segunda-feira, 25 de março de 2019

Apogeu e Declínio do Hotel Cassina, em Manaus

Hotel Cassina. FOTO: Implurb, 2015.

O Hotel Cassina foi um dos principais hotéis de Manaus em fins do século XIX e início do XX, rivalizando com o Grande Hotel, na Avenida Sete de Setembro (o prédio abriga, nos dias de hoje, diferentes tipos de loja) e o Hotel Restaurant Français, na Avenida Eduardo Ribeiro (descaracterizado). Há mais de meio século que o prédio, localizado entre as ruas Bernardo Ramos e Governador Vitório, na Praça Dom Pedro II (antiga Praça da República), está reduzido a condição de ruínas, existindo apenas as quatro paredes e parte das armações de ferro.

Conforme anunciado na edição de 25 de outubro de 1894 do Diário Oficial do Estado do Amazonas, o italiano Andrea Cassina era proprietário do Café Restaurant Amazonense, localizado onde estava sendo construído o futuro Hotel Cassina, em frente a Praça da República (atual Praça Dom Pedro II)¹. O restaurante foi oficialmente inaugurado em 28 de outubro daquele ano. No Almanach do Amazonas de 1896, o negócio, além de restaurante, já estava funcionando como pensão, sendo informado ao público que um prédio apropriado para esse fim estava sendo construído no lugar. Em 1899 o Hotel Cassina já estava em pleno funcionamento, sendo anunciado local, nacional e internacionalmente. Seu primeiro proprietário foi o italiano Andrea Cassina, cujo nome batizou o empreendimento. Pouco se sabe sobre ele. Estabeleceu-se em Manaus no final do século XIX. Em 1891 ou 1892 adquire o Hotel do Commercio, localizado na Praça da República 2, e em 1894 a mercearia de Antonio Ribeiro, localizada na rua de São Vicente 3. Em 1899, quando teve que viajar para a Itália para cuidar da saúde, admitiu como sócio do hotel o empresário Hernani Donati, que cuidaria dos negócios até seu retorno 4. Cassina, talvez por esses problemas de saúde, faleceu em 1905.

O Hotel Cassina surge no período em que as atividades comerciais ligadas à extração do látex e comercialização da borracha começam a impulsionar o crescimento da cidade. Seus dirigentes passam a realizar grandes obras para torná-la atrativa para o estabelecimento de empresas. Afluíram a capital imigrantes de diferentes nacionalidades. Os serviços de hospedaria começavam a se tornar uma necessidade. Além do Cassina e dos já citados Grande Hotel e Hotel Restaurant Français, existiram o Hotel de França, Hotel da Madama, Grande Hotel Internacional e um sem número de pensões e cortiços, estes dois últimos geralmente frequentados e habitados por pessoas de baixo poder aquisitivo.

Mais que um hotel, também era uma casa de prostituição, mas uma ‘prostituição’ oficial, que não sofria com as sanções da municipalidade e seus Códigos de Posturas. Uma fatia considerável de seus frequentadores eram homens que geriam os negócios da cidade e que dominavam a máquina pública. Buscavam no Cassina prostitutas de luxo, as conhecidas polacas e coccotes eternizadas por uma historiografia saudosista que não se preocupou com as agonias do baixo meretrício 5. De acordo com o historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo, “nos confortáveis aposentos os magnatas da borracha ou ilustres visitantes promoviam verdadeiras orgias baconianas que incluíam inclusive leilões de virgens6.

As ruínas do Hotel Cassina vistas da rua Governador Vitório. FOTO: Girlene Medeiros, G1, 2013.

