Aguinaldo Nascimento Figueiredo nasceu em Manaus, Amazonas, em 1958. Filho do bairro de Santa Luzia, na zona Sul da capital, ingressou na Marinha em 1976. Deixando a vida militar no início dos anos 1980, graduou-se em História na Universidade Federal do Amazonas em 2000. Há 26 anos é professor da rede pública de ensino. Publicava as colunas História do Amazonas e Museu do Conhecimento no jornal O Estado do Amazonas, o que lhe rendeu, em 2004, Votos de Aplauso no Senado Federal. Escreveu também para a Folha Comercial do Amazonas e a Revista Big Amazônia, totalizando 500 artigos publicados. Além da carreira docente, notabilizou-se pelas pesquisas históricas que deram origem aos seguintes trabalhos: História do Amazonas (2000, 7 edições); Santa Luzia: História e Memória do Povo do Emboca (2008); Os Samurais das Selvas: A Presença Japonesa do Amazonas (2012); e o mais recente e já esgotado, História e Memória do Bairro do Manôa (2019). Foi eleito, em 2016, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).
- De militar da Marinha a historiador consagrado no Estado do Amazonas. Como foi essa transição de carreira?
- o ingresso na vida militar foi ditado por vários fatores. Naquele tempo, ainda adolescente, não via muito vislumbre em seguir algum projeto consistente na vida não. Estudava e era um bom aluno, principalmente em História. Mas, a vida em minha família era dura, todo mundo tinha que trabalhar para ajudar no sustento e eu nunca fui muito adepto de trabalho extenuante e sem o devido retorno pecuniário. Eu era um menino problemático, por conta das doenças típicas de infância, além de notória rebeldia com o autoritarismo como éramos tratados entre outros problemas. Havia em mim um supremo desejo de viver minha vida sozinho, conhecer outros lugares, sair de Manaus mesmo, dar minhas cabeçadas sem culpar ninguém. Foi quando li um folheto do Ministério da Marinha “um canto de sereia”, bem chamativo exaltando a vida militar na força naval como sendo a realização pessoal de qualquer jovem, junto com o apelo ao “patriotismo” em voga naquele momento do regime militar. Ademais não gostava da agressividade com que se dizia da vida militar no Exército, que para mim era coisa de “peão”. Entrei e fiquei por quase 6 anos, quando, depois de uma passagem para lá de polêmica, percebi que meu temperamento e meu futuro não era ser “Cabo Velho” de marinha e resolvi sair e voltar para Manaus. Mas, a paixão pela história está em mim desde que aprendi a ler, mesmo ainda não decidindo estudar História, fazer história e ter a História como fonte de vida e profissão.
- Na graduação ou mesmo antes dela sempre encontramos autores que nos inspiram na caminhada pela História. Quais foram seus referencias na graduação e quais são os seus atuais?
- Aprendi a ler antes de entrar na escola com ajuda da minha mãe que, apesar das precariedades da vida que levou, conhecia a cartilha do abc e sabia usá-la muito bem na alfabetização dos filhos e isso foi o suficiente para me ensinar (sempre debaixo de muita peia, risos). Eu lia muitos livros, li todas as enciclopédias: Barsa, Mirador e Britânica na casa do professor Zé. Meu primeiro livro ainda tenho em meu poder e chama-se “Rio Turbulento”, de Balthazar de Godoy, que conta a história da fundação da cidade Cuiabá, editado em 1968. Tenho outros exemplares dos clássicos de Isaque Asimov, Karl Segan e uma vasta coleção de tantos escritores que não dá para nominar.
- Sua monografia foi sobre as origens do PTB em Manaus, um trabalho voltado para a História Política. Dentre as inúmeras vertentes da História, quais são as que mais chamam sua atenção?
- Leio todas vertentes e vejo quais se adequam ao meu pensamento dentro da História. Adotei a vertente do memorialismo por ser esta uma linha que dá condições de a história valorizar o homem antropológico mesmo. As pessoas, indistintamente, têm suas histórias e, algumas delas, têm certa relevância no contexto social e politico de determinadas comunidades, que são importantes e que representam a essência do convívio fraterno, da solidariedade e do fazer social ao seu jeito, arcabouço cultural que merece ser sim resgatado para a posteridade e essa é minha proposta. Da Macro História já tem muita gente se incumbindo de fazer e muito bem.
- Do final dos anos 90, período em que se formou em História, aos dias de hoje, o que o senhor acredita que mudou na relação do grande público com os historiadores e a História?
