segunda-feira, 25 de março de 2019

Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)

Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). FOTO: A Crítica, 2018.

Neste dia 25 de março o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), localizado entre as ruas Bernardo Ramos e Frei José dos Inocentes, no antigo bairro de São Vicente, Centro Antigo de Manaus, completou 102 anos de fundação. Por várias décadas o IGHA foi o polo irradiador da produção dos conhecimentos geográfico e histórico na região, sendo uma instituição cuja trajetória não deve ser esquecida. No presente texto não pretendo abordar toda a sua história, pois seria uma tarefa hercúlea, mas apenas fazer algumas incursões por seus primeiros anos de atividades.

O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), popularmente conhecido como Casa de Bernardo Ramos, foi fundado por Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (Presidente), Agnello Bittencourt (1° Secretário) e Vivaldo Palma Lima (2° Secretário) no Conselho Municipal de Manaus em 25 de março de 1917, sendo, depois da Universidade Livre de Manáos (1909) e antes da Academia Amazonense de Letras (1918), a instituição científica mais antiga do Amazonas. Instalado solenemente em 18 de maio, foi um dos últimos institutos do gênero a surgir no Brasil, preenchendo uma lacuna na produção e divulgação das pesquisas sobre a geografia e a história do Amazonas, bem como na conservação de documentos sobre essas duas áreas (1).

Os estatutos do instituto foram aprovados pelo Decreto N° 1.190 de 10 de Abril de 1917, e em 18 do mesmo mês, através do Decreto N° 1.191, foram concedidos pelo Estado os prédios n° 19 e 21 localizados entre as ruas de São Vicente (Bernardo Ramos) e Frei José dos Inocentes. Em mensagem de 10 de Julho de 1918, o Governador Alcantar Bacelar informava que 

"Esta respeitavel Associação scientifica, creada sob os auspicios do Governo do Estado, está definitivamente installada á rua de São Vicente, d'esta cidade, em proprio estadoal" (2).

O belo casarão localizado no antigo bairro de São Vicente, agora sede do IGHA, estava em péssimas condições. O corpo administrativo do Instituto, não dispondo de recursos, solicitou ao Governador que fossem realizados reparos e adaptações em sua estrutura, no que foi atendido. O Governador lembrou que, estando ele devidamente instalado, poderia receber a Coleção de Numismática do Amazonas, conforme apresentado em projeto dos deputados Adriano Jorge, Jonathas Pedrosa Filho e Coronel Raymundo Neves. Para que funcionasse sem dificuldades, sugeriu que lhe fosse concedido um auxílio financeiro anual (3).

Nesse mesmo ano, em julho, foi apresentado o projeto que, através de recibo, cedia o quadro de Dom Pedro II, localizado na sala de sessões do Conselho Municipal, ao IGHA. A obra foi posta no Salão  Nobre, que leva o nome do antigo Imperador. O ano de 1917 se encerraria com a visita do renomado historiador paranaense José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), membro do IHGB. Rocha Pombo chegou em Manaus em 6 de novembro. Estava em viagem pelos estados brasileiros com o objetivo de fazer pesquisas em seus arquivos, preparando-se para a produção de um livro sobre a História do Brasil que seria publicado em 1922, ano do centenário da Independência. Os membros do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas realizaram, em 12 de novembro, na Assembleia Legislativa do Estado, uma sessão solene em sua homenagem. O historiador ficou na cidade até o dia 15 de novembro, quando partiu para o Sul do país.

Em 25 de fevereiro de 1919, por ocasião da realização do Congresso Brasileiro de Geografia, em Belo Horizonte, que teve como principal discussão as questões dos limites entre alguns estados da Federação (4), foi nomeada uma comissão de membros do instituto formada por Antonio Monteiro de Sousa, José Furtado Belém e Agnello Bittencourt para representar o Amazonas. Neste momento começavam-se os preparativos para a comemoração do Centenário da Independência do Brasil, que ocorreria em 1922. No ano do centenário, durante o Congresso Internacional de História da América, seria apresentado "um Diccionario Historico, Geographico e Ethnographico do Brasil" (5). Para escrever a parte do dicionário referente ao Amazonas e representar o Estado no Congresso Internacional de História da América, foi nomeada uma comissão formada por João Batista de Faria e Sousa, Vivaldo Palma Lima e Agnello Bittencourt. Os membros do instituto pediram que o Governo do Estado do Amazonas fizesse um recenseamento dos habitantes dos municípios amazonenses, de forma a apresentar dados demográficos mais consistentes.