A partir de 1905 o hotel, agora Grande Hotel Cassina, passa a ser administrado por Luiz Pinto & Cia, que o reinaugurou no dia 27 de dezembro daquele ano 7. Em 1910 o negócio é comprado por Fernandes & Cia, proprietários até 1913, quando ele é adquirido pelos sócios J. C. Leitão Melita, Aurelio Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes. Nos anúncios que se seguem a 1918, surge o nome de Gomes, Telles & Cia como novos proprietários. Gomes Telles & Cia, em 1° de janeiro de 1922, abriram uma filial do Grande Hotel Cassina na rua Municipal (Avenida Sete de Setembro), na esquina com a rua Marechal Deodoro 8. Gomes, Telles & Cia, aparentemente, foram seus últimos donos 9.

Seus anúncios e álbuns nos dão uma dimensão de sua estrutura e serviços, bem como alguns aspectos de seu interior. Em 1899, ano em que o prédio e os serviços foram remodelados e melhorados, Andrea Cassina anunciava que o hotel possuía “[...] bons quartos arejados, bem mobiliados e com todas as commodidades. Salas e salões”, além de “bebidas finas e das melhores procedências. Vinhos finos e de mesa, portuguezes, francezes, italianos, hespanhóes e do reino10. No livro Impressões do Brazil no século Vinte, editado em 1913, ele é descrito da seguinte forma:

Este hotel ocupa um edifício novo, de dois andares, de alvenaria de tijolo e pedra, situado em um lado da Praça da República e com frente para duas outras ruas. A entrada principal do hotel fica fronteira ao jardim da Praça da República e a vista das janelas na fachada principal se estende pelos canteiros floridos, gramados, ornamentados por fontes e estátuas, plantas e árvores tropicais daquele belo jardim, do qual o hotel fica separado apenas pela largura da rua.

O Hotel Cassina é todo iluminado por elétrica; os banheiros com chuveiro ficam situados no primeiro andar; dispõe de 45 quartos e, em ocasiões excepcionais, tem já acomodado 100 pessoas. O salão de jantar tem capacidade para 150 pessoas, e o menu é sempre de primeira ordem, sendo o serviço do pessoal do hotel um dos melhores do Brasil. Os aposentos são amplos e bem mobiliados. O hotel tem pessoal encarregado de esperar os vapores que chegam; automóveis e carros podem ser facilmente obtidos no hotel, para qualquer hora do dia ou da noite; os tramways elétricos passam a umas 50 jardas do edifício.

Perto do hotel ficam a sede do comando militar da região e o palácio do governador do estado. Nele se têm hospedado os viajantes mais notáveis que chegam a Manaus, e o hotel tem tido referências elogiosas em vários livros publicados por viajantes europeus.

São proprietários do Hotel Cassina os srs. J. C. Leitão Melita, Aurelio Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes, sendo gerentes os dois primeiros11.

Nas fotografias desse e de outros livros e álbuns é possível ver um prédio eclético de dois andares, com pisos de madeira (material largamente utilizado em construções residencias e comerciais) e paredes revestidas com papéis com motivos florais, sustentado por colunas de ferro. O único registro de Andrea Cassina que se tem conhecimento foi produzido pelo fotógrafo italiano Vittorio Turatti em 1898, fazendo parte do álbum O Estado do Amazonas, publicado em 1899, de autoria do fotógrafo Arthuro Lucciani e do escritor Bertino de Miranda Lima.

Hotel Cassina. Álbum O Estado do Amazonas, 1899. FONTE: Biblioteca Virtual do Amazonas.

O Hotel Cassina, como pôde ser visto em sua evolução administrativa, funcionou regularmente, e também com uma filial, até a década de 1920. Ele começa, então, a desaparecer dos anunciadores e almanaques comerciais, bem como dos álbuns fotográficos. No primeiro Guia Turístico e Comercial de Manaus, publicado em 1932 por Edezio de Freitas, menciona-se que na cidade, por conta da crise financeira que atingia o Estado, não existiam hotéis que fizessem jus ao nome, mas são citados, como sendo de primeira e segunda ordem, respectivamente, o Grande Hotel, o Hotel Brasil e a Pensão Avenida. O Cassina sequer é mencionado 12. Na década de 1940 ele surge apenas na pena dos memorialistas, que lembram-se dele de forma saudosista, quando estava no auge, período em que recebia pessoas dos quatro cantos do mundo 13.

