisadores da UFAM que precisavam de material para fazer suas monografias e teses. Me lembro que o primeiro trabalho de defesa de Mestrado foi o da historiadora Eloína Monteiro e isso foi muito bom pois os sócios viram resultados e citações do nome do IGHA no trabalho. Depois veio Selda Vale, Narciso Lobo, Neide Gondim e Edinea Mascarenhas, todos jovens professores da Universidade Federal do Amazonas. Daí em diante não paramos mais de receber pesquisadores. Já a Academia começa a ter uma relação maior com a comunidade na Presidência de José Braga, que criou o projeto Academia de Portas Abertas, no qual recebemos alunos pesquisadores para uma visita e para conversar com os membros da Academia.


— Além da formação voltada para a pesquisa documental, você também possui uma Especialização em História da Saúde na Amazônia. Quando surgiu o interesse por essa área específica da História?

- Surgiu quando trabalhava na assessoria da SUSAM. Em conversa com o Dr. Marcos Barros ele me perguntou porquê eu não me preocupava em estudar a História da saúde no Amazonas, já que tinha muita gente pesquisando a História da cidade. Fiquei pensando na ideia, aí fui organizar a biblioteca da Fundação Alfredo da Matta. Chegando lá comecei a perguntar se os funcionários conheciam o patrono da instituição e ninguém conhecia. Comecei a pesquisar quem tinha sido esta grande figura da saúde. Neste tempo foi criada a FAPEAM e apresentei um projeto e ganhei uma bolsa para pesquisar a obra de Alfredo da Matta. Daí em diante não parei mais de pesquisar sobre História da saúde. Quando em 2010 a FIOCRUZ-Manaus ofereceu o primeiro curso de Especialização em História da Saúde na Amazônia, me inscrevi, fiz a prova e logrei êxito e hoje sou um Especialista nesta área. Participo de grupos de pesquisas, seminários e congressos com esta temática, sempre apresentando pesquisas novas nesses eventos.


— Ainda sobre a História da Saúde na Amazônia, que pesquisas você vem desenvolvendo sobre essa temática?

- Temos trabalhos publicados sobre as doenças na Amazônia Colonial, Alfredo da Matta e a saúde no Amazonas, as epidemias no Amazonas (1855-1930 e 1930-2000), Djalma Batista e a tuberculose no Amazonas, Saúde no Amazonas (1890-1920 e 1930-2000), História da Hanseníase no Amazonas, Os leprosários em Manaus e agora estou desenvolvendo um projeto sobre o sanitarismo no Amazonas. Todos estes trabalhos estão publicados em anais de congressos, jornais e revistas da área.


— Durante sua trajetória acadêmica, quais autores foram marcantes?

- Jean-Jacques Rousseau, Walter Benjamin, Jacques Le Goff, Eduardo Galvão, Gore Vidal e tantos outros que no momento não me recordo.


— Em algum momento você cogitou seguir a docência?

- Quando terminei a Especialização em Livros Raros e Documentação Antiga fui convidado pelos professores do curso de Biblioteconomia para fazer parte do quadro de professores, mas recusei pois já estava desenvolvendo o projeto de organização da Seção de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, e também já estava administrando o IGHA e não me via dentro de uma sala dando aula.


— Sobre qual tema versou seu trabalho de conclusão de curso na Especialização em História da Saúde na Amazônia?

- Alfredo da Matta e a Saúde no Amazonas.


— Poderia dar mais detalhes sobre?

- O trabalho consiste na pesquisa sobre a atuação do médico Alfredo da Matta no Estado do Amazonas como gestor público, sua produção científica, participações em congressos nacionais e internacionais e a criação da Revista Amazonas Médico.


— Para concluir, que mensagem você deixa para os futuros acadêmicos em História?

- Que os futuros pesquisadores tenham consciência de seu papel perante a comunidade científica e com a sociedade, trazendo novas luzes para a conhecimento da História de nosso Estado e tenham você, jovem apaixonado pelos meandros da História, como inspiração.

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