Hotel Cassina. FOTO: Implurb, 2015.
O Hotel Cassina foi um dos
principais hotéis de Manaus em fins do século XIX e início do XX,
rivalizando com o Grande Hotel, na Avenida Sete de Setembro (o prédio
abriga, nos dias de hoje, diferentes tipos de loja) e o Hotel
Restaurant Français, na Avenida Eduardo Ribeiro (descaracterizado).
Há mais de meio século que o prédio, localizado entre as ruas
Bernardo Ramos e Governador Vitório, na Praça Dom Pedro II (antiga
Praça da República), está reduzido a condição de ruínas,
existindo apenas as quatro paredes e parte das armações de ferro.
Conforme
anunciado na edição de 25 de outubro de 1894 do Diário Oficial do
Estado do Amazonas, o italiano Andrea Cassina era proprietário do
Café Restaurant Amazonense, localizado onde estava sendo construído
o futuro Hotel Cassina, em frente a Praça da República (atual Praça
Dom Pedro II)¹. O restaurante foi oficialmente inaugurado em 28 de
outubro daquele ano. No Almanach do Amazonas de 1896, o negócio,
além de restaurante, já estava funcionando como pensão, sendo
informado ao público que um prédio apropriado para esse fim estava
sendo construído no lugar. Em 1899 o Hotel Cassina já estava em
pleno funcionamento, sendo anunciado local, nacional e
internacionalmente. Seu primeiro proprietário foi o italiano Andrea Cassina, cujo nome
batizou o empreendimento. Pouco se sabe sobre ele. Estabeleceu-se em
Manaus no final do século XIX. Em 1891 ou 1892 adquire o Hotel do
Commercio, localizado na Praça da República 2,
e em 1894 a mercearia de Antonio Ribeiro, localizada na rua de São
Vicente 3.
Em 1899, quando teve que viajar para a Itália para cuidar da saúde,
admitiu como sócio do hotel o empresário Hernani Donati, que
cuidaria dos negócios até seu retorno 4.
Cassina, talvez por esses problemas de saúde, faleceu em 1905.
O Hotel Cassina surge no período
em que as atividades comerciais ligadas à extração do látex e
comercialização da borracha começam a impulsionar o crescimento da
cidade. Seus dirigentes passam a realizar grandes obras para torná-la atrativa para o estabelecimento de empresas. Afluíram a
capital imigrantes de diferentes nacionalidades. Os serviços de
hospedaria começavam a se tornar uma necessidade. Além do Cassina e
dos já citados Grande Hotel e Hotel Restaurant Français, existiram
o Hotel de França, Hotel da Madama, Grande Hotel Internacional e um
sem número de pensões e cortiços, estes dois últimos geralmente
frequentados e habitados por pessoas de baixo poder aquisitivo.
Mais que um hotel, também era
uma casa de prostituição, mas uma ‘prostituição’ oficial, que
não sofria com as sanções da municipalidade e seus Códigos de
Posturas. Uma fatia considerável de seus frequentadores eram homens
que geriam os negócios da cidade e que dominavam a máquina pública.
Buscavam no Cassina prostitutas de luxo, as conhecidas polacas
e coccotes eternizadas por uma historiografia saudosista que
não se preocupou com as agonias do baixo meretrício 5.
De acordo com o historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo, “nos
confortáveis aposentos os magnatas da borracha ou ilustres
visitantes promoviam verdadeiras orgias baconianas que incluíam
inclusive leilões de virgens”6.
As ruínas do Hotel Cassina vistas da rua Governador Vitório. FOTO: Girlene Medeiros, G1, 2013.
A partir de 1905 o hotel, agora
Grande Hotel Cassina, passa a ser administrado por Luiz Pinto &
Cia, que o reinaugurou no dia 27 de dezembro daquele ano 7.
Em 1910 o negócio é comprado por Fernandes & Cia, proprietários
até 1913, quando ele é adquirido pelos sócios J. C. Leitão
Melita, Aurelio Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes. Nos anúncios
que se seguem a 1918, surge o nome de Gomes, Telles & Cia como
novos proprietários. Gomes Telles & Cia, em 1° de janeiro de
1922, abriram uma filial do Grande Hotel Cassina na rua Municipal
(Avenida Sete de Setembro), na esquina com a rua Marechal Deodoro 8.