De 3 a 4 de maio de 1919 o sócio fundador Bernardo de Azevedo da Silva Ramos apresentou duas conferências sobre 'Tradições e Inscripções do Brasil Pre-Historico'. Esperava-se que o Estado financiasse, logo que possível, a publicação da obra. No entanto ela só ocorreria em 1932, de forma póstuma, no Rio de Janeiro.

Diferente da maioria de seus congêneres, o Instituto do Amazonas é geográfico e histórico, e não histórico e geográfico. De acordo com o historiador e professor do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Luís Balkar Sá Peixoto, isso ocorreu pelo prestígio de um de seus membros fundadores, o geógrafo Agnello Bittencourt (6). Pode-se pensar, além do papel de destaque de Bittencourt, no fato de que, quando foi criado, estava em jogo, na região, a questão das fronteiras com os outros estados, sendo necessário o predomínio dos estudos sobre a geografia do Estado para assegurar sua soberania.

Informações sobre o seu corpo administrativo nos primeiros anos podem ser encontradas no Almanaque Laemmert, publicado no Rio de Janeiro. Para o triênio de 1920 a 1923 ele estava organizado da seguinte forma: "Diretoria: Presidente - Coronel Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, ex-governador do Estado, 1° Vice-Presidente - Dr. Antonio Ayres de Almeida Freitas, ex-superintendente de Manaus, 2° Vice-Presidente - Dr. Franklin Washington da Silva e Almeida, professor da Faculdade de Direito, 1° Secretário (perpétuo) - Professor Agnello Bittencourt, catedrático do Gymnasio Amazonense, 2° Secretário - Dr. Paulo Eleutherio Alves da Silva, professor da Escola Média de Agricultura, Orador (perpétuo) - Dr. Vivaldo Palma Lima, diretor do Gymnasio Amazonense, Tesoureiro - Dr. João Batista de Faria e Souza, da Associação de Imprensa Amazonense. Comissões:  De sindicância, redação de estatutos, regimentos e regulamentos: Dr. Manoel Miranda Simões, Dr. Vicente Telles de Souza Junior e Dr. Raymundo de Carvalho Palhano. De finanças: Dr. Antonio Crespo de Castro, Coronel Antonio Lopes Barroso e Dr. M. M. Simões. De redação da Revista do Instituto:  Coronel Antonio Bittencourt, professor Agnello Bittencourt e Dr. Vivaldo Lima. De geografia: Dr. Agnello Bittencourt, Dr. Theogeur da Silva Beltrão e Dr. José Chevalier Carneiro de Almeida. De observações astronômicas, limites e levantamentos de cartas do Estado: Dr. Lourival Alves Muniz, Dr. Henrique José Mouers e Capitão Tenente Armando Octávio Roxo. De historia: Cônego Dr. Israel Freire de Souza, Dr. Vivaldo Lima e Dr. J. B. de Faria e Souza. De arqueologia: Dr. Henrique José Mouers, Coronel José da Costa Monteiro Tapajós e Coronel Bernardo de Azevedo da Silva Ramos. De etnografia: Dr. José de Moraes, Dr. Astrolabio Passos e Dr. João Manoel Dias. De antropologia: Dr. Basílio Torreão Franco de Sá, Dr. Hamilton Mourão e Dr. Ricardo Matheus Barbosa de Amorim. De botânica e zoologia: Dr. Francisco Lopes Braga, Dr. Alfredo Augusto da Matta e Dr. Angelino Bevilacqua. De Geologia e mineralogia: Dr. Antonio Telles de Souza, Dr. F. Lopes Braga e Dr. Gilberto Frignani. De filologia: Dr. Adriano Augusto de Araujo Jorge, Dr. Placido Serrano Pinto de Andrade e Dr. João Coelho de Miranda Leão. De agricultura e zootécnica: Dr. Paulo Eleutherio Alvares da Silva,  Dr. Manoel Peretti da Silva Guimarães e Comendador José Claudio de Mesquita. De comércio, industria e navegação: Dr. Luiz Maximiano de Miranda Corrêa, Dr. Adelino Cabral da Costa e Coronel José da Costa Teixeira. De numismática, tombamento, pesquisa de documentos, obras e manuscritos antigos e raros: Coronel Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, Coronel Raymundo Monteiro e Dr. J. B. de Faria e Souza" (7).