- aqui no Amazonas, especificamente, apesar do crescimento demográfico ostensivo, principalmente na cidade de Manaus, o interesse pelo estudo e conhecimento da história, até mesmo a história local, foi muito tímido, apenas alguma camada social mais aquinhoada se interessa em conhecer mesmo nossas origens, nossas raízes e nossa cultura, mas apenas de forma dilatante, não se importando mesmo com as mudanças que o conhecimento histórico pode representar como mudanças de hábitos e valores locais, como sentimento de apetecimento para com a cidade e seu patrimônio histórico ou mesmo saber que temos uma história de milênios de sabedoria e experiências fantásticas de como respeitar a natureza, o mundo e outros valores caros à humanidade. Não há interesse em se aprofundar nos melhores temas porque as modernas mídias se apressaram em fazer conclusões equivocadas e tudo pode ser imediatamente explicado pelos aparelhos, mesmo com imediatismos e inexatidão das informações.
- O senhor nutre um sentimento de amor pelos lugares por onde passa. Primeiro o bairro de Santa Luzia, onde passou a infância e a adolescência, vivência essa que resultou no livro 'Santa Luzia: História e Memória do povo do Emboca (2008), agora, na fase adulta, o bairro Manoa, bairro sobre o qual versa seu mais novo trabalho, 'História do bairro Manoa (2019). Esse é um sentimento que se explica ou que apenas se sente?
- Eu tenho verdadeira paixão pela História, portanto não precisa dizer que isso não tem explicação (risos). Ou sente amor por ela e faz o que deve ser feito (e bom) ou apenas cumpre a tabela acadêmica. Triste de quem se incumbe em fazer história por fazer, para ganhar títulos e não percebe que no trabalho e no viver histórico tem que ter uma paixão, um apego pelos fatos passados como instrumento de visão, de horizonte que se descortina adiante e você se vislumbra como um profeta. A história é um mergulho profundo no passado como se você estivesse rodando um videoteipe da vida e você, ao seu modo, tentando mudá-la ou estar mesmo dentro dela.
- As zonas Norte e Leste ainda são carentes de uma 'historiografia' sobre suas origens. Você enxerga seu livro como um trabalho pioneiro?
- Bom, embora interessado no assunto quanto a essas áreas de Manaus, já fiz até alguns levantamentos sobre esses aspectos e escrevi algo no “Atlas Geográfico e Histórico de Manaus” que também está pronto e a espera de patrocínio (não sei quando vai sair). Aliás, já haviam me solicitado fazer esses trabalhos, mas por conta de limites de tempo, recursos e saúde, achei melhor deixar para outros pesquisadores fazerem-nos e darem início a esse processo. Quanto ao livro do Manoa, sinceramente, não sei se existe algum trabalho nesse sentido (não em forma de livro), então foi dado o início, outros poderão completar ou fazer melhor, está tudo em aberto e tudo só deve vir para melhorar.
- Quais os desafios encontrados ao escrever a História de um bairro tão novo como o Manoa?
- Mesmo adepto da história presencial, admito que seja necessário um momento de maturação, deixar as coisas acontecerem e começar então a delimitação do trabalho, a coleta das fontes e, em se tratando de uma história memorialística, portanto fragmentada, dá-se ênfase a história das oralidades, dos relatos das pessoas envolvidas, que depois serão corroborados, se necessário, com as outras fontes. Entretanto, no meu caso, tanto o trabalho de Santa Luzia quanto esse atual (Manoa) o que mais atrapalha é a resistência das pessoas em dar seus depoimentos, em determinados casos nem mesmo querem lhe atender. Há uma desconfiança perene na seriedade desse tipo de trabalho por não terem exemplos confiáveis. Eles acham que serão comprometidos e expostos a algum constrangimento, o que não é verídico. Foi preciso recorrer mesmo a minha experiência e lembranças como morador e participe da própria história da comunidade. Como disse, essa indisposição com a história é cultural, nem mesmo participar dela algumas pessoas querem.
- Infelizmente, a História do Amazonas não faz mais parte da grade curricular do ensino básico do Amazonas. Como o senhor avalia essa situação? Quais os prejuízos para a atual e futuras gerações?
- Na verdade ela existe sim, mas bem precária, em forma de historinhas ou tênues referências quando se trata de identificar monumentos ou locais históricos. É claro que isso é muito ruim para a construção de uma identidade genuinamente amazônica. O resultado é essa aversão de participar até mesmo da história como protagonista. Sempre defendi a história regional como disciplina inicial nas escolas antes mesmo de saber das outras histórias, que são importantes, mas no contexto das crianças estão distantes de uma compressão global e conectá-los com o aqui. No ensino médio ela é ministrada inserida no contexto da História Globalizada, mas ainda muito confusa por falta de material disponível. Tenho livros que são usados na rede particular e até na rede pública, mas nunca me chamaram para fazer nenhuma palestra ou explanação sobre a dinâmica e a felicidade de se produzir um bom livro versando sobre a história da minha terra.
- Recentemente (2016) o senhor foi eleito membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), nossa instituição cultural mais antiga. Existe a possibilidade de se pleitear uma vaga na Academia Amazonense de Letras?