Gomes, Telles & Cia, aparentemente, foram seus últimos donos 9.
Seus anúncios e álbuns nos dão
uma dimensão de sua estrutura e serviços, bem como alguns aspectos
de seu interior. Em 1899, ano em que o prédio e os serviços foram
remodelados e melhorados, Andrea Cassina anunciava que o hotel
possuía “[...] bons quartos arejados, bem mobiliados e com
todas as commodidades. Salas e salões”, além de “bebidas
finas e das melhores procedências. Vinhos finos e de mesa,
portuguezes, francezes, italianos, hespanhóes e do reino”10.
No livro Impressões do Brazil no século Vinte,
editado em 1913, ele é
descrito da seguinte forma:
“Este
hotel ocupa um edifício novo, de dois andares, de alvenaria de
tijolo e pedra, situado em um lado da Praça da República e com
frente para duas outras ruas. A entrada principal do hotel fica
fronteira ao jardim da Praça da República e a vista das janelas na
fachada principal se estende pelos canteiros floridos, gramados,
ornamentados por fontes e estátuas, plantas e árvores tropicais
daquele belo jardim, do qual o hotel fica separado apenas pela
largura da rua.
O
Hotel Cassina é todo iluminado por elétrica; os banheiros com
chuveiro ficam situados no primeiro andar; dispõe de 45 quartos e,
em ocasiões excepcionais, tem já acomodado 100 pessoas. O salão de
jantar tem capacidade para 150 pessoas, e o menu é sempre de
primeira ordem, sendo o serviço do pessoal do hotel um dos melhores
do Brasil. Os aposentos são amplos e bem mobiliados. O hotel tem
pessoal encarregado de esperar os vapores que chegam; automóveis e
carros podem ser facilmente obtidos no hotel, para qualquer hora do
dia ou da noite; os tramways elétricos passam a umas 50 jardas do
edifício.
Perto
do hotel ficam a sede do comando militar da região e o palácio do
governador do estado. Nele se têm hospedado os viajantes mais
notáveis que chegam a Manaus, e o hotel tem tido referências
elogiosas em vários livros publicados por viajantes europeus.
São
proprietários do Hotel Cassina os srs. J. C. Leitão Melita, Aurelio
Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes, sendo gerentes os dois
primeiros”11.
Nas
fotografias desse e
de outros livros
e álbuns é
possível ver um
prédio eclético de dois andares, com pisos de madeira (material
largamente utilizado em construções residencias e comerciais) e
paredes revestidas com papéis com motivos florais, sustentado
por colunas de ferro. O
único registro de Andrea Cassina que se tem conhecimento foi
produzido pelo fotógrafo italiano Vittorio Turatti em 1898, fazendo
parte do álbum
O Estado do
Amazonas,
publicado em 1899, de autoria do fotógrafo Arthuro Lucciani e do
escritor Bertino de Miranda Lima.
Hotel Cassina. Álbum O Estado do Amazonas, 1899. FONTE: Biblioteca Virtual do Amazonas.
O
Hotel Cassina, como pôde ser visto em
sua evolução administrativa,
funcionou regularmente, e também com uma filial, até a década de
1920. Ele começa, então, a desaparecer dos anunciadores e
almanaques comerciais, bem como dos álbuns fotográficos. No
primeiro Guia
Turístico e Comercial de Manaus,
publicado em 1932 por Edezio de Freitas, menciona-se que na
cidade,
por conta da crise financeira
que
atingia o Estado, não existiam hotéis que fizessem jus ao nome, mas
são citados, como sendo de primeira e segunda ordem,
respectivamente, o Grande Hotel, o Hotel Brasil e a Pensão Avenida.
O Cassina sequer é mencionado 12.
Na
década de 1940 ele surge apenas na pena dos memorialistas, que
lembram-se dele de forma saudosista, quando estava no auge, período
em que recebia pessoas dos quatro cantos do mundo 13.