Observando o corpo administrativo de 1920-1923, percebe-se que o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas era formado por intelectuais com uma larga tradição e produção locais, posteriormente incorporados na Academia Amazonense de Letras e outras instituições. Agnello Bittencourt (1876-1975) era professor de Geografia Geral e Corografia do Brasil no Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, membro da Academia Amazonense de Letras, da Maçonaria e sócio do IHGB. Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1858-1931), além da carreira militar, foi arqueólogo, linguista e numismata. Vivaldo Palma Lima (1877-1949) foi professor química e física do Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, médico, farmacêutico, jornalista, político e bacharel em Direito. Muitos também começaram atuando na arena jornalística, como João Batista de Faria e Souza, funcionário público e membro da Associação de Imprensa do Amazonas que atuava no Diário Oficial, jornal Amazonas e Jornal do Comércio publicando artigos sobre a história da cidade de Manaus.

Apesar de ter sido tardiamente criado, o IGHA seguia os moldes do IHGB, criado no Rio de Janeiro em 1838. Era uma academia ilustrada formada por membros oriundos da elite política e econômica. O grande número de comissões mostra que a geografia e a história não eram os únicos campos de atuação do instituto, que abarcava um amplo número de áreas do conhecimento. Os cursos universitários de Geografia e História surgiram no Amazonas apenas em 1981. Até aquele momento o IGHA monopolizava esses dois campos. E, parecendo ser uma tradição em todo o Brasil, nem sempre pelas mãos de pessoas da área, mas por advogados, jornalistas e autodidatas (o que ocorre até os dias de hoje). A relação entre o meio universitário e o IGHA, por esse motivo, sempre foi conflituoso. De um lado, a universidade (parte dela) não vê com bons olhos a produção do conhecimento sem teorias e métodos e, em certa medida, de forma idílica (sem a crítica das relações dialéticas que movem as sociedades). Do outro, o instituto prefere manter-se distante de novas discussões e aportes teóricos.


Nos últimos anos, no entanto, vêm ocorrendo mudanças nessa relação. Professores universitários passaram a fazer parte o instituto, e antigos membros deste passaram a buscar a especialização em suas áreas de interesse. Apenas dessa forma colaborativa o conhecimento pode ser produzido, divulgado e consumido de forma mais ampla e democrática.

Posso dizer que felizmente faço parte dessa história, dessa troca de conhecimentos entre a universidade e o centenário Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Com incentivo do amigo e membro Antonio José Souto Loureiro, publiquei em 2016 na revista do instituto o artigo A evolução da via pública em Manaus (séc. XVII-XXI), sobre o surgimento das primeiras ruas de Manaus e a evolução destas até os dias atuais. Que venham mais séculos de existência, mais pesquisas e mais conquistas para a Casa de Bernardo Ramos

NOTAS:

(1) Amazonas. Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na abertura da Segunda Sessão Ordinaria da Nona Legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de Julho de 1917, p. 92.

(2) Amazonas. Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na Abertura da Terceira sessão Ordinaria da nona legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de Julho de 1918, p. 88.

(3) ________., p. 89.

(4) CARDOSO, Luciene Pereira Carris. Os congressos brasileiros de geografia entre 1909 e 1944. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p. 90.

(5) Amazonas. Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na abertura da primeira sessão ordinaria da decima legislatura, pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de Julho de 1919, p. 124.

(6) MENDONÇA, Roberto. Relíquias do Amazonas são vistas no exterior. Manaus, Jornal do Comércio, 07/08/2001.

(7) Almanak Laemmert. 3°Vol. Estados do Norte. Rio de Janeiro, 1921, p. 3164-3165.


CRÉDITO DA IMAGEM:

A Crítica.

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