- Aliás, pertenci sim e com muito orgulho, as duas instituições culturais mais antigas do Amazonas: a Universidade do Amazonas (UFAM), herdeira da Universidade Livre de Manáos e agora no IGHA, o guardião da História e da Cultura do nosso Estado, pois são 102 anos preservando e difundindo essa herança cultural de nossa sociedade. Em relação à Academia de Letras, com certeza, qual intelectual que se preza não almejar esse sonho de chegar até o mais alto pedestal desse grande silogeu de cultura do nosso Estado. Ingressar na Academia Amazonense de Letras é o coroamento da vida de quem se dedicou a cultura do Amazonas, é ombrear-se com os mais dignitários homens de letras e das artes e essa é uma consagrada honraria que ainda me falta. Mas, não é proibido sonhar, quem sabe meus trabalhos sensibilizem nossos queridos imortais e estes vejam neles as qualidades suficientes para ser o meu passaporte para aquela casa de Adriano Jorge.
- O senhor sempre foi partidário de uma narrativa concisa produzida com uma linguagem acessível a todos os públicos, pois esse é um dos passos para a democratização do conhecimento. Em todos os seus livros, na introdução, faz questão de destacar esses pontos. Em sua opinião, o que ainda falta ser feito para a consolidação desse processo?
- Recentemente li um artigo de um professor de UFMG que critica o excesso de academicismo nos trabalhos universitários, onde o autor, às vezes, perde 60% do espaço que deveria expor seu projeto com citações e referências, muita das vezes sem nenhum contexto com o que está sendo exposto, puro “enchimento de linguiça” (assim mesmo ele se referiu). Esse apego formalista (necessário), mas abusivamente usando na produção historiográfica atual, prolixo e tautológico, até mesmo aqui no Amazonas, afasta o provável leitor, que quer saber de fato o que o autor quer dizer e, não sei se é para provar sapiência, erudição ou mesmo valorizar a obra do ponto de vista do volume e isso ruim se o trabalho for voltado para o conhecimento público. Mas, se for apenas para dar resposta a uma exigência formal da academia tudo bem.
- Como o senhor enxerga esse grande número de "historiadores" sem formação ou qualquer apreço mais técnico por teorias e metodologias no trato da escrita da História? Até que ponto isso oferece um risco à credibilidade dos profissionais da História?
- Infelizmente ainda temos essas situações, mas nem todas são deletérias ao processo de construção histórica, aliás, alguns desses pesquisadores “heurísticos”, mesmo sem formação acadêmica, já contribuíram para a continuação da pesquisa histórica e o fazer História, mais até do que muita gente titulada. Até porque tem muita gente se formando em história apenas para ter uma graduação e ir para as salas de aula e não se interessando na produção do conhecimento em si e acontece aquela situação: se o profissional não ocupa seu espaço, com certeza os “leigos” assim o farão. Pior ainda são os que não fazem e acham-se no direito de criticar por criticar que fez ou está fazendo, ás vezes até debochado de quem faz, por pura inveja ou incapacidade de reconhecer no colega a grandeza do esforço em contribuir, em valorizar e dignificar a história como objeto de produção de algum conhecimento. Do mesmo modo, existe muita exaltação de ícones históricos que não tem nada a ver com a história regional e muita valorização da titulação, que é bom, mas não como mecanismo de desprezo ou que desabone o trabalho de quem só quer ajudar.
- Por último, quais são seus projetos futuros?
- Tenho a audácia de dizer que tenho 20 livros de história escritos ou por concluir, alguns frutos de prêmios recebidos em concursos promovidos por respeitáveis entidades como FIEAM e que foram muito bem recepcionados pelos avaliadores e pelo público que a eles tiveram acesso. Esses trabalhos já deveria ter sido divulgados para o povo, aliás, quero deixar bem claro que não escrevo história para quem já sabe e sim para os que querem saber e participar também, meu projeto é a “História para o povo”. Mas falta incentivo oficial e a iniciativa privada só está interessada só no lucro e só publica se for autor for “medalhão” da área, se já tiver nome na “praça” porque é retorno garantido, mesmo não atentando para a qualidade do obra em determinadas situações. Vou ver se esse ano dou andamento nesses projetos, vai depender do tempo e da saúde, mas garanto que pelo menos a “História Sincera da Cidade de Manaus” vai sair até o fim do ano e vai brilhar como brilha nossa metrópole.
Parabéns Professor Aguinaldo Figueiredo. Sempre nos presenteando e nos enriquecendo de conhecimentos através da nossa Historia.
ResponderExcluirQue bacana! Confesso que vi alguns títulos do professor em questão na biblioteca da FIEAM, mas acabei optando por outros. Espero em breve ter a oportunidade de lê-los. Tomei conhecimento de sua obra através do historiador Gaspar Vieira, que publicou excelente trabalho sobre os primórdios do futebol em nosso Estado.
ResponderExcluir