Hotel Cassina. Álbum O Estado do Amazonas, 1899. FONTE: Instituto Durango Duarte.
No
Cassina, aliás,
se
hospedaram pessoas ilustres, de políticos a intelectuais, como o
escritor e membro da Academia Brasileira de Letras Henrique Maximiano
Coelho Netto (1864-1934), em 1899, o líder revolucionário Plácido
de Castro (1873-1908), em 1904, e o Marechal Cândido Mariano da
Silva Rondon (1865-1958), em 1906 e
em 1910,
e
o vencedor do Nobel de Fisiologia ou Medicina Charles Robert Richet
(1850-1935), em 1914.
O
antigo Hotel Cassina passou
a ser conhecido pejorativamente como Cabaré Chinelo, ponto de
referência da prostituição no Centro. Entre fins da década de
1940 e início da década de 1950 são frequentes as queixas das
famílias das redondezas da Praça Dom Pedro II, incomodadas com “o
barulho e as pornografias”
que funcionavam “até
alta madrugada, com grande barulho provocado pelos que os frequentam,
em algazarras e bebedeiras”14.
Seu
nome aparece ao lado de boates e cabarés de quinta,
como eram referenciados, tais como Carapanã
e Fortaleza 15.
Hotel Cassina. Impressões do Brazil no Século Vinte, 1913.
O
restauro do Hotel Cassina começou a ser estudado entre
as décadas de 1980 e 1990. A então Fumtur, Fundação Municipal de
Turismo, idealizou, em 1993, sua recuperação e criação de um
centro de lazer, mas
nada saiu do papel, apenas
alguns trabalhos de contenção para evitar o desabamento completo.
O Projeto Monumenta, da Prefeitura, em 2005, intentou transformá-lo
em um teatro, o que também não ocorreu. Mais recentemente, em 2018,
o Implurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) apresentou
um projeto de intervenção, aprovado pelo IPHAN, que reativa o Hotel
Cassina na condição de hotel 3 estrelas 16.
Até agora, no entanto, nenhuma movimentação ou preparo para
restauro foi vista no local, um pedaço considerável da história da
cidade que incrivelmente resiste ao desaparecimento, como se
esperasse, novamente,
viver dias de apogeu.
NOTAS:
1 Diário Oficial do Estado, 25/10/1894.
2 Diário
de Manáos, 27/12/1892.
3 Diário
Oficial, 17/07/1894.
4 Commercio
do Amazonas, 19/09/1899.
5 JÚNIOR,
Paulo Marreiro dos Santos. Glamour
e agonia na prostituição da Manaus da borracha.
Cordis. Mulheres na história, v.2, n.13, p. 17-31, jul/dez, 2014.
6 FIGUEIREDO,
Aguinaldo Nascimento. O Hotel Cassina. Revista
Amazônia Cabocla, novembro de 2017.
7 Jornal
do Comércio, 27/12/1905.
8 Jornal
do Comércio, 01/01/1922.
9 A
evolução administrativa de vários empreendimentos brasileiros,
como o Hotel Cassina, entre 1891 e 1940, pode ser vista no Almanak Laemmert, publicado
no Rio de Janeiro.
10 Jornal
do Comércio, 27/12/1905.
11 Impressões
do Brazil do Século Vinte: sua historia, seo povo, commercio,
industrias e recursos. Londres (RU), Lloyd’s Greater Britain,
1913, p. 984.
12 FREITAS,
Edezio. Guia Turistico e Comercial da Cidade de Manaus e Seus
Arredores. Manaus, Velho Lino, 1932, p. 43.
13 BRAGA,
Genesino. O ilustre hóspede do Hotel Cassina. Jornal do Comércio,
17/11/1948.
14 Jornal
do Comércio, 07/02/1956.
15 Jornal
do Comércio, 16/07/1957.
16 Projeto
de intervenção vista transformar Hotel Cassina em estabelecimento
3 estrelas. Jornal A Crítica, 14/08/2018.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
Implurb, 2015.
Biblioteca Virtual do Amazonas.
Instituto Durango Duarte.
Girlene Medeiros, G1, 2013.
Impressões do Brazil no Século Vinte, 1913. Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g47g17.htm
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