Hotel Cassina. Álbum O Estado do Amazonas, 1899. FONTE: Instituto Durango Duarte.

No Cassina, aliás, se hospedaram pessoas ilustres, de políticos a intelectuais, como o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras Henrique Maximiano Coelho Netto (1864-1934), em 1899, o líder revolucionário Plácido de Castro (1873-1908), em 1904, e o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), em 1906 e em 1910, e o vencedor do Nobel de Fisiologia ou Medicina Charles Robert Richet (1850-1935), em 1914.

O antigo Hotel Cassina passou a ser conhecido pejorativamente como Cabaré Chinelo, ponto de referência da prostituição no Centro. Entre fins da década de 1940 e início da década de 1950 são frequentes as queixas das famílias das redondezas da Praça Dom Pedro II, incomodadas com “o barulho e as pornografias” que funcionavam “até alta madrugada, com grande barulho provocado pelos que os frequentam, em algazarras e bebedeiras14. Seu nome aparece ao lado de boates e cabarés de quinta, como eram referenciados, tais como Carapanã e Fortaleza 15.

Hotel Cassina. Impressões do Brazil no Século Vinte, 1913.

O restauro do Hotel Cassina começou a ser estudado entre as décadas de 1980 e 1990. A então Fumtur, Fundação Municipal de Turismo, idealizou, em 1993, sua recuperação e criação de um centro de lazer, mas nada saiu do papel, apenas alguns trabalhos de contenção para evitar o desabamento completo. O Projeto Monumenta, da Prefeitura, em 2005, intentou transformá-lo em um teatro, o que também não ocorreu. Mais recentemente, em 2018, o Implurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) apresentou um projeto de intervenção, aprovado pelo IPHAN, que reativa o Hotel Cassina na condição de hotel 3 estrelas 16. Até agora, no entanto, nenhuma movimentação ou preparo para restauro foi vista no local, um pedaço considerável da história da cidade que incrivelmente resiste ao desaparecimento, como se esperasse, novamente, viver dias de apogeu.

NOTAS: 

1 Diário Oficial do Estado, 25/10/1894.

2 Diário de Manáos, 27/12/1892.

3 Diário Oficial, 17/07/1894.

4 Commercio do Amazonas, 19/09/1899.

5 JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Glamour e agonia na prostituição da Manaus da borracha. Cordis. Mulheres na história, v.2, n.13, p. 17-31, jul/dez, 2014.

6 FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. O Hotel Cassina. Revista Amazônia Cabocla, novembro de 2017.

7 Jornal do Comércio, 27/12/1905.

8 Jornal do Comércio, 01/01/1922.

9 A evolução administrativa de vários empreendimentos brasileiros, como o Hotel Cassina, entre 1891 e 1940, pode ser vista no Almanak Laemmert, publicado no Rio de Janeiro.

10 Jornal do Comércio, 27/12/1905.

11 Impressões do Brazil do Século Vinte: sua historia, seo povo, commercio, industrias e recursos. Londres (RU), Lloyd’s Greater Britain, 1913, p. 984.

12 FREITAS, Edezio. Guia Turistico e Comercial da Cidade de Manaus e Seus Arredores. Manaus, Velho Lino, 1932, p. 43.

13 BRAGA, Genesino. O ilustre hóspede do Hotel Cassina. Jornal do Comércio, 17/11/1948.

14 Jornal do Comércio, 07/02/1956.

15 Jornal do Comércio, 16/07/1957.

16 Projeto de intervenção vista transformar Hotel Cassina em estabelecimento 3 estrelas. Jornal A Crítica, 14/08/2018.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Implurb, 2015.
Biblioteca Virtual do Amazonas.
Instituto Durango Duarte.
Girlene Medeiros, G1, 2013.
Impressões do Brazil no Século Vinte, 1913. Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g47g17